230 - Tentativa de sistematização do efeito devolutivo dos recursos: perspectiva de interpretação instrumental

 MARCIO H. MENDES DA SILVA - Procurador do Estado
 

 

Sumário: 1. Introdução. - 2. Conceito inicial e âmbito de devolutividade. - 3. O artigo 515 do CPC. - 4. O artigo 516 do CPC. - 5. Ponto e questão. - 6. Questão nos artigos 515 e 516. - 7. O § 3º do art. 515: uma nova dimensão no âmbito do efeito devolutivo no sistema do CPC. - 7.1. Em busca do ideal de instrumentalidade do processo. - 7.2. Aplicação do dispositivo. - 7.3. Desmistificando o dispositivo. - 7.4. A extensão do efeito devolutivo determinada pelo dispositivo: aplicação ex officio e reformatio in pejus. - 7.5. O art. 515, §3º e os vícios da sentença por falta de correlação com a demanda: aplicação perante as sentenças extra, ultra e citra petita). - 8. O § 4º do artigo 515. - 9. Conclusões.

 

 

1. Introdução



O presente artigo tem a pretensão de descortinar o efeito devolutivo dos recursos, desnudando-o, para, então, tentar sistematizá-lo e, quiçá, traçar perspectivas de interpretação que possam torná-lo um instrumento de aceleração e efetivação do processo.  Desde a edição do Código de Processo Civil, as regras gerais do efeito devolutivo dos recursos sofreram várias alterações. A doutrina e a jurisprudência vêm, sem muito sucesso, ao longo de mais de 30 anos, tentando extrair do texto reformado, normas factíveis ao sistema processual. A proposta é reunir as várias correntes de pensamento sobre o tema e sub-temas, fazer uma análise crítica das eventuais incoerências, para, depois, fazer as propostas de sistematização e de interpretação instrumental.

 

 

2. Conceito inicial e âmbito de devolutividade

 

Em linhas iniciais e gerais, o efeito devolutivo dos recursos consiste na transferência dos processos a um órgão ad quem ao qual incumbirá o conhecimento da matéria julgada em grau inferior de jurisdição, nos limites da impugnação apresentada pelo recorrente. Ressalve-se que esse conceito é apenas inicial e sofrerá mutações ao longo do presente estudo.

 

Embora o efeito devolutivo seja inerente a todo o sistema recursal, a apelação é, reconhecidamente, o recurso que possui efeito devolutivo por excelência. Com efeito, conforme anota Vicente Greco Filho, “na apelação, é possível voltar a discutir todas as questões discutidas em primeiro grau, tanto as de fato quanto as de direito, renovando-se integralmente o exame da causa, com exclusão, apenas, das questões decididas antes da sentença, em relação às quais tenha ocorrido a preclusão.”[1][2]

 

Segundo Barbosa Moreira, a exata configuração do efeito devolutivo desdobra-se em duas facetas: extensão e profundidade. Nestes termos, “delimitar a extensão do efeito devolutivo é precisar o que se submete, por força do recurso, ao julgamento do órgão ad quem; medir-lhe a profundidade é determinar com que material há de trabalhar o órgão ad quem para julgar.”[3]

 

Desse modo, ainda na lição de Barbosa Moreira, a extensão do efeito devolutivo é determinada pela extensão da apelação, conforme o princípio tantum devolutum quantum appellatum, estabelecido no art. 515 do CPC que defere ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada. Trata-se de abordagem do efeito devolutivo sob a perspectiva horizontal.

 

Segundo a extensão da matéria devolvida ao Tribunal, teremos apelação plena ou total, quando a impugnação abranger a sentença em sua totalidade, e apelação limitada ou parcial quando a impugnação abranger apenas parte da sentença. Como efeito do princípio da inércia jurisdicional, o Tribunal não poderá ir além da matéria devolvida através do recurso. Deverá ficar adstrito ao que for objeto de impugnação, abstendo-se, ainda, de incorrer em reformatio in pejus.



Já a profundidade do efeito devolutivo diz respeito aos pontos e questões relativos à matéria devolvida ao Tribunal através da apelação. Para proferir a sentença, o órgão de primeiro grau necessariamente enfrenta e resolve questões, ou seja, pontos duvidosos de fato e de direito, suscitados pelas partes ou examinados ex officio. Nesse sentido, a profundidade do efeito devolutivo é medida pela averiguação das questões que devem ser apreciadas pelo Tribunal, que podem tanto ser as mesmas já examinadas pelo juízo a quo quanto outras que, embora pudessem ou devessem ter sido examinadas pela inferior instância, de fato não foram. Trata-se, aqui, de abordagem do efeito devolutivo sob a perspectiva vertical.[4]



Facilmente se percebe que ambos os aspectos do efeito devolutivo estarão sempre presentes. Um não exclui o outro, ao contrário, se complementam. Explica-se: imaginemos uma ação de indenização por danos materiais e morais, em que o autor tem o pedido julgado totalmente improcedente. Ao apelar da sentença, há impugnação somente da improcedência da indenização por danos materiais. Desse modo, a matéria relativa aos danos morais torna-se preclusa, visto que não impugnada, e ao Tribunal é devolvida somente a matéria relativa ao pedido de indenização por danos materiais (aspecto da extensão – perspectiva horizontal), sobre a qual o juízo ad quem terá amplo poder cognitivo, podendo conhecer todos os pontos e questões suscitados no processo, ainda que não apreciados na sentença (aspecto da profundidade – perspectiva vertical), e, por conseguinte, poderá julgar procedente o pedido de indenização por danos materiais acolhendo fundamento não analisado pelo juízo a quo. Assim, se o pedido tinha por fundamentos (pontos suscitados pelo autor) os fatos de que o réu causou sinistro automobilístico por estar transitando em contramão de direção e por estar embriagado, e se o juiz de primeiro grau der por improcedente o pedido por ter entendido que se tratava de via de mão dupla, havendo culpa exclusiva do autor quanto ao sinistro, sem, no entanto, ter apreciado o ponto relativo à embriaguez do réu, o Tribunal, ao receber a apelação, poderá reformar a decisão tanto por entender que o réu estava de fato dirigindo em contramão, com culpa exclusiva sua, quanto por entender que o réu dirigia embriagado quando do sinistro.



Portanto, enquanto a extensão do efeito devolutivo é variável, sendo determinada pela extensão da impugnação feita pelo apelante, a sua profundidade será sempre a mais ampla possível, nos limites da matéria devolvida ao Tribunal.

 

O efeito devolutivo, em sua extensão e profundidade, é tratado no CPC pelos arts. 515 e parágrafos e 516, que serão objeto de exame a seguir.

 

3. O artigo 515

 

Importante lembrar que, embora o art. 515, caput, do CPC refira-se especificamente à apelação, fato é que o dispositivo aplica-se a todos os demais recursos. Conforme observação de Cândido Rangel Dinamarco: “o art. 515, caput, do Código de Processo Civil, que é a sede central da disciplina brasileira da devolução operada pelo recurso parcial, está contido na parte do Código que cuida da apelação, mas nem por isso deixa de ser portador de uma regra geral de direito recursal”[5].

 

Dispõe o CPC em seu art. 515:

 

Art. 515. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.

§ 1° Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro.

§ 2° Quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais.

§ 3° Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento.

(§ 3° acrescentado pela Lei n.º 10.352, de 26.12.2001)

 

 

O caput do dispositivo trata da já estudada extensão do efeito devolutivo. Segundo ele, somente a matéria impugnada pelo apelante será devolvida ao juízo ad quem. Mostra-se claro, pois, que por expressa disposição legal a extensão da matéria a ser apreciada pelo Tribunal será determinada pela extensão da impugnação do apelante. Sendo a apelação limitada (ou parcial), o segmento não impugnado da sentença não será devolvido ao juízo ad quem, pois quanto à matéria não impugnada ocorre a preclusão. Isto porque quando a parte sucumbente não se insurge contra a sentença (no todo ou em parte), é porque se conformou com o que ficou decidido, e, conforme dispõe o art. 473 do CPC, “é defeso à parte discutir, no curso do processo, as questões já decididas, a cujo respeito se operou a preclusão.”

 

Como visto, o art. 515, caput, que consagra entre nós o princípio tantum devolutum quantum appellatum, não demanda maiores esforços para sua compreensão.

 

Com relação à determinação da profundidade do efeito devolutivo os parágrafos 1º e 2º do artigo 515, bem como o artigo 516, não oferecem a mesma facilidade. Explicar o que seja uma questão não julgada por inteiro não é fácil, assim como, diferenciar o disposto no artigo 516 “questões anteriores à sentença não decididas” com o disposto no § 1º “questões suscitadas e discutidas no processo” é das tarefas mais intrincadas. Vejamos o que a doutrina procurou estabelecer como explicação.

 

A respeito do assunto, Barbosa Moreira anota o seguinte: “Como resulta dos §§ 1° e 2°, é amplíssima, em profundidade, a devolução. Não se cinge às questões efetivamente resolvidas na sentença apelada; abrange também as que nela poderiam tê-lo sido (a devolução de questões anteriores à sentença é matéria do art. 516). Estão aí compreendidas:

 

a) as questões examináveis de ofício, a cujo respeito o órgão a quo não se manifestou – v.g. a da nulidade do ato jurídico de que teria originado o suposto direito do autor, e em geral as quaestiones iuris; b) as questões que, não sendo examináveis de oficio, deixariam de ser apreciadas, a despeito de haverem sido suscitadas e discutidas pelas partes”.[6]   

 

No sentido de se ter por ampla a profundidade do efeito devolutivo também era o posicionamento de Frederico Marques, atribuindo a Liebman o entendimento expressamente consagrado no art. 515, §1° do nosso CPC, de que o tribunal poderá submeter a exame todas as questões que se suscitaram em primeira instância, mesmo as que o primeiro juiz eventualmente deixou de julgar. Sustenta ainda que nesse caso “prolonga-se, pois, no tribunal ad quem, a relação processual que se instaurara no juízo a quo; para que a res in iudicium deducta volte a ser apreciada integralmente.”[7]

 

Acerca do art. 515, §2° do CPC, Frederico Marques expôs que por tal dispositivo “a apelação do réu devolve ao conhecimento do tribunal ad quem tudo o que o autor alegou como fundamento do pedido, enquanto que a apelação do autor provocará a mesma devolução no que tange aos fundamentos da defesa.” [8]

 

Também para Vicente Greco Filho a profundidade é ampla, ficando o tribunal objetivamente limitado somente quanto ao pedido, ao dispositivo da sentença, mas não à fundamentação. Nos termos de seu magistério:“Para decidir sobre o pedido de reforma feito na apelação, o tribunal pode examinar todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha decidido por inteiro (art. 515, §1°). De fato, há muitas questões que são suscitadas pelas partes em caráter alternativo ou cumulativo, que se tornam de exame desnecessário em primeiro grau, dependendo da linha de raciocínio conduzida pelo juiz para alcançar determinada conclusão. Essas questões, havendo apelação, ainda que limitada, ficam integralmente devolvidas ao conhecimento do tribunal. Dessa forma, pode-se dizer que, quanto ao objeto ou extensão, a decisão do tribunal é limitada ao pedido constante da apelação, mas não quanto à profundidade, em que o exame é pleno.”[9]

 

Ainda segundo Vicente Greco Filho, o vocábulo “questões” contido no art. 515, §1° está empregado “no sentido carnelutiano do termo, querendo dizer ‘ponto controvertido de fato ou de direito”.[10]

