187 - Comentários à Lei 11.340 de 07 de agosto de 2.006 – Lei Maria da Penha

 
MARCELO MATIAS PEREIRA – Juiz de Direito
 

  

Várias modificações na legislação processual penal foram trazidas com o advento da Lei 11.340/06, vale dizer a Lei da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. A possibilidade de medidas protetivas, o juízo criminal decidindo questões civis e do âmbito do direito de família. Esta é a nova Lei, que dedica especial proteção às mulheres. Pode ser tida como inconstitucional, em razão do tratamento diferenciado?

 

SUMÁRIO

 

1- Violência Doméstica e Violência Familiar. 

2- Constitucionalidade da Lei.

3 - Disposições Preliminares – Normas programáticas e regra de interpretação.

4 - Formas de violência doméstica e familiar contra a mulher.

5 - Assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar.

6 – Do atendimento pela Autoridade Policial.

7 – Dos Procedimentos – Disposições Gerais.

8 – Das Medidas Protetivas de Urgência – Disposições Gerais.

9 - Medidas Protetivas de Urgência em espécie.

10 - Da atuação do Ministério Público.

11- Da Assistência Judiciária.

12 – Da equipe de atendimento multidisciplinar.

14 – Das Disposições Finais.

 

 

PALAVRAS CHAVES: Violência Doméstica, Violência Familiar, Lei Maria da Penha, Violência contra a mulher, Violência Doméstica e Familiar, Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.

 

1 - Violência Doméstica e Violência Familiar. 

 

O debate que se instala, inicialmente, diz respeito à própria denominação da lei, ou seja cuida tal diploma legislativo da violência doméstica e familiar contra a mulher.

 

Há que se interpretar, separadamente, a violência doméstica da violência familiar, de modo que esta lei tutela não só a violência doméstica, mas também a violência familiar.

 

A esta conclusão chegamos a partir da análise do artigo 5º. No inciso I, deste artigo, a lei cuida da violência doméstica “com ou sem vínculo familiar”, vale dizer das pessoas que convivem sobre o mesmo teto, independentemente da existência de um vínculo de parentesco entre o agressor e a vítima.

 

Já no inciso II, nós temos a violência familiar, devendo a família ser entendida, na forma deste dispositivo, como “comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, os conhecidos “primos ou irmãos por consideração”, unidos por laços naturais, vale dizer familiares propriamente ditos, por afinidade, em razão do parentesco por afinidade ou por vontade expressa, como é o caso da popularmente conhecida consideração.

 

A união estável ou relação de convivência não ficou fora da previsão legislativa, eis que no inciso III, do mesmo artigo, há a previsão da relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente da coabitação.

 

Já no parágrafo único encontramos um dispositivo que abre margem ao reconhecimento da violência doméstica nas relações homossexuais femininas, pois a vítima deve ser sempre uma mulher.

 

Reconhece a lei, em seu artigo 6º, a violência doméstica e familiar contra a mulher como violação dos direitos humanos.

 

É forçoso concluir que a lei cuida em momentos distintos de coisas distintas, vale dizer diferenciando a violência doméstica da violência familiar, em que pese tenha dado igual proteção a ambas.

 

Não se trata de conceituação meramente terminológica, não se está a discutir o “sexo dos anjos”, eis que tal diferenciação tem grande importância prática.

 

Imaginemos a hipótese de uma empregada doméstica, que venha a ser vítima de violência cometida pelo seu patrão, que se prevalecendo das relações domésticas ou da autoridade que exerce, pratica uma infração penal contra aquela. Estamos diante, evidentemente, de um caso de violência doméstica, mas não de violência familiar, já que não há relação de parentesco entre as partes envolvidas, mas há evidente proteção legal, incidindo, no caso concreto, as disposições da lei em comento.

 

Também pode ser imaginada a situação da vítima, que na condição de hóspede, é sujeito passivo de um crime, praticado pelo agente, que se prevalece da relação doméstica para a prática da infração penal.

 

2 - Constitucionalidade da Lei.

 

Uma questão que suscita intenso debate é sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da “Lei Maria da Penha”. Esta lei tratou da violência doméstica e familiar de gênero, vale dizer contra a mulher e não da violência doméstica e familiar como gênero, vale dizer contra a mulher, homem, criança ou idoso de ambos os sexos, etc.

 

É inegável que seria melhor que a lei tivesse tratado da violência doméstica e familiar como gênero e não cuidado tão somente da espécie de violência doméstica e familiar, vale dizer contra a mulher (de gênero - sexo feminino).

