235 - Aspectos gerais dos direitos da personalidade

 
THIAGO BALDANI GOMES DE FILIPPOJuiz de Direito
 


SUMÁRIO: Introdução; 1. Dignidade da pessoa humana como valor maior do ordenamento jurídico pátrio; 2. Direitos da personalidade: conceito e delimitação do tema; 2.1. Breve escorço inicial; 2.2. Direitos da personalidade e liberdades públicas; 2.3. Natureza jurídica; 2.4. Conceitos e teorias monista e pluralista; 2.5. Titularidade; 3. Características gerais dos direitos da personalidade; 4. Tutela dos direitos da personalidade; Considerações finais.

 

RESUMO: Este presente trabalho refere-se à dignidade da pessoa humana como valor maior de todo o sistema jurídico, analisando brevemente os motivos que conduziram à mencionada afirmação. Posteriormente, alude-se aos direitos fundamentais e suas espécies, como ponto introdutório de ingresso no tema dos direitos da personalidade. Quanto a este, procura-se discorrer acerca de sua natureza jurídica, firmando-o como verdadeiro direito subjetivo. Passa-se, em seguida, a abordagens atinentes a conceitos e teorias relativas ao tema, titularidade e características gerais. Ao final, são realizadas considerações acerca de sua eficaz proteção, nos termos dos princípios constitucionais.

 

ABSTRACT: This present work concerns human dignity as major value of law system, with a brief analysis on reasons which had conducted to this affirmation. Later, there are comments about fundamental rights and their species, as an introductory point on the theme called rights of personality. Concerning this subject, it is aimed do dissert about its juridical nature, establishing them as real subjective right. After, there are considerations on concepts and theories of the present theme, ownership and general characteristics. At the end, comments are done about efficient protection, according to constitutional principles.

 

PALAVRAS-CHAVE: dignidade humana. direitos fundamentais. direitos da personalidade. tutela.

 

KEY WORDS: human dignity. fundamental rights. rights of personality. protection.

 

 

Introdução 

                       

A Constituição da República de 1988, orientada por valores ético-jurídicos, previu a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito pátrio, a teor de seu art. 1º, inc. III. Como decorrência disso, trouxe considerável rol de direitos fundamentais, em seu Título II (arts. 5º a 17). Dentre os direitos fundamentais, destacam-se os direitos e garantias individuais e coletivos, também chamados de direitos fundamentais de defesa ou, simplesmente, liberdades públicas, previstos no artigo 5º, da Lei Maior. Atendendo, pois, aos reclames de constitucionalização do direito privado e a máxima de maior efetividade possível aos direitos fundamentais, o Código Civil de 2002 houve por bem trazer em seu bojo (arts. 11 a 21) a previsão desses direitos, sob o enfoque, pois, de sua aplicabilidade em relações jurídicas provadas, denominando-os “direitos da personalidade”.

                  

Pretende-se, pois, com o presente trabalho, situar-se mencionados direitos em cotejo com a sistemática constitucional, analisando-se suas características básicas para, ao final, tecer considerações acerca da tutela efetiva desses direitos, em observância aos ditames da Lei Maior.

 

 

1. Dignidade da pessoa humana como valor maior do ordenamento jurídico pátrio 

                       

Apesar de a idéia de dignidade da pessoa humana ter sido firmada, na atualidade, como valor maior do ordenamento jurídico das civilizações ocidentais, conforme pondera Nelson Rosenvald, três momentos tiveram contribuição essencial para a concepção atual da dignidade humana: o Cristianismo, o kantismo e a Segunda Guerra Mundial (2005, p. 1).

                  

Pondera-se que, antes do advento de Jesus Cristo, no Livro de Gênesis, o homem já era revelado como imagem e semelhança de Deus. No Capítulo 1 do mencionado livro, Deus, após ter criado, pelo simples poder da palavra, mediante ordens dadas ao vácuo, a luz (versículo 3), o firmamento (versículo 7), os “luzeiros” (versículo 14) e os seres viventes (versículos 20, 24 e 25), o Criador, em um indicativo da existência da Santíssima Trindade, estabeleceu, valendo-se da terceira pessoa do plural: “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; tenha ele domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra” (versículo 26). Fala-se, pois, em pecado, justamente quando o homem não corresponde aos anseios do Criador, renegando a dignidade que lhe foi atribuída.

                  

Emmanuel Kant, por sua vez, ao ditar as fórmulas de imperativo categórico: “age de tal forma que a máxima de teu agir possa ser elevada a uma lei universal de conduta” e “age de tal forma que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre como um fim e nunca unicamente como um meio”, também assinala (2000, p. 134):

 

No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode pôr-se em vez dela qualquer outra como equivalente; mas, quando uma coisa está acima de todo o preço e, portanto, não permite equivalente, então tem ela dignidade. 

                  

Afirma ainda o autor que os valores cristãos e o pensamento kantiano não foram suficientes para obstar “...a instrumentalização do ser humano e o seu total aviltamento no Estado nazista” (2005, p. 4).

