196 - Possibilidade de obter a progressão de regime pela via do habeas corpus – novidades trazidas pela Lei 10.792/03


 
FERNANDO ANTÔNIO DE LIMA – Juiz de Direito
 

Todos, na comunidade jurídica, estão-se apercebendo de que o Supremo Tribunal Federal vem-se apresentando com uma nova face, mais comprometida com os direitos humanos.

 

Novos Ministros, com uma outra formação, parecem sinalizar por uma Justiça Penal menos legalista, com olhos voltados aos princípios constitucionais.

 

A jurisprudência, aliás, já vem caminhando para aceitar, em definitivo, a progressão de regime, mesmo nos crimes hediondos e assemelhados.

 

 Mas, como obter dita progressão, caso, por exemplo, o Juiz das Execuções Penais não confira o benefício ao sentenciado? Seria necessária a interposição de agravo em execução, ou o benefício poderia ser conseguido por intermédio de habeas corpus?

 

Por muito tempo, a jurisprudência não admitiu que se granjeasse esse direito por meio dessa garantia constitucional.  O argumento era o de que a progressão de regimes dependia da análise de requisitos objetivos e subjetivos.  Isso demandaria uma certa dilação probatória, incompossível com os limites estreitos do writ.

 

Nesse sentido, já decidiu o Supremo Tribunal Federal (RT 665/368):

 

“Pena – Regime prisional – Progressão – Benefício que pressupõe o atendimento de requisitos objetivos e subjetivos – Impossibilidade de exame destes últimos na via estrita do habeas corpus.(...).

 

No entanto, a Lei 10.792/03 retirou alguns requisitos, de tal modo que apenas fatos objetivos constituem pressupostos necessários para se conseguir a progressão.

 

Como é por todos sabido, referida lei aboliu a exigência do exame criminológico e do parecer da Comissão Técnica de Classificação, tornando mais fácil satisfazer os requisitos desse instituto previsto na Lei de Execução Penal.

 

Esse exame deveria ser formulado por peritos que acompanhassem de perto o preso durante a execução da pena, propiciando-lhe acompanhamento psicossocial.

 

Aspectos científicos é que deveriam nortear o exame criminológico. O perito jamais poderia deixar-se levar por aspectos emocionais.  Na prática, porém, o contrário: o discurso do laudo é leigo.

 

Por força do novo art. 112 da Lei de Execução Penal, modificado pela Lei 10.792/03, a progressão de regime - assim como o livramento condicional, o indulto e a comutação de penas – estará sujeita, tão-só, à análise do bom comportamento carcerário, devidamente comprovado pelo diretor do estabelecimento prisional (ou seja, pelo já existente atestado de conduta carcerária) e ao requisito temporal (1/6 da pena).

 

Assim, o laudo criminológico e o parecer da Comissão Técnica de Classificação deixam de ser condições para a evolução das etapas da execução da pena.  Agora, o Juiz, para denegar o pedido, deverá buscar dados no processo para justificar sua decisão.

 

Nessa ordem de idéias, a exigência desse laudo para obter a progressão de regimes torna-se ilegal, de modo tal que mancha o processo com a pecha da nulidade. 

 

Disso se infere que o principal fato para a análise de progressão de regime, livramento condicional etc. é o comportamento carcerário, que pressupõe fatos objetivos para impedir a progressão. E o bom comportamento carcerário é comprovado por atestado de conduta carcerária, atestado esse elaborado pelo diretor do estabelecimento prisional.

 

Dessarte, para se obter a progressão, hoje, basta que o condenado cumpra 1/6 da pena e apresente bom comportamento carcerário, comprovado o bom comportamento pelo referido atestado.

 

Essas considerações doutrinárias foram bem desenvolvidas por Andrei Zenkner Schmidt1.

 

Antes da Lei 10.792/03, para se obter a progressão de regime, era necessária a apresentação de exame criminológico e do parecer da CTC.  Reclamava-se, portanto, uma certa dilação probatória, o que impedia que se pleiteiasse a progressão pela via do habeas corpus.

 

Agora, bastam o cumprimento de 1/6 da pena e a apresentação do atestado de bom comportamento carcerário. Este último pode ser comprovado por um documento expedido pelo diretor do estabelecimento prisional.  Não mais se impõe a exigência de dilação probatória.  Logo, o pedido pode ser formulado, hoje, por habeas corpus.

 

O próprio Supremo Tribunal Federal sinalizou nesse sentido (HC nº 85688/PR, 1ª T., Rel. Min. Eros Grau, j. em 03/05/2005):

 

“Ementa: HABEAS CORPUS. PROGRESSÃO DE REGIME INDEFERIDA PELO JUIZ DA EXECUÇÃO. PRESENÇA DOS REQUISITOS, HABEAS CORPUS IMPETRADO NO TRIBUNAL DE ALÇADA CRIMINAL. NÃO-CONHECIMENTO. ALEGAÇÃO DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL NO STJ. EXAME INDEVIDO DA MATÉRIA DE MÉRITO PARA INDEFERIR O WRIT. CONCESSÃO DA ORDEM, DE OFÍCIO. Impetração de hábeas corpus no Tribunal de Alçada Criminal, em vez do recurso de agravo, visando à progressão de regime em face do cumprimento de um sexto da pena e do atestado de bom comportamento carcerário passado pelo diretor do estabelecimento prisional. Writ não conhecido, porque o recurso cabível é o de agravo (grifo nosso). Alegação de constrangimento ilegal posta a exame do Superior Tribunal de Justiça, a fim de compelir o Tribunal estadual a julgar o habeas corpus lá impetrado. Exame indevido do mérito para negar o direito à progressão, configurando prejulgamento desfavorável ao paciente.  Ordem concedida, de ofício, para determinar que se opere a progressão de regime, eis que satisfeitos os requisitos exigidos pelo artigo 112 da LEP, com a redação dada pela Lei 10.792/03, ficando prejudicada a pretensão a fim de determinar ao Tribunal de Alçada Criminal o exame do habeas corpus lá impetrado (grifo nosso).

 

Essa nova tese é revolucionária, tanto em favor dos advogados como dos sentenciados.  Quem milita na área criminal muito bem sabe que o julgamento dos agravos em execução ocorre, muitas vezes, bem depois que o condenado cumprira integralmente a pena.  Diante disso, afigura-se como de suma importância a aceitação do habeas corpus para obter a progressão de regime.

 

Só assim é que se poderá obter da Justiça uma resposta mais célere, em favor dos direitos fundamentais daqueles que sentem na pele as terríveis garras desse Direito Penal que, além de não proteger nenhum bem jurídico, desempenha nos tempos atuais um papel terrorista, mormente contra os detentores de menor poder aquisitivo.

 

 

Notas

 

 

(1) Schmidt,  Andrei Zenkner (Boletim do IBCCRIM, p. 2 e 3, ano 11, nº 134, janeiro/2004).

 

 

FERNANDO ANTÔNIO DE LIMA é juiz substituto pós-graduando a distância em Interesses Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos pela Universidade da Amazônia (Unama) e lFG; pós-graduando em Direito Constitucional pela Unisul, pelo IDP (Instituto Brasileiro de Direito Público) e pelo lFG (Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes)

 

 


O Tribunal de Justiça de São Paulo utiliza cookies, armazenados apenas em caráter temporário, a fim de obter estatísticas para aprimorar a experiência do usuário. A navegação no portal implica concordância com esse procedimento, em linha com a Política de Privacidade e Proteção de Dados Pessoais do TJSP