 

Com base nesta “discriminação” ao sexo masculino, se tem sustentado a infringência ao artigo 5, inciso I, da Constituição Federal, eis que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações nos termos desta constituição”, bem como ao artigo 226, § 8º, que determina que “O Estado assegurará assistência à família, na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”. A Constituição Federal teria tratado da violência doméstica e familiar como gênero e não de gênero, vale dizer que haveria então uma diferenciação, ou seja uma discriminação em relação aos homens.

 

Me parece que este não é o melhor entendimento, ressalvadas as opiniões em contrário. Não há uma novidade no direito pátrio, eis que regra similar encontramos disciplinando o foro privilegiado da mulher ou de seus dependentes em ações de separação judicial ou alimentos (art. 100, incisos I e II do Código de Processo Civil), cuja constitucionalidade foi bastante questionada, pronunciando-se o Supremo Tribunal Federal pela constitucionalidade deste dispositivo[1].

 

Nunca é demais lembrar do foro para ajuizamento de ações ligadas às relações de consumo, legalmente estabelecido em favor do consumidor, na forma do Código de Defesa do Consumidor (artigo 101, inciso I, da Lei 8.078/90), bem como do foro para ajuizamento de ações de reparação de danos decorrentes de acidente de trânsito (artigo 100, inciso V, parágrafo único), cuja escolha fica a critério do autor, além do foro para ajuizamento da queixa crime, que pode ser escolhido pelo querelante, na forma do artigo 73 do Código de Processo Penal.

 

Dizer que esta desigualdade legal seria inconstitucional não parece ser o entendimento mais adequado. A experiência tem demonstrado que a vítima em caso de violência doméstica e familiar, em grande parte dos casos, senão a sua totalidade, é a mulher.

 

Esta legislação teve por base a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, bem como a Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres de Belém do Pará, tendo esta apresentado estudos conclusivos a respeito da violência doméstica e familiar contra a mulher, apontando que no Brasil uma mulher é vítima deste tipo de violência a cada 15 (quinze) segundos. Estes números falam por si só.

 

Existe, efetivamente, uma desigualdade material, cabendo a lei estabelecer uma diferenciação de modo a tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade.

 

É óbvio e evidente que a mulher acaba sendo a mais fraca na relação familiar, em regra, e assim merece especial proteção. Não estamos assim, salvo melhor juízo, diante de uma inconstitucionalidade, ao tratarmos de forma diferenciada a mulher, vítima de violência doméstica e familiar.

 

3 - Disposições Preliminares – Normas programáticas e regra de interpretação.

 

Nas disposições preliminares desta lei encontramos normas programáticas que determinam à criação de políticas públicas.

 

Uma norma extremamente importante, que traça uma regra de interpretação, é a prevista no artigo 4º, determinando atenção do interprete para os fins sociais, a que a lei se destina, bem como as condições peculiares das mulheres, em situação de violência doméstica e familiar.

 

Deste modo a lei deverá ser interpretada em benefício da mulher, que está em situação de desigualdade, em razão de ter sofrido uma violência, buscando sempre a sua proteção, fim primeiro objetivado com a normatização em comento, a qual será objeto de nosso estudo mais aprofundado mais adiante.

 

4 - Formas de violência doméstica e familiar contra a mulher.

 

As formas de violência doméstica e familiar contra a mulher estão previstas no artigo 7º:

 

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal, vale dizer a prática do crime de lesões corporais;

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; 

Não temos neste inciso uma conduta isolada, requerendo para a configuração deste tipo de violência uma reiteração na conduta, de modo a causar uma diminuição da auto-estima, uma perturbação ou gerar prejuízo ao seu pleno desenvolvimento, seja ele social ou econômico. Este tipo de violência também será caracterizado com comportamentos que visem degradar ou controlar suas ações.

O meio para prática deste tipo de violência também foi previsto na norma, vale dizer através de ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir.

Autoriza a norma à utilização da interpretação analógica, na medida em que emprega a expressão “ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação”, de modo a não termos de forma taxativa uma previsão legal no que concerne aos meios pelos quais se pode praticar este tipo de violência.

É importante ressaltar que este tipo de violência nem sempre encontrará na legislação penal uma tipificação correspondente, em que pese muitas das condutas nesse dispositivo elencadas podem configurar eventual constrangimento ilegal, desde que presente a grave ameaça ou violência física, elementares do crime previsto no artigo 146 do Código Penal.