                  

Celso Lafer, na esteira do pensamento de Hannah Arendt menciona (2006, p. 133)

 

A tese de que os indivíduos não têm direitos mas apenas deveres em relação à coletividade, na medida em que estes deveres são estipulados ex parte populis, sem um controle e uma participação de cunho democrático, levou, no totalitarismo, à negação do valor da pessoa humana enquanto “valor-fonte” da ordem jurídica 

                   ]

Com precisão, Nelson Rosenvald (2005, p. 6) sustenta não ter sido por acaso, pois, a concepção presente da dignidade humana fundou-se na Alemanha. Pondera o autor que, com inspiração em Kant, a Lei Fundamental de Bonn, de 1949, imposta pelas grandes potências do Estado alemão após a Segunda Guerra Mundial, estabelece, em seu art. 1º, parágrafo 1º, frase 1, que “a dignidade do homem é intangível. Respeitá-la e protegê-la é obrigação de todos os poderes estatais”.

                  

Mencionado princípio também se encontra estampado no art. 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, o qual determina: “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”.

                       

O princípio da dignidade da pessoa humana, veiculado pelo artigo 1º, inciso III, da Constituição da República, como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito é, em verdade, o postulado maior do sistema.

                  

Gilmar Mendes, Inocêncio Coelho e Paulo Gonet, reconhecem-na como um “valor pré-constituinte e de hierarquia supraconstitucional” (2008, p. 150), na esteira de José Afonso da Silva, afirmando que a dignidade da pessoa humana jamais será uma criação constitucional, mas um conceito a priori que preexiste a toda experiência especulativa (1998, p. 91).

                  

Alexandre de Moraes adverte com maestria (2007, p. 129):

 

A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente a pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.  

                  

Constata-se, pois, estreita ligação entre a dignidade da pessoa humana e os direitos da personalidade, também chamados pela doutrina, conforme observa Roberto Senise Lisboa, de “direitos essenciais, direitos fundamentais, direitos personalíssimos, direitos naturais da pessoa, e assim por diante” (2004, p. 246).

                  

Nesse sentido, Nelson Rosenvald arremata (2005, p. 32):

 

Nesse momento, constatamos a íntima vinculação entre a dignidade do ser humano e os direitos da personalidade. São valores umbilicalmente atrelados, indissociáveis. Com efeito, a dignidade é o coração dos direitos da personalidade e o elemento capaz de justificar a existência de uma teoria que os unifique. Há que se enfatizar que a dignidade da pessoa humana é fonte simultânea de direitos humanos e de direitos da personalidade. Fechando o ciclo evolutivo, ambos, quando positivados, convertem-se em direitos fundamentais de igual conteúdo. Com modo e intensidade variáveis, serão eles de alguma maneira reconduzidos à idéia primária de dignidade, como última instância de proteção a todo ser humano. 

                  

Necessário fazem-se os presentes apontamentos iniciais, posto que a dignidade humana é vista como núcleo dos direitos da personalidade, consubstanciando-se, pois, além de alicerce, em vetor interpretativo obrigatório a fim de conferir-lhes legitimidade.

                       

 

2. Direitos da personalidade: conceito e delimitação do tema

 

2.1. Breve escorço inicial 

                  

O Direito Romano não tratou dos direitos da personalidade, consoante a acepção que hoje é conhecida. Ao contrário, deixou de valorizar a pessoa humana enquanto tal, deslocando a tutela jurídica para o campo patrimonial.

                  

Bem por isso, admitia que as pessoas chegassem à escravidão por diversas vias. Com propriedade, José Cretella Júnior (1997, p. 91-92), salientou que se chegava à situação de situação de escravo pelo nascimento, donde imperava o princípio: “filho de escrava, escravo é”. Porém, adquiria-se mencionada condição por fatos posteriores ao nascimento. Nos dizeres do autor (1997, p. 92):

 

Chega-se à escravidão pelo cativeiro (inimigos aprisionados ficam escravos do Estado romano, sendo vendidos aos particulares); pela deserção (o soldado desertor fica escravo); pela negligência ao não inscrever-se nos registros do censo (o incensus, isto é, pessoa que esquece de inscrever-se no censo, é vendido pelo Estado romano, como escravo); pela insolvência (quem deixa de pagar as dívidas e é condenado – addictus –, cai nas mãos do credor que pode vendê-lo); pela prisão em flagrante (o fur manifestus é vendido pela vítima do furto). 

 

                  

O tema em pauta é relativamente recente. Conforme mencionado acima, pois, o advento do Cristianismo, dos ideais de Kant e do fim da Segunda Guerra Mundial, tiveram contribuição essencial para a compreensão da dignidade da pessoa humana como o é nos dias atuais.