 

O entendimento de Humberto Theodoro Júnior parece ser no mesmo sentido.[11] Para ele, o art. 515, §1° aplica-se, por exemplo, no caso de cumulação de pedidos conexos e conseqüentes, quando o juiz, negando o primeiro, deixa de examinar os demais. Neste caso, “recorrendo a parte vencida e logrando reformar a sentença para acolher o primeiro pedido, terá o tribunal de completar o julgamento decidindo os demais pedidos conexos prejudicados pela decisão de primeira instância.” [12]Também afirma o seguinte:



“em matéria de profundidade do efeito devolutivo, o §2° do art. 515 cuida do caso de multiplicidade de fundamentos para o pedido. O juiz acolheu apenas um e deu pela procedência da ação. Impugnada a sentença em apelação, o tribunal pode reconhecer a procedência do apelo quanto ao fundamento da sentença, mas deixar de dar-lhe provimento porque a matéria não acolhida pelo juiz de primeiro grau se apresenta suficiente para assegurar a procedência da ação. O mesmo pode acontecer, também, com a defesa, quando se fundamente em razões múltiplas e seja acolhida em face de apenas uma delas.”[13]

 

Gilson Delgado Miranda e Patricia Miranda Pizzol, afinal, estabelecem as seguintes proposições, em um entendimento sistemático acerca dos dispositivos estudados:“Em síntese, podemos afirmar que o preceito contido no §1° e §2° do art. 515 encontra aplicabilidade quando: a) tratar-se de matéria de ordem pública; b) tratar-se de matéria que, em razão do direito material, pode ser alegada pela primeira vez em segundo grau de jurisdição; c) tratar-se de questão que poderia ter sido apreciada expressamente pelo juiz em primeiro grau, mas não o foi ou porque existiam duas ou mais causas de pedir e, acolhendo uma, as demais não foram consideradas na sentença (o mesmo pode ocorrer se o réu, em sua defesa, utiliza vários fundamentos), ou porque, havendo pedidos alternativos, o acolhimento de um importava na desconsideração do outro (o mesmo pode ocorrer se houver um pedido principal e um pedido subsidiário e o primeiro for acolhido).”[14]

 

4. O artigo 516 do CPC

 

O atual art. 516 do CPC, com redação dada pela Lei n.º 8.950, de 13.12.1994, estabelece o seguinte:“Art. 516. Ficam também submetidas ao tribunal as questões anteriores à sentença, ainda não decididas”.

 

Como visto, o art. 516 do CPC segue tratando da devolutividade da apelação. Pela regra, são devolvidas ao juízo ad quem questões anteriores à sentença ainda não decididas.

 

Analisando o dispositivo transcrito, Barbosa Moreira diz não haver dúvida sobre a classe de questões a que se refere a regra. Para o processualista, o art. 516 do CPC trata, exclusivamente, das questões que:

 

a) foram, ou poderiam ter sido, suscitadas e resolvidas em momento do iter processual anterior ao da prolação da sentença (isto é, questões incidentes);b) não chegaram, por este ou aquele motivo, a receber solução na primeira instância.[15]

Exemplificando o exposto, o processualista cita a hipótese da questão, não decidida, concernente ao valor da causa.

 

Assim, se ao ser interposta apelação contra sentença o Tribunal vislumbrar omissão do juízo a quo quanto a uma questão (que, por isso, permaneceu em aberto), não deverá restituir os autos ao órgão sentenciante, a fim de que supra a falha. Nesse caso, o tribunal assume competência para apreciar a questão, devendo decidi-la como matéria antecedente à análise da matéria versada no recurso de apelação.

Barbosa Moreira entende ser excesso de tecnicismo no estudo do art. 516 a diferenciação doutrinária entre “questões” e “pontos”, aquelas necessariamente suscitadas, estes não. Para o processualista, neste particular, “a linguagem do legislador não é vazada em idioma tão rigoroso. No art. 516, a palavra ‘questões’ está empregada em acepção ampla, a compreender aquilo que mestres italianos designariam como ‘pontos’”.[16]

 

Para Barbosa Moreira é manifesto o equívoco (em que incorreria parte da doutrina) de supor que o art. 516 (seja na redação anterior, seja na atual) interfira de algum modo na disciplina da matéria regulada no art. 515. Para ele, os dispositivos tratam de assuntos diversos. Para o autor: “o art. 516 diz respeito a questões “anteriores à sentença”, isto é, questões incidentes, que antes dela não apenas foram (ou poderiam ter sido) suscitadas, mas eram passíveis de apreciação (em decisão interlocutória); não diz respeito a questões cuja solução possa influir no teor do julgamento, no sentido em que se vai sentenciar, e por isso devam ser enfrentadas na própria fundamentação da sentença. Esquecer tal diferença é perder-se em labirinto sem saída.”[17]

 

A respeito da concepção do termo “questões” empregado na redação do art. 516, tem opinião diversa, Vicente Greco Filho: “Segundo o dispositivo atual, ficou claro que se trata de devolução de “questões” (pontos controvertidos de fato e de direito), desde que não decididas.”[18]

 

Greco Filho anota ainda que o dispositivo (art. 516) se refere a questões não decididas porque, acaso tenha havido sobre elas decisão, haveria oportunidade para interposição de recurso de agravo, sob pena de preclusão. Por outro lado, “não tendo havido decisão, não há falar em preclusão, devolvendo-se o ponto ao exame do segundo grau por força natural do efeito devolutivo da apelação.”[19]



Enquanto Barbosa Moreira sustenta que os art.s 515 e 516 disciplinam situações diversas (conforme exposto acima), Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery afirmam que o art. 516 mostra-se desnecessário em vista do preceito contido no art. 515, §1°. Com efeito, estes últimos afirmam que o art. 516 é “inócuo e pleonástico, porque as questões não decididas já estão devolvidas ao tribunal por força do CPC 515!” E continuam: “a translação das questões de ordem pública, propostas por nós, continua a ter sentido, não pelo texto do CPC 516, que é hoje norma desprovida de eficácia, mas pelo sistema do CPC, já que não são alcançados pela preclusão (v.g., CPC 267 §3°, 301, §4°)”.



Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, ainda asseveram, acerca do art. 516 do CPC: “A norma deveria ser lida assim, ou, por outra, o legislador da reforma deveria ter dado o seguinte texto à norma: Interposto o recurso, ficam transferidas ao exame do tribunal as questões decididas, de ordem pública, a cujo respeito não se opera a preclusão.”[20]



O entendimento acima é seguido por Gilson Delgado Miranda e Patrícia Miranda Pizzol, que, contudo, reconhecem tratar-se de “matéria polêmica, sobre a qual controvertem doutrina e jurisprudência”. [21]



Eduardo Arruda Alvim, por sua vez, segue o mesmo raciocínio. Para ele, “o art. 516 não faz senão complementar o sentido dos §§ 1° e 2° do art. 515, compreendendo especificamente as questões de ordem pública”, e justifica sua posição nos seguintes termos: “Deveras, o art. 516, com a nova redação dada pela Lei 8.950/94, que prescreve: “Ficam também submetidas ao tribunal as questões anteriores à sentença ainda não decididas”, refere-se especificamente àquelas questões sobre as quais não se opera a preclusão exatamente porque, de acordo com o sistema do Código de Processo Civil, podem (devem) ser apreciadas de ofício, sem que isso implique ofensa ao princípio dispositivo e, ainda que isso possa vir a implicar solução desfavorável àquele que recorreu. É o caso, por exemplo, das hipóteses mencionadas no §3° do art. 267.”[22]



Nelson Luiz Pinto procura ainda sustentar uma outra explicação para o art. 516. Para ele o artigo refere-se a questões prejudiciais, ou seja, que dizem respeito às circunstâncias que deverão influenciar no julgamento do mérito. Quando as questões prejudiciais disserem respeito a uma única causa de pedir, e o juiz houver apreciado apenas uma das questões, o Tribunal poderá examinar as outras causas, ou seja, ficam devolvidas ao órgão ad quem “as questões não apreciadas pelo juiz de primeiro grau que se consubstanciam em elementos de uma mesma causa de pedir acolhida ou afastada pela decisão inferior”.[23] Cita como exemplo uma ação de reparação de danos fundada na causa de pedir “culpa” com três questões prejudiciais: excesso de velocidade, embriaguez e avanço do sinal vermelho.

 Parece-nos que na hipótese aventada ocorre o que José Rogério Cruz e Tucci denomina de causa de pedir composta[24]. Há uma causa de pedir próxima (fundamento jurídico do pedido - culpa), e três causas de pedir remotas (fatos – excesso de velocidade, embriaguez e avanço do sinal vermelho), estando o exemplo subsumido na previsão do § 2º do art. 515 (mais de um fundamento do pedido) e não no artigo 516.



Como visto, há bastante divergência quanto ao que seja questão para efeito de determinação da profundidade do efeito devolutivo. Vamos, então, à procura de maiores subsídios para a formulação de uma proposição.



5. Ponto e questão



Comumente, na prática forense, os termos ponto e questão são utilizados indistintamente, não se fazendo maiores distinções entre os seus significados. Contudo, é imperioso aqui fazer a distinção dos seus conceitos para o fim que nos propusemos neste artigo, sistematizar o efeito devolutivo. Ensina Cândido Rangel Dinamarco, que: “Não é indiferente o emprego dos vocábulos ponto e questão. Pontos são fundamentos, ou elementos capazes de influir em algum julgamento. Questão é o próprio ponto, quando sobre ele existe alguma dúvida; daí conceituar-se, em clássica doutrina, como ponto controvertido de fato ou direito (Carnelutti).”[25]

 

Assim, temos que ponto é tudo aquilo que a parte alega a seu favor. Quando um ponto apresentado não for impugnado pela parte contrária, estaremos diante de um ponto pacífico ou incontroverso, ou, ainda, ponto não controvertido. Por outro lado, se um ponto levado aos autos for impugnado pela parte contrária, estaremos diante de uma questão, ou seja, de um ponto controvertido.

 

Os pontos são doutrinariamente classificados em constitutivos, impeditivos, modificativos e extintivos, conforme os efeitos que geram sobre os direitos (classificação quanto à eficácia). Essa classificação encontra-se presente em nosso CPC, eis que, por expressa determinação de seu art. 333, incumbe ao autor o ônus da prova de fato constitutivo de seu direito, e ao réu o ônus de demonstrar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

 

Os pontos ou questões ainda são divididos, quanto à sua natureza, em três ordens: referentes às condições da ação, aos pressupostos processuais e ao mérito.[26]  As questões, portanto, carregarão em si a natureza da matéria alegada. Desse modo, pontos ou questões de mérito serão “aqueles dos quais depende a existência dos direitos alegados pelas partes”[27], enquanto que pontos e questões referentes às condições da ação incidirão sobre o interesse de agir, a possibilidade jurídica do pedido ou legitimidade de parte, já as questões e pontos referentes aos pressupostos processuais dirão respeito aos requisitos necessários à válida e regular constituição e desenvolvimento do processo. 

 

 

6. Questão nos artigos 515 e 516

 

O legislador no § 1º do artigo 515 utilizou a expressão “questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro”. No artigo 516 a expressão utilizada é “as questões anteriores à sentença, ainda não decididas”. No § 2º do art. 515 o legislador não utilizou a palavra “questão”, valendo-se de outra - “fundamento”, in verbis “quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles”. Frise-se desde já que nesta última hipótese, apesar do vernáculo diverso (fundamento), estamos diante, também, de questão.