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

Neste dispositivo temos uma proteção à liberdade sexual da mulher, bem como o respeito a sua vontade de reprodução ou não, além da liberdade de contrair matrimônio.

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

Temos aqui uma especial proteção ao patrimônio, vale dizer a violência patrimonial, assim entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades, podendo, eventualmente configurar os crimes de apropriação indébita, furto ou dano.

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

Como não poderia deixar de ser é chamada de violência moral, as condutas que na realidade constituem crimes contra a honra da mulher, vale dizer a calúnia, injúria ou difamação.

    

É importante ressaltar que este diploma legislativo não elenca infrações penais, apenas afirma quais as condutas que configuram formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, as quais poderão ou não configurar crimes, sendo necessário para tanto que haja a perfeita adequação típica da conduta à norma penal incriminadora.

 

5 - Assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar.

 

O título III trata da assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar. Temos aqui normas programáticas, vejam o que diz o artigo 8º:

Art. 8o  A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais, tendo por diretrizes:

Se estabelece uma política de atendimento, através de um conjunto de ações articuladas pela União, Estados e Municípios, bem como contando com a cooperação das ONGs, visando dar o atendimento integral e prioritário à mulher, em situação de violência doméstica e familiar.

Inciso I: a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação;

Neste inciso temos a previsão para haver um integração entre o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública, com as áreas relacionadas com a segurança pública, vale dizer polícia civil e militar, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação, de modo a haver um atendimento integrado e multidisciplinar à mulher, em situação de violência doméstica e familiar.

Inciso II - a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes, com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia, concernentes às causas, às conseqüências e à freqüência da violência doméstica e familiar contra a mulher, para a sistematização de dados, a serem unificados nacionalmente, e a avaliação periódica dos resultados das medidas adotadas;

Surge com este dispositivo a necessidade de criação de banco de dados para quantificar os casos de violência doméstica e familiar, com enfoque não só no gênero, mas também na raça ou etnia, os quais devem ser unificados nacionalmente, para estudo das causas, das conseqüências, freqüência e resultados das medidas adotadas.

 

Vale dizer pretende-se um verdadeiro mapeamento da violência doméstica e familiar a nível nacional, fazendo-se o acompanhamento dos resultados obtidos, com aplicação de determinadas medidas, de modo a constatar a eficácia ou ineficácia das mesmas, na redução dos casos em questão, nas mais variadas regiões nacionais.

Inciso III: - o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar, de acordo com o estabelecido no inciso III do art. 1o, no inciso IV do art. 3o e no inciso IV do art. 221 da Constituição Federal;

Visa esta norma que se crie um programa de modo coibir formas de incitação a violência doméstica e familiar.

IV - a implementação de atendimento policial especializado para as mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher;

A previsão de atendimento especializado para as mulheres em delegacias de polícia, como já há em São Paulo, vale dizer as Delegacias de Defesa da Mulher. Em se tratando de atendimento especializado entendemos que há que se instalar um atendimento por psicólogas e assistentes sociais, vale dizer multidisciplinar.

 

V - a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres;

 

Temos aqui uma previsão importante, vale dizer a criação de políticas de conscientização da população de uma forma geral, atingindo, inclusive, as crianças, ainda nos bancos escolares, sobre as graves conseqüências da violência doméstica e familiar contra a mulher, trazendo, evidentemente, noções de cidadania, de direitos humanos, as quais devem fazer parte do ensino básico de todas as pessoas, de modo a formar cidadãos mais conscientes de seus direitos e deveres. Com isto busca-se diminuir sensivelmente senão erradicar os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, que inegavelmente é um problema cultural.

Inciso VI - a celebração de convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros instrumentos de promoção de parceria entre órgãos governamentais ou entre estes e entidades não-governamentais, tendo por objetivo a implementação de programas de erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher;

Este dispositivo estabelece a possibilidade de criação das parcerias público-privadas, com vistas a implementação de programas de erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher.

Inciso VII - a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros e dos profissionais pertencentes aos órgãos e às áreas enunciados no inciso I quanto às questões de gênero e de raça ou etnia;

Busca este dispositivo que seja feita capacitação de todos os envolvidos com as questões relacionadas com a violência doméstica e familiar contra a mulher, possivelmente com a utilização dos resultados das pesquisas e do acompanhamento das medidas adotadas.