                  

Com peculiar clareza, Willis Santiago Guerra filho tece as seguintes considerações ao princípio em tela (2003, p. 49):

 

Dentre os “princípios fundamentais gerais”, enunciados no art. 1º da Constituição de 88, merece destaque especial aquele que impõe o respeito à dignidade da pessoa humana. O princípio mereceu formulação clássica na ética kantiana, precisamente na máxima que determina aos homens, em suas relações interpessoais, não agirem de molde a que o outro seja tratado como objeto, e não como igualmente um sujeito. Esse princípio demarcaria o que a doutrina constitucional alemã, considerando a disposição do art. 19 II da Lei Fundamental, denomina de “núcleo essencial intangível” dos direitos fundamentais (cf., v.g., STEIN, 1982, p. 258 s.; VIEIRA DE ANDRADE, 1987, p. 233 s.; OTTO Y PARDO, 1988, p. 125 s.). Entre nós, ainda antes de entrar em vigor a atual Constituição, a melhor doutrina já enfatizava que “o núcleo essencial dos direitos humanos reside na vida e na dignidade da pessoa” (COMPARATO, 1989, p. 46). Os direitos fundamentais, portanto, estariam consagrados objetivamente em “princípios constitucionais especiais”, que seriam a “densificação” (CANOTILHO) ou “concretização” (embora ainda em nível extremamente abstrato) daquele “princípio fundamental geral”, de respeito à dignidade humana.  

                       

Há que se compreender, pois, que o postulado da dignidade da pessoa humana marca a intangibilidade desta e implica, pois, no “núcleo duro” em torno do qual gravitam todos os direitos fundamentais, dos quais são espécies as liberdades públicas. Estas, aplicáveis às relações jurídicas privadas, assumem o enfoque de direitos da personalidade, inseridos, de forma inédita, pela codificação privada, a fim de lhes conferir maior efetividade e concretude, em obediência, pois, aos reclames do art. 5º, parágrafo 1º, da Constituição, como será visto a seguir.

 

 

2.2. Direitos da personalidade e liberdades públicas 

                  

Apesar de intrinsecamente vinculados, os direitos da personalidade não podem ser confundidos com liberdades públicas. Estas possuem a natureza de elementos limitativos ao Estado, funcionando como uma blindagem às práticas estatais arbitrárias. Bem por isso, consoante a acepção de Jellinek, citado por Gilmar Mendes, Inocêncio Coelho e Paulo Gonet, são “direitos fundamentais de defesa” (2008, p. 255). Exigem, pois, um non facere por parte do Estado. São, basicamente, os direitos e garantias individuais e coletivos trazidos à baila pelo artigo 5º, da Constituição da República.

                  

Os direitos da personalidade, por sua vez, têm a gênese dos direitos fundamentais. No entanto, são objeto de estudo do direito privado, implicando em um non facere não ao Estado, mas aos particulares em geral. São fruto, pois, da chamada “eficácia privada dos direitos fundamentais”. Ressaltam Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins (2006, p. 107):

 

Os direitos fundamentais que de forma imediata vinculam o Estado trazem também conseqüências a outros titulares pela via indireta da apreciação dos conflitos que envolvem uma questão relativa a direitos fundamentais por parte do Poder Judiciário. Além do dever de observar a esfera de liberdade individual garantida pelo direito fundamental, o Estado tem o dever de proteger os direitos contra agressões oriundas de particulares. Esse é o espírito que norteia a teoria e dogmática do efeito horizontal e do dever estatal de tutela 

                  

Inserido ainda nesta perspectiva, em artigo intitulado “A incorporação dos Direitos Fundamentais pelo Ordenamento Brasileiro: Sua eficácia nas Relações Jurídicas Privadas”, publicado no periódico “Revista Jurídica”, de número 341, de março de 2006, Gustavo Tepedino assim enuncia (2006, p. 15):

 

O reconhecimento da força normativa dos princípios constitucionais e dos preceitos internacionalmente recebidos pelo Estado brasileiro torna-se método indispensável para a abertura do horizonte de proteção dos direitos humanos, especialmente nas relações jurídicas de direito privado, em cujo domínio seria impossível ao legislador disciplinar todas as situações em que a pessoa humana demanda proteção específica na sociedade tecnológica. 

                  

Determinada perspectiva encontra-se em consonância, inclusive, com o princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais. Por meio dele, as normas definidoras de direitos fundamentais devem ser interpretadas e aplicadas em sua máxima efetividade possível, a fim de promover a tutela desses direitos da melhor forma. Em outras, diante de normas polissêmicas, deve o intérprete valer-se daquela que se afigure em maior garantia à pessoa humana. Ensina Luís Roberto Barroso (2008, p. 374):

 

O intérprete constitucional deve ter compromisso com a efetividade da Constituição: entre interpretações alternativas e plausíveis, deverá prestigiar aquela que permita a atuação da vontade constitucional, evitando, no limite do possível, soluções que se refugiem no argumento da não-aplicabilidade da norma ou na ocorrência de omissão do legislador. 

                  

Ademais, não se pode perder de vista que a previsão desses direitos no ordenamento visa a conferir maior eficácia, até mesmo, à norma-princípio do parágrafo 1º, do artigo 5º, da Constituição da República que, apesar de bastar-se por si só, adquire inegável amplitude ao ser aplicada às relações jurídicas privadas, sendo condicionante da exigência legítima de um non facere de particulares.