A doutrina, como se viu acima, vem se digladiando na busca de encontrar uma explicação racional e sistemática para as disposições acima. A dificuldade decorre do ponto de partida. A doutrina parece ter-se enveredado no labirinto mencionado pelo Barbosa Moreira.



O início da nossa tentativa de sistematização parte da busca do que há de semelhante nas três regras.



A primeira semelhança está no fato do legislador tratar nas três regras, de questões. Elas podem ser de mérito (causa de pedir – fundamento do pedido, fundamento da defesa) ou processuais (impugnação ao valor da causa, exceção de incompetência relativa). A segunda semelhança das três regras reside na ausência de apreciação pelo juiz, das questões. Finalmente, a última semelhança está no fato delas já terem sido suscitadas.

Resumindo as semelhanças temos: questões de mérito ou processuais, já suscitadas e não apreciadas pelo juiz.



A questão pode ser de mérito porque pode referir-se à “fundamento” do pedido ou da defesa. Pode ser processual já que o legislador utilizou a expressão “questão” tanto no § 1º do artigo 515 como no art. 516, sem mencionar se ela estaria afeta só ao mérito, logo, a interpretação não pode ser restritiva. A questão não pode ser conhecível de ofício (independente de alegação), ou seja, matéria de ordem pública, porque se for, já estará devolvida ao tribunal em face do sistema processual (art. 267, § 3º, art. 301, § 4º, art. 219 § 5º do CPC e art. 193 do CC/02). Além disso, como o legislador fala em questões suscitadas e discutidas e questões anteriores à sentença, só pode estar se referindo a questões que necessitam ter sido suscitadas no momento processual oportuno para que possam ser devolvidas e apreciadas pelo Tribunal. As questões de ordem pública podem, em regra, ser suscitadas em qualquer tempo e grau de jurisdição. O legislador, pela lógica do sistema, está se referindo às questões sujeitas à preclusão.



Por outro lado, não fica afastada a hipótese de devolução do ponto. Os pontos (matérias alegadas e não impugnadas) não apreciados também ficam devolvidos para o Tribunal. Não há lógica alguma em excluir da devolução os pontos, já que estaria sendo beneficiada a parte que não o controverteu, ou seja, não o impugnou, deixando de transmutá-lo em uma questão. Seria totalmente incongruente que o Tribunal pudesse examinar as questões (pontos controvertidos), mas não pudesse reconhecer os pontos não impugnados (pontos pacíficos), sobre os quais não recaiu controvérsia alguma, e que permaneceram em aberto, ou seja, pendentes de decisão.



Devemos observar ainda que a expressão questões suscitadas e discutidas é redundante, pleonástica, já que questão é o ponto suscitado e discutido (controvertido), então, melhor teria feito o legislador se tivesse utilizado a expressão “ponto discutido” ou “ponto controvertido” ou ainda melhor, se quisesse manter a palavra questão, a expressão deveria ser somente “questão”. Aliás, no art. 516, a expressão utilizada foi “questões anteriores à sentença”, o que justifica o raciocínio de que é desnecessário falar em “questões suscitadas e discutidas”.

 

O que o legislador quis prever foi a devolução de questões ou pontos processuais ou de mérito, sujeitos à preclusão e ainda não apreciados.



Dentro dessa moldura, seriam questões devolvidas: a) de mérito - “questão que poderia ter sido apreciada expressamente pelo juiz em primeiro grau, mas não o foi ou porque existiam duas ou mais causas de pedir e, acolhendo uma, as demais não foram consideradas na sentença (o mesmo pode ocorrer se o réu, em sua defesa, utiliza vários fundamentos), ou porque, havendo pedidos alternativos, o acolhimento de um importava na desconsideração do outro (o mesmo pode ocorrer se houver um pedido principal e um pedido subsidiário e o primeiro for acolhido).”[28]; b) questões processuais sujeitas à preclusão.



Exemplificando todas as hipóteses:



a) várias causas de pedir - pedido de indenização fundado na culpa do réu advinda de embriaguez, excesso de velocidade e transgressão do sinal vermelho;



b) vários fundamentos de defesa – prescrição, pagamento, compensação;



c) pedidos alternativos (art.288, CPC) – para o autor é indiferente que o réu devolva a mercadoria ou pague o seu preço;



d) pedidos sucessivos (principal e subsidiário) – compensação do indébito tributário ou restituição do valor através de precatório;





e) questões processuais sujeitas à preclusão: impugnação ao valor da causa;

f) ponto: fundamento da defesa não impugnado pelo autor e não apreciado pelo juiz.



7. O § 3º do art. 515: Uma nova dimensão no âmbito do efeito devolutivo no sistema do CPC

 

O atual §3º do art. 515 do CPC, com redação dada pela Lei n.º 10.352, de 26.12.2001, estabelece que:

 

“§ 3o Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento.”[29]

 

O dispositivo transcrito atribuiu uma nova dimensão ao efeito devolutivo na apelação, ao permitir que o tribunal, obedecidas as condições legais, aprecie o mérito da causa, ainda que a primeira instância não o tenha feito.

 

Antes da vigência do dispositivo, o tribunal somente poderia apreciar o mérito da causa se a primeira instância já o tivesse feito, ou seja, se o juízo a quo extinguisse o processo sem resolução do mérito, era vedado ao juízo ad quem fazê-lo, ainda que os autos estivessem acompanhados de todos os elementos necessários ao julgamento do meritum causae. O tribunal limitava sua atuação na anulação da sentença e conseqüente devolução dos autos à primeira instância para que essa julgasse o mérito, mantendo-se, assim, o duplo grau de jurisdição.

 

O legislador, ao introduzir o art. 515, §3º no CPC, instituiu a devolutividade do mérito da causa em apelação contra sentença terminativa. Conforme Cândido Rangel Dinamarco, “com essa inovação revolucionária, a ordem processual civil brasileira admite uma devolução assim redobrada, pela qual o tribunal fica cumulativamente investido do poder de rever a sentença terminativa e do poder de decidir sobre o meritum causae pela primeira vez no processo”.[30]

 

Embora a regra inovadora importe em uma nítida exceção à rígida concepção acerca princípio do duplo grau de jurisdição, a doutrina pronunciou-se prontamente no sentido de que o dispositivo é perfeitamente constitucional, eis que concebido dentro da esfera de liberdade do legislador em delinear normativamente esse princípio, que se encontra implícito em nossa Constituição.[31]

 

Nesse sentido é a lição de Barbosa Moreira, ao dizer que, com o acréscimo do §3º ao art. 515, “ampliou-se o efeito devolutivo da apelação e, do mesmo passo, tornou-se inevitável a revisão das idéias correntes acerca do princípio do duplo grau de jurisdição – que, repita-se, não está definido em texto algum, nem tem significação universal fixada a priori: seu alcance será aquele que resulta do ius positium, e portanto discutir se o infringe ou não dispositivo legal como a que ora se comenta é inverter os termos da questão.”[32]

 

                  

7.1. Em busca do ideal de instrumentalidade do processo

 

Evidente que a inclusão do dispositivo no CPC se deu por motivação de celeridade e efetividade processual.

 

O legislador, sabendo que a morosidade constitui o maior dos problemas afetos ao Judiciário, constituindo obstáculo ao acesso à ordem jurídica justa, já que justiça tardia outra coisa não é senão uma outra face da injustiça, eis que causadora de angústias e sofrimento moral e patrimonial e, impulsionado por uma série de reformas do CPC tendentes a conferir uma maior simplificação, agilização e efetividade ao processo, inseriu o §3º ao art. 515, com o fim de se evitar que causas aptas a serem decididas nos tribunais sejam reenviadas à primeira instância para julgamento, retardando, assim, por fetiche a formalismos desnecessários, a tutela jurisdicional.[33]

 

A propósito, José Miguel Garcia Medina traz à colação as justificativas constantes da exposição de motivos do Anteprojeto que deu origem à Lei 10.352: “Cuida-se de sugestão que valoriza os princípios da instrumentalidade e da efetividade do processo, permitindo-se ao tribunal o julgamento imediato do mérito, naqueles casos em que o juiz não o tenha apreciado, mas, sendo a questão exclusivamente de direito, a causa já esteja em condições de ser inteiramente solucionada.”[34]

 

Desse modo, andou bem o legislador ao provocar a mitigação do duplo grau de jurisdição em prol da celeridade processual.

 

 

7.2. Aplicação do dispositivo

                  

Não houve, contudo, desmedido rompimento com o sistema anteriormente vigente no CPC de 1973. Foram estabelecidas condições legais para a aplicação da devolutividade do mérito da causa em apelação contra sentença terminativa. Assim, para que se possa aplicar o §3º do art. 515 a lei exige dois requisitos:

 

a) que a causa verse questão exclusivamente de direito;

 

b) que ela esteja em “condições de imediato julgamento”, ou seja, que a causa esteja “madura” para resolução do mérito.

                  

De início, é de se entender que a expressão legal “causa que verse questão exclusivamente de direito” não deve ser considerada em sua simples literalidade gramatical. Isso porque, sendo certo que o direito emana dos fatos, sem fato não haverá direito, e, portanto, causa fundada exclusivamente em direito é uma contradição em si.

 

O que se deve entender por “causa que verse questão exclusivamente de direito” é a causa em que os pontos de fato deduzidos pelas partes não se tornaram controversos ou duvidosos, restando, pois, a serem solucionadas pelo juiz apenas “questões exclusivamente de direito”. Nesse mesmo diapasão, também é de se entender por “causa que verse questão exclusivamente de direito” aquela em que as controvérsias de fato anteriormente deduzidas pelas partes foram posteriormente solucionadas no decorrer do processo, restando, assim, somente “questões exclusivamente de direito” a serem enfrentadas na sentença.

 

Por outro lado, quanto ao segundo requisito legal, doutrina e jurisprudência adotaram a expressão “causa madura” para aquela que esteja em “condições de imediato julgamento” de mérito.[35]

 

Contudo, a análise isolada do dispositivo e de seus requisitos de aplicação fatalmente induzirá a erro o intérprete desavisado. É que antes da introdução do §3º ao art. 515, o CPC já continha dispositivo elucidativo sobre o que se deve entender por “causa madura”. Estamos nos referindo ao art. 330, inc. I do CPC, in verbis:

 

“Art. 330. O juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença:

I – quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência;”

 

Desse modo, doutrina e jurisprudência logo se pronunciaram no sentido de que ao aplicar o disposto no §3º do art. 515, deve-se adotar uma interpretação em consonância com o artigo 330, inc. I do CPC que trata do julgamento antecipado da lide.

