215 - A judicialização do direito à saúde: a obtenção de atendimento médico, medicamentos e insumos terapêuticos por via judicial – critérios e experiências

 

JOÃO AGNALDO DONIZETI GANDINI – Juiz de Direito
 

 SAMANTHA FERREIRA BARIONE - Advogada

 

ANDRÉ EVANGELISTA DE SOUZA - Advogado



RESUMO:



O direito à saúde, aí compreendida a assistência farmacêutica, tem status de direito fundamental em nosso ordenamento e como tal merece e exige plena eficácia. A omissão e/ou ineficácia do Estado na prestação dessa assistência médico-farmacêutica deu azo ao fenômeno que vem sendo denominado judicialização da saúde, compreendido como a provocação e a atuação do Poder Judiciário em prol da efetivação dessa assistência. Quando o Judiciário determina ao Estado que forneça determinado medicamento, atendimento médico ou insumo terapêutico deve fazê-lo com cautela, a fim de não ofender a Constituição e a lei, bem como não inviabilizar o funcionamento da máquina estatal. Daí a necessária análise realizada neste trabalho acerca do cipoal de normas e entes relativos à prestação de assistência médico-farmacêutica, bem como a sugestão de critérios a serem observados nas demandas que envolvam o tema. Essa análise, associada ao relato de exitosa experiência na comarca de Ribeirão Preto-SP, demonstra que é possível, de forma objetiva e racional, conferir efetividade ao direito fundamental à saúde por meio do sistema processual vigente.



PALAVRAS CHAVES: saúde; assistência; judicialização; critérios; experiências



SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. O direito à saúde e à assistência farmacêutica na Constituição Federal. 2.1. A vedação da atuação do juiz como legislador positivo. 2.2. A necessidade de previsão orçamentária. 3. Limites da concretização judicial do direito à saúde. 3.1. O princípio da proporcionalidade. 3.2. O princípio do mínimo existencial versus o princípio da reserva do possível. 4. O direito à saúde e à assistência farmacêutica na legislação infraconstitucional: a Lei do SUS e o Estatuto do Idoso. 4.1. A distribuição de competências entre os entes federativos. 5. A efetivação do direito à saúde e à assistência farmacêutica mediante intervenção do Poder Judiciário: critérios. 6. Instrumentos processuais disponíveis. 7. Experiências inovadoras. 8. Conclusão. 9. Referências bibliográficas.



1. Introdução



“A saúde é um direito de todos e um dever do Estado”. Com essas palavras a Constituição Federal de 1988 abre seu art. 196 para expressar o compromisso do Estado de garantir a todos os cidadãos o pleno direito à saúde. Essa garantia, conforme a literalidade do artigo mencionado, será efetivada “mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

A Constituição Federal de 1988, seguindo o exemplo da Organização Mundial de Saúde, reservou um lugar de destaque para a saúde, tratando-a, de modo inédito no constitucionalismo pátrio, como um verdadeiro direito fundamental.

Qualificar um dado direito como fundamental não significa apenas atribuir-lhe uma importância meramente retórica, destituída de qualquer conseqüência jurídica. Pelo contrário, conforme se verá ao longo deste estudo, a constitucionalização do direito à saúde acarretou um aumento formal e material de sua força normativa, com inúmeras conseqüências práticas daí advindas, sobretudo no que se refere à sua efetividade, aqui considerada como a materialização da norma no mundo dos fatos, a realização do direito, o desempenho concreto de sua função social, a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social[1].

Para cumprimento desse dever que a Constituição lhe impõe, o Estado instituiu entidades públicas, ora pertencentes à Administração direta, ora à Administração indireta, bem como criou mecanismos de cooperação entre essas entidades e entre entidades do setor privado, de modo que a execução das políticas públicas de saúde se efetive de modo universal e igualitário, observando as peculiaridades regionais e sociais da população que atende.

A razão de ser dessa complexa estrutura de atuação não poderia ser outra senão a ditada pela própria Constituição Federal: garantir a todos o direito à saúde.

No entanto, de forma paradoxal, pela sua própria extensão e complexidade, essa estrutura vem se mostrando ineficaz. Seu funcionamento demanda alto custo, há falta de investimentos, a pluralidade de normas não raro gera controvérsias que dificultam a atuação, enfim, há uma série de elementos que podem ser apontados como causas da “falência” dessa estrutura.

A prestação de assistência farmacêutica, ou, melhor dizendo, a falta ou a falha na prestação da assistência farmacêutica é um fator que evidencia a ineficiência da estrutura do SUS - Sistema Público de Saúde e caracteriza patente afronta ao direito fundamental à saúde.

No momento o assunto é candente na comunidade jurídica, na comunidade médico-farmacêutica, na Administração e na imprensa. Isso porque a população tem se valido do Poder Judiciário para executar essa prestação, ou seja, o Judiciário tem sido provocado a coagir a Administração a cumprir o dever que a Constituição lhe impõe, garantindo, assim, o exercício do direito à Saúde.

É tão grande a quantidade de ações judiciais com esse intuito, que o fato já vem sendo chamado de “Judicialização da Assistência Farmacêutica”, “Judicialização da Saúde” ou “Fenômeno da Judicialização dos medicamentos”.

O direito de se valer do Poder Judiciário para executar essa obrigação é tão certo quanto o dever do Estado à prestação de atendimento médico e assistência farmacêutica, tanto que a própria Constituição Federal o assegura (artigo 5º, inciso XXXV).

No entanto, quando a Administração é constrangida, nas vias jurisdicionais, a prestar, indiscriminadamente, atendimento médico e assistência farmacêutica, os cofres públicos sofrem grande prejuízo, comprometendo o funcionamento do Estado como um todo e não apenas da estrutura do SUS.

O presente trabalhado tem por fim analisar as peculiaridades dessa “judicialização da prestação de assistência médico-farmacêutica”, indicando os principais aspectos a serem observados por aqueles que a pleiteiam e a concedem, de modo a racionalizar e equilibrar os direitos que dela são objeto.

Num primeiro momento, discorremos brevemente sobre o direito à saúde e sua regulamentação, constitucional e infraconstitucional, bem como sobre os princípios que informam sua interpretação e a interpretação da atuação jurisdicional na efetivação de políticas públicas.

Posteriormente tratamos de alguns aspectos que, a despeito das discussões teóricas, possuem relevância prática no manejo das ações judiciais, como a questão da competência do ente público – que interfere na legitimidade passiva processual – e a questão da escolha do procedimento a ser utilizado.

Por fim, trouxemos à baila notícia de experiência prática da comarca de Ribeirão Preto-SP, que tem se mostrado eficaz e afim com os critérios que devem nortear a “judicialização da assistência farmacêutica”.

2. O Direito à saúde e à assistência farmacêutica na Constituição Federal



Não se pode afirmar que as Constituições passadas foram totalmente omissas quanto à questão da saúde, já que todas elas apresentavam normas tratando dessa temática, geralmente com o intuito de fixar competências legislativas e administrativas. Entretanto, a Constituição de 1988 foi a primeira a conferir a devida importância à saúde, tratando-a como direito fundamental, demonstrando com isso uma estreita sintonia entre o texto constitucional e as principais declarações internacionais de direitos humanos.

É oportuno ressaltar que declarações internacionais foram fundamentais para o reconhecimento dos direitos sociais, entre os quais o direito à saúde. Isso porque após a Segunda Guerra Mundial, quando o mundo todo restou abalado com as atrocidades sofridas e a sociedade internacional passou a questionar as condições humanas e a necessidade de garantia efetiva dos direitos humanos, os Estados viram-se obrigados a atribuir sentido concreto aos direitos sociais.

Esse movimento iniciou-se em 1948 com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, “fonte mais importante das modernas constituições[2]”, estabelecendo um vasto campo de dispositivos referentes aos direitos sociais, em especial à saúde. Vejamos:

Art. XXV – Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

A partir desses documentos declaratórios de direitos humanos, os ordenamentos jurídicos de cada país tendem a garantir internamente os direitos fundamentais (sem perder de vista a necessidade conjunta de internacionalização), sob uma perspectiva de generalização (extensão da titularidade desses direitos a todos os indivíduos). 

No Brasil, a influência proporcionada por essas declarações de direitos atingiu seu ponto máximo com a promulgação da Constituição Federal de 1988, cujo texto apresenta diversos dispositivos que tratam expressamente da saúde, tendo sido reservada, ainda, uma seção específica sobre o tema dentro do capítulo destinado à Seguridade Social.

O art. 6º informa que a saúde é um direito social.

No artigo 7º há dois incisos tratando da saúde: o IV, que determina que o salário-mínimo deverá ser capaz de atender as necessidades vitais básica do trabalhador e sua família, inclusive a saúde, entre outras, e o XXII, que impõe a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.

De acordo com o art. 23, inc. II, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios possuem competência comum para cuidar da saúde.

Pelo artigo 24, inc. XII, a União, os Estados e o Distrito Federal possuem competência concorrente para legislar sobre a defesa da saúde. Ressalte-se que os Municípios, por força do art. 30, inc. I, também podem legislar sobre a saúde, já que se trata de assunto de inegável interesse local, até porque a execução dos serviços de saúde, no atual estágio, está, em grande parte, municipalizada.

O art. 30, inc. VII, confere aos Municípios a competência para prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população.

Por força da Emenda Constitucional 29, de 13/9/2000, foi acrescentada a alínea “e” ao inc. VII do art. 34, possibilitando a intervenção da União nos Estados e no Distrito Federal no caso de não ser aplicado o mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.

A mesma Emenda Constitucional, modificando o inc. III do art. 35, previu a possibilidade de intervenção dos Estados nos Municípios, na hipótese de não ser aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.

Ressalvou-se, ainda, por força da EC 29/00, que a vinculação de receitas de impostos não se aplica à destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde (art. 167, inc. IV).

De acordo com o artigo 196, a saúde passou a ser considerada como direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

O artigo 197 reconheceu que as ações e serviços de saúde são de relevância pública, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei[3], sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou por intermédio de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. Ressalve-se que o art. 129, inc. II, atribui ao Ministério Público a função de zelar pelo efetivo respeito aos serviços de relevância pública executados com vistas a atender aos direitos garantidos na Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia, o que denota a preocupação do constituinte em dar efetividade ao direito à saúde, já que o considerou expressamente como um serviço de relevância pública.

O art. 198 formulou a estrutura geral do sistema único de saúde, considerando-o uma rede regionalizada e hierarquizada, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: a) descentralização, com direção única em cada esfera de governo; b) atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; c) participação da comunidade. Esse sistema será financiado com recursos da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes (§1º), ficando previstos recursos mínimos a serem aplicados, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde (§§ 2º e 3º).

Pelo art. 199, foi facultada à iniciativa privada a assistência à saúde, podendo as instituições privadas participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos (§1º), vedando a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos (§2º), bem como a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei (§3º).

O artigo 200 enumera, não exaustivamente, as atribuições do sistema único de saúde, a saber: a) controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos; b) executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador; c) ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde; d) participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico; e) incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico; f) fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano; g) participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos; h) colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.