Inciso VIII - a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia;

Inciso IX - o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à eqüidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher.

Aqui valem as mesmas considerações já feitas em relação ao inciso V.

Art. 9o  A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso.

§ 1o  O juiz determinará, por prazo certo, a inclusão da mulher em situação de violência doméstica e familiar no cadastro de programas assistenciais do governo federal, estadual e municipal.

Temos uma previsão legal determinando o atendimento de forma articulada, vale dizer perfeitamente coordenado e sincronizado, o que, de certo, depende de regulamentação específica.

 

Observe-se a norma contida no § 1º que determina a inclusão da mulher, na situação específica desta lei, no cadastro de programas assistenciais do governo federal, estadual e municipal, os quais deverão ser criados, tendo em vista o tema em questão.

§ 2o  O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica:

I - acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da administração direta ou indireta;

Aqui a lei estabelece uma preferência em favor da mulher, servidora pública, da administração direta ou indireta, vítima de violência doméstica e familiar, em eventual pedido de remoção, com vistas a garantir a sua integridade física e psicológica.

Deixou o legislador a tarefa de verificar se estão presentes os requisitos legais para tanto ao Poder Judiciário, quando na realidade tal questão poderia ser resolvida facilmente na esfera administrativa, sem necessidade da intervenção judicial. Vale dizer jurisdicionalizou-se uma questão meramente administrativa.

II - manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses.

Aqui temos uma regra interessante, mas que definitivamente depende de regulamentação. Não somos especialistas na matéria, mas surgiram a famosas controvérsias a respeito da natureza jurídica desta norma, vale dizer se estamos diante de uma suspensão ou interrupção do contrato de trabalho, com evidente conseqüências diversas.

 

É necessário estabelecer quem irá pagar o salário da mulher durante o período de afastamento, eis que se benefício for, o mesmo depende da respectiva fonte de custeio. Tudo isto demanda regulamentação para sua aplicação.

§ 3o  A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar compreenderá o acesso aos benefícios decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico, incluindo os serviços de contracepção de emergência, a profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e outros procedimentos médicos necessários e cabíveis nos casos de violência sexual.

Estabelece a norma a necessidade de se atender de forma integral a mulher, em situação de violência doméstica e familiar, garantindo-lhe medidas de contracepção de emergência, tais como o aborto sentimental, a profilaxia de DST´s e AIDS, com o fornecimento de preservativos gratuitamente nos postos de saúde e outros procedimentos médicos cabíveis e necessários à situação peculiar que a mesma se encontra.

 

6 – Do atendimento pela Autoridade Policial.

Art. 11.  No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências:

I - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário;

Deve a autoridade policial garantir a segurança da mulher, encaminhando-a para local seguro e comunicando, de imediato, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário, de certo, requerendo a concessão de medidas protetivas aplicáveis ao caso concreto, as quais serão objeto de nosso estudo detalhado, mais adiante.

II - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal;

É evidente que, se necessário fosse, a autoridade policial já encaminhava eventuais vítimas para a realização de exames de corpo de delito, sendo desnecessária, ao meu ver tal disposição.

III - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida;

Vejam que este dispositivo prega uma mudança de postura, a qual já foi, de certo, alcançada em menor escalda com a criação de delegacias especializadas. O legislador, contudo, não se contentou com isto, exige mais, vale dizer que à mulher seja dispensado atendimento de forma integral, inclusive, com o seu transporte e de seus dependentes para abrigo ou local seguro, havendo, evidentemente, risco de vida.

 

IV - se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar;

A autoridade policial, pessoalmente ou através de seus agentes, se a mulher entender como necessário, deverá acompanhá-la até sua residência para retirada de seus objetos de uso pessoal, tão só e exclusivamente, pois com relação aos demais bens deve a questão ser decidida pelo juízo da família, competente para eventual separação ou dissolução da união estável.

V - informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis.

Temos uma obrigação da autoridade policial em informar, esclarecer, quais são os direitos que a mulher possui e quais as medidas e serviços que se encontram à sua disposição para ampará-la neste momento peculiar.

Art. 12.  Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal:

I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada;

II - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias;

Nestes dois incisos não temos nenhuma novidade digna de nota.

III - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência;

Neste inciso temos a previsão legal que estabelece o prazo para a autoridade policial proceder a remessa de pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência, vale dizer as previstas nos artigos 22 a 24.