 

Na lição de Gilson Delgado Miranda: “Observe-se, outrossim, que a lei disse menos do que se queria dizer. Isso porque, apesar de o texto falar em questão de direito, o fato é que o referido §3º do art. 515 do CPC deve ser interpretado em consonância com as regras estampadas no art. 330 do CPC, isto é, aquelas que tratam do julgamento antecipado da lide, especialmente no inc. I.”[36]

 

Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, ao comentarem o disposto no §3º do art. 515 estabeleceram que: “Condições de julgamento imediato. Embora da norma conste a aditiva “e”, indicando que o tribunal só pode julgar o mérito se se tratar de matéria exclusivamente de direito e a causa estiver em condições de julgamento imediato, é possível o julgamento de mérito pelo tribunal, quando a causa estiver madura para tanto. Exemplo disso ocorre quando é feita toda a instrução mas o juiz extingue o processo por ilegitimidade de parte (CPC 267 VI). O tribunal, entendendo que as partes são legítimas, pode dar provimento à apelação, afastando a carência e julgando o mérito, pois essa matéria já terá sido amplamente debatida e discutida no processo. Esse é o sentido teleológico da norma: economia processual.”[37]

 

Esta também é a compreensão que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem sobre a norma.[38]

 

Constata-se, pois, que o legislador não foi tão feliz na redação do dispositivo, por ter dito menos do que a norma, inserida no CPC, quer significar. [39]

 

A partir de uma interpretação sistemática com outros dispositivos do CPC, a aplicação do §3º do art. 515 possibilita ao Tribunal decidir o mérito da causa quando esta versar sobre questões exclusivamente de direito, bem como sobre questões de fato cujas provas já tenham sido produzidas, encontrando-se a causa “madura”,[40] incluindo-se também a possibilidade de apreciação de fatos que dispensam produção de provas (como ocorre com os fatos incontroversos e outras hipóteses enumeradas no art. 334).[41]

 

Nas palavras de Estevão Mallet, concluímos o raciocínio: “Em síntese, teria sido muito mais simples se houvesse o legislador brasileiro deixado claro, com melhor técnica, que o imediato julgamento do mérito depende apenas da inexistência de qualquer obstáculo, seja por não ter havido controvérsia sobre os fatos no juízo recorrido, seja por já haverem sido produzidas todas as provas necessárias ao deslinde da controvérsia.”[42]

É esta a mens legis.

 

 

7.3. Desmistificando o dispositivo

                  

De início, convém advertir o que vem passando despercebido por grande parte da comunidade jurídica: a autonomia do §3º perante o disposto no art. 515, caput, bem como nos §§ 1º e 2º.

 

Ocorre que, inserida onde se encontra, a norma do §3º enseja uma espécie de “conflito normativo”, considerando que se revela antinômico ao caput do art. 515 a que “formalmente” se submete (dizemos “formalmente” porque, substancialmente, o §3º mostra-se autônomo e independente da cabeça do artigo ao qual está preso).

 

A antinomia do §3º em relação à cabeça do artigo é claramente visível: se a apelação devolve ao Tribunal o conhecimento da matéria impugnada (regra do caput), e no caso do §3º o juízo a quo sequer analisou o mérito da causa, evidente que o parágrafo não se submete à regra do caput. É que, por razões óbvias, impossível se mostra a impugnação de questão meritória inexistente na sentença. O que o §3º faz é devolver ao Tribunal o conhecimento de matéria não impugnada (consistente no mérito não apreciado). Não havendo matéria de mérito a ser impugnada, a rigor não há sequer devolução do meritum causae ao Tribunal, mas sim submetimento original da matéria a este, que a apreciará como órgão de primeira instância. Desse modo, o §3º em verdade não se submete, repita-se, à regra do seu caput.  

 

Assim sendo, qualquer forma de interpretação do §3º deverá, necessariamente, partir do pressuposto de que, sendo substancialmente autônomo, o dispositivo não terá seu âmbito de incidência circunscrito às regras do caput ou dos §§ 1º e 2º do art. 515. Vale dizer, que para a devida compreensão do §3º do art. 515, é preciso considerá-lo como um dispositivo autônomo que é, e embora seja certo que ele interage com o sistema do CPC (como não poderia ser diferente), deve-se ter em mente que não é submisso às regras de devolutividade do caput e §§ 1º e 2º.

 

E o fato de ser assim não deve causar espanto ao estudioso mais atento.

 

Embora a introdução do dispositivo no CPC tenha constituído uma novidade no sistema original do Código, conforme já dito antes, o fato é que a idéia trazida pelo §3º do art. 515 não configura uma novidade na ciência processual, e nem se mostra tão ousada na linha evolutiva do processo civil.

 

Com efeito, segundo nos mostra interessante estudo realizado por Estevão Mallet, “a nova previsão do §3º do art. 515 do CPC não é completa novidade no direito brasileiro e muito menos no comparado.”[43]

 

Conforme Mallet, as Ordenações Filipinas impunham, de regra, o imediato julgamento do mérito da causa na hipótese de reforma de sentença terminativa, repelindo a devolução dos autos ao juízo a quo para novo julgamento. Essa regra somente seria afastada se ambas as partes requeressem o julgamento pelo juízo de primeiro grau.

 

Nesse sentido também dispôs o Código de Processo da Bahia, em seu artigo 1.290, nos seguintes termos: “Tendo o juiz de primeira instância deixado, por qualquer motivo, de julgar a causa de meritis, a turma ou o juiz da appellação, si entender que isto não obsta que se conheça do pedido, julgará a causa definitivamente.”

 

No direito comparado a idéia não constitui novidade, estando presente, na legislação portuguesa, francesa, chilena e até mesmo nos ordenamentos jurídicos da commow law. A conclusão é a de que a solução consagrada no §3º do art. 515 do CPC encontra amplo respaldo nos mais diversos diplomas legislativos.[44]

 

É importante a referência a esses fatos, no intuito de se desmistificar o dispositivo, pois ao se constatar que comandos semelhantes já estiveram presentes em nosso sistema, bem como estão presentes em vários outros sistemas, caem por terra eventuais argumentos no sentido de que a ampla devolutividade conferida aos tribunais constitui uma impropriedade, ou uma violação aos princípios processuais, ou ainda uma má opção legislativa. Sabendo-se que entre nós essa ampla devolutividade já vigorou, e que outros povos não abrem mão de adotá-la, resulta imotivado o preconceito que possa recair sobre o art. 515, §3º do CPC, bem como da ampliação de seu âmbito de incidência.

 

Como é natural do ser humano, tudo o que é desconhecido causa temor e resistência. É justamente com a real compreensão do que de início se desconhece que são afastados o  injustificado temor e a imotivada resistência.

 

A resistência injustificada a novas soluções que visem a maior efetividade do processo choca-se com os ideais de instrumentalidade do processo, que norteiam a moderna ciência processual. Conforme tem sido dito, o apego a velhas formas e o exagerado culto a rituais ortodoxos já não são mais suportados pela sociedade, que clama pelo ideal de justiça eficaz. As velhas são estruturas processuais já não comportam a reverência de outrora, sendo necessária a presença de uma mentalidade menos formalista e mais pragmática na atuação processual.[45]

 

Não se trata de destruir o que já foi construído, ou de revolucionar o sistema, mas sim de buscar a evolução do processo tendo em vista os seus fins de fazer valer o direito material. Para Cândido Rangel Dinamarco “não se trata de ‘desprocessualizar’ a ordem jurídica. É imenso o valor do processo e nas formas dos procedimentos legais estão depositados séculos de experiência que seria ingênuo querer desprezar. O que é preciso é desmistificar regras, critérios, princípios e o próprio sistema.”[46]

 

 

7.4. A extensão do efeito devolutivo determinada pelo dispositivo: aplicação ex officio e reformatio in pejus

 

Presentes os pressupostos de aplicação do dispositivo, o julgamento imediato do mérito não constitui mera faculdade conferida ao tribunal, mas sim verdadeiro dever.[47]

Se, por um lado, a atividade jurisdicional somente poderá ser exercida mediante provocação, em obediência ao princípio da inércia jurisdicional, também é sabido que vige em nosso sistema o princípio do impulso oficial, “pelo qual compete ao juiz, uma vez instaurada a relação processual, mover o procedimento de fase em fase, até exaurir a função jurisdicional.”[48]

 

Com efeito, o prosseguimento dos atos procedimentais constitui um dever do juiz, que deverá impulsionar o processo até seu final desfecho.

 

Conforme a melhor doutrina, exposta na lição de Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, embora a jurisdição seja inerte, o processo, uma vez instaurado, não pode ficar à mercê das partes e “é conveniente que assim seja, em virtude do predomínio do interesse público sobre o particular, a exigir que a relação processual, uma vez iniciada, se desenvolva e conclua no mais breve tempo possível, exaurindo-se, dessa maneira, o dever estatal de prestar o serviço jurisdicional.”[49]

Não sem razão o CPC dispõe que compete ao juiz dirigir o processo e velar pela rápida solução do litígio (art. 125, inc. II).

 

Ora, sempre que o tribunal aproveita o conteúdo dos autos para já julgar a demanda, ao invés de remetê-los à primeira instância para cumprimento de meras formalidades ou prática de atos inúteis, estará ele dirigindo o processo com vistas à rápida solução do litígio, em atendimento aos reclamos da tão perseguida efetividade do processo, que por sua vez constitui o objeto da onda renovatória na qual atualmente navega a moderna ciência processual.

 

Transportando tais idéias para a compreensão do art. 515, §3º do CPC, forçoso se torna reconhecer o poder-dever do tribunal em julgar a lide, sempre que isso for possível.

Após a cassação da sentença terminativa, o exame de mérito constitui atividade a ser desenvolvida ex officio pelo tribunal, ou seja, independentemente da vontade do apelante. [50]

 

Nesse particular, reiteramos o que foi dito acerca da independência do §3º em relação ao caput do art. 515. Em que pese o caput adotar a regra de que é o apelante que fixa os limites do recurso (tantum devolutum quantum apellatum), o §3º é uma exceção. Cada um desses dispositivos possui seu âmbito de incidência, tratando cada qual de hipóteses diversas.

 

Não há contradição entre a determinação da extensão do efeito devolutivo pelo apelante (regra do art. 515, caput) e a devolução obrigatória do mérito nas hipóteses de extinção do processo sem julgamento de mérito (§3º), já que esse é exceção à regra. [51]

 

Sendo o caso de julgamento, o tribunal deve julgar, independentemente de pedido da parte, sem que isso cause ofensa ao sistema processual. Caso o tribunal julgue a causa em favor do apelante, essa decisão não afronta seus interesses, pois evidente que ele não teria interesse processual no retorno dos autos ao juízo de primeira instância. Muito pelo contrário, há manifesta vantagem para o apelante em já ter por decidida sua demanda, adiantando em anos a prestação jurisdicional.

 

Por outro lado, o desejo da parte apelante em ver o retorno dos autos ao juízo de origem para produção de provas não pode vincular o tribunal. É o julgador que decide se as provas requeridas são ou não pertinentes. Entendendo pela pertinência de dilação probatória, assim determinará o tribunal, pois não será aplicável o §3º do art. 515, por não estar a lide em condições de imediato julgamento (“maturidade” da causa). Ao contrário, entendendo não ser pertinente a dilação probatória, concluindo por estar “madura” a causa, o tribunal deverá decidir o mérito da demanda. Nesse caso, o desejo do apelante em produzir provas não tem o condão de impedir o imediato julgamento pelo tribunal, eis que, nos termos do art. 130, cabe ao magistrado determinar as provas necessárias ao julgamento, indeferindo as diligências que entender inúteis ou meramente protelatórias, ainda que a parte com isso não concorde. [52]

 

Eventualmente, poderá ocorrer resultado menos favorável ao apelante, eis que na aplicação do §3º do art. 515 o tribunal poderá decidir que o autor-apelante não possui razão, o que implicará em improcedência do pedido, despontando, assim, a questão referente à possibilidade de reformatio in pejus.