                  

Com propriedade, escreve Vladimir Brega Filho (2002, p. 56):

 

Não podemos admitir que na Constituição existam normas destituídas de eficácia. Retirar-se a eficácia das normas constitucionais é fraudar a Constituição, é violar a vontade do constituinte e conseqüentemente o povo

 

2.3. Natureza jurídica 

                  

Tradicionalmente, personalidade é compreendida como a capacidade de direito ou de gozo de a pessoa ser titular de direitos e obrigações na ordem civil. Trata-se, pois, de atributo inerente a toda a pessoa, desde o seu nascimento com vida. É o que se extrai dos dois primeiros artigos do Código Civil. Personalidade é, pois, a qualidade do ente enquanto pessoa; isto é, enquanto sujeito de direitos e não objeto de direitos, consoante acepção negativa de obediência aos reclames do princípio da dignidade da pessoa humana, defendido por Kant, conforme mencionado acima e, atualmente, vetor de nossa Constituição da República.

                  

Conforme alude Gustavo Tepedino (2004, p. 25), por muito tempo houve divergência doutrinária quanto à natureza e conteúdo dos direitos da personalidade. A corrente negativista refutava sua natureza de direito subjetivo, uma vez que o objeto jurídico seria a própria pessoa, o que justificaria, em tese, o próprio suicídio. Tratou-se da corrente sustentada por Roubier, Unger, Dabin, Savigny, Thon, Von Thur, Iellinek, dentre outros.

                  

Entretanto, atualmente encontra-se assente que os direitos da personalidade são, de fato, verdadeiros direitos subjetivos de se defender o que lhe é próprio, legitimado por uma valoração socialmente útil, por se tratar de exercício de defesa de bens considerados fundamentais e inatos à própria existência humana.

 

2.4. Conceitos e teorias monista e pluralista                 

        

Em linhas gerais, pois, porém, de forma singela, os direitos da personalidade, na visão de Francisco Amaral, podem ser conceituados como “os direitos subjetivos que têm por objeto os bens e valores essenciais da pessoa, no seu aspecto físico, moral e intelectual” (1996, p. 245).

                  

Para Roberto Senise Lisboa, trata-se de “direitos intrínsecos ao ser humano, considerado em si mesmo e em suas projeções ou exteriorizações para o mundo exterior” (2004, p. 246).

                  

Traçadas tais considerações quanto à natureza jurídica dos direitos da personalidade, importante ressaltar a existência das teorias pluralista e monista, quanto ao presente tema.

                  

De acordo com a primeira, os direitos da personalidade são vistos sob uma perspectiva plural, necessitando estar tipificados na legislação. Desse modo, direitos não reconhecidos no sistema, de forma expressa, não podem ser tutelados juridicamente.

                  

Para a teoria monista, ao revés, existe, em verdade, um único direito da personalidade, o qual abrangeria uma infinidade de situações multifacetárias. Piero Perlingieri , citado por Nelson Rosenvald, nesse sentir, critica a expressão “direitos da personalidade”, defendendo a existência de uma cláusula geral de tutela da pessoa humana na ótica de um direito geral de personalidade (2005, p. 28).

                  

Ao que parece, a teoria monista é a mais consentânea com a efetiva proteção que se espera. Com efeito, a pessoa humana deve ser a tônica de todo o sistema, tendo, pois, o Estado Democrático de Direito, na garantia de sua dignidade um de seus fundamentos.

                  

Ademais, a acepção monística atende mais satisfatoriamente aos reclames das idéias pós-positivistas, assim entendidas como aquelas que, conforme alude Luís Roberto Barroso, promovem a “...ascensão de valores, o reconhecimento da normatividade dos princípios e a essencialidade dos direitos fundamentais”. (2008, p. 342).

                  

Esta parece ter sido a tônica do Código Civil vigente que, em meio a previsões de certas espécies de direitos da personalidade, logo em seu artigo 12 teria passado prever a cláusula geral de tutela à personalidade, conforme salienta Nelson Rosenvald (2005, p. 30).

                  

Nesse sentido, o Enunciado 5 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na I Jornada de Direito Civil rege que:

 

1. As disposições do art. 12 têm caráter geral e aplicam-se inclusive às situações previstas no art. 20, excepcionados os casos expressos de legitimidade para requerer as medidas nele estabelecidas; 2. As disposições do CC 20 têm a finalidade específica de regrar a projeção dos bens personalíssimos nas situações nele enumeradas. Com exceção dos casos expressos de legitimação que se conformarem com a tipificação preconizada nessa norma, a ela podem ser aplicadas subsidiariamente as regras instituídas no art. 12. 

                  

Em consonância com o enunciado supra, apesar de ter havido um estreitamento do rol dos legitimados ativos para a propositura de ação visando à tutela dos interesses referentes à divulgação de escritos, transmissão da palavra, ou a publicação, exposição ou utilização da imagem de uma pessoa, no mais, aplica-se na inteireza as demais regras contidas no bojo do artigo 12, do Código Civil, no que concerne às técnicas de tutela específica, tratadas, genericamente, no artigo 461, do Código de Processo Civil ou, ainda, no que diz respeito à tutela reparatória, com supedâneo no dever geral de indenizar, nos termos dos artigos 186 e 927, caput, ambos do Código Civil.