O art. 208, inc. VII, inclui a assistência à saúde entre os programas destinados a suplementar a educação no ensino fundamental.

O art. 220, §3º, inc. II, prevê a possibilidade de, por meio de lei federal, ser restringida a propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.

O art. 227 determina que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, entre outros, o direito à saúde. O §1º desse artigo prevê a participação de entidades não-governamentais na promoção de programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, determinando ainda a aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil (inc. I).

Por fim, o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias também possui algumas regras tratando da saúde, como a do art. 53, inc. IV, que assegura aos ex-combatentes da 2ª Guerra Mundial e seus dependentes a assistência médica e hospitalar gratuita, e outras regras que, em geral, prevêem percentuais mínimos de alocação de recursos para o setor de saúde (art. 55, 77 e outros) ou tratam do Fundo de Combate à Erradicação da Pobreza, criado pela Emenda Constitucional n. 31, de 14/12/2000, que tem como objetivo viabilizar a todos os brasileiros acesso a níveis dignos de subsistência, cujos recursos serão aplicados em ações suplementares de nutrição, habitação, educação, saúde, reforço de renda familiar e outros programas de relevante interesse social voltados para melhoria da qualidade de vida.

Como se observa, muitas são as normas constitucionais que tratam, diretamente, da saúde, o que demonstra a preocupação do poder constituinte, inclusive o derivado, em dar plena efetividade às ações e programas nessa área.

Todas essas normas possuem, em maior ou menor grau, eficácia jurídica e podem ser utilizadas para fundamentar pedidos ou decisões em que esteja em jogo a realização do direito à saúde. São amplas as possibilidades de concretização judicial desse direito, sobretudo se tiver sempre em mente o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais. Há, porém, limites, pois em uma democracia não há direitos absolutos.

O dilema do juiz, ao decidir um caso envolvendo a aplicação do direito à saúde, é extrair da norma constitucional sua máxima eficácia jurídica sem ultrapassar os limites que lhes são impostos. Esses limites são basicamente três, que se interagem e se completam: a reserva de consistência, a reserva do possível e o princípio da proporcionalidade.

Antes, porém, de analisar cada um desses limites é preciso verificar alguns aspectos que freqüentemente têm sido invocados para impedir uma atuação judicial mais ativa na concretização de políticas públicas.

 

2.1. A vedação da atuação do juiz como legislador positivo



O argumento da vedação da atuação do juiz como legislador positivo é freqüentemente invocado, sobretudo pelo Supremo Tribunal Federal, como óbice de concretização de normas constitucionais pelo Judiciário. Esse conceito pode ser extraído da seguinte decisão:

O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE LEI FORMAL TRADUZ LIMITAÇÃO AO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE JURISDICIONAL DO ESTADO. – A reserva de lei constitui postulado revestido de função excludente, de caráter negativo, pois veda, nas matérias a ela sujeitas, quaisquer intervenções normativas, a título primário, de órgãos estatais não-legislativos. Essa cláusula constitucional, por sua vez, projeta-se em uma dimensão positiva, eis que a sua incidência reforça o princípio, que, fundado na autoridade da Constituição, impõe, à administração e à jurisdição, a necessária submissão aos comandos estatais emanados, exclusivamente, do legislador. – Não cabe, ao Poder Judiciário, em tema regido pelo postulado constitucional da reserva de lei, atuar na anômala condição de legislador positivo (RTJ 126/48 – RTJ 143/57 – RTJ 146/461-462 – RTJ 153/765 – RTJ 161/739-740 – RTJ 175/1137, v.g.), para, em assim agindo, proceder à imposição de seus próprios critérios, afastando, desse modo, os fatores que, no âmbito de nosso sistema constitucional, só podem ser legitimamente definidos pelo Parlamento. É que, se tal fosse possível, o Poder Judiciário – que não dispõe de função legislativa – passaria a desempenhar atribuição que lhe é institucionalmente estranha (a de legislador positivo), usurpando, desse modo, no contexto de um sistema de poderes essencialmente limitados, competência que não lhe pertence, com evidente transgressão ao princípio constitucional da separação de poderes[4].

Objetiva-se, com isso, impedir que o juiz, mesmo verificando uma situação de inconstitucionalidade por omissão total ou parcial, em que uma determinada lei confere direitos apenas a determinadas pessoas, excluindo outras em situação semelhante sem um critério razoável para tanto, corrija a situação, se para isso houver necessidade de ampliar a abrangência da norma.

 

2.2 A necessidade de previsão orçamentária



A necessidade de previsão orçamentária é apontada, muitas vezes, como um limite à atuação do Estado para a efetivação de direitos sociais. Trata-se de pensamento equivocado, pois a necessidade de previsão orçamentária para realização de despesas públicas é regra dirigida essencialmente ao administrador, não ao juiz, que pode deixar de observar o preceito para concretizar uma outra norma constitucional, através de uma simples ponderação de valores.

A Constituição Federal de 1988 veda o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual (art. 167, inc. I), a realização de despesas que excedam os créditos orçamentários (art. 167, inc. II), bem como a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa (art. 167, inc. VI).

Percebe-se, portanto, que houve uma preocupação do constituinte em planejar todas as despesas realizadas pelo Poder Público. Porém, é óbvio que isso não impede o juiz de ordenar que o Poder Público realize determinada despesa para fazer valer um dado direito constitucional, até porque as normas em colisão (previsão orçamentária versus direito fundamental a ser concretizado) estariam no mesmo plano hierárquico, cabendo ao juiz dar prevalência ao direito fundamental dada a sua superioridade axiológica em relação à regra orçamentária.

Nesse sentido, vale destacar a importante decisão do Min. Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a Pet. 1.246-SC, vejamos:

(...) entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição da República (art. 5º, caput e art. 196), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo - uma vez configurado esse dilema - que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humana[5].

Portanto, como ficou demonstrado, “o simples argumento de limitação orçamentária, ainda que relevantes e de observância indispensável para a análise da questão, não bastam para limitar o acesso dos cidadãos ao direito à saúde garantido pela Constituição Federal”[6].

 

3. Limites da concretização judicial do direito à saúde



Como já mencionado anteriormente, a saúde é um direito fundamental e os direitos fundamentais, por decorrerem da Constituição, têm um grau máximo de juridicidade e normatividade, razão pela qual a busca de sua efetividade deve se tornar quase uma obsessão do agente concretizador da norma constitucional. Apesar disso, é preciso reconhecer que essa concretização encontra limites.

Inicialmente, há limites decorrentes da própria abrangência do direito à saúde, já que os direitos fundamentais, por natureza, são passíveis de limitação, inclusive pelo próprio legislador ordinário. Até valores a princípio absolutos, como a vida, podem sofrer limitações normativas, a ponto de se admitir a legítima defesa como excludente de antijuridicidade do crime de homicídio ou de se autorizar a pena de morte em caso de guerra, por exemplo.

Vale destacar ainda que diante da estrutura principiológica dos direitos fundamentais, torna-se fácil perceber que esses direitos não são absolutos, pois eles se limitam entre si, sobretudo quando se está diante de uma Constituição como a brasileira, que, democraticamente, acolheu interesses até antagônicos de diversas classes sociais.

Assim, para que sejam fixadas balizas seguras e objetivas para solucionar esses casos de colisão de direitos fundamentais, é necessário analisar o princípio da proporcionalidade, que é o primeiro limite à concretização judicial do direito à saúde.

 

3.1. O princípio da proporcionalidade



Como se assinalou, os direitos fundamentais, dada a carga axiológica neles inserida, típica de normas-princípios, vivem em um estado de tensão permanente, limitando-se reciprocamente.

Por esse motivo, havendo uma colisão entre direitos fundamentais, é possível limitar o raio de abrangência de um desses direitos com base no princípio da proporcionalidade, visando dar maior efetividade ao outro direito fundamental em jogo. Serve, portanto, a proporcionalidade como critério de aferição da validade de limitações aos direitos fundamentais.

A doutrina, inspirada em decisões da Corte Constitucional Alemã, tem apontado três dimensões ou critérios do princípio da proporcionalidade: a adequação, a necessidade ou vedação de excesso e a proporcionalidade em sentido estrito. Será possível uma limitação a um direito fundamental se estiverem presentes na medida limitadora todos esses aspectos.

Os critérios acima mencionados correspondem, respectivamente, às seguintes perguntas mentais que devem ser feitas para se analisar a validade de medida limitadora: “a) o meio escolhido foi adequado e pertinente para atingir o resultado almejado?; b) o meio escolhido foi o ‘mais suave’ ou o menos oneroso entre as opções existentes? c) o benefício alcançado com a adoção da medida buscou preservar direitos fundamentais mais importantes (axiologicamente) do que os direitos que a medida limitou?”[7].

Sendo afirmativas todas as respostas, será legítima a limitação ao direito fundamental.

Como explica Willis Santiago Guerra Filho, que foi o primeiro jurista brasileiro a tratar da tripla dimensão do princípio da proporcionalidade, uma medida será adequada, “se atinge o fim almejado, exigível, por causar o menor prejuízo possível e finalmente, proporcional em sentido estrito, se as vantagens que trará superarem as desvantagens”[8].

A proporcionalidade, na ótica do critério da estrita necessidade, também conhecido como princípio da vedação de excesso, é capaz de evitar abusos que possam vir a ocorrer sob o fundamento do direito à saúde. Por exemplo, se um determinado tratamento médico pode ser feito no Brasil, a baixo custo, violaria o princípio da proporcionalidade uma medida que determinasse que esse tratamento fosse feito no exterior, acarretando uma maior onerosidade para o Poder Público. Também não seria razoável garantir um tratamento de alguém que esteja acometido de stress, às custas do Estado, em um determinado ‘SPA’ em Gramado ou Campos de Jordão[9].

A proporcionalidade também exige que a solução seja adequada. Não seria, por exemplo, adequada uma medida que proibisse o consumo de bebidas alcoólicas no carnaval com a finalidade de diminuir os casos de disseminação do vírus da AIDS, pois não há relação de causa e efeito entre álcool e disseminação do vírus da AIDS, vale dizer, não existe adequação entre o meio utilizado (proibição de venda de bebida alcoólica) e o fim visado (diminuição da disseminação do HIV)[10]. Inadequada, do mesmo modo, seria uma decisão judicial que obrigasse o Poder Público a fornecer um medicamento ineficaz a um paciente ou determinasse que o SUS arcasse com uma cirurgia imprópria ao tratamento de uma dada doença. A medida deve ser adequada e pertinente a atingir os fins almejados.

Como se pode perceber, o princípio da proporcionalidade não é útil apenas para verificar a validade material de atos do Poder Legislativo ou do Poder Executivo que limitem direitos fundamentais, mas também para, reflexivamente, verificar a própria legitimidade da decisão judicial, servindo, nesse ponto, como verdadeiro limite da atividade jurisdicional. O juiz, ao concretizar um direito fundamental, também deve estar ciente de que sua ordem deve ser adequada, necessária (não excessiva) e proporcional em sentido estrito.



3.2 O princípio do mínimo existencial versus o princípio da reserva do possível



Não há dúvidas de que a assistência farmacêutica está compreendida no denominado “mínimo existencial”, também designado “piso vital” ou “piso mínimo normativo”.