 

Nesse particular, invocamos a lição de Bedaque: “Admitida essa premissa, chega-se à conclusão inexorável de que o sistema processual brasileiro passou a admitir, ainda que em caráter excepcional, a reformatio in pejus. O apelante pretendia simplesmente a cassação da sentença terminativa e acabou recebendo pronunciamento de mérito contrário a seus interesses. Sem dúvida, sua situação piorou com o resultado do julgamento realizado em 2.° grau. Mas a solução é previsível e justificável, pois representa simplesmente a antecipação de um resultado que, mais cedo ou mais tarde, viria a ocorrer. Aceita-se a limitação ao duplo grau, princípio inerente ao sistema, mas não dogma intangível, em nome da celeridade processual, especialmente porque não se vislumbra prejuízo a qualquer das partes.” [53]

 

Com efeito, não se vislumbra prejuízo para as partes às quais o Judiciário confere uma prestação jurisdicional antecipada.

 

Salvo para o litigante protelatório, que se vale do Judiciário como um instrumento de postergação do cumprimento das obrigações, opondo as mais injustificadas exceções, impugnações e recursos procrastinatórios, a rápida solução do litígio configura verdadeiro alívio para o jurisdicionado.

 

Fora desses casos, em que a indefinição da situação é querida pelo litigante de má-fé, a célere prestação jurisdicional acarreta um benefício que transcende o círculo dos litigantes. Um processo rápido traz um reconhecido benefício social, que impulsionou o legislador constituinte, através da Emenda Constitucional n. 45, a incluir no texto constitucional a celeridade processual como uma garantia fundamental em nosso Estado Democrático de Direito. Nestes termos, dispõe o novo inciso LXVIII da Constituição Federal que: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”

 

A morosidade judicial traz inúmeros prejuízos às partes, sobre as quais recai a angústia da incerteza sobre o seu direito, sendo mesmo preferível uma pronta decisão razoável do que uma bela decisão proferida após longos anos, quiçá mais de uma década de litígio.

 

A propósito, trazemos a lume a pertinente observação de Fernando da Fonseca Gajardoni, no sentido de que, “a excessiva demora do processo, mesmo que se tenha, ao final, uma decisão segura – com a entrega do bem da vida perseguido a quem de direito – gera nas partes litigantes, principalmente no vencedor da demanda, independentemente de fatores de compensação (juros e correção monetária), inconteste dano marginal. Trata-se de um fator depreciativo, de faceta emocional e material, do objeto que deveria ser prontamente tutelado pelo processo.”[54]

 

Desse modo, impõe-se ao processualista moderno extrair das normas legais as interpretações que propiciem o máximo de efetividade processual, sempre em defesa de mecanismos que tenham por finalidade superar a morosidade que atualmente infecta nosso Judiciário.

 

E, nesse sentido, a interpretação que se impõe é a que confere ao Tribunal o dever de apreciar as demandas a ele submetidas, apreciando, tanto quanto o possível, o mérito das causas, conferindo-lhes um desfecho definitivo. Tal medida se justifica não só juridicamente, mas também socialmente, pois como é de conhecimento geral, uma apelação não raro aguarda longos cinco anos para ser apreciada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.[55]

 

Admitir que o Tribunal, mesmo tendo condições de julgar de pronto o mérito da causa, determine o retorno dos autos à primeira instância por mera obediência a formalidades desnecessárias, constitui demasiada injustiça.

 

Por fim, em que pese a existência de respeitável entendimento no sentido da aplicação do §3º do art. 515 (obrigatoriedade da análise ex officio do mérito pelo Tribunal após a cassação da sentença terminativa) poder ser afastada por pedido expresso do apelante, que manifeste em seu recurso o desejo de limitar o âmbito da análise a parte do pedido,[56] entendemos que o poder-dever do Tribunal em aplicar o dispositivo não pode ser afastado pela vontade das partes, eis que, além dos motivos acima expostos, se trata de imposição ex vi lege.

 

Concluímos, pois, com Estevão Mallet: “Desnecessário, como visto, requerimento para que se aplique o §3º do art. 515 do CPC, não há falar em oposição do recorrente ou mesmo do recorrido ao imediato julgamento do mérito. A conclusão do processo não fica sujeita à iniciativa das partes (CPC, art. 262). Se o litígio já se encontra em condições de julgamento, não podem as partes se opor a que isso ocorra, nem lhes cabe produzir diligências inúteis ou protelatórias (CPC, art. 130, parte final).”[57]

 

O raciocínio é válido mesmo que o autor-apelante desista expressamente de parte do pedido formulado inicialmente na demanda. Nem com a concordância do réu, a matéria já debatida, e não apreciada pelo juiz diante da extinção do processo sem julgamento do mérito, poderá deixar de ser apreciada pelo Tribunal. A atividade jurisdicional não pode ser disciplinada a bel prazer pelas partes. O princípio dispositivo tem limites. No caso de desistência da ação ela pode ocorrer até a sentença, já que até aí não houve ainda definição das questões colocadas em debate[58]. Ainda que a sentença não tenha apreciado as questões de mérito, estando o processo em condições de julgamento, o Tribunal deve apreciá-las, não permitindo que no futuro, essas mesmas questões venham a ser apresentadas em juízo. O que é possível ao autor é renunciar ao direito, hipótese prevista no inciso V do artigo 269, o que implicará em resolução de mérito, com conseqüente formação de coisa julgada material e, portanto, imutabilidade dos efeitos daí decorrentes. A atividade jurisdicional deve ser otimizada.  

 

 

7.5. O art. 515, §3º e os vícios da sentença por falta de correlação com a demanda (aplicação perante as sentenças extra, ultra e citra petita).

 

Conforme anota Cândido Rangel Dinamarco, “é norma inerente ao processo civil moderno dos países de cultura romano-germânica a vinculação do juiz aos limites da demanda”, de modo que o magistrado fica adstrito aos seus limites (objetivos e subjetivos), regra esta ditada pelo nosso CPC no seu art. 128. [59]

 

Com efeito, a delimitação da demanda é feita pelo autor, cabendo ao juiz decidir de acordo com os limites fixados na petição inicial. Desse modo, junto com o princípio dispositivo caminha o princípio da correlação (ou congruência), pelo qual a decisão judicial fica limitada ao que for pedido, sendo vedado ao juiz proferir sentença extra, citra ou ultra petita, e nesse sentido dispõe o art. 460 do CPC.

 

Assim, incorrerá em vícios intrínsecos a sentença ultra petita (além do pedido), extra petita (fora do pedido) e citra petita (aquém do pedido), a serem reparados em via recursal ou mediante propositura de ação rescisória, nos termos do art. 485, V do CPC.[60]

Haverá sentença ultra petita quando o juiz conceder o pedido em quantidade superior à postulada. Nesse caso, não se cogita de anulação, bastando à parte prejudicada a interposição de recurso de apelação para que o tribunal reduza a condenação aos limites do pedido.[61]

 

A sentença será extra petita se o juiz apreciar pedido ou causa de pedir diferentes do proposto pelo autor na inicial, ou seja, quando houver pronunciamento judicial sobre algo que não foi pedido ou embasado em fundamentos não argüidos pelas partes. Tal é considerada nula, entendendo-se, ainda, que havendo recurso de apelação caberá ao tribunal declarar a nulidade da decisão e devolver os autos ao juízo a quo para que seja proferida outra sentença.[62]

 

Já a sentença citra petita é aquela em que o juiz não aprecia todo o pedido formulado, ou todos os pedidos formulados, no caso de cumulação, hipótese em que o magistrado se esquece de apreciar um ou mais pedidos. A sentença citra petita também é considerada nula, e, tal qual ocorre com a extra petita, entende-se que havendo apelação incumbe ao tribunal declarar a nulidade e remeter os autos ao juiz para que este prolate nova sentença, apreciando todo(s) o(s) pedido(s) formulado(s).[63] Tal vício também é sanável via embargos de declaração, por meio do qual provoca-se a manifestação do juiz acerca de sua omissão concernente ao pedido não apreciado.[64]

 

Em que pese a posição doutrinária e jurisprudencial predominante acerca da anulação e conseqüente devolução dos autos ao juízo de primeira instância, nos casos de sentença extra e citra petita, nos parece não ser o melhor entendimento.  Melhor seria que se desse a elas um tratamento uniforme, nos mesmos moldes do que é concedido às sentenças ultra petita, ou seja, aproveitando-se a sentença em sede de apelação, procedendo o tribunal, sempre que possível, não à anulação da decisão, mas sim à sua reforma, ou, ainda que se entenda ser caso de anulação, que seja incontinenti, apreciado o mérito pelo Tribunal.

 

De fato, não há razão plausível para, em caso de sentença ultra petita, o tribunal corrigir a decisão, aproveitando-a tanto quanto possível, e, nos casos de extra e citra petita, a decisão ser anulada mesmo quando aproveitável. Se no caso de sentença ultra petita os tribunais corrigem a decisão, adequando-a ao pedido, qual a razão de não procederem da mesma forma no caso de citra petita ? Se a resposta a esta indagação, até algum tempo atrás, poderia ser a de que ao apreciar pedido omisso na sentença o tribunal estaria infringindo o princípio do duplo grau de jurisdição, após o advento do §3º do art. 515 do CPC, esta proibição já não existe mais.

 

Entender de modo diverso importa perder-se em contradição.

 

Se o art. 515, §3º do CPC permite que o tribunal julgue apelação de sentença terminativa, apreciando e decidindo um mérito que passou totalmente despercebido pelo juízo a quo, é claro que com maior razão deve-se entender possível o julgamento pelo tribunal de uma causa decidida por sentença definitiva, na qual houve expressa apreciação meritória por parte do juiz de primeira instância, apenas se omitindo este na apreciação de algum dos pedidos.

 

Em outras palavras, se de acordo com o permissivo do art. 515, §3º, o tribunal pode afastar a extinção do processo sem julgamento do mérito, apreciando o mérito da demanda, por que não poderia fazer o mesmo quando constata que um determinado pedido não foi apreciado na origem?

 

Mutatis mutandi, o mesmo entendimento da aplicação do dispositivo às sentenças citra petita é extensível às extra petita. Conforme já dito, o tratamento conferido ao julgamento em segunda instância em hipóteses de decisões ultra, extra e citra petita comporta tratamento uniforme por aplicação do art. 515, §3º do CPC.

 

Anular a sentença devolvendo o processo à instância originária é procedimento incompatível com a vontade da lei, que é justamente a de que o tribunal aproveite ao máximo a causa que chega em segunda instância, somente devolvendo os autos ao juízo a quo quando não seja possível decidir o mérito.

 

Retornar o processo à instância inferior após a anulação da sentença quando possível o julgamento do mérito constitui prática totalmente contrária aos reclamos da sociedade e às mais modernas tendências da ciência processual, que, atualmente, caminha com vigor nos trilhos da instrumentalidade do processo.

 

Para Estevão Mallet comentando o §3º do art. 515 do CPC: “... se a causa, quando de seu exame no juízo do recurso, diante do estado que se encontra, já comporta julgamento de mérito, não há razão suficiente para que se devolvam os autos ao juízo de primeiro grau, a fim de que nova sentença seja proferida, tanto mais quando é muito provável que a nova decisão venha a ser impugnada, retornando o feito ao exame do tribunal. Haveria considerável gasto adicional de tempo e significativo acréscimo de custo para o aparelho judiciário, com ganho qualitativo pouco expressivo.”[65]

 

Portanto, em que pese o fato da jurisprudência ter se orientado no sentido da inaplicabilidade do art. 515, §3º do CPC às hipóteses de sentenças extra e citra petita,[66] é elogiável o surgimento de respeitável entendimento contrário em nossos tribunais, constituindo corrente jurisprudencial que, em boa hora, vem oxigenar a aplicação pretoriana do art. 515, §3º do CPC.

