232 - Da independência financeira dos Tribunais Estaduais e a separação dos Poderes

 
ADUGAR QUIRINO DO N. SOUZA JR. - Juiz de Direito
 

 

É sabido que a Constituição Federal, em seu art. 2º, dispõe que os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário são independentes e harmônicos entre si.

                                           

É certo que a Lei Maior consagrou a teoria dos freios e contrapesos, criando um sistema de controle recíproco entre os três poderes. A dúvida que surge é acerca do possível alcance desse controle recíproco, mormente no que diz respeito à ingerência no orçamento dos poderes.

                                              

Anualmente, o Tribunal de Justiça, assim como os demais Poderes Estaduais, encaminha ao Executivo a proposta orçamentária para o ano seguinte, ou seja, os valores necessários para bem administrar o Judiciário no ano vindouro, observando-se as demandas mínimas.

                                

Por sua vez, cabe ao Poder Executivo incluir a proposta no Projeto de Lei Orçamentária a ser encaminhado ao Poder Legislativo.

                                           

Pois bem, dispõe o art. 20 da Lei de Responsabilidade Fiscal que ao Judiciário é assegurado o limite de 6% dos percentuais da receita corrente líquida do Estado.  Por outro lado, estabelece o art. 99 da Constituição Federal que ao Poder Judiciário é assegurada a autonomia administrativa e financeira, sendo que os tribunais elaborarão suas propostas orçamentárias dentro dos limites estipulados conjuntamente com os demais Poderes na lei de diretrizes orçamentárias.

                                           

A primeira dúvida que poderá surgir é a seguinte:  

 

O Poder Executivo, ao receber a proposta orçamentária do Judiciário, poderá alterá-la unilateralmente?

                                         

Com a devida vênia, entendo que a resposta é negativa, havendo precedentes do Egrégio Supremo Tribunal Federal nesse sentido, senão vejamos:

 

Eros Grau defere liminar para manter proposta de orçamento enviada pelo Judiciário de Tocantins

 

O ministro Eros Grau deferiu medida liminar requerida ao Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Originária (AO) 1491, ajuizada pelo Tribunal de Justiça de Tocantins (TJ-TO), determinando ao governador daquele estado que inclua no orçamento estadual de 2008 a proposta de orçamento do Judiciário, nos termos em que lhe foi encaminhada pelo TJ-TO, e não com o corte de cerca de 50% imposto pela Secretaria de Planejamento.

 

Na ação proposta ao STF, o TJ-TO informa que, em 17 de outubro último, encaminhou ao governador do estado a proposta orçamentária do Poder Judiciário para o exercício de 2008, mas que o secretário estadual de Planejamento, em ofício datado de 31 de outubro, informou a necessidade de ajustar o projeto de orçamento “em conformidade com o teto orçamentário”, cerca de 50% menor que a proposta encaminhada.

 

Na ação, alega-se que o Poder Judiciário tem autonomia administrativa e financeira garantida pela Constituição Federal (artigo 99), de modo que não estaria sujeito ao teto orçamentário. Lembrou, a propósito, que o Poder Judiciário não foi consultado a respeito do projeto de lei que deu origem à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para o exercício de 2008 (lei estadual nº 1.847/07) e que esta lei é inconstitucional, conforme diversos precedentes julgados pelo STJ.

 

Ao conceder a liminar, o ministro Eros Grau endossou o argumento do TJ-TO, já ratificado em vários julgamentos do STF, de que incumbe aos tribunais de que trata o artigo 99, parágrafo 2º, da Constituição, “aprovar seus respectivos orçamentos, os quais, remetidos ao Poder Executivo, devem ser incorporados ao Projeto da Lei Orçamentária, nos próprios termos em que aprovados”.

 

“Não cabe ao chefe do Poder Executivo do estado-membro, unilateralmente, efetuar cortes na proposta orçamentária do Poder Judiciário”, afirma Eros Grau em sua decisão, citando nesse sentido uma série de decisões precedentes. Entre elas estão os Mandados de Segurança (MSs) 23277, relatado pelo ministro Sepúlveda Pertence (aposentado); 22390, cujo relator foi o ministro Carlos Velloso (aposentado); 23589, relatado pela ministra Ellen Gracie, e a AO 1482, que teve como relator o ministro Marco Aurélio. Fonte: Supremo Tribunal Federal (cf. http://www.canaljustica.jor.br/index.php?id=26963, acessado em 26/4/2009).

                                    

Outra dúvida passível de surgir é se o Poder Legislativo poderá reduzir a proposta orçamentária do Judiciário.

                                           

Em que pese o respeito aos dignos entendimentos em contrário, entendo que, em razão da AUTONOMIA FINANCEIRA E ADMINISTRATIVA, garantida pela Constituição Federal aos Tribunais – art. 99 -  se a proposta orçamentária do Tribunal de Justiça estiver dentro do limite de 6% previsto no art. 20 da Lei de Responsabilidade Fiscal, não pode o PODER EXECUTIVO E NEM O LEGISLATIVO cortar o orçamento do JUDICIÁRIO, principalmente em respeito a SEPARAÇÃO DOS PODERES.