Com efeito, assinala Ana Cristina Krämer:

(...) a Constituição Federal de 1988 também trouxe o mínimo existencial ou o piso mínimo normativo e suas garantias. Para Barroso(22), este “padrão mínimo” no cumprimento das tarefas estatais poderia, sem maiores problemas, ser ordenado por parte do Judiciário. Para ele, “a denegação dos serviços essenciais de saúde acaba por se equiparar à aplicação de uma pena de morte”.

Filósofos e juristas têm defendido a tese de que o Estado deve garantir o "mínimo existencial", ou seja, os direitos básicos das pessoas, sem intervenção para além desse piso. Dizem, ainda, que esse mínimo depende da avaliação do binômio necessidade/capacidade, não apenas do provedor, mas, também, daqueles a quem se prometeu a implementação da satisfação daquelas necessidades. Além disso, como vem sendo reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência de diversos países, por força do princípio da dignidade humana, todo ser humano possui um direito ao mínimo existencial, o que significa um direito aos meios que possibilitem a satisfação das necessidades básicas, entre as quais a necessidade de ter saúde[11].

Opõe-se ao atendimento do “mínimo existencial” a insuficiência dos recursos financeiros do Estado para sua concretização. Essa insuficiência vem sendo aferida pela doutrina e pela jurisprudência, inclusive do Supremo Tribunal Federal, na esfera daquilo que se convencionou designar “reserva do possível”.

A “reserva do possível”, no que toca à possibilidade financeira do Estado, consubstancia a disponibilidade de recursos materiais para cumprimento de eventual condenação do Poder Público na prestação de assistência farmacêutica.

Duciran Van Marsen Farena, citado pelo juiz federal George Marmelstein Lima nos autos da ação civil pública n° 2003.81.00.009206-7, promovida pelo Ministério Público Federal em face da União,do Estado do Ceará e do Município de Fortaleza perante a 4ª Vara Federal de Fortaleza-CE, argumenta:

As alegações de negativa de efetivação de um direito social com base no argumento da reserva do possível devem ser sempre analisadas com desconfiança. Não basta simplesmente alegar que não há possibilidades financeiras de se cumprir a ordem judicial; é preciso demonstrá-la. O que não se pode é deixar que a evocação da reserva do possível converta-se "em verdadeira razão de Estado econômica, num AI-5 econômico que opera, na verdade, como uma anti-Constituição, contra tudo o que a Carta consagra em matéria de direitos sociais" (FARENA, Duciran Van Marsen. A Saúde na Constituição Federal, p. 14. In: Boletim do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública, n. 4, 1997, p. 12/14)[12].

Não obstante, da mesma forma em que não há dúvidas de que a assistência farmacêutica está compreendida no conceito de mínimo existencial, também não há qualquer dúvida de que o mais visível limite à atuação judicial é o postulado da reserva do possível. No entanto, é também o mais difícil de ser delimitado, sobretudo quando se trata da possibilidade financeira de cumprimento da ordem judicial.

Há, é óbvio, limites naturais decorrentes da reserva do possível. Seria irrealizável, por exemplo, uma ordem de um juiz que determinasse que o Poder Público fizesse um paraplégico caminhar ou curar um paciente portador de uma enfermidade incurável.

Afora esses casos, em que é patente a impossibilidade de cumprimento da ordem, por impossibilidades naturais, não é tão simples verificar se a decisão está de acordo ou não com o postulado da reserva do possível, sobretudo quando se está diante da reserva do financeiramente possível.

Em geral, o magistrado não se preocupa com os impactos orçamentários de sua decisão, muito menos com a existência de meios materiais disponíveis para o seu cumprimento. Esquece-se, porém, que os recursos são finitos.

Imagine-se, por exemplo, uma ordem judicial que, com base no direito à saúde, obrigasse um pequeno Município a construir um amplo hospital capaz de atender toda a sua população com os mais avançados equipamentos médicos. Certamente, uma decisão desse tipo acarretaria a total exaustão orçamentária do Município, a não ser que fosse consistentemente baseada em dados concretos que fossem capazes de garantir que existe dinheiro de sobra para a construção do hospital, o que, em última análise, faz retornar à reserva de consistência, que está intimamente ligada à reserva do possível.

É preciso cuidado, portanto, ao se dar efetividade a um direito fundamental que implique em grandes gastos financeiros aos poderes públicos.

Tratando-se, porém, de obrigação de fazer (construir um posto de saúde, fornecer medicamentos, realizar um tratamento médico, etc.) que esteja dentro da reserva do possível, o direito à saúde não pode deixar de ser concretizado sob a alegação de que a realização de despesa ficaria dentro da esfera da estrita conveniência do administrador.

Em razão da reserva do possível, o juiz não pode ficar indiferente quanto à viabilidade material de sua decisão, em particular em matéria de saúde. É preciso verificar até que ponto sua ordem será passível de atendimento sem pôr em risco o equilíbrio financeiro do sistema único de saúde, especialmente em momentos de crises econômicas.

Há que ser feita, contudo, uma advertência: as alegações de negativa de efetivação de um direito social com base no argumento da reserva do possível devem sempre ser analisadas com desconfiança. Não basta simplesmente alegar que não há possibilidade financeira de se cumprir a ordem judicial; é preciso demonstrá-la. O que não se pode é deixar que a evocação da reserva do possível converta-se “em verdadeira razão de Estado econômica, num AI-5 econômico que opera, na verdade, como uma anti-Constituição, contra tudo o que a Carta consagra em matéria de direitos sociais”[13].

Portanto, o argumento da reserva do possível somente deve ser acolhido se o Poder Público demonstrar suficientemente que a decisão causará mais danos do que vantagens à efetivação de direitos fundamentais, o que, em última análise, implica numa ponderação, com base na proporcionalidade em sentido estrito, dos interesses em jogo.

Além disso, não se pode descartar as dificuldades administrativas na implementação de ordens judiciais. Até simples obrigações de fornecimento de remédios exigem procedimentos administrativos para a compra desses medicamentos (procedimento licitatório ou mesmo procedimento de dispensa ou inexigibilidade de licitação, empenho, etc.). É óbvio que a exigência de licitação não pode ser empecilho para o cumprimento da ordem. Mesmo assim, não pode o juiz ficar indiferente quanto a esses obstáculos. Somente com o diálogo aberto entre o Judiciário e os Poderes Públicos será possível conciliar o respeito às ordens judiciais com as exigências da burocracia administrativa sem que se desgaste a harmonia entre os poderes.

Tendo em vista essas limitações administrativas, costuma-se fazer uma distinção entre a reserva do possível fática e reserva do possível jurídica, conforme bem explica Marcos Masseli Gouvêa.

Diversamente das omissões estatais, as prestações estatais positivas demandam um dispêndio ostensivo de recursos públicos. Ao passo em que estes recursos são finitos, o espectro de interesses que procuram suprir é ilimitado, razão pela qual nem todos estes interesses poderão ser erigidos à condição de direitos exigíveis. A doutrina denomina reserva do possível fática a este contingenciamento financeiro a que se encontram submetidos os direitos prestacionais. Muitas vezes, os recursos financeiros até existem, porém não há previsão orçamentária que os destine à consecução daquele interesse, ou licitação que legitime a aquisição de determinado insumo: é o que se denomina reserva do possível jurídica[14].

Algumas vezes é possível contornar com soluções criativas as limitações impostas pela reserva do possível. Assim, por exemplo, alguns Tribunais têm imposto como obrigação ao Poder Público não a realização imediata do direito a ser concretizado, mas a imposição de se incluir na proposta orçamentária anual seguinte os recursos necessários à futura concretização do direito.

Outras soluções podem ser sugeridas, em especial a busca de parcerias com organizações privadas dispostas a ajudar pessoas que necessitem de um determinado tratamento.

Uma interessante sugestão foi fornecida por Marcos Gouvêa. De acordo com o referido autor, com base na regra processual que autoriza que terceiros cumpram uma obrigação de fazer, às expensas do devedor, é possível autorizar, por exemplo, que uma farmácia forneça medicamentos a um determinado paciente, devendo, em seguida, o Estado ressarcir os custos dos medicamentos. No entanto, como dificilmente uma farmácia concordaria em fornecer um medicamento sabendo da fama de inadimplente do Poder Público, o referido jurista propõe uma saída interessantíssima:

Não seria inviável – tendo em vista a essencialidade da prestação em tela [do fornecimento de remédios], repita-se à exaustão – que o juiz autorizasse uma farmácia a fornecer determinado medicamento, deferindo-se a compensação desta despesa com o ICMS ou outro tributo. Compensações tributárias normalmente exigem lei autorizativa, mas a excepcionalidade da prestação justificaria tal aval do Judiciário. Possivelmente os tribunais superiores não reformariam uma decisão nesta trilha, diante do tanto que já permitiram em sede do direito à medicação[15].

É inegável que uma decisão desse teor traria alguns problemas de ordem prática, conforme reconhece o próprio autor, em especial a escolha da farmácia ou empresa executora da medida e a fiscalização contábil da compensação. Um diálogo aberto com o Fisco, com o ente público responsável pela saúde, bem como com outros agentes fiscalizadores, como o Tribunal de Contas e o Ministério Público, seria capaz de minimizar os abusos que, porventura, poderiam existir.

A solução também pode ser estendida a outros casos e não apenas a fornecimento de remédios. Assim, por exemplo, o magistrado pode determinar que um hospital particular execute um determinado tratamento cirúrgico em um paciente coberto pelo SUS, autorizando que o hospital faça a compensação dos gastos efetuados com a operação com tributos de responsabilidade do ente demandado. Relembre-se que a Emenda Constitucional 29/2000 permitiu a destinação de receitas de impostos para as ações e serviços públicos de saúde (art. 167, inc. IV, da CF/88).

A autorização judicial para que particulares substituam a função do Estado na concretização de direitos fundamentais, mediante a compensação fiscal dos custos efetuados pelo particular, é uma solução criativa, difícil de ser executada, mas que pode ser bastante útil para contornar os limites impostos pela reserva do possível.

Dentro desse contexto, temos que o cotejo do direito ao mínimo existencial e da denominada reserva do possível parece-nos um critério insuficiente para a apreciação de pedidos individuais de fornecimento de medicamentos.

Aparentemente, ante a isolada necessidade de um paciente, o Estado sempre se mostrará detentor de recursos suficientes para cumprimento da obrigação.

A pluralidade de ações individuais também não torna legítima a adoção desse critério, pois muitas das ações são promovidas indevidamente. Ainda que assim não fosse, a possibilidade de atendimento da pretensão do paciente deve ser aferida com base nos elementos efetivamente demonstrados no processo, de modo que a mera alegação de existência de muitas ações não tem o condão de demonstrar que o Poder Público não possui recursos materiais para efetivação da assistência farmacêutica pleiteada.

No entanto, o critério aqui em comento pode ser de grande valia no tocante às ações coletivas, nas quais a eficácia da decisão possui maior abrangência.

Considerando que a condenação do Poder Público na prestação de assistência farmacêutica em sede de ação coletiva pode alterar significativamente o planejamento do Poder Público, é prudente que o magistrado atente para a “reserva do possível” na análise do caso concreto.