 

Merece registro acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo relatado por Bedaque, onde no julgamento de apelação interposta de sentença extra petita, anulou-se aquela e em ato contínuo houve apreciação do meritum causae, sem, portanto, haver devolução dos autos à origem [67].

 

Ainda a merecer registro, outros dois julgados onde ocorreu a aplicação do dispositivo em hipóteses de decisão extra e citra petita, a saber:

 

(...) SENTENÇA EXTRA PETITA. APELAÇÃO. RECONHECIMENTO DO VÍCIO. ANULAÇÃO DA DECISÃO E JULGAMENTO DO MÉRITO PELO TRIBUNAL. APLICAÇÃO DO ART. 515, § 3º, DO CPC. POSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DE APELO VOLUNTÁRIO. PRINCÍPIO DA DEVOLUTIVIDADE DOS RECURSOS (...).

 

O acórdão recorrido resolveu adequadamente a questão. Inicialmente anulou a sentença, que havia extrapolado os limites do pedido. Em seguida, usando da faculdade concedida pelo legislador, prevista no art. 515, § 3º, do CPC, considerou a causa madura para julgamento e adentrou no mérito da questão (...).[68]

 

 

“EMENTA. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. JULGAMENTO DE MÉRITO. SENTENÇA CITRA PETITA. INCIDÊNCIA DO § 3º, DO ARTIGO 515, DO CPC. JULGAMENTO DA LIDE NA INSTÂNCIA AD QUEM.

 

Deve ser reformada a sentença que, apesar de materializar julgamento de mérito, é citra petita, sendo possibilitado à apreciação da lide pelo órgão Ad Quem, dada à incidência do constante no § 3º, do artigo 515, do Código de Processo Civil (sic).

(TJMA, acórdão n. 50.301/2004, 3ª Câmara Cível, Rel. Des. Cleonice Silva Freire, v.u).” [69]

 

Ficam aqui os nossos aplausos na esperança de que esse entendimento prospere na jurisprudência, eis que consentâneo com os ideais de efetividade e instrumentalidade do processo que evidentemente constituem a marca notória da moderna ciência processual.

 

 

8. O § 4º do artigo 515        

 

A Lei nº 11.276 de 08.02.2006, em vigor após noventa dias da data da sua publicação, acrescentou um § 4º ao artigo 515, com a seguinte redação: “Constatando a ocorrência de nulidade sanável, o tribunal poderá determinar a realização ou renovação do ato processual, intimadas as partes; cumprida a diligência, sempre que possível prosseguirá o julgamento da apelação."

 

Tal regra de conversão do julgamento em diligência já existia no CPC, precisamente no § único do artigo 560: “Versando a preliminar sobre nulidade suprível, o tribunal, havendo necessidade, converterá o julgamento em diligência, ordenando a remessa dos autos ao juiz, a fim de ser sanado o vício”.

 

A nova regra deixa ainda mais claro que após o saneamento da nulidade, deve o Tribunal julgar o recurso.

 

Trata-se de mais um indicativo do que deseja o legislador do Tribunal: “sempre que possível, mas sempre que possível mesmo, reforme a sentença e não a anule”.

 

Assim, se por exemplo foram juntados documentos em alegações finais a respeito dos quais a parte recorrente não tenha se manifestado, o Tribunal pode perfeitamente determinar a manifestação em 2º grau, evitando, com isso, o decreto de nulidade.

 

Tal conclusão só vem a confirmar tudo o que foi dito em relação ao que se espera das chamadas cortes de revisão: só anulem em último caso, quando a nulidade for insuperável, quando dela advier prejuízo irreparável do ponto de vista substancial e não puramente formal. Ainda que a nulidade seja absoluta, se o prejuízo não existir, deve ser aproveitado o ato processual (§ § 1º e 2º do art. 249).

 

A “efetividade das regras formais do processo, em legítimo equilíbrio com os temperamentos aportados pelas duas cláusulas de legítima tolerância, depende estritamente da participação consciente do juiz. A ruptura do desejável equilíbrio pode gerar insegurança às partes ou prejudicar a correta interpretação das intenções e vontades dos sujeitos processuais, favorecendo o predomínio das formas sobre o conteúdo substancial do ato”.[70]

 

Deve-se aplicar, em essência, o princípio da instrumentalidade das formas observado em vários dispositivos do CPC: art. 244 “quando a lei prescrever determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade; art. 249 § 1º “o ato não se repetirá nem se lhe suprirá a falta quando não prejudicar a parte” ; § 2º “quando puder decidir o mérito a favor da parte a quem aproveita a declaração da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato, ou suprir-lhe a falta”; art. 250 § único “dar-se-á o aproveitamento dos atos praticados, desde que não resulte prejuízo à defesa”. A “instrumentalidade das formas é uma regra de grande amplitude e não se limita às nulidades relativas”.[71]

 

Citando, mais uma vez, a doutrina processual de vanguarda, Bedaque, na tese com que obteve, em novembro de 2005, o título de Professor Titular de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, ao tratar da possibilidade de julgamento liminar com improcedência da demanda (atual artigo 285-A) sustentou que afirmar-se a inexistência do processo porque não realizada a citação é desconsiderar o objeto desse ato de comunicação processual e os escopos do próprio processo e retroceder às Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, que incluíam a falta de citação como causa de inexistência da sentença. O fato de haver falta de citação e revelia não causará nenhum prejuízo ao réu se a demanda for julgada improcedente, e assim deverá agir o magistrado, ignorando a falta do pressuposto processual. A esfera jurídica do réu acabou sendo preservada, logo, concluir pela inexistência do processo pela falta de citação é impedir o resultado, em prejuízo daquele que a citação destina-se a proteger.[72]  

 

Nessa onda de instrumentalidade parece também surfar Teresa Arruda Alvim Wambier que defendeu, em artigo publicado na internet, a aplicação ampla do princípio da fungibilidade, e nesse estudo, citou acórdão, que, em mandado de segurança, não reconheceu a decadência da demanda mandamental para conhecê-la como declaratória e acolhê-la, in verbis: “Em síntese, não houve qualquer prejuízo ao contraditório. Os efeitos práticos de ambas as tutelas também são idênticos: o reconhecimento do direito à sexta-parte. Por tudo isso, a ausência de interesse processual quanto à tutela mandamental, pelo decurso do prazo de 120 dias, não constitui mais óbice ao julgamento do mérito. O reconhecimento da carência da ação nesta oportunidade não condiz com a natureza instrumental do processo” (Apelação nº 205.864-5/5, da Comarca de São Paulo, relator Roberto dos Santos Bedaque). [73] 

 

Teori Zavascki, em outro contexto (execução de sentença declaratória), também defendeu a mesma idéia de instrumentalidade: “no atual estágio do sistema processual civil brasileiro não há como insistir no dogma de que as sentenças declaratórias jamais têm eficácia executiva. O art. 4º, parágrafo único, do CPC considera “admissível a ação declaratória ainda que tenha ocorrido a violação do direito”, modificando assim, o padrão clássico da tutela puramente declaratória, que a tinha como preventiva. Atualmente, portanto, o Código dá ensejo a que a sentença declaratória, possa fazer juízo completo a respeito da existência e do modo de ser da relação jurídica concreta. Tem eficácia executiva a sentença declaratória que traz definição integral da norma jurídica individualizada. Não há razão alguma, lógica ou jurídica, para submetê-la, antes da execução, a um segundo juízo de certificação, até porque a nova sentença não poderia chegar a um resultado diferente do da anterior, sob pena de comprometimento da garantia da coisa julgada, assegurada constitucionalmente. E instaurar um processo de cognição sem oferecer às partes e ao juiz outra alternativa de resultado que não um, já prefixado, representaria atividade meramente burocrática e desnecessária, que poderia receber qualquer outro qualificativo, menos o de jurisdicional. A sentença declaratória que, para fins de compensação tributária, certifica o direito de crédito do contribuinte que recolheu indevidamente o tributo, contém juízo de certeza e de definição exaustiva a respeito de todos os elementos da relação jurídica questionada e, como tal, é título executivo para a ação visando à satisfação, em dinheiro, do valor devido”.[74]

 

O alcance do dispositivo em foco (§ 4º do art. 515) deve estar além do que uma interpretação literal indicaria, ou seja, aplicação apenas para a supressão de nulidade sanável. A interpretação que se espera do dispositivo também deve contemplar a hipótese de conversão do julgamento em diligência para colheita de prova de ofício, para melhor formação do convencimento do magistrado na busca da verdade real.  Essa atitude do magistrado não fere o princípio da demanda, como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça.[75] Além disso, “diante do cada vez maior sentido publicista que se tem atribuído ao processo contemporâneo, o juiz deixou de ser mero espectador inerte da batalha judicial, passando a assumir posição ativa, que lhe permite, dentre outras prerrogativas, determinar a produção de provas, desde que o faça com imparcialidade e resguardando o princípio do contraditório”.[76]

 

 

9. Conclusões

 

O conceito inicial estabelecido para o efeito devolutivo dos recursos precisa ser agora reconstruído para englobar não só o comando do caput do artigo 515, mas também os seus parágrafos e o artigo 516. Ousamos afirmar que o efeito devolutivo consiste na devolução para o órgão ad quem das matérias (questões ou pontos) de mérito ou processuais sujeitos à preclusão - não conhecíveis de ofício: a) apreciadas pelo juiz e impugnadas no recurso; b) não apreciadas pelo juiz e independentes de impugnação no recurso.

 

O § 3º do artigo 515 constitui disposição autônoma de devolução em relação ao caput e aos parágrafos do artigo 515, já que esse tem aplicação quando há apreciação do mérito na instância originária, enquanto naquele, o tribunal está autorizado a apreciar o mérito ainda intocado, já que a regra é aplicada quando há reforma da sentença de extinção do processo sem resolução de mérito. Constitui inovação salutar no sistema processual permitindo que o Tribunal alargue o seu alcance para abranger também as hipóteses de reforma ou anulação de sentença citra, extra ou ultra petita.

 

O § 4º do artigo 515 que já não era novidade no CPC (vide artigo 560 § único) veio em boa hora para deixar mais límpida a intenção do legislador em ver no Judiciário um aproveitamento otimizado no julgamento dos recursos. Sempre que possível, o Tribunal deve aproveitar o julgamento do recurso para realizar a verdadeira jurisdição, proferindo julgamento de mérito, acelerando a marcha processual em busca da tão aclamada efetividade.

 

Marcio Henrique Mendes da Silva - Procurador do Estado de São Paulo, especialista em Direito Processual Civil, mestre em Direito Público e professor da Faculdade de Direito de Franca.

 



[1] Direito processual civil brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva. 2003, v. 2, p. 295.

[2] Tal sistemática se aplica ao Recurso Ordinário Constitucional, que, embora seja julgado pelo Superior Tribunal de Justiça ou pelo Supremo Tribunal Federal, equivale a uma apelação, não se lhe aplicando a regra de limitação do efeito devolutivo dos Recursos Especial e Extraordinário.