                  

Entende-se, pois, ser viável a previsão de direitos da personalidade na legislação infraconstitucional, como o faz o Código Civil, em seus artigos 11 a 21. Isto para que haja maior densidade normativa e concretude, visando a implementar da melhor forma o postulado da dignidade da pessoa humana. É que, apesar deste princípio ser vetor impositivo e condicionante de legitimidade de interpretação e aplicação das demais regras jurídicas e possível prevalente quando colidir com outro princípio, em verdade, faz-se salutar a existência de suas concretizações no ordenamento jurídico, por possuir cunho abstratíssimo.

 

2.5. Titularidade 

                  

Apesar de, por excelência, tratar-se de direitos existentes na esfera jurídica de seres humanos, pessoas físicas, nada impede que a pessoa jurídica seja titular de direitos da personalidade. Nesse sentido, ponderam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (2005, p. 182):

 

A lei garante às pessoas jurídicas, quanto aos direitos da personalidade, o mesmo tratamento que dá às pessoas naturais (CC 52). A jurisprudência predominante no STJ reconhece a indenizabilidade do dano moral sofrido por pessoa jurídica.  

                  

O Egrégio Superior Tribunal de Justiça, de fato, por meio do Enunciado de Súmula n. 227 pacificou entendimento que a pessoa jurídica pode sofrer dano moral, conseqüência natural ao reconhecimento de sua titularidade de direitos da personalidade.

                  

No entanto, pondera-se, que o próprio artigo 52, do Código Civil, determinou a aplicação dos direitos da personalidade às pessoas jurídicas, no que couber.

                  

Ora, é reconhecida a divisão que a doutrina pátria estabelece, quanto ao direito à honra, entre honra-subjetiva e honra-objetiva. Guilherme de Souza Nucci oferece preciosa distinção (2003, p. 461):

 

Honra objetiva é o julgamento que a sociedade faz do indivíduo, vale dizer, é a imagem que a pessoa possui no seio social (...), é a boa imagem que o sujeito possui diante de terceiros. Honra subjetiva é o julgamento que o indivíduo faz de si mesmo, ou seja, é um sentimento de auto-estima, de auto-imagem. É inequívoco que cada ser humano tem uma opinião afirmativa e construtiva de si mesmo, considerando-se honesto, trabalhador, responsável, inteligente, bonito, leal, entre outros atributos. Trata-se de um senso ligado à dignidade (respeitabilidade ou amor-próprio) ou ao decoro (correção moral)   

                  

Pois bem. Dito isto, cumpre precisar que as pessoas jurídicas, entes cuja realidade trata-se de uma ficção legal, não possuem honra subjetiva. Desse modo, não possuem dignidade (respeitabilidade ou amor-próprio), tampouco decoro (correção moral ou compostura). Trata-se de atributos inerentes à própria pessoa humana. No entanto, é inegável que possuam honra, em sua acepção objetiva, pois, invariavelmente, goza de uma imagem no meio social, uma reputação. Assim, apenas neste último caso, às pessoas jurídicas é franqueado pelo ordenamento interesse de agir.

                  

Desse modo, apesar de a tônica deste trabalho voltar-se para os direitos da personalidade, analisados sob à luz de um enfoque de titularidade de pessoas humanas, deve-se entender que o mencionado também se aplica às pessoas jurídicas, no que couber.

 

 

2. Características gerais dos direitos da personalidade                  

                 

O Código Civil de 2002 trata dos direitos da personalidade nos artigos 11 a 21. Regula, basicamente, os atos de disposição do próprio corpo (arts. 13 e 14), o direito à não submissão a tratamento médico de risco (art. 15), o direito ao nome e ao pseudônimo (arts. 16 a 19), a proteção à palavra e à imagem (art. 20) e a proteção à intimidade (art. 21).

                  

Plausível mesmo que se entenda que aludido rol é meramente exemplificativo, afastando-se a teoria pluralista. Na codificação privada não foram tratados certos temas, como o biodireito. Aludido assunto é, atualmente, tratado pela Lei de Biossegurança, ainda que de forma superficial (Lei n. 11.105/2005). Preconiza-se, pois, a indispensabilidade de estatuto próprio a fim de tratar do tema, como já restou assentado no Enunciado 2 do Conselho da Justiça Federal:

 

Sem prejuízo dos direitos da personalidade nele assegurados, o art. 2º do Código Civil não é sede adequada para questões emergentes da reprogenética humana, que deve ser objeto de estatuto próprio 

                  

De modo geral, pois, os direitos da personalidade possuem algumas características que lhe são próprias, a saber: são direitos inatos, ilimitados, absolutos, intransmissíveis, irrenunciáveis, imprescritíveis, impenhoráveis e extrapatrimoniais.

                  

São direitos inatos, pois são atribuídos à pessoa desde o exato instante de seu nascimento, não podendo prever a lei qualquer outro requisito necessário à sua aquisição, sob pena de inconstitucionalidade nomoestática (material).