Essa cautela é necessária, inclusive, para que o Poder Judiciário não interfira/inviabilize a discricionariedade do Poder Executivo na elaboração de suas políticas públicas, afastando, assim, qualquer possibilidade de afronta ao pacto federativo.



4. O direito à saúde e à assistência farmacêutica na legislação infraconstitucional: a Lei do SUS, o Estatuto do Idoso e o Estatuto da Criança e do Adolescente



A Lei Orgânica da Saúde, Lei n. 8.080/90, regulamenta os artigos 196 e seguintes da Constituição Federal e dispõe nos artigos 6º, inciso I, alínea "d" e 7º, incisos I e II:

Art. 6º. Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de      Saúde (SUS):

I - a execução de ações:

 

d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica;

CAPÍTULO II

Dos Princípios e Diretrizes

Art. 7º. As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no artigo 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:

I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência;

II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema;

Pouco tempo antes da edição da Lei n. 8.080/90, o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente já previa no §2º do seu art. 11:

Art. 11. É assegurado atendimento integral à saúde da criança e do adolescente, por intermédio do Sistema Único de Saúde, garantido o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde.

§ 2º Incumbe ao poder público fornecer gratuitamente àqueles que necessitarem os medicamentos, próteses e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação.

Em 1º de outubro de 2003 foi editada a Lei n. 11.741, Estatuto do Idoso, que dispõe:

15. É assegurada a atenção integral à saúde do idoso, por intermédio do Sistema Único de Saúde – SUS, garantindo-lhe o acesso universal e igualitário, em conjunto articulado e contínuo das ações e serviços, para a prevenção, promoção, proteção e recuperação da saúde, incluindo a atenção especial às doenças que afetam preferencialmente os idosos.

§ 2o Incumbe ao Poder Público fornecer aos idosos, gratuitamente, medicamentos, especialmente os de uso continuado, assim como próteses, órteses e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação.



Vê-se, portanto, que a legislação infraconstitucional garante expressamente não só a assistência farmacêutica, como também o fornecimento de “insumos terapêuticos” (tais como órteses, próteses, cadeiras de rodas, marcapassos, etc.). Neste último caso, a previsão legal destina-se tão só às crianças, adolescentes e idosos, que por explícita previsão constitucional possuem tratamento prioritário em nossa sociedade.

Com vistas a promover a assistência farmacêutica no âmbito do SUS – Sistema Único de Saúde, o Ministério da Saúde, com arrimo nessa legislação infraconstitucional, formula uma listagem de medicamentos que devem estar disponíveis em toda rede, à qual atribui a designação “Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – Rename”.

A formulação dessa listagem, bem como sua atualização periódica – que é ditada expressamente pela política nacional de medicamentos, instituída pela Portaria MS 3916/98, observa as patologias e agravos à saúde mais relevantes e prevalentes, respeitadas as diferenças regionais do país, e leva em consideração diversos critérios, tais como: a demonstração da eficácia e segurança do medicamento; a vantagem com relação à opção terapêutica já disponibilizada (maior eficácia ou segurança ou menor custo); e o oferecimento de concorrência dentro do mesmo subgrupo, como estratégia de mercado.

A Portaria n. 698/GM, de 30 de maio de 2006, que “Define que o custeio das ações de saúde é de responsabilidade das três esferas de gestão do SUS, observado o disposto na Constituição Federal e na Lei Orgânica do SUS” dispõe:

Art 1º Definir que o custeio das ações de saúde é de responsabilidade das três esferas de gestão do SUS, observado o disposto na Constituição Federal e na Lei Orgânica do SUS.

Art. 2º  Os recursos federais destinados ao custeio de ações e serviços de saúde passam a ser organizados e transferidos na forma de blocos de financiamento.

Parágrafo único. Os blocos de financiamento são constituídos por componentes, conforme as especificidades de suas ações e os serviços de saúde pactuados.

Art. 3º Ficam criados os seguintes blocos de financiamento:

I - Atenção Básica;

II - Atenção de Média e Alta Complexidade Ambulatorial e Hospitalar;

III - Vigilância em Saúde;

IV - Assistência Farmacêutica; e

V - Gestão do SUS.

DO BLOCO DA ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA

Art. 16. O Bloco de Financiamento para a Assistência Farmacêutica é constituído por quatro componentes: Componente Básico da Assistência Farmacêutica; Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica; Componente Medicamentos de Dispensação Excepcional e Componente de Organização da Assistência Farmacêutica.

Vê-se, diante disso, que afora essa relação de medicamentos básicos existem diversos programas de distribuição de medicamentos na rede pública, voltados para segmentos específicos.

Não existe disciplina parecida para os “insumos terapêuticos” de que tratam o ECA e o Estatuto do Idoso. Ou seja, não há critérios objetivos/jurídicos para definir quais são esses insumos e/ou os critérios de seu fornecimento.

 

4.1. A distribuição de competências entre os entes federativos



Conforme já mencionado alhures, a organização do Sistema Único de Saúde se dá mediante uma divisão administrativa regionalizada e hierarquizada com base no critério da complexidade das ações e serviços (inc. II do art. 7º da Lei n. 8.080/90).

Cabe aos Municípios, nesse contexto, a concretização de ações e serviços de menor complexidade, aos Estados os de média e alta complexidade e à União os de alta complexidade. É o que se depreende dos artigos 8º e seguintes da Lei n. 8.080/90, bem como da interpretação sistemática desse diploma legal e de todos os outros atos normativos que disciplinam a assistência à saúde.

Paralelamente existe um sistema de financiamento dessa atuação Estatal, pautado por critérios diversos dos que ditam a divisão de atribuições de ações e serviços. Ou seja, não é só a complexidade das ações e serviços que dita a aplicação e o repasse de verbas destinadas à saúde, mas também critérios como a densidade populacional e a arrecadação tributária.

Não raro essa divergência de critérios acarreta discrepâncias que tornam inviáveis ou ineficazes políticas públicas de saúde.

Isso ocorre, por exemplo, nos Municípios que se consubstanciam em pólos regionais de prestação de serviços, nos quais o Estado atua custeando ações e serviços de alta complexidade – subsidiando hospitais secundários e terciários, por exemplo – sem se desvincular das obrigações financeiras que tem para com os serviços de pequena complexidade prestados pela esfera municipal.

No tocante ao fornecimento de medicamentos, em princípio o raciocínio aplicado é o mesmo: cabe aos municípios o fornecimento de medicamentos básicos e aos Estados e à União os de alta e média complexidade.

Fica a cargo dos Estados, por exemplo, a dispensação dos medicamentos denominados “excepcionais”.

Não obstante essa divisão administrativa, o Poder Judiciário brasileiro vem se posicionando no sentido de que a responsabilidade pelo fornecimento de medicamentos é solidária entre as três esferas de poder, independentemente das atribuições/divisões administrativas ditadas pela legislação infraconstitucional.

Recentemente a Presidência do Supremo Tribunal Federal proferiu diversas decisões nesse sentido, a exemplo do consignado na Suspensão de Segurança nº 3158, formulada pelo Estado do Rio Grande do Norte em face de acórdão proferido pelo TJRN nos autos do Mandado de Segurança nº 2006.005996-0 (fls. 121-136):

Finalmente, ressalte-se que a discussão em relação à competência para a execução de programas de saúde e de distribuição de medicamentos não pode se sobrepor ao direito à saúde, assegurado pelo art. 196 da Constituição da República, que obriga todas as esferas de Governo a atuarem de forma solidária[16].

Tal posicionamento traduz a idéia de que a repartição de atribuições havida entre as três esferas de poder não pode ser imposta em detrimento do direito à saúde titularizado pelo cidadão.

Embora essa solidariedade seja defendida, predominantemente, sob o argumento de que o direito à saúde, enquanto direito fundamental, deve prevalecer sobre os demais, também é possível sustentá-la com base na hierarquização de fixação de atribuições.

Ou seja, cabe aos entes políticos, sobretudo à União e aos Estados, definir as ações e serviços sociais de alta complexidade.

Embora a lei permita a participação de todos os entes e da própria sociedade na formulação das políticas públicas, é fato que as diretrizes principais são ditadas pela União e, no caso da assistência farmacêutica, não é diferente.

Não parece coerente afastar a União e o Estado da responsabilidade de prestar a assistência farmacêutica – em especial na hipótese de medicamentos excepcionais – quando são eles que estabelecem quais medicamentos devem ser fornecidos.

Da mesma forma, não parece correta a interpretação que afasta a responsabilidade dos Municípios com base na hierarquia inerente ao sistema. Primeiro, porque essa hierarquia não exclui a solidariedade havida entre os entes estatais, ditada pela própria Constituição Federal; segundo porque não nos parece coerente afastar, de forma prematura e peremptória, a responsabilidade do Município quando há situações em que esses entes são flagrantemente beneficiados pela atuação do Estado e da União em grandes centros populacionais e/ou quando se evidencia a negligente aplicação de recursos.



5. A efetivação do direito à saúde e à assistência farmacêutica mediante intervenção do Poder Judiciário: critérios



Nem sempre a assistência farmacêutica implementada pelo Poder Público atende às necessidades do paciente, ora porque as peculiaridades da moléstia exigem medicamentos especiais e/ou tornaram ineficazes os medicamentos constantes da listagem, ora porque houve falha na atualização da Rename. Não raro, a assistência farmacêutica também falha por questões administrativas, tal como entraves no procedimento de aquisição ou distribuição do medicamento.

O inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal dispõe que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

A falta ou deficiência dos serviços de saúde prestados pelo Estado – incluídos nessa prestação a assistência farmacêutica e o fornecimento de insumos terapêuticos, conforme visto alhures – sem dúvida nenhuma ameaça o direito à vida e, em muitos casos, é capaz de produzir lesão irreparável a esse direito.

Dentro desse contexto, é legítima a intervenção jurisdicional que visa a afastar lesão ou ameaça a esse direito, conforme já demonstrado acima.

Inúmeras são as ações ajuizadas com o fim de coagir o Estado a prestar atendimento farmacêutico e, na maioria delas, nota-se um desvirtuamento na utilização dos instrumentos processuais postos pela lei à disposição da sociedade.

Esse desvirtuamento muitas vezes decorre da falta de informação dos operadores do direito, no que diz respeito às políticas públicas de saúde e aos aspectos técnicos que envolvem a prescrição medicamentosa, outras vezes decorre da má-fé de profissionais médicos e da indústria farmacêutica.