[3] BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao código de processo civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2004, v. 5, p. 445.

[4] BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao código de processo civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2004, v. 5, p. 429.

[5] Capítulos de Sentença.São Paulo: Malheiros. 2002, p. 100.

[6] E prossegue o festejado processualista, em seu exaustivo estudo que se traduz em autorizada lição: “Se o autor invocara dois fundamentos para o pedido, e o juiz o julgou procedente apenas por um deles, silenciando sobre o outro, ou repelindo-o, a apelação do réu, que pleiteia  declaração da improcedência, basta para devolver ao tribunal o conhecimento de ambos os fundamentos; caso, a seu ver, o pedido mereça acolhida justamente pelo segundo fundamento, e não pelo primeiro, o tribunal deve negar provimento ao recurso, “confirmando” a sentença na respectiva conclusão, mediante correção dos motivos. Se o juiz julgou improcedente o pedido, examinando só o fundamento a, e omitindo-se quanto ao fundamento b, a apelação do autor permite ao tribunal julgar procedente o pedido, sendo o caso, quer pelo fundamento a, quer pelo fundamento b.

Analogicamente, se o réu opusera duas defesas, e o juiz julgou improcedente o pedido, acolhendo uma única dentre elas, a apelação do autor devolve ao órgão ad quem o conhecimento de ambas: o pedido poderá ser declarado improcedente, no julgamento da apelação, com base na defesa que o órgão a quo repelira, ou sobre a qual não se manifestara. Se o juiz julgou procedente o pedido, rejeitando a defesa a e omitindo-se quanto à defesa b, a apelação do réu permite ao tribunal, sendo o caso, julgar improcedente o pedido, com apoio seja em a seja em b.

Em nenhuma dessas hipóteses precisa a parte vencedora interpor, por sua vez, apelação, quer independente, quer adesiva, para insistir no fundamento do pedido ou da defesa que tenha sido rejeitado, ou a cujo respeito haja silenciado a sentença. A apelação, aliás, seria inadmissível, por falta de interesse. Tampouco é necessário que a parte insista expressamente no fundamento desprezado, ao arrazoar o recurso do adversário: a devolução produz-se de qualquer maneira, ex vi legis.” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao código de processo civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2004, v. 5, p. 444/445).

[7] Manual de direito processual civil. Atualização de Ovídio Rocha Barros Sandoval. 9. ed. Campinas: Millenium. 2003, v. 2, p. 406/407.

[8] Manual de direito processual civil. Atualização de Ovídio Rocha Barros Sandoval. 9. ed. Campinas: Millenium. 2003, v. 2, p. 407.

[9] Direito processual civil brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva. 2003, v. 2, p. 296.

[10] Direito processual civil brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva. 2003, v. 2, p. 296.

[11] Segundo o processualista, “a profundidade abrange os antecedentes lógico jurídicos da decisão impugnada, de maneira que, fixada a extensão do objeto do recurso pelo requerimento formulado pela parte apelante, todas as questões suscitadas no processo que podem interferir assim em seu acolhimento como em sua rejeição, terão de ser levadas em conta pelo tribunal (art. 515, §1º)” (Curso de direito processual civil. 41. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2004, v. 1, p. 531).

[12] Curso de direito processual civil. 41. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2006, v. 1, p. 634.

[13] Curso de direito processual civil. 41. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2006, v. 1, p. 634

[14] Processo civil: recursos. Série Fundamentos Jurídicos. 3.ed. São Paulo: Atlas. 2002, p. 69/70.

[15] Comentários ao código de processo civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2004, v. 5, p. 450.

[16] Comentários ao código de processo civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2004, v. 5, p. 450.

[17] Comentários ao código de processo civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2004, v. 5, p. 450/451.

[18] Direito processual civil brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva. 2003, v. 2, p. 297.

[19] Direito processual civil brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva. 2003, v. 2, p. 297.

[20] Código de processo civil comentado. 8. ed. São Paulo: RT. 2004, p. 972.

[21] Processo civil: recursos. Série Fundamentos Jurídicos. 3.ed. São Paulo: Atlas. 2002, p. 71/72.

[22] Curso de direito processual civil. São Paulo: RT. 2000, v. 2, p. 144.

[23] Manual dos Recursos Cíveis. São Paulo: Malheiros: 2000, p. 100/101.

[24] “A causa petendi é composta na hipótese em que corresponde a uma pluralidade de fatos individuadores de uma única pretensão”. A Causa Petendi no Processo Civil. 2. ed.São Paulo: RT. 2001, p. 156.   

[25] Facilitando o entendimento do assunto, o culto processualista exemplifica: “O excesso de velocidade, alegado numa demanda indenizatória, é um ponto de fato; negado esse pelo réu, surge uma questão de fato. A incidência de correção monetária a partir de determinado momento é um ponto de direito; impugnado o critério pelo adversário, eis uma questão de direito.” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros. 2004, v. 3, p. 36).

[26] É de Dinamarco a notícia de que a doutrina brasileira recepcionou com boa dose de entusiasmo essa concepção de um trinômio de questões a serem apreciadas pelo juiz no processo de conhecimento, atribuída a Liebman (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros. 2004, v. 2, p. 620).

[27] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros. 2004, v. 3, p. 36.

[28] Gilson Delgado Miranda e Patrícia Miranda Pizzol. Processo civil: recursos. Série Fundamentos Jurídicos. 3.ed. São Paulo: Atlas. 2002, p. 69/70.

[29] Registre-se que, embora a recente Lei n. 11.232 de 22 de dezembro de 2005 (que estabeleceu a fase de cumprimento das sentenças no processo de conhecimento e modificou o sistema de execução fundada em título judicial) tenha dado nova redação ao art. 267, alterando a expressão “extingue-se o processo, sem julgamento do mérito” por “extingue-se o processo, sem resolução de mérito”, a redação do §3º do art. 515, por um cochilo do legislador, não foi modificada. Contudo, tal deslize não acarreta maiores conseqüências, eis que não há nenhuma incongruência entre o §3º do art. 515 e o novo art. 267, restando, assim, imperfeição meramente terminológica ou semântica.

[30] Ainda suas palavras: “Tradicionalmente, a ordem processual limita a devolução possível na apelação interposta contra sentenças terminativas, impedindo que o tribunal, ao lhe dar provimento, vá além e julgue desde logo a causa: segundo essa regra tradicional, limitar-se-á o tribunal a reformar aquela sentença e determinar que o meritum causae seja julgado pelo juiz inferior, sem se pronunciar ele próprio a respeito. Sempre foi assim no processo civil brasileiro, assim é no processo penal do país e assim dispõem os sistemas processuais da Europa em geral. Tal é um antiqüíssimo culto ao princípio do duplo grau de jurisdição, que por um lado manda oferecer meios para que o vencido tenha acesso aos tribunais e, por outro, exige que primeiro julgue o juiz inferior para que só depois o tribunal possa julgar. Recentemente, porém, o §3º que a Reforma da Reforma incluiu no art. 515 do Código de Processo Civil opera uma verdadeira revolução quanto a esse ponto, ao mandar que o tribunal, ao reformar a sentença civil terminativa, vá sim além da pura reforma e julgue o mérito, sempre que a instrução esteja completa e a causa, madura para esse julgamento” (Os efeitos dos recursos. In: NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim Wambier (coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a lei 10.352/2001. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. v. 5. p. 37/38).

[31] Nesse sentido, Cândido Rangel Dinamarco afirmou estar afastada a suspeita de que a regra do art. 515, §3º viesse a pecar por vício de inconstitucionalidade ao permitir um julgamento per saltum, com a exclusão da decisão da causa pelo juízo inferior, eis que a ordem constitucional brasileira prestigiou o duplo grau de jurisdição como um princípio, mas não como uma garantia” (Os efeitos dos recursos. In: NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a lei 10.352/2001. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. v. 5. p.38).

[32] Comentários ao código de processo civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2004, v. 5, p. 430.

[33] Como bem afirmou Gilson Delgado Miranda, ao comentar o dispositivo em exame: “O novel comando, à saciedade, está em consonância com a onda reformista no sentido de se alcançar o acesso a ordem jurídica justa, minimizando, pois, os embaraços formais à prestação jurisdicional. É o que alguns denominam de “julgamento da causa madura” pelo tribunal. Com efeito, autorizando-se o tribunal a julgar o mérito, a par da extinção do processo sem a apreciação do pedido, valorizaremos os princípios da instrumentalidade e da efetividade do processo” (Código de processo civil interpretado. MARCATO, Antonio Carlos (coordenador). São Paulo: Atlas. 2004, p. 1557).

[34] A recentíssima reforma do sistema recursal brasileiro – análise das principais modificações introduzidas pela Lei 10.352/2001, e outras questões. In: NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. v. 6. p. 337.

[35] Expressões como “teoria da causa madura” ou “princípio da causa madura” são verificadas na jurisprudência do STJ, constantes, dentre outros, dos seguintes julgados: “A despeito de a sentença ter extinto o processo sem julgamento do mérito, é permitido ao Tribunal de origem julgar desde logo a lide, se a causa versar sobre questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento, por força da Teoria da Causa Madura, atualmente positivada no art. 515, § 3º, do CPC. Precedentes.” (Resp. 591.311 – DF. 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ 06.02.2006 p. 294 – grifamos). A expressão “Princípio da Causa Madura”, por sua vez, é encontrada no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 18.056 – RS, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 28.02.2005 p. 256).

[36] Código de processo civil interpretado. MARCATO, Antonio Carlos (coordenador). São Paulo: Atlas. 2004, p. 1558. No mesmo sentido: José Roberto dos Santos Bedaque (Apelação: questões sobre admissibilidade e efeitos. In: NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. v. 7. p. 448).

[37] Código de processo civil comentado. 8. ed. São Paulo: RT. 2004, p. 972.

[38] “O art. 515, § 3º do CPC, incluído pela Lei 10.352/2001, veio para permitir que o Tribunal, nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito, pudesse julgar desde logo a lide, em se tratando de questão exclusivamente de direito ou quando devidamente instruído o feito (‘causa madura’)” (Resp. 722.410 – SP, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 15.08.2005 p. 286).

[39] Na lição de Barbosa Moreira, os dois pressupostos legais de aplicação do §3º do art. 515 “em certa medida superpõem-se: a entender-se que a causa estará ‘em condições de imediato julgamento’ sempre que já não haja necessidade de outras provas além das produzidas nos autos, a cláusula abrangerá as hipóteses de discutir-se naquela ‘questão exclusivamente de direito’, pois só por exceção (art. 337) é concebível que se necessite de prova para resolver a quaestio iuris. Teria sido preferível que se adotasse aqui, com as devidas adaptações, a fórmula relativa ao julgamento antecipado da lide, constante do art. 330, n° I (Comentários ao código de processo civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2004, v. 5, p. 431).

[40] A cognição que incumbe ao tribunal, por força do art. 515, §3º, nas palavras de Arruda Alvim, “por certo, não é afastada pela existência de questões de fato, quando dirimíveis exclusivamente pelo exame da documentação” (Notas sobre algumas das mutações verificadas com a Lei 10.352. In: NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. v. 6. p. 82).

Sem reparos tal entendimento, sendo, inclusive adotado pelo CPC em seu art. 740: “Não se realizará a audiência se os embargos versarem sobre matéria de direito, ou, sendo de direito e de fato, a prova for exclusivamente documental, caso em que o juiz proferirá a sentença no prazo de 10 (dez) dias.”