                  

Os direitos da personalidade também são direitos ilimitados, sendo de sua própria natureza a impossibilidade de limitação voluntária. Nesse sentido, declara o art. 11, Código Civil. Observa-se, no entanto, quanto a esse aspecto, que há entendimento preponderante no sentido da possibilidade da limitação, em certos casos, desde que não haja abuso de direito, não lese a boa-fé, nem os bons costumes. É o que se extrai do Enunciado 139 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na III Jornada de Direito Civil, bem como do Enunciado 4, aprovado na I Jornada: “O exercício dos direitos da personalidade pode sofrer limitação voluntária, desde que não seja permanente nem geral”.

                  

Outra característica é o fato de serem absolutos. Isto porque são oponíveis erga omnes, em atenção, inclusive, ao princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais. Ressalta-se, assim, que aludida característica não deve ser entendida sob o enfoque da impossibilidade de cedência recíproca ou ilimitação concreta, posto que, como restou pacificado, até mesmo o mais elementar dos direitos, como o direito à vida, pode sofrer limitações em situações excepcionalíssimas, como no caso de guerra declarada (art. 84, CF) e nas hipóteses permissivas de aborto (arts. 124 a 126, do Código Penal).

                  

A intransmissibilidade e a irrenunciabilidade são outras qualidades. Os direitos da personalidade não podem ser objeto de cessão, onerosa ou gratuita, uma vez que se trata de direitos inerentes à própria qualidade de ser humano. Entretanto, esta afirmação também deve ser vista com parcimônia, pois, em certos casos, admite-se a cessão de certos direitos patrimoniais decorrentes da imagem ou, também, a cessão gratuita de partes do corpo, desde que para fins científicos ou altruísticos, nos termos do art. 14, Código Civil.

                  

A qualidade da irrenunciabilidade advém do caráter de ordem pública que permeia essa espécie de direito. Assim, qualquer contrato que objetive a renúncia a qualquer direito da personalidade é nulo de pleno direito.

                  

A imprescritibilidade é outra marca dos direitos em pauta. Dessa forma, o não exercício de um direito da personalidade não implica em perdimento do exercício da pretensão judicial de defendê-lo. No entanto, a partir do momento de sua violação, a teor do artigo 398, Código Civil, surge ao interessado o prazo de 03 anos para o exercício dessa pretensão em Juízo, nos termos do art. 205, parágrafo 3º, inc. V, do Código Civil.

                  

Cumpre ressaltar, no entanto, que, apesar de a posição acima ser entendimento preponderante na doutrina e jurisprudência nacionais, há forte tendência atual de compreensão pela imprescritibilidade do exercício da pretensão de reparação do dano moral, pois se trataria de entendimento mais condizente com a valorização da dignidade da pessoa humana. Nesse sentir, vale transcrever o seguinte acórdão do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

 

Conforme restou concluído por esta Turma, por maioria, no julgamento do Recurso Especial 602.237/PB, de minha relatoria, em se tratando de lesão à integridade física, que é um direito fundamental, ou se deve entender que esse direito é imprescritível, pois não há confundi-lo com seus efeitos patrimoniais reflexos e dependentes, ou a prescrição deve ser a mais ampla possível, que, na ocasião, nos termos do artigo 177 do Código Civil então vigente, era de vinte anos. Recurso Especial provido, para afastar a ocorrência da prescrição qüinqüenal do direito aos danos morais e determinar o retorno dos autos à Corte de origem para que sejam analisadas as demais questões de mérito (STJ, Resp 462840/PR; Recurso Especial 2002/0107836-5, Rel. Ministro Franciulli Netto (1117), Segunda Turma, j. 02.09.2004, DJ 13.12.2004, P. 283) 

                  

Os direitos da personalidade, ainda, são impenhoráveis. Conforme salienta Luiz Edson Fachin (2001, p. 220):

 

A jurisprudência e legislação vão, progressivamente, reconhecendo que a base dos valores nucleares do sistema jurídico suscita soluções diferenciadas no tratamento do acervo patrimonial. A noção de impenhorabilidade é um desses traços contemporâneos. Sem invalidar o legítimo interesse dos credores, a impenhorabilidade desloca-se do campo dos bens a tutela jurídica, direcionando-a para a pessoa do devedor, preenchidas as condições prévias necessárias 

              

Finalmente, a extrapatrimonialidade é outra marca desses direitos. Nesse sentido, os direitos da personalidade não apresentam valoração econômica imediata. Apenas quando violados é que dão azo à reparação do dano moral, fixado segundo o prudente arbítrio do magistrado. No entanto, podem ser tutelados de forma específica, isto é, pode-se exigir do réu um fazer ou não fazer, nos termos do art. 461, do Código de Processo Civil.

 

 

3. Tutela dos direitos da personalidade                       

Etimologicamente, tutelar significa proteger, defender, amparar. Por “tutela dos direitos da personalidade” entende-se a maneira pela qual mencionado feixe de direitos deve ser protegido pelo ordenamento.

                  

A tutela, pois, deve ser prestada da maneira mais eficaz possível. Assim somente o será quando puder satisfazer à altura os reclames ditados pelo Direito Positivo, notadamente iluminado por idéias pós-positivistas, conforme salientado acima. Isto porque o processo não basta por si só. Ao revés, somente será idôneo e eficaz se observar os princípios deontológicos do processo, de lastro constitucional e cunho abstratíssimo. Assim o fazendo, será ele, o processo, reduzido à compreensão de se tratar de um simples meio, um verdadeiro instrumento à realização dos interesses legítimos dos cidadãos.