O secretário da saúde do Estado de São Paulo, Dr. Luiz Roberto Barradas Barata, revela a preocupação com esse desvirtuamento:

Nos últimos anos, o avanço da indústria farmacêutica tem sido notório. Entretanto, muitos produtos recém-lançados possuem, em maior ou menor grau, eficácia similar à de remédios já conhecidos, disponíveis no mercado e inclusos na lista de distribuição da rede pública de saúde. No entanto, os novos remédios custam muito mais que os atualmente padronizados pelo SUS. Outros produtos, comercializados fora do Brasil ou ainda em fase de testes, não possuem registro no país e não devem ser distribuídos pelo SUS, pois podem pôr em risco a saúde de quem os consumir. São justamente esses medicamentos que o Estado mais vem sendo obrigado a fornecer por pedidos na Justiça. É importante ressaltar que a entrega de medicamentos por decisão da Justiça compromete a dispensação gratuita regular, já que os governos precisam remanejar recursos vultosos para atender situações isoladas. Em São Paulo, a Secretaria da Saúde gasta cerca de R$ 300 milhões por ano para cumprir ações judiciais para distribuição de remédios não padronizados de eficácia e necessidade duvidosas. Com esse valor é possível construir seis hospitais de médio porte por ano, com 200 leitos cada. Além de medicamentos, o Estado vê-se obrigado a entregar produtos como iogurtes, requeijão cremoso, queijo fresco, biscoitos, adoçante, leite desnatado, remédio para disfunção erétil, mel e xampu, dentre outros itens. Em 2004, por exemplo, chegou a ter de custear, por força de decisão judicial, a feira semanal para morador da capital[17].

Dentro desse contexto, algumas cautelas ou critérios devem ser observados no manejo dos mecanismos processuais que viabilizam a intervenção jurisdicional na efetivação da assistência farmacêutica pelo Poder Público, a fim de se evitar prejuízos ao Sistema Único de Saúde e, conseqüentemente, à própria população. Sugerimos alguns deles, a saber:

a)    Observância do princípio ativo prescrito

Tradicionalmente os médicos brasileiros prescrevem medicamentos mediante a indicação do respectivo nome comercial.

Esse hábito passou a ser insistentemente combatido pelo Poder Público, sobretudo após a edição da Lei nº 9.787/99, que, ao estabelecer o medicamento genérico e dispor sobre a utilização de nomes genéricos em produtos farmacêuticos, proibiu a prescrição pelo nome comercial, na forma do seu art. 3º, que prevê: “As aquisições de medicamentos, sob qualquer modalidade de compra, e as prescrições médicas e odontológicas de medicamentos, no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS, adotarão obrigatoriamente a Denominação Comum Brasileira (DCB) ou, na sua falta, a Denominação Comum Internacional (DCI)”.

Ainda assim, não raro algumas receitas veiculam o nome comercial e o paciente que ajuíza ação, pleiteando a condenação do Poder Público a fornecer-lhe o medicamento, formula seu pedido com base no nome comercial, tal como foi prescrito na receita.

A condenação do Estado no fornecimento de medicamento prescrito pelo nome comercial pode acarretar grandes prejuízos, pois é possível que o Poder Público disponibilize regularmente o mesmo remédio, porém ele não detém a designação prescrita pelo fato de ter sido fabricado por laboratório diverso.

Nesse contexto, é de bom alvitre que a formulação do pedido seja feita com base no princípio ativo do medicamento e, na hipótese de não o ser, é imprescindível que o magistrado atente para a possibilidade do medicamento estar previsto na listagem do Ministério da Saúde.

b)    Observância da existência de registro do medicamento pleiteado

Em atendimento à política nacional de medicamentos, instituída pela Portaria MS 3916/98, a prescrição de medicamentos no âmbito do SUS deve observar o “Formulário Terapêutico Nacional”, que tem por fim orientar os profissionais de saúde quanto ao manuseio de produtos farmacêuticos disponíveis no mercado.

Sem prejuízo dessa imposição do Poder Público, temos que, de uma maneira geral, tanto os profissionais vinculados à rede pública de saúde quanto os que atuam exclusivamente no setor privado devem observar a legislação brasileira pertinente aos produtos farmacêuticos.

A comercialização de um composto medicamentoso no território brasileiro pressupõe sua aprovação e registro no Ministério da Saúde, conforme dispõe o art. 12 da Lei 6.360/76, pois a natureza e a finalidade dessa espécie de substância exigem o monitoramento de sua segurança, eficácia e qualidade terapêutica.

Esse registro é definido pelo inciso XXI do art. 3º do Decreto nº 79.094/77, na redação que lhe foi atribuída pelo Decreto nº 3.961/01, a saber:

XXI - Registro de Medicamento - Instrumento por meio do qual o Ministério da Saúde, no uso de sua atribuição específica, determina a inscrição prévia no órgão ou na entidade competente, pela avaliação do cumprimento de caráter jurídico-administrativo e técnico-científico relacionada com a eficácia, segurança e qualidade destes produtos, para sua introdução no mercado e sua comercialização ou consumo;

Atualmente, a entidade competente para proceder a essa inscrição – bem como a sua alteração, suspensão e cancelamento – é a Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, na forma das disposições da Lei nº 9.782/99 e da Lei nº 6.360/76.

Assim, tanto o profissional médico, quando da prescrição, quanto o magistrado, quando da apreciação do pedido de fornecimento formulado em sede de ação judicial, devem atentar para a existência de registro do medicamento na Anvisa/MS.

Não obstante, em algumas hipóteses, a inexistência de registro não impede a prescrição e, conseqüentemente, não impede a condenação judicial do Poder Público no fornecimento da substância.

Existem substâncias modernas e eficazes no tratamento de determinadas doenças – em especial no tratamento de doenças raras e/ou graves – que são utilizadas há anos em diversos países (após terem sido aprovadas pelos respectivos órgãos de vigilância, a exemplo da FDA - Food and Drug Administration, nos Estados Unidos da América), mas não são vendidas ou produzidas no Brasil porque não tiveram concluído seu processo de registro na Anvisa/MS, cuja tramitação é demasiadamente morosa.

Essa morosidade é, inclusive, reconhecida pelo Poder Público, e levou a Anvisa a editar a Resolução RDC nº 28/2007, publicada no Diário Oficial de 5/4/2007, que visa legitimar as priorizações de análise de petições no âmbito da área de medicamentos, de acordo com a relevância do interesse público representado nas petições, e dar transparência a esses procedimentos. Nos termos dessa resolução, haverá prioridade de análise das petições de registro de medicamentos que façam parte da lista de medicamentos excepcionais.

Na edição nº 231, de novembro/2006, do jornal do Cremesp – Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, em matéria publicada sob o título “Medicina e Justiça”, o Dr. Desiré Carlos Callegari, presidente daquele conselho, afirmou:

Se por um lado é proibido prescrever medicamento não reconhecido pela Anvisa, a demora em conceder o registro acaba estimulando ações judiciais”. Parte dos medicamentos não são aprovados por falta de comprovação efetiva de segurança e eficácia, levantando dúvidas sobre a prescrição. Mas alguns já estão aprovados por agências reguladoras de outros países, por exemplo o FDA norte-americano. “Alguns medicamentos representam um real avanço na medicina, que mudam dramaticamente o curso de doenças graves[18].

Não há sentido, portanto, para justificar a impossibilidade de fornecimento do medicamento prescrito apenas pelo fato de seu registro ainda não ter sido concluído.

Há hipóteses, ainda, em que a necessidade de registro é afastada pela própria lei. Com efeito, dispõe o artigo 24, da Lei 6.360/76: “Estão isentos de registro os medicamentos novos, destinados exclusivamente a uso experimental, sob controle médico, podendo, inclusive, ser importados mediante expressa autorização do Ministério da Saúde”.

Não é impossível imaginar que um paciente, acometido por uma doença rara e degenerativa cujos medicamentos existentes para seu tratamento sejam ineficazes, pleiteie em juízo a condenação do Poder Público a lhe fornecer medicamento novo existente no Brasil ou no exterior, em fase experimental, que traduza esperança de tratamento. Nesse caso, atendidas as demais regulamentações pertinentes a tratamento da espécie, a inexistência de registro na Anvisa – dispensada pela própria lei – não impediria essa condenação.

Dessa forma, a inexistência de registro do princípio ativo pleiteado em ação judicial não consubstancia causa de indeferimento do pedido, caso a existência de protocolo de registro na Anvisa e/ou as demais circunstâncias trazidas aos autos sejam suficientes para que o magistrado forme sua convicção.

c)    Observância da pertinência da prescrição no tratamento do paciente

O fornecimento de medicamento pelo Estado, seja administrativamente, por meio dos programas de assistência farmacêutica, seja como decorrência de determinação judicial, não pode perder de vista a preocupação com a racionalização no consumo, ditada pela política nacional de medicamentos e pelas demais normas pertinentes.

Além disso, infelizmente a utilização do processo judicial como instrumento de efetivação da assistência farmacêutica tornou-se alvo da “indústria da ação judicial”, na qual atuam profissionais médicos, advogados e laboratórios. De acordo com informação do Cremesp, recentemente a Secretaria Estadual da Saúde do Estado de São Paulo obteve autorização judicial para retirar da frente do Hospital das Clínicas de São Paulo uma faixa de publicidade que dizia “Medicamento gratuito é um direito seu. Procure um advogado. Ligue para o número tal”[19].

Assim, é imprescindível que o magistrado verifique se a prescrição médica é condizente com o diagnóstico da moléstia que acomete o paciente e com os tratamentos a que ele já se submeteu, bem como é necessário constatar se a emissão de receita foi efetuada por profissional habilitado e especialista no trato de problemas da espécie e se a dosagem prescrita atende as finalidades do tratamento.

Em alguns casos os medicamentos de alto custo são prescritos independentemente da existência – e disponibilidade no âmbito do SUS – de outros medicamentos que podem produzir os mesmos resultados no tratamento da doença. Isso não significa que a utilização de todo e qualquer medicamento disponível nos programas governamentais de assistência farmacêutica, antes do ajuizamento de ação para obtenção de medicamento de alto custo, constitua um critério objetivo a ser utilizado pelo magistrado, pois a variabilidade das condições do organismo e da saúde humanos impossibilita a aplicação desse tipo de critério.

No entanto, é prudente que o magistrado verifique, no caso concreto, as peculiaridades do tratamento, com a finalidade de impedir que o Poder Judiciário ratifique prescrições negligentes e tratamentos inócuos.

A verificação da habilitação do médico para prescrever o medicamento pleiteado é necessária não só para a constatação da pertinência do tratamento – presume-se que um médico especialista formule prescrições coerentes e racionais – mas também para coibir o uso desvirtuado do processo judicial. A verificação da dosagem prescrita também tem essa finalidade.

Os limites da má-fé do ser humano não são passíveis de conhecimento – se é que eles existem – e não é exagero imaginar que o processo judicial seja utilizado com fins escusos, a exemplo da tentativa de introduzir medicamentos novos no mercado em virtude de interesses econômicos, ou da tentativa de obter gratuitamente grande dosagem, que possa ser comercializada informal e irregularmente.

d)    Observância dos programas de assistência farmacêutica do SUS - Sistema Único de Saúde

Pode ser que o medicamento prescrito, e solicitado perante o Poder Judiciário, não conste da Rename, mas figure na listagem de algum programa do Ministério da Saúde ou do Governo do Estado.

Exemplificativamente, consideremos o programa de medicamentos de dispensação excepcional, cuja listagem atende aos critérios da Portaria MS 2777, de 27 de outubro de 2006. Essa norma prevê a inclusão do denominado Componente de Medicamentos de Dispensação Excepcional (CMDE) na Política Nacional de Assistência Farmacêutica do Sistema Único de Saúde.