[41] “Art. 334. Não dependem de prova os fatos:

I – notórios;

II – afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária;

III – admitidos, no processo, como incontroversos;

IV – em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade.”

[42] Reforma de sentença terminativa e julgamento imediato do mérito. In: NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. v. 7. p. 193.

[43] Reforma de sentença terminativa e julgamento imediato do mérito. In: NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. v. 7. p. 184.

[44] MALLET, Estevão. Reforma de sentença terminativa e julgamento imediato do mérito. In: NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. v. 7. p. 184/186.

[45] Nas palavras de Barbosa Moreira: “Toma-se consciência cada vez mais clara da função instrumental do processo e da necessidade de fazê-lo desempenhar de maneira efetiva o papel que lhe toca. Pois a melancólica verdade é que o extraordinário progresso científico de tantas décadas não pôde impedir que se fosse dramaticamente avolumando, a ponto de atingir níveis alarmantes, a insatisfação, por assim dizer universal, com o rendimento do mecanismo da justiça civil” (Apud CARNEIRO, Athos Gusmão. TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A reforma do processo civil – simplificação e agilização. Revista da Escola Paulista da Magistratura. São Paulo, Ano 1, n. 0, p. 146, abr./maio. 1993).

[46] A instrumentalidade do processo. 11. ed. São Paulo: Malheiros. 2003, p. 328.

[47] Nesse sentido: Estevão Mallet, que ainda menciona ser este também o entendimento de Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim Wambier (Reforma de sentença terminativa e julgamento imediato do mérito. In: NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. v. 7. p. 194).

[48] ARAÚJO CINTRA, Antônio Carlos de. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO. Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 20. ed. Malheiros: São Paulo. 2004, p. 66/67.

[49] Teoria geral do processo. 20. ed. Malheiros: São Paulo. 2004, p. 328.

[50] Nesse sentido: BEDAQUE. Roberto dos Santos. Apelação: questões sobre admissibilidade e efeitos. In: NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. v. 7. p. 452.

[51] Conforme dito por Roberto dos Santos Bedaque, “a possibilidade de o Tribunal passar ao plano do direito material em sede de apelação, se afastada a extinção do processo sem julgamento de mérito, constitui escolha do sistema, que optou pela celeridade processual, em detrimento do duplo grau de jurisdição. Trata-se de escolha legítima do legislador, pois não implica ofensa ao devido processo constitucional (Apelação: questões sobre admissibilidade e efeitos. In: NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. v. 7. p. 453).

[52] No mesmo sentido o entendimento de Estevão Mallet: “o julgamento imediato do mérito, em caso de reforma de sentença terminativa, não depende de requerimento do recorrente. Não cabe argumentar, para justificar solução diversa, com o caput do art. 515, porque o §3º constitui exceção à primeira norma. Tampouco importa o desejo da parte de, com o retorno dos autos ao juízo, produzir provas adicionais. De duas uma: ou as provas que a parte pretende produzir são pertinentes, ou não. Sendo pertinentes, não cabe aplicação do §3º do art. 515, porque não se encontram presentes as condições para o julgamento imediato do mérito no juízo do recurso. Se são impertinentes as provas, não serão produzidas nem mesmo em primeiro grau de jurisdição (CPC, art. 130, parte final), por mais que o deseje a parte. O que importa é a necessidade objetiva da prova. Logo, se entende o juízo do recurso, diante do estado do processo, desnecessárias novas provas, deverá de imediato julgar o mérito do litígio. Fazendo-o não cerceará a defesa de quem quer que seja”.  (Reforma de sentença terminativa e julgamento imediato do mérito. In: NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. v. 7. p. 196/197).

[53] E assim conclui: “O autor sabe de antemão o risco de optar pela apelação. Caso não pretenda corrê-lo, poderá propor nova demanda, eliminando os vícios que acarretaram a extinção do processo.” (Apelação: questões sobre admissibilidade e efeitos. In: NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. v. 7. p. 454).

[54] Técnicas de aceleração do processo. Franca: Lemos & Cruz. 2003, p. 40/41.

[55] De fato, os dados acerca do diagnóstico do TJSP são mesmo chocantes. A propósito, conferir: O TJ-SP em números, reportagem de Fernando Porfírio, disponível em: http://conjur.estadao.com.br/static/text/34639,1.

[56] Esse é o entendimento de Roberto dos Santos Bedaque: “nada impede que o apelante, ciente de que a impugnação da sentença terminativa poderá acarretar julgamento de mérito em 2.º grau, manifeste expressamente o desejo de limitar o âmbito da análise a parte do pedido. O silêncio, porém, equivale a admitir a devolução integral da pretensão material, pois ele já sabe de antemão que o acolhimento de suas razões implicará não só o afastamento da extinção sem julgamento do mérito, mas também o exame deste. A ausência de manifestação significa devolução integral, mesmo porque o recurso parcial constitui exceção”  (Apelação: questões sobre admissibilidade e efeitos. In: NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. v. 7. p. 453/454).

[57] Reforma de sentença terminativa e julgamento imediato do mérito. In: NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. v. 7. p. 197.

[58] “Após sentença contrária, é inadmissível a desistência da ação (Lex-JTA 143/285)”. Theotônio Negrão, Código de Processo Civil e legislação processual civil em vigor, 35ª ed. São Paulo: Saraiva. 2003, p. 345. Nota nº 67 ao § 4º do art. 267).

[59] Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. v. 3. p. 273.

[60] Nesse sentido: “AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. JULGAMENTO CITRA PETITA. VIOLAÇÃO AO ART. 460 DO CPC. HIPÓTESE PREVISTA NO INCISO V DO ART. 485 DO CPC. Nos termos do art. 460 do CPC, o julgador deve se ater ao pedido formulado na inicial. Desrespeitado esse comando, seja por julgamento extra, ultra ou citra petita, a sentença está eivada de vício, eis que não acobertada pela coisa julgada material. O julgamento citra petita autoriza a proposição de ação rescisória nos termos do inciso V do art. 485 do CPC.

Agravo regimental a que se nega provimento” (STJ - AgRg no REsp 413786 / RS, 6ª Turma, Rel. Min. Paulo Medina, DJ 24.10.2005 p. 390).

[61] “Decisão ultra petita. Decisão que, em ação de resolução de contrato cumulada com reintegração na posse, concede a perda das prestações pagas sem que tivesse havido pedido a respeito incorre em julgamento extra petita, merecendo ser decotada a parte que ultrapassou o requerimento feito na peça de ingresso, ante o respeito ao princípio da adstrição do juiz ao pedido (STJ, 4ª T., Resp 39339-RJ, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 18.3.1997, v.u., DJU 12.5.1997, p.18805)” (NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado. 8. ed. São Paulo: RT. 2004, p. 972).

[62] TJSP: “SENTENÇA - Nulidade - Ocorrência - Julgamento extra petita - Responsabilidade civil da ré calcada no artigo 1.521, IV do Código Civil - Juiz a quo que condenou-a com fundamento no § 6º do artigo 37 da Constituição da República - Desfecho incompatível com a causa de pedir - Artigo 460 do Código de Processo Civil - Recurso provido. (Relator: Godofredo Mauro - Apelação Cível n. 209.098-1 - São Paulo - 31.08.94) .”

[63] “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – IPTU – SENTENÇA CITRA PETITA – ANULAÇÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM MANTIDA. 1. Considera-se citra petita a sentença que não aborda todos os pedidos feitos pelo autor. 2. Na hipótese dos autos, havendo julgamento aquém do pedido, correto o encaminhamento dado pelo Tribunal de origem de anular a sentença para que outra seja proferida. 3. Recurso especial improvido” (STJ - REsp 686961 / RJ, 2ª Turma, Min. Eliana Calmon, DJ 16.05.2006 p. 205).

[64] Com efeito, “O Código Processual Civil, em seu art. 535, enumera como vícios passíveis de serem afastados pelos embargos de declaração a obscuridade, a contradição e a omissão, sendo, esta última, característica dos julgamentos citra petita, em que o julgador omite-se na apreciação de pedidos ou questões sobre os quais havia, necessariamente, de se pronunciar” (EDcl no REsp 680356 / RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 28.11.2005 p. 204).

[65] MALLET, Estevão. Reforma de sentença terminativa e julgamento imediato do mérito. In: NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. v. 7. p. 187/188.

[66] Nesse sentido: “PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECONHECIMENTO PELO TRIBUNAL A QUO DE JULGAMENTO EXTRA PETITA. JULGAMENTO DO MÉRITO. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DO ARTIGO 515, § 3º DO CPC. INAPLICABILIDADE. ERROR IN PROCEDENDO. SUPRESSÃO PELO JUIZ SINGULAR E NÃO PELO TRIBUNAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. A sentença proferida citra petita padece de error in procedendo. Se não suprida a falha mediante embargos de declaração, o caso é de anulação pelo tribunal, com devolução ao órgão a quo, para novo pronunciamento. De modo nenhum se pode entender que o art. 515, §3º, autorize o órgão ad quem, no julgamento da apelação, a 'completar' a sentença de primeiro grau, acrescentando-lhe novo(s) capítulo(s).  In casu, não há que se falar em interpretação extensiva ao artigo 515, § 3º, do CPC, quando nem sequer houve, na sentença, extinção do processo sem julgamento do mérito, requisito este essencial à aplicação do artigo 515, § 3º, da Lei Processual Civil. Recurso provido” (STJ - REsp 756844 / SC, 5ª Turma, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 17.10.2005 p. 348).

[67] Apelação: questões sobre admissibilidade e efeitos. In: NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. v. 7. p. 451. O acórdão citado refere-se à AP. 280.344.5/1, TJSP, 1ª Câm. Dir. Públ., j. 24.09.2002.

[68] REsp 796.296/MA, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, v.u. DJ 29.05.2006 p. 195.

[69] Disponível em: http://www.tj.ma.gov.br/diariojustica/2004/doj20040629.pdf.

[70] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros. 2004, v. 2, p. 533/534.

[71] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros. 2004, v. 2, p. 601.

[72] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual: tentativa de compatibilização. São Paulo, 2005, p. 462/464.

[73] Teresa Arruda Alvim Wambier. O óbvio que não se vê: a nova forma do princípio da fungibilidade. Publicação na internet em 22/05/2006. Disponível em http://www.migalhas.com.br/mig_articuladas

[74] Resp. 588202/PR, rel. Teori Albino Zavascki, DJ. 25.02.2004.

[75] PROCESSO CIVIL. AGRAVO NO RECURSO ESPECIAL. INICIATIVA PROBATÓRIA DO JUIZ. PERÍCIA DETERMINADA DE OFÍCIO. POSSIBILIDADE MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DEMANDA.  PRECEDENTES. Os juízos de primeiro e segundo graus de jurisdição, sem violação ao princípio da demanda, podem determinar as provas que lhes aprouverem, a fim de firmar seu juízo de livre convicção motivado, diante do que expõe o art. 130 do CPC.

A iniciativa probatória do magistrado, em busca da verdade real, com realização de provas de ofício, é amplíssima, porque é feita no interesse público de efetividade da Justiça.

Agravo no recurso especial improvido.(AgRg no REsp 738576 / DF, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 12.09.2005)

[76]REsp 192681 / PR, 4ª Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 24.03.2003 p. 223, RSTJ vol. 167 p. 477.


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