                  

Sob esse enfoque, Cândido Rangel Dinamarco sustenta que (2005, p. 24):

 

A negação da natureza e objetivo puramente técnicos do sistema processual é ao mesmo tempo afirmação de sua permeabilidade aos valores tutelados na ordem político-constitucional e jurídico-material (os quais buscam efetividade através dele) e reconhecimento de sua inserção no universo axiológico da sociedade a que se destina. 

 

                  

E ainda prossegue o mesmo autor (2005, p. 25):

 

A visão instrumental que está no espírito do processualista moderno transparece, também, de modo bastante visível, nas preocupações do legislador brasileiro da atualidade, como se vê na Lei dos Juizados Especiais, na Lei da Ação Civil Pública, no Código de Defesa do Consumidor e no Código de Defesa da Criança e do Adolescente (medidas destinadas à efetividade do processo) (...) Aprimorar o serviço jurisdicional prestado através do processo, dando efetividade aos seus princípios formativos (lógico, jurídico, político, econômico), é uma tendência universal, hoje. 

                  

Nesse diapasão, conforme já mencionado, tem-se que o art. 12, do Código Civil, encerra verdadeira cláusula geral de tutela aos direitos da personalidade. Bem por isso, deve ser interpretado e aplicado em sua máxima efetividade possível, notadamente em cotejo com o art. 461, do Código de Processo Civil. Nesse sentido, o Enunciado 140 do Conselho da Justiça Federal: “A primeira parte do art. 12 do Código Civil refere-se a técnicas de tutela específica, aplicáveis de ofício, enunciadas no art. 461 do Código de Processo Civil, devendo ser interpretada como resultado extensivo”.

                  

De modo a conceituarem tutela inibitória, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery escrevem (2006, p. 586):

 

Tutela inibitória. Destinada a impedir, de forma imediata e definitiva, a violação de um direito, a ação inibitória, positiva (obrigação de fazer) ou negativa (obrigação de não fazer), ou, ainda, para a tutela das obrigações de entrega de coisa (CPC 461-A), é preventiva e tem eficácia mandamental. A sentença inibitória prescinde de posterior e seqüencial processo de execução para ser efetiva no mundo fático, pois seus efeitos são de execução lato sensu (Nery, Prefácio ao livro de Spadoni, Ação inibitória, p. 9). É forma de tutela preventiva (tutela cautelar, tutela antecipada e tutela inibitória), com ela não se confundindo. Seu objetivo é “impedir, de forma direta e principal, a violação do próprio direito material da parte. É providência judicial que veda, de forma definitiva, a prática de ato contrário aos deveres estabelecidos pela ordem jurídica, ou ainda sua continuação ou repetição” (Spadoni, Ação inibitória, n. 1.2.3., PP. 29/30). O objetivo da inibitória é evitar que o ilícito corra, prossiga ou se repita (Marinoni, Tut. Inibitória, n. 3.5, p. 41)                             

                  

Luis Guilherme Marinoni, tecendo considerações sobre essa espécie de tutela, assevera (2006, p. 439):

 

Trata-se de uma forma de tutela jurisdicional imprescindível dentro da sociedade contemporânea, em que se multiplicam os exemplos de direitos que não podem ser adequadamente tutelados pela velha forma do equivalente pecuniário. A tutela inibitória, em outras palavras, é absolutamente necessária para a proteção dos chamados novos direitos 

               

Tem-se que, inegavelmente, dentre esses chamados “novos direitos” incluem-se dos direitos da personalidade os quais, por guardarem estreita pertinência com a dignidade da pessoa humana, devem ser protegidos da melhor forma possível. Incluem-se, pois, nesta proteção, medidas tendentes a impedir que a lesão “venha a ocorrer, prossiga ou se repita”, mediante a utilização de medidas de coerção, tal como a multa ou uma ordem, sob pena de cometimento de crime de desobediência, ou, até mesmo, medidas de sub-rogação, como o é a busca e apreensão, a remoção de pessoas ou coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividades nocivas, aplicáveis de ofício pelo juiz, inclusive.

                  

Pondera-se, ainda, que, a teor do art. 12, do Código Civil, ladeado à possibilidade de busca de tutela inibitória, o sistema jurídico pátrio também franqueia ao interessado a possibilidade de pleitear a reparação do dano moral que acredite ter sofrido. Dano moral é, pois, o resultado da lesão a um direito da personalidade. Em virtude de sua característica própria da extrapatrimonialidade, conforme aludido acima, os direitos da personalidade não possuem conteúdo econômico direto, imediato. Entretanto, a partir do momento que forem violados dão azo à reparação do dano sofrido. No tocante ao quantum a ser arbitrado, não se tem admitido a chamada “tarifação do dano moral”, devendo o magistrado decidir, caso a caso, o valor que julgar adequado, mediante razoabilidade, sempre de modo a não causar um enriquecimento sem causa a quem o recebe, tampouco indevido empobrecimento a quem o paga, considerando-se, em todo o caso, que “a indenização mede-se pela extensão do dano”, nos termos do art. 944, caput, do Código Civil, bem como ao fato de o valor a ser pago se afigure, de igual modo, como uma reprimenda, uma verdadeira punição, a fim de que aquele não volte a praticar o ato ilícito, mormente em se tratando de grandes fornecedores de produtos ou serviços; isto nos termos da teoria dos punitive damages in torts, advinda do direito norte-americano. Nesse sentido, Marcius Porto assinala que (2007, p. 277): “não há critérios determinados e fixos para a quantificação do dano moral. Recomendável que o arbitramento seja feito com moderação e atendendo às peculiaridades do caso concreto”.