PORTARIA Nº 2.577, DE 27 DE OUTUBRO DE 2006

Aprova o Componente de Medicamentos de Dispensação Excepcional.



O MINISTRO DE ESTADO DA SAÚDE, no uso de suas atribuições, e

Considerando as diretrizes estabelecidas pela Política Nacional de Medicamentos, constante da Portaria nº 3.916/GM de 30 de novembro de 1998;

Considerando os princípios e eixos estratégicos definidos pela Política Nacional de Assistência Farmacêutica aprovada pela Resolução nº 338, de 2004, do Conselho Nacional de Saúde;

Considerando a necessidade de aprimorar os instrumentos e estratégias que asseguram e ampliam o acesso da população aos serviços de saúde, incluído o acesso aos medicamentos em estreita relação com os princípios da Constituição e da organização do Sistema Único de Saúde;

Considerando as Portarias nº 399/GM, de 22 de fevereiro de 2006, que Divulga o Pacto pela Saúde e nº 698/GM, de 30 de março de 2006, - Organização dos recursos federais de custeio em Blocos de Financiamento; e

Considerando a pactuação na reunião da Comissão Intergestores Tripartite do dia 5 de outubro de 2006,

R  E S O L V E:

Art. 1º Aprovar o Componente de Medicamentos de Dispensação Excepcional, como parte da Política Nacional de Assistência Farmacêutica do Sistema Único de Saúde, conforme termos constantes do Anexo I a esta Portaria.

......................................................................................

ANEXO I

I - DA CONSTITUIÇÃO DO COMPONENTE DE MEDICAMENTOS DE DISPENSAÇÃO EXCEPCIONAL

1. O Componente de Medicamentos de Dispensação Excepcional (CMDE) caracteriza-se como uma estratégia da política de assistência farmacêutica, que tem por objetivo disponibilizar medicamentos no âmbito do Sistema Único de Saúde para tratamento de agravos inseridos nos seguintes critérios:

1.1. doença rara ou de baixa prevalência, com indicação de uso de medicamento de alto valor unitário ou que, em caso de uso crônico ou prolongado, seja um tratamento de custo elevado; e

1.2. doença prevalente, com uso de medicamento de alto custo unitário ou que, em caso de uso crônico ou prolongado, seja um tratamento de custo elevado desde que:

1.2.1. haja tratamento previsto para o agravo no nível da atenção básica, ao qual o paciente apresentou necessariamente intolerância, refratariedade ou evolução para quadro clínico de maior gravidade, ou

1.2.2. o diagnóstico ou estabelecimento de conduta terapêutica para o agravo estejam inseridos na atenção especializada.

Dessa forma, não só os magistrados, mas também os advogados, defensores públicos e promotores de justiça devem estar atentos a todas as listagens de medicamentos dos programas de assistência farmacêutica do SUS.

Não há duvidas, portanto, de que os operadores do direito devem observar as questões técnicas afetas à área da saúde, sob pena de majoração das conseqüências negativas advindas da má-utilização do processo. Para tanto, o ideal é que sejam eles assessorados por profissionais da área da saúde.

Diz-se “operadores do direito” porque essa preocupação não deve ser somente dos magistrados, mas também daqueles que, dotados de capacidade postulatória, formulam as pretensões perante o Poder Judiciário.

Embora o foco da problemática seja a saúde do paciente litigante e a deficiência das políticas públicas de assistência farmacêutica, não é exagero lembrar que a atividade jurisdicional também prima pela efetividade e pela preservação do patrimônio público. Daí a afirmação de que a observância, já na propositura da ação, das cautelas necessárias mencionadas neste trabalho pode, em muitos casos, evitar a demanda judicial ou, no mínimo, evitar que ela se prolongue no tempo, causando prejuízos ao paciente e ao erário.

 

6. Instrumentos processuais disponíveis



Diversos são os mecanismos processuais que podem ser manejados pelo paciente que pleiteia a assistência farmacêutica perante o Poder Judiciário.

Freqüentemente são utilizados: a ação civil pública, disciplinada pela Lei n. 7347/85; o mandado de segurança; e as ações condenatórias de obrigação de fazer ou de obrigação de dar.

A ação civil pública, cuja legitimação para propositura é ditada pelo art. 5º da Lei n. 7347/85[20], é destinada à tutela de interesses difusos, coletivos e/ou individuais homogêneos. Trata-se de instrumento de tutela coletiva de direitos e pressupõe, portanto, a representação de um grupo de pessoas - ora indeterminado, ora determinado ou determinável - por um legitimado extraordinário (figura que excepciona a regra do art. 6o do Código de Processo Civil).

Via de regra esse legitimado extraordinário, a despeito do rol de legitimados ditado pelo já mencionado art. 5º da Lei n. 7347/85, é o Ministério Público.

Entretanto, as ações civis públicas propostas pelo parquet não raro veiculam interesse de um único paciente, ou de um grupo determinado e restrito.

Não se questiona da legitimidade do Ministério Público para representar em juízo um único paciente que pleiteie assistência farmacêutica do Estado, uma vez que o caput do art. 127 da Constituição Federal lhe atribuiu legitimidade para defender direitos individuais indisponíveis: “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

Duvidamos, no entanto, do adequado manejo da ação coletiva nesses casos.

Embora seja praxe institucional chamar de ação civil pública toda e qualquer ação de natureza cível promovida pelo Ministério Público[21], não se trata de mero preciosismo terminológico.

A ação civil pública, reitere-se, é instrumento de tutela coletiva, regulado pelo microssistema normativo de processo coletivo brasileiro, composto, em especial, pela Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7347/85) e pelo CDC- Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.090/90). Possui peculiaridades procedimentais, incompatíveis com a tutela individual, daí a impropriedade de sua aplicação indistintamente.

Por outro lado, quando manejada com observância da proporcionalidade, preservando o equilíbrio entre as regras e princípios que informam nosso ordenamento, a ação civil pública afigura-se como eficiente mecanismo de combate à ineficácia do Poder Público na implementação de políticas públicas, beneficiando segmentos sociais hipossuficientes e estimulando a atuação estatal.

Diversos são os exemplos nesse sentido, como demonstra a ementa abaixo transcrita, extraída de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Obrigação de fazer – Implantação por parte do Município e do Estado de programa de atendimento à criança e ao adolescente portador de “diabetes mellitus” e ao fornecimento de medicamentos e materiais necessários ao controle da doença – Carência da ação – Ilegitimidade passiva “ad causam” – Inocorrência – Competência administrativa concorrente da União, do Estado e do Município para cuidar da saúde pública – Inteligência dos artigos 23, II, e 198, I, da Constituição Federal e 4º e 9º da Lei n. 8.080/90 – Preliminar rejeitada. (Apelação n. 513.556-5/0 – Bauru – 1ª Câmara de Direito Público – Relator: Renato Nalini – 19.12.06 – V.U. – Voto n. 12.482).

O mandado de segurança, por sua vez, está previsto no inc. LXIX do art. 5º da Constituição Federal, que dispõe que “conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”.

As Leis n. 1533/51 e 4348/64 disciplinam o processo de mandado de segurança.

Segundo o Prof. Hely Lopes Meirelles o mandado de segurança pode ser definido como “o meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual, ou universalidade reconhecida por lei, para a proteção de direito individual ou coletivo, líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, lesado ou ameaçado de lesão, por ato de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça”.[22]

O mandado de segurança é uma ação constitucional de natureza civil, cujo objetivo é a proteção de direito líquido e certo, lesado ou ameaçado de lesão, por ato ou omissão de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.

Para impetração do mandado de segurança é necessário que tenha havido violação ou grave ameaça a direito líquido e certo, como decorrência de ato ilegal ou abusivo de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.

Acerca do direito líquido e certo ensina Pedro Lenza:

O direito líquido e certo é aquele que pode ser demonstrado de plano, através de prova pré-constituída, sem a necessidade de dilação probatória. Trata-se de direito “manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercido no momento de sua impetração”.

Importante lembrar a correção feita pela doutrina em relação à terminologia empregada pela Constituição, na medida em que todo o direito, se existente, já é líquido e certo. Os fatos é que deverão ser líquidos e certos para cabimento do writ[23].

O direito à saúde é direito social, qualificado na ordem internacional como direito de 2ª geração, caracterizando-se pela necessidade de uma atuação positiva e programática do Estado.

Não obstante, está intimamente ligado ao direito à vida, que consubstancia norma de aplicabilidade imediata.

Nesse contexto, vem se dispensando ao direito à assistência farmacêutica o caráter de direito líquido e certo ou de norma constitucional de aplicabilidade imediata.

Ocorre que não é possível atribuir à prescrição médica o caráter absoluto que se vem dispensando ao direito à assistência medicamentosa.

Isso porque a adequação e a lisura da prescrição, bem como sua observância às peculiaridades do caso concreto e à legislação pertinente, demandam vasta produção de prova.

Além disso, a negativa de fornecimento de medicamento normalmente está amparada por atos infralegais ou pela legislação infraconstitucional.

Exemplo disso é a negativa de fornecimento de medicamento a pacientes que não são atendidos pelo SUS, ou a recusa de medicamentos que não possuem registro na ANVISA.

Não obstante essa via é amplamente utilizada, sobretudo em virtude da celeridade do procedimento.

As ações condenatórias de obrigação de fazer ou de obrigação de dar são ações comuns, disciplinadas pelo Código de Processo Civil, normalmente de rito ordinário. Considerando que na maioria dos casos o medicamento pleiteado judicialmente possui alto custo, raro que se veja uma ação tramitando pelo rito sumário. Não é difícil imaginar, entretanto, a tramitação de ação da espécie pelo rito sumário quando a pretensão deduzida diz respeito aos denominados “insumos terapêuticos”.

Como visto alhures, a legislação que prevê o fornecimento desses “insumos terapêuticos” contém cláusulas abertas, atribuindo ao intérprete o dever de identificar e estabelecer o conteúdo da prestação. Dentro desse contexto, são comuns as ações em que se pleiteia, por exemplo, fraldas[24]. Considerando a natureza do objeto, não é de se estranhar que o valor da causa determine a tramitação pelo rito sumário.

O ajuizamento desse tipo de ação pelo rito sumaríssimo, ditado pelas Leis n. 9099/95 e n. 10259/01, é impossível, já que as pessoas jurídicas de direito público não podem ser parte nas ações promovidas perante os Juizados Especiais.

A competência, seja qual for o mecanismo processual adotado, será da Justiça Estadual quando a ação for promovida em face da Fazenda Estadual e/ou da Fazenda Municipal, ou em face de ato de autoridade estadual e/ou municipal. Quando a União figurar no pólo passivo, quer isoladamente, quer solidariamente aos demais entes, a competência para apreciar o feito será da Justiça Federal.

Quando se tratar de mandado de segurança, não se pode olvidar das regras de foro por prerrogativa de função.

Nas comarcas onde há vara da fazenda pública a ação deve ser a ela dirigida; nas demais, a ação tramita perante vara cível comum. Desnecessário promover a demanda perante o foro da capital quando a ação for promovida em face do Estado, uma vez que, ante a sua desconcentração (inerente ao próprio sistema único de saúde), a competência de juízo diverso pode ser ditada tanto pelo lugar em que ocorreram os fatos que deram causa à ação (na hipótese, a prestação de atendimento médico, a prescrição medicamentosa), como em virtude de o Estado possuir domicílio no local.