Este pedido deve ser feito de forma cautelar, vale dizer nos termos da lei, em expediente apartado, sendo conhecido também como cautelar pelo juízo do Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, na forma do artigo 14 ou pelas Varas Criminais, na falta deste, nos moldes do artigo 33.

É importante ressaltar que somente deverá ser encaminhada esta cautelar se a mulher efetivamente pretender que lhe seja concedida alguma medida protetiva, não cabendo a autoridade policial a formulação, de ofício, de pedidos não pretendidos pela vítima. Observe-se que a lei é muita clara, neste aspecto, ao utilizar-se da expressão “com o pedido da ofendida”.

IV - determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar outros exames periciais necessários;

V - ouvir o agressor e as testemunhas;

No que concerne a estes incisos nada de novo foi trazido.

VI - ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele;

A providência de juntada de folha de antecedentes criminais, na qual constam os mandados de prisão expedidos e outras ocorrências policiais, já era adotada pela autoridade policial, em caso de lavratura de auto de prisão em flagrante.

VII - remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público.

Completamente desnecessário tal dispositivo, pois aplicável, subsidiariamente, o Código de Processo Penal.

§ 1o  O pedido da ofendida será tomado a termo pela autoridade policial e deverá conter:

I - qualificação da ofendida e do agressor;

II - nome e idade dos dependentes;

III - descrição sucinta do fato e das medidas protetivas solicitadas pela ofendida.

§ 2o  A autoridade policial deverá anexar ao documento referido no § 1o o boletim de ocorrência e cópia de todos os documentos disponíveis em posse da ofendida.

Este dispositivo indica quais os requisitos mínimos a serem observados para a formulação de um pedido de medida protetiva, bem como os documentos indispensáveis para análise e seu deferimento.

 

Este deverá apontar a qualificação da ofendida e do agressor, o nome e idade dos dependentes, a descrição sucinta do fato e das medidas requeridas.

 

Em caso de se requerer a fixação de alimentos são indispensáveis documentos comprobatórios do parentesco, vale dizer certidão de nascimento dos filhos, bem como, se possível, o ganho do agressor e o local de seu trabalho, esclarecendo se o mesmo exerce atividade com registro em CTPS, possibilitando o desconto em folha. 

§ 3o  Serão admitidos como meios de prova os laudos ou prontuários médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde.

Regra semelhante à prevista no artigo 77, § 1º, da Lei 9.099/95, que dispensa a elaboração de laudo de exame de corpo de delito, podendo a materialidade da infração penal ser demonstrada por boletim médico ou prova equivalente, em evidente homenagem ao princípio da informalidade, visando a celeridade, finalidade deste diploma legislativo.

 

7 - Dos Procedimentos – Disposições Gerais.

Art. 13.  Ao processo, ao julgamento e à execução das causas cíveis e criminais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher aplicar-se-ão as normas dos Códigos de Processo Penal e Processo Civil e da legislação específica relativa à criança, ao adolescente e ao idoso que não conflitarem com o estabelecido nesta Lei.

Determina a lei a aplicação subsidiária dos Códigos de Processo Penal e Processo Civil e da legislação específica relativa à criança, ao adolescente e ao idoso, que não conflitarem com o estabelecido nesta Lei.

Art. 14.  Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Parágrafo único.  Os atos processuais poderão realizar-se em horário noturno, conforme dispuserem as normas de organização judiciária.

Este artigo 14 afirma que os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher são órgãos da Justiça Ordinária, vale dizer comum, os quais poderão ser criados, nos exatos termos da lei, o que não pode ser confundido com deverão.

Vale dizer, o legislador, atento a diversas realidades de cada Estado brasileiro, não estabeleceu de forma obrigatória a criação dos Juizados, ficando a critério de cada ente federativo, de acordo com a sua conveniência e possibilidade orçamentária, a sua instalação.

É evidente que, como não poderia deixar de ser, trouxe uma regra de transição para o caso de não criação, que é a prevista no artigo 33 da lei em comento, o que será objeto de nosso comentário mais adiante.

Muito se tem discutido a respeito da competência destes Juizados, sendo que a opinião que me parece mais acertada é a de que os mesmos têm competência limitada para o julgamento das medidas protetivas de urgência, sob pena de esvaziarmos a competência das varas da família, já que, na sua maioria, os casos de separação judicial envolvem situação de violência doméstica e familiar, contando com agressões físicas ou verbais em seu contexto.