                  

Nesse particular, já decidiu o Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

 

Tratando-se de indenização por danos morais, o valor a ser fixado, segundo o arbítrio do juiz, deve ser tal que, além de indenizar a vítima, sem provocar seu enriquecimento sem causa, sirva para apenar o infrator de forma a inibir a reincidência na conduta averbada de indevida (Ap. 1.143.975-9 – 7ª Cam. de Férias – j. 29.07.2003 – rel. Juiz Waldir de Souza José – RT 822/263

                  

Posto isto, quer seja por meio da tutela específica, quer seja por meio da chamada “tutela pelo equivalente monetário” (MARINONI; ARENHART, 2006, p. 454-455), extrai-se, em todo o caso, a importância do Poder Judiciário, consoante a concepção de garantidor maior da concretização da dignidade humana, mediante a adoção de uma postura inflexível de respeito aos direitos fundamentais e, sob a ótica de relações privadas, dos direitos da personalidade, observando-se invariavelmente, é claro, as hipóteses possíveis de colisão de princípios (antinomia imprópria), imbuído do intuito inarredável de sempre decidir com eqüidade.

                  

Com propriedade, sobre a mencionada importância do Poder Judiciário, escreve Ingo Wolfgang Sarlet (2005, p. 369):

 

No que concerne à vinculação aos direitos fundamentais, há que se ressaltar a particular relevância da função exercida pelos órgãos do Poder Judiciário, na medida em que não apenas se encontram, eles próprios, também vinculados à Constituição e aos direitos fundamentais, mas que exercem, para além disso (e em função disso) o controle da constitucionalidade dos atos dos demais órgãos estatais, de tal sorte que os tribunais dispõem – consoante já assinalou em outro contexto – simultaneamente do poder e do dever de não aplicar os atos contrários à Constituição, de modo especial os ofensivos aos direitos fundamentais, inclusive declarando-lhes a inconstitucionalidade. É neste contexto que se têm sustentado que são os próprios tribunais, de modo especial a Jurisdição Constitucional por intermédio de seu órgão máximo, que definem, para si mesmos e para os demais órgãos estatais, o conteúdo e sentido “correto” dos direitos fundamentais  

                

Assim, de nada adianta a previsão constitucional acerca dos direitos fundamentais, bem como todo o arcabouço legislativo elaborado na seara infraconstitucional de modo a ensejar sua positivação, na perspectiva dos direitos da personalidade, se, diante das múltiplas situações diárias, não houver uma resposta efetiva por parte do Poder Judiciário.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS                    

                  

Diante do presente trabalho, procurou-se traçar os principais aspectos atinentes aos direitos da personalidade, partindo-se, como não podia deixar de ser, do enfoque constitucional sobre o tema. A partir da pretensão de se estabelecer certa compreensão sobre o princípio da dignidade da pessoa humana, procurou-se assentar que dele descendem diretamente os direitos fundamentais, gênero de liberdades públicas e que os direitos da personalidade nada mais são que aludidas liberdades públicas vistas sob a égide de relações jurídicas privadas.  Após ligeira passagem sobre seus principais atributos, focou-se na tutela desses direitos, sendo ressaltada a importância do Poder Judiciário.

                  

Transcreve-se trecho abaixo de Ingo Wolfgang Sarlet, posto que de grande pertinência ao tema abordado (2005, p. 281):

 

Podemos concluir que em se tratando de direitos fundamentais de defesa, a presunção em favor da aplicabilidade imediata e a máxima da maior eficácia possível devem prevalecer, não apenas autorizando, mas impondo aos juízes e tribunais que apliquem as respectivas normas aos casos concretos, viabilizando, de tal sorte, o pleno exercício destes direitos (inclusive como direitos subjetivos), outorgando-lhes, portanto, sua plenitude eficacial e, conseqüentemente, sua efetividade

 

                   Acredita-se, pois, tratar-se de tema atual e pertinente, posto que, muito embora já existissem os direitos da personalidade, principalmente após o advento da Constituição da República de 1988, eles não se encontravam previstos, nem mesmo implicitamente no Código Civil de 1916. No presente Código Civil, ao revés, houve previsão expressa, ainda que tímida, talvez em virtude da influência do paradigma da eticidade que, ao lado dos paradigmas da sociabilidade e operatibilidade, devem nortear toda a interpretação e aplicação de mencionada lei.

 

 

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