No Estado de São Paulo, quando do ajuizamento da ação em face da Fazenda Estadual, há que se atentar para o fato de que a citação deve ser requerida e efetivada na pessoa do procurador geral do Estado, como estabelecem os artigos 2º, I, e 5º, V, da Lei Orgânica da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, Lei Complementar n. 478/86.

Em qualquer dos procedimentos adotados, é possível a concessão de tutela de urgência, aí compreendidas as liminares, cautelares e antecipações de tutela.

Não se questiona mais do cabimento da antecipação de tutela em face da Fazenda Pública, como outrora. Os argumentos invocados para justificar a negativa de concessão de uma tutela de urgência foram superados pelo tempo e pela constitucionalização do processo civil.

Assim, observados os requisitos legais (no caso da antecipação de tutela, os artigos 273, 461 e 461-A do CPC), perfeitamente cabível a concessão de tutelas de urgência a casos da espécie – fato que ratifica a impropriedade da utilização do mandado de segurança para pleitear a assistência farmacêutica, conforme mencionamos acima.

Aplica-se, quanto ao sistema recursal, os mecanismos próprios a cada espécie de ação adotada. De se ressaltar o cabimento, inclusive, de Recurso Extraordinário, ratificado pelo Supremo Tribunal Federal quando do reconhecimento de repercussão geral da matéria[25].



7. Experiências inovadoras



Grande parte dos critérios mencionados no capítulo 5 deste breve estudo está intrinsecamente relacionada com aspectos técnicos da política pública de fornecimento de medicamentos e do próprio exercício da medicina.

Diante disso, é necessário que os operadores do direito – sobretudo o magistrado – cerquem-se de profissionais habilitados a auxiliá-los na instrução do processo judicial.

Paulo César Salomão, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, propõe um modelo de atuação do Poder Judiciário, nos processos atinentes a saúde, consubstanciado na criação de um conselho composto por juristas e médicos renomados, que prestariam assessoria aos magistrados nas questões relativas à saúde em geral – e não só nas ações destinadas a compelir o Estado a fornecer medicamentos. O conselho funcionaria no âmbito do Tribunal de Justiça, em caráter intermitente, ou seja, vinte quatro horas por dia.

No tocante ao fornecimento de medicamento, propõe ele também a criação de uma “Central de Medicamentos”, composta por representantes da União, do Estado e do Município, a quem serão encaminhados todo e qualquer pedido de fornecimento de medicamento e a quem caberia direcionar os referidos pedidos à respectivas esferas de governo responsáveis.

Com efeito, aduz o eminente desembargador em entrevista concedida à jornalista Giselle Souza, do Jornal do Commercio/RJ:

O que seria essa central de medicamentos?

A central seria composta por representantes da União, do Estado e do município. Tem medicamentos que podem ser importados apenas pela União, outros pelo Estado e outros pelo município. Então a central dirigiria o pedido a quem pode efetivamente atender. Aqui no Rio, iria integrar a central, os secretários municipal e estadual da saúde, bem como um representante do Ministério da Saúde. Todos já estão de acordo com a criação da central. Até porque para eles também é vantajoso. Eles alegam que uma decisão que determina o fornecimento de um medicamento, sob pena de prisão, acaba obrigando-os a comprar o produto sem licitação. Eles não querem isso. Querem algo mais programado. Eles querem saber quais remédios precisarão ser fornecidos para que possam comprá-los com antecedência, por meio da elaboração de uma previsão acerca de quanto seria necessário para adquiri-los. Assim o juiz, ao analisar o pleito do cidadão que esgotou todos os meios na esfera administrativa e, por essa razão, acabou indo para o Judiciário, saberá a quem recorrer para atender ao pedido. É que o magistrado terá uma relação do material em posse da central. Dessa forma, evitaríamos a ação judicial. A central funcionaria como um órgão de conciliação, princípio básico e moderno de solucionar os litígios.

Quem participará dessa central?

- A princípio o Estado e o município do Rio, bem como um representante da União. Queremos, no entanto, estender a central para as demais cidades do Estado[26].

No Estado de São Paulo, especificamente na comarca de Ribeirão Preto, surgiu iniciativa - desenvolvida e aprimorada por representantes do Poder Judiciário, do Ministério Público e do Setor Público de Saúde[27] – que vem otimizando a prestação jurisdicional de assistência farmacêutica no município ao coibir abusos e racionalizar o atendimento das demandas.

A divisão administrativa da Secretaria de Estado da Saúde se faz pelos Departamentos Regionais de Saúde - DRS, atendendo ao Decreto  nº 51.433, de 28 de dezembro de 2006. Por meio desse decreto o Estado de São Paulo foi dividido em dezessete Departamentos de Saúde, que são responsáveis por coordenar as atividades da Secretaria de Estado da Saúde no âmbito regional e promover a articulação intersetorial com os municípios e organismos da sociedade civil.

No âmbito do DRS XIII, no qual o município de Ribeirão Preto está compreendido, funciona uma comissão multidisciplinar, denominada “Comissão de Análise de Solicitações Especiais”, à qual o Poder Judiciário requisita informações para aferição das cautelas necessárias ao deferimento do pedido do paciente.

Os dados a serem analisados pela aludida comissão são fornecidas pelo próprio paciente, ou por seu advogado, mediante o preenchimento de um formulário padrão, no qual existe, inclusive, um campo destinado ao esclarecimento da urgência do medicamento – constatada pelo diagnóstico e pelo estágio da moléstia – a fim fornecer subsídios para apreciação de pedidos de liminares, antecipações de tutela e provimentos cautelares.

O formulário, elaborado com vistas a observar os critérios de racionalização que indicamos no presente trabalho, são encaminhados à comissão por meio de e-mail ou fac-símile, a fim de agilizar o procedimento, e o magistrado concede um prazo para que a comissão se manifeste.

Conforme mencionado, o sistema vem racionalizando a utilização do processo como instrumento de efetivação da assistência farmacêutica que deve ser prestada pelo Estado, não só sob aspecto da celeridade e economia processuais – que consubstanciam direito fundamental, na forma do inciso LVIII da Constituição Federal – mas em especial no tocante à justiça das decisões.

        

8. Conclusão



A concretização de um direito fundamental exige um alto grau de criatividade por parte do juiz, até porque os direitos constitucionais são tão mais difíceis de concretizar quanto mais eles prometem[28].

Para extrair o máximo de efetividade da norma, é necessário que sejam superados os próprios limites intelectuais do operador jurídico, muitas vezes buscando ajuda em outras áreas do conhecimento científico que não o direito.

Além de criatividade, precisa-se de coragem para enfrentar os relevantes problemas sócio-políticos que, tradicionalmente, não diziam respeito ao Judiciário. Aquela postura de antigamente, em que o Judiciário “varria para debaixo do tapete”[29] a solução de problemas fundamentais, através de expedientes citados neste trabalho, como, por exemplo, a discricionariedade absoluta do administrador e do legislador, a vedação de atuação do juiz como legislador positivo, a inexistência de previsão orçamentária, não pode ser mais tolerada.

Diante de normas dotadas de fundamentalidade, como o direito à saúde, exige-se uma postura menos passiva, atuando o Judiciário como um catalisador da vontade constitucional, através de imposições de deveres aos Poderes Públicos, mesmo que isso resulte em ônus financeiro, em supressão de vazios legislativos ou em implementação de políticas públicas.

Por outro lado, não basta criatividade e coragem, o que poderia dar margem a abusos ou inconvenientes. É fundamental também que o Judiciário tenha humildade para ter consciência de suas limitações e fraquezas.

Um Judiciário criativo, ousado e humilde ainda não é suficiente para possibilitar uma boa concretização judicial de direitos fundamentais. É necessária uma boa estrutura que permita o desenvolvimento da litigiosidade em direitos fundamentais, estrutura essa que passa desde a educação e conscientização em direitos fundamentais (cidadania popular em direitos fundamentais) até a efetiva concretização, no estágio final do processo, das ordens proferidas pelos juízes, estruturando devidamente o Judiciário, o processo e a própria máquina estatal como um todo.

Nesse sentido, são inspiradoras as palavras do Juiz Federal Leonardo Resende Martins:

O acesso à justiça, inscrito no rol dos direitos fundamentais, ainda clama por efetividade, que só será alcançada quando os cidadãos tiverem consciência de seus direitos e puderem contar com um Poder Judiciário aberto a demandas populares emergentes, cada vez mais complexas, reflexo das contradições que permeiam a sociedade.

Para isto, é necessário que o operador jurídico, consciente de seu papel como agente de transformação social, abandone a feição retórico-legalista e o excessivo formalismo, que caracterizam a visão tradicional do direito, para, mediante uma hermenêutica flexível e criativa, construir uma ‘práxis emancipatória’, comprometida com a satisfação dos anseios da sociedade e com a concretização dos direitos fundamentais, sustentáculo da fórmula política do Estado Democrático de Direito[30].

Em matéria de direito à saúde, é possível perceber, felizmente, que o Judiciário está cada vez mais receptivo a chamar para si a responsabilidade, ainda que subsidiária, de concretizar a vontade constitucional. Os avanços são nítidos, apesar de ainda existirem alguns posicionamentos judiciais que preferem “varrer para debaixo do tapete” os problemas para os quais a sociedade clama por uma resposta jurisdicional.

A única crítica que pode ser feita refere-se ao déficit de consistência de algumas decisões, explicada em parte pela falta de estrutura da máquina judiciária e mentalidade privatista de alguns juízes.

A concretização do direito à saúde é um processo sem fim, que passa pelo comprometimento de inúmeras instâncias de poder, dentre as quais a esfera judicial é apenas uma delas, talvez a menos importante e que exige um comprometimento ético de toda as pessoas[31]. Na verdade, o melhor seria que os Poderes Públicos levassem a sério a concretização dos direitos fundamentais e, com mais “vontade de Constituição”, conseguissem oferecer um serviço de saúde de qualidade a toda a população, independentemente de qualquer manifestação do Poder Judiciário. Como atualmente essa situação ideal está longe de ser realidade, é imprescindível a atuação jurisdicional para que pelo menos aqueles que batem à porta da Justiça possam usufruir, na mínima dimensão desejável, o direito conferido pela Constituição.

Feliz será o dia em que não for mais necessária a intervenção judicial na concretização do direito à saúde. Enquanto esse dia não chega, resta ao Judiciário enfrentar o desafio com altivez e responsabilidade.



