209 - Política Urbana e Função Social da Propriedade

 

REGIS DE OLIVEIRA - Desembargador 


 

A Constituição de 1988 foi o primeiro diploma constitucional a tratar da política urbana num capítulo específico por considerá-la de interesse coletivo já que o objetivo maior é garantir o bem estar dos habitantes das cidades.

 

O art. 182 da Constituição Federal dispõe que “a política de desenvol­vimento urbano, executada pelo poder público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”. Compete à União “instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano” (art. 21, XX). Essas diretrizes é que consubstanciam a política de desenvolvimento urbano em geral.

 

O instrumento básico da política de desenvolvimento urbano é o chama­do “plano diretor”, obrigatório para as cidades com mais de vinte mil habitantes. A utilização do solo urbano fica sujeita às determinações de leis urbanísticas e do plano diretor.

 

Faz-se necessário algumas considerações acerca do direito de proprie­dade para que possamos compreender a exigência constitucional da função social da propriedade.

 

O direito de propriedade tem seu fundamento na Constituição Federal (art.5º, XXII). Existem outras normas constitucionais que tratam do direito de propriedade, em especial, as normas dispostas no Capítulo que trata “Da ordem Econômica”, que dizem respeito à propriedade e sua função social como princípio da ordem econômica.

 

Assim, diante dessa nova abordagem, a propriedade não pode mais ser considerada instituto do Direito Privado. Isso tem importância porque, embora prevista entre os direitos individuais, não poderá mais ser considerada puro direito individual. Passa a prevalecer o interesse coletivo.

 

A ordem econômica visa “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social” (Art. 170 da Constituição Federal). Dessa forma, a propriedade fica vinculada a consecução desse princípio o que a obriga a cumprir a função social, conforme veremos mais adiante.

 

As características tradicionais do direito de propriedade o tinham como direito público, exclusivo e exclusivo. Direito absoluto, porque assegura ao proprietário gozar ou dispor da coisa conforme o seu interesse; exclusivo, porque apenas o proprietário é titular desse direito e, perpétuo, porque subsiste ao proprietário, passa para os seus sucessores, tem duração ilimitada.

 

As limitações ao direito de propriedade consistem, justamente, em atingir o caráter absoluto, exclusivo e perpétuo que caracterizam o instituto. São espécies do gênero limitações: as restrições, servidões e desapropriação.

As restrições limitam o caráter absoluto da propriedade enquanto que as servidões limitam o caráter exclusivo e a desapropriação, o perpétuo.

 

A faculdade de fruição, assim como o uso da coisa, a faculdade de modificação e alienação, ficam sujeitas a condições. É por isso que se diz que não existe mais o direito absoluto da propriedade.

 

A função social da propriedade apareceu, pela primeira vez, expressa­mente mencionada na Constituição Federal de 1967. A sua inobservância acarretava a desapropriação por interesse social, tido como sanção, conforme veremos mais adiante.

 

A Constituição Federal de 1967 incluiu a função social da propriedade como um princípio da ordem econômica e social, que passou a coexistir com o conceito da propriedade como direito individual consagrado nas normas do direito privado.

 

Podemos definir a função social da propriedade como sendo o modo como o proprietário a explora e a mantém, dando-lhe utilidade e concorrendo para o bem comum.

 

A função social constitui um princípio ordenador da propriedade priva­da e manifesta-se na própria estrutura do direito de propriedade, pondo-se como elemento determinante dos modos de aquisição e utilização dos bens. A propriedade passa a ser encarada como uma função eminentemente social.

 

A Constituição Federal dispõe que “a propriedade atenderá a sua função social” (Art. 5º, XXIII). Reafirmou a instituição da propriedade privada e da função social ao incorporá-la como princípio da ordem econômica (Art. 170, II e III). Com o status de princípio constitucional passa a ser de aplicabilidade imediata.

 

Reconhecendo a função social da propriedade, a Constituição Federal não nega o direito exclusivo do proprietário da coisa, mas, exige que o seu uso seja condicionado ao bem-estar geral.

 

Em outras palavras, a função social condena a concepção absoluta da propriedade, obrigando o proprietário a levar em conta o interesse alheio e, particularmente, o da sociedade.



Vale lembrar que, a função social da propriedade não se confunde com os sistemas de limitação da propriedade anteriormente citados. Estes dizem respeito ao exercício do direito da propriedade enquanto que a função social atinge a estrutura do direito da propriedade.

 

Podemos dizer que a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende as exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no Plano Diretor.

 

A Constituição Federal “faculta ao Poder Público Municipal, mediante lei específica para área incluída no Plano Diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado que promova o seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessiva­mente, de parcelamentos ou edificações compulsórias, imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo e desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até 10 anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais”. (Art. 182, § 4º da Constituição Federal).

 

A desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública é tida pela doutrina como “desapropriação-sanção”, uma vez que o proprietário não será submetido à regra geral da desapropriação que prevê pagamento mediante prévia e justa indenização em dinheiro.

 

A Constituição Federal delimitou o campo de aplicação do princípio da função social da propriedade. Na área urbana significa dizer: adequação às regras estabelecidas no Plano Diretor do município que, por sua vez, deve estar em conformidade com a política de desenvolvimento urbano do municí­pio.

 

Por fim, apenas para concluir as disposições constitucionais acerca da Política Urbana, o Art. 183 dispõe que “aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, inin­terruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-à o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano.





Regis de Oliveira é deputado federal (PSC/SP),

desembargador e professor-titular de Direito Financeiro

da Faculdade de Direito da USP







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