                                            

Ou seja, o Legislativo poderá, salvo melhor juízo, adequar o orçamento ao limite máximo estabelecido no art. 20 da LRF. Vale ressaltar que, ao reduzir a fatia do Judiciário, irá acrescentar a diferença a outro Poder, tendo em vista a distribuição prevista no art. 20 da LRF, reduzindo eventual sobreposição.

                                              

Se sustentarmos que o Legislativo é livre para reduzir aquilo que bem entender, salvo melhor juízo, estaremos admitindo implicitamente a prática de eventuais abusos, por exemplo: o Legislativo reduz a proposta do Judiciário para 2% e acrescenta o valor subtraído ao orçamento do próprio Legislativo (a redundância é em benefício da clareza).

                                      

Aliás, diga-se de passagem, há respeitável entendimento no sentido de que o limite máximo estabelecido na Lei de Responsabilidade Fiscal é meramente indicativo, já que o Tribunal de Justiça, dentro de sua autonomia financeira, constitucionalmente garantida, poderia ultrapassar tal limite, em situações excepcionais, a teor do disposto no art. 20 da Lei de Responsabilidade de Fiscal, esse é o entendimento do eminente jurista IVES GANDRA MARTINS, sustentado em seu artigo denominado OS CORTES DE DESPESAS DO PODER JUDICIÁRIO, in http://pensadoresbrasileiros.home.comcast.net/~pensadoresbrasileiros/

IvesGandra/os_cortes_de_despesas_do_poder_judiciario.htm, acessado em 26/4/2009.

                         

Ora, o que fazer quando o Poder Executivo efetua cortes na proposta orçamentária do Poder Judiciário ao encaminhá-la ao Legislativo, no Projeto de Lei Orçamentária?

                                              

Diante de flagrante abuso de direito, a conduta é passível de mandado de segurança, a ser impetrado perante o Egrégio Supremo Tribunal Federal, cuja legitimidade, em tese, seria do Chefe do Poder Judiciário, consoante precedente sobredito.

                                                                                             

Outra questão surge, agora com maior gravidade, e se o corte foi efetuado pelo Poder Legislativo, à revelia do Judiciário, tendo sido sancionada a Lei Orçamentária, diminuindo o orçamento do Judiciário, a ponto de engessar o cumprimento dos projetos e metas estabelecidas na proposta orçamentária do Tribunal?

                                            

Nesse caso, penso que a solução é o ajuizamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade, pelos legitimados no art. 103 da Constituição Federal, pois a Lei Orçamentária já estará em vigor.

                                         

Dispõe o art. 103, inciso IX, da Lei Maior que entidade de classe de âmbito nacional tem legitimidade para o ajuizamento da ação direta, daí a importância das entidades de magistrados assumirem esse importante papel na defesa de autonomia financeira dos Tribunais, como a Associação Nacional dos Magistrados Estaduais – ANAMAGES, a Associação dos Magistrados Brasileiros –AMB, a Associação dos Juízes Federais – AJUFE e a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho – ANAMATRA.

                                              

Penso que também seriam importantes campanhas de conscientização, patrocinadas por tais entidades, bem como pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ, principal interessado no bom andamento da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário Nacional, a teor do disposto no art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal.

                                            

Sem prejuízo, seria de bom alvitre a inclusão no projeto do Estatuto da Magistratura, em trâmite perante o Egrégio Supremo Tribunal Federal, de dispositivo coibindo eventuais práticas indevidas de cortes do orçamento do judiciário.

                                             

Em suma e para concluir, chegou o momento de se dar um basta aos cortes indevidos feitos no Orçamento do Judiciário. O Judiciário é um Poder autônomo e independente e deseja apenas cumprir a sua missão de bem prestar a atividade jurisdicional, com eficiência e efetividade.

 

 

Adugar Quirino do Nascimento Souza Júnior é Juiz de Direito no Estado de São Paulo; Coordenador da Escola Paulista da Magistratura no Núcleo Regional de Assis/SP; Docente Formador da Escola Paulista da Magistratura – EPM; Diretor Adjunto de Assuntos Legislativos da Associação Paulista dos Magistrados – Apamagis; Coordenador da Apamagis na Circunscrição de Assis-SP; Mestre em Direito Constitucional – ITE – Bauru/SP; Ex-Procurador do Estado de São Paulo; Ex-Assistente Jurídico do Tribunal de Justiça de São Paulo; autor da obra Efetividade das Decisões Judiciais e Meios de Coerção – Ed. Juarez de Oliveira.


O Tribunal de Justiça de São Paulo utiliza cookies, armazenados apenas em caráter temporário, a fim de obter estatísticas para aprimorar a experiência do usuário. A navegação no portal implica concordância com esse procedimento, em linha com a Política de Privacidade e Proteção de Dados Pessoais do TJSP