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JOÃO AGNALDO DONIZETI GANDINI é Juiz de Direito titular da 2ª Vara da Fazenda Pública da comarca de Ribeirão Preto (SP), mestre em Direito pela UNESP, coordenador e professor do curso de especialização lato sensu em Direito Processual Civil da FAAP – Fundação Armando Álvares Penteado, campus Ribeirão Preto-SP - gandini.joao@terra.com.br

 

SAMANTHA FERREIRA BARIONE é advogada, pós-graduanda em Direito Processual Civil pela FAAP – Fundação Armando Álvares Penteado – campus Ribeirão Preto-SP - sbarione@gmail.com

 

ANDRÉ EVANGELISTA DE SOUZA é advogado, pós-graduando em Direito Processual Civil pela FAAP – Fundação Armando Álvares Penteado, campus Ribeirão Preto-SP -andre.evangelista@gmail.com

 



[1] BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de Suas Normas: limites e possibilidades da Constituição Brasileira. 3ª ed. São Paulo: Renovar, 1996, p. 83.

[2] SÜSSEKIND, Arnaldo Lopes. Direito Internacional do Trabalho. 2ª ed. São Paulo: LTr, 1987, p. 31.

[3] Atualmente, a Lei 8.080/90 fornece a regulamentação geral do sistema nacional de saúde.

[4] RE 322348 AgR/SC.

[5] O Promotor de Justiça e Mestre em Direito Público pela UERJ Marcos Masseli Gouvêa critica o posicionamento extremista do Ministro Celso de Mello. De acordo com seu entendimento, “atividade burocrática que cerca a implementação do fornecimento estatal de medicamentos (notadamente aquela ligada à previsão e ao controle orçamentários), de fato, pode ceder espaço a outras normas sobranceiras (prioritárias por imperativo constitucional ou jusfundamental) quando de sua aplicação, mas nem por isso deve ser considerado um ‘problema secundário’ ou burocrático.  O tom do aresto coligido, porém, parece olvidar que o orçamento público, ele também, é algo ‘previsto constitucionalmente’, correspondendo aos importantes imperativos de transparência e racionalização da gestão financeira” (GOUVÊA, Marcos Masseli. O Direito ao Fornecimento Estatal de Medicamentos. Disponível em: <http://www.nagib.net/texto/varied_16.doc> Acesso em: 14 abr. 2007..

[6] VIOLA. Luís Armando.  O Direito Prestacional à Saúde e sua Proteção Constitucional. Disponível em: <www.fdc.br/Arquivos/Mestrado/Dissertacoes/Integra/LuisArmando.pdf.> Acesso em: 13 abr. 2007.

[7] LIMA, George Marmelstein. Limitações ao direito fundamental à ação. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2627 > Acesso em: 13 abr. .2007.

[8] GUERRA FILHO, Willis Santiago. Ensaios de Teoria Constitucional. Fortaleza: UFC, 1989, p. 75.

[9] TESSLER, Marga Inge Barth. O Direito à Saúde como Direito e como Dever na Constituição Federal de 1988, p. 198. in: Revista Direito Federal n. 67, Brasília: Ajufe, 2001, p. 189/218.

[10] O exemplo é do autor Luís Roberto Barroso.

[11] KRAMER, Ana Cristina. O Poder Judiciário e as ações na área de saúde. Disponível em: <http://www.revistadoutrina.trf4.gov.br/artigos/edicao015/Ana_Kramer.htm.> Acesso em: 10 abr. 2007.

[12] Revista Consultor Jurídico. Ed. 24/4/2003. [on-line] Disponível em: <http://conjur.estadao.com.br/static/text/26851,1> Acesso em: 26 mar. 2007.

[13] GOUVÊA, Marcos Masseli. O Direito ao Fornecimento Estatal de Medicamentos. Rio de Janeiro: Slaib Filho. [on-line] Disponível em: < http://www.nagib.net/texto/varied_16.doc> Acesso em: 14 abr. 2007.

[14] Idem.

[15] GOUVÊA, Marcos Masseli. O Direito ao Fornecimento Estatal de Medicamentos. Rio de Janeiro: Slaib Filho. [on-line] Disponível em: < http://www.nagib.net/texto/varied_16.doc> Acesso em: 14 abr. 2007.

[16] SS nº 3158 – RN, STF, Min. Ellen Gracie.

[17] BARRADAS, Luiz Roberto. É positivo que o Estado seja obrigado por decisão judicial a fornecer certos medicamentos? Disponível em: <http://www.tj.es.gov.br/Novo/conteudo.cfm?conteudo=4079> Acesso em: 10 abr. 2007.

[18] CALLEGARI, Desiré C. Medicina e Justiça. Jornal do CREMESP, São Paulo, nº 231, novembro/2006, Disponível em: < http://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Jornal&id=753> Acesso em: 17 mar. 2007.

[19] CALLEGARI, Desiré C. Medicina e Justiça. Jornal do CREMESP, São Paulo, nº 231, novembro/2006, Disponível em: < http://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Jornal&id=753> Acesso em: 17 mar. 2007.

[20] Art. 5o  Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:

I - o Ministério Público;

II - a Defensoria Pública;

III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;

IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista;

V - a associação que, concomitantemente:

a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;

b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

[21] Diz-se, inclusive, que a designação desse instrumento de tutela coletiva decorre dessa praxe.

[22] MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, Habeas Data. 18ª ed. (atualizada por Arnoldo Wald). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

[23] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 11 ed. São Paulo: Método, 2007. p. 757.

[24] EMENTA: SERVIÇO PÚBLICO DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. RELAÇÃO NACIONAL. GENÉRICO. LISTA DO GESTOR ESTADUAL DO SUS. INSUMOS PARA MANEJO TERAPÊUTICO (SONDAS VESICAIS E FRALDAS DESCARTÁVEIS). 1. O direito à saúde é exercido pelo acesso igualitário às ações e serviços prestados pelo Estado. Assim, a gestão dos recursos destinados à saúde deve levar em consideração o bem de todos os membros da comunidade e não apenas o do indivíduo isoladamente. 2. Compete ao Estado do Rio Grande do Sul o fornecimento dos medicamentos excepcionais constantes da Portaria nº 2.577/06 do Ministério da Saúde e os especiais constantes da relação da Portaria nº 238, de 2006, da Secretaria Estadual da Saúde. Aos Municípios compete o fornecimento dos medicamentos essenciais constantes da Portaria 2.475/2006 do Ministério da Saúde (RENAME). Recurso provido em parte. Voto vencido. Reexame necessário não conhecido. (Apelação e Reexame Necessário Nº 70018519421, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Isabel de Azevedo Souza, Julgado em 29/03/2007)

EMENTA: DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. CONSTITUCIONAL. FORNECIMENTO DE REMÉDIOS A NECESSITADO. LEGITIMAÇÃO PASSIVA DO MUNICÍPIO. CHAMAMENTO AO PROCESSO DO ESTADO. DESNECESSIDADE. O Município possuiu legitimidade passiva para a demanda visando ao fornecimento de medicamentos a necessitado, devendo responder integralmente pelos medicamentos pleiteados no processo. O direito à saúde é assegurado a todos, devendo os necessitados receberem do ente público os medicamentos necessários, não havendo necessidade de comprovação de risco de vida para o fornecimento dos medicamentos, demonstrada a urgência, que decorre da própria doença do autor. Aplicação do artigo 196 da Constituição Federal. Precedentes do TJRGS e STJ. Cabe à parte escolher contra quem ajuizar a ação, tornando descabido o pedido de chamamento ao processo do Estado do Rio Grande do Sul. Precedentes do TJRS. FORNECIMENTO DE FRALDAS. IMPOSSIBILIDADE. Por não se tratar de medicamento capaz de evitar iminente perigo de vida, mas de um recurso facilitador utilizado nos cuidados higiênicos da autora, passível de substituição, não pode ser imposta aos entes públicos a obrigatoriedade de seu fornecimento, sob pena de comprometer verba pública a ser destinada a outra demanda excepcionalmente necessária. DEFENSORIA PÚBLICA. MUNICÍPIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Em relação ao Município, sendo a Defensoria Pública um órgão do Estado do Rio Grande do Sul e a ação ajuizada contra o Município de São Gabriel, ausente a confusão entre credor e devedor. Precedente do TJRGS. CONDENAÇÃO DO DENUNCIANTE EM CUSTAS E VERBA HONORÁRIA. CABIMENTO. Estabelecida a lide entre denunciante e denunciado, julgada improcedente a denunciação, deve o denunciante suportar as custas e honorários decorrentes da denunciação a que deu causa. Precedentes do TJRGS. REEXAME NECESSÁRIO. NÃO-CONHECIMENTO. ARTIGO 475, PARÁGRAFOS 2º E 3.º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI N.º 10.352, DE 26 DE DEZEMBRO DE 2001. NORMA DE APLICAÇÃO IMEDIATA. A nova redação dos parágrafos 2.º e 3º do art. 475 do CPC, dada pela Lei n.º 10.352/01, norma processual de aplicação imediata, dispensa o reexame necessário de sentença proferida contra a Fazenda Pública, cuja condenação foi inferior a 60 (sessenta) salários mínimos e nos casos em que a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em Súmula deste Tribunal ou do Tribunal Superior competente. Precedentes jurisprudenciais do STJ e do TJRS. PREQUESTIONAMENTO. A apresentação de questões para fins de prequestionamento não induz à resposta de todos os artigos referidos pela parte, mormente porque foram analisadas todas as questões que entendeu o julgador pertinentes para solucionar a controvérsia posta na apelação. Apelação parcialmente provida, por maioria. Reexame necessário não conhecido. (Apelação e Reexame Necessário Nº 70018528513, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Julgado em 22/03/2007)

[25]SAÚDE – ASSISTÊNCIA - MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO – FORNECIMENTO. Possui repercussão geral controvérsia sobre a obrigatoriedade de o Poder Público fornecer medicamento de alto custo. Decisão: O Tribunal, por unanimidade, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada. JURISDIÇÃO, Supremo Tribunal Federal, Reclamação Constitucional, Estado do Rio Grande do Norte vs. Carmelita Anunciada de Souza, Relator Min. Marco Aurélio.

[26] SOUZA, Gisele. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, out/2006. Disponível em: < http://www.cns.org.br/links/menup/noticiadosetor/clipping/2006/12/clipping_0112.htm> Acesso em: 10 abr. 2007.

[27] A iniciativa foi dos magistrados titulares das varas da fazenda pública, Dr. Júlio César Spoladore Dominguez e Dr. João Agnaldo Donizeti Gandini, e do promotor de justiça responsável pela promotoria da cidadania nesta comarca, Dr. Sebastião Sérgio da Silveira.

[28] ALEXY, Robert. Direitos Fundamentais no Estado Constitucional Democrático, p. 58. In: Revista de Direito Administrativo, n. 217, São Paulo: Renovar, 1999, pp. 55/66.

[29] A expressão é apresentada por Sérgio Fernando Moro. Por uma revisão da teoria da aplicabilidade das normas constitucionais. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=98> Acesso em: 13 abr. 2007.

[30] MARTINS, Leonardo Resende. Operadores do Direito e Mudança Social, p. 169. In: Revista Themis, n. 1, Fortaleza: Esmec, 2000, pp. 163/169. Disponível em: <www.tj.ce.gov.br/esmec/pdf/THEMIS-V3-N1.pdf.> Acesso em: 14 abr. 2007.

[31] DALLARI, Dalmo. Ética Sanitária. Disponível em: < http://www.saudepublica.bvs.br/itd/legis/curso/html/a09.htm> Acesso em: 14 abr. 2007.



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