Neste sentido já se pronunciou a Câmara Especial do Tribunal de Justiça no julgamento dos Conflitos de Jurisdição nº 141.765.0/0-00 e 141.939.0/4-00 afirmando que se a mulher, ainda que tenha sofrido ofensas, que possam caracterizar hipótese de violência doméstica e familiar, da maneira como disposta na Lei 11.340/06, opta por ajuizar, diretamente perante o Juízo especializado, medida cautelar de separação de corpos, preparatória de futura demanda de separação judicial, sem outras conotações ou postulações de ordem criminal, deve aquela ser processada perante a Vara da Família e Sucessões, até em respeito à opção da própria ofendida.

Arrematou a Câmara Especial aduzindo que devem tramitar pela Vara Criminal pedidos deduzidos, estando em curso ou já instaurados, inquéritos policiais ou outros procedimentos investigatórios, propostos em decorrência da prática de fatos definidos, pela referida legislação especial, como de violência doméstica ou familiar, e por ela denominados “medidas protetivas de urgência”, tudo como forma de fazer cessar a situação pontual de violência trazida à apreciação do Poder Judiciário.

Prega esta lei uma mudança de mentalidade, o que vinha, embora timidamente, já ocorrendo no processo penal e no direito penal. A vítima passa a ter uma participação maior na persecução criminal e passa a ser tratada como uma pessoa que merece respeito e tem direitos.

Vale recordar que foi com a Lei 9.099/95 que foi criada a possibilidade de composição dos danos civis no âmbito criminal, representado renúncia tácita ao direito de representação, na forma do artigo 74 e seu parágrafo único do diploma mencionado. Tal dispositivo possibilitou que em um único procedimento fosse resolvida uma questão criminal, bem como os reflexos indenizatórios que normalmente dependeriam de ação própria no juízo cível.

Temos a Lei de proteção de vítimas e testemunhas. No campo do direito penal a possibilidade de se estabelecer prestação pecuniária em favor da vítima, como forma de substituição da pena privativa de liberdade.

Até mesmo a separação de corpos havia sido autorizada com a modificação da Lei 9.099/95 pela Lei 10.455/02, que alterou o parágrafo único do artigo 69.

Temos neste dispositivo uma verdadeira delegação legal de competência. Ora as medidas protetivas em sua maioria, senão na sua totalidade, tem natureza jurídica de medidas cautelares processuais civis, as quais devem ser analisadas e decididas pelo Juizado e na falta deste pelo juízo criminal.

É o juiz criminal que irá então decidir questões atinentes ao processo civil, e assim o faz em razão da delegação de competência feita pela própria lei em comento, mas estando seu poder jurisdicional condicionado a situação de emergência, vale dizer do perigo na demora, buscando-se com isto o atendimento integral e imediato a vítima de violência doméstica e familiar, a qual nesta situação se encontra fragilizada e necessita do amparo estatal.

Ora não tem mais sentido, nos dias atuais, que a autoridade policial continuasse a elaborar boletim de ocorrência sobre determinada situação de violência doméstica e tivesse que encaminhar a vítima para a Assistência Judiciária para que lá fosse atendida, elaborado um pedido para que este fosse levado a juízo.

Buscou a lei não só encurtar a “via crucis” que a vítima tinha que percorrer, como desburocraticar o acesso a justiça, que é direito fundamental de todo e qualquer cidadão.

Em determinadas situações é preciso uma resposta rápida do Estado, sob pena da que for prestada tardiamente não ter mais qualquer eficácia.

Art. 15.  É competente, por opção da ofendida, para os processos cíveis regidos por esta Lei, o Juizado:

I - do seu domicílio ou de sua residência;

II - do lugar do fato em que se baseou a demanda;

III - do domicílio do agressor.

Dá a possibilidade da mulher escolher o foro que melhor lhe aprouver, seja ele o de seu domicílio ou de sua residência, do lugar do fato ou a regra geral do domicílio do réu, aqui considerado como agressor. Observa-se que estamos diante de regra eminentemente de direito processual civil, que guarda similitude com aquela estatuída no artigo 100 parágrafo único do Código de Processo Civil.

 

Art. 16.  Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

O artigo 16 tem um comando importante, eis que nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida, somente será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada para esse fim, antes o recebimento da denúncia, com prévia oitiva do Ministério Público.

Na realidade temos um erro terminológico, eis que não se trata de renúncia à representação, mas de retratação da representação anteriormente oferecida.

Esta retratação da representação não pode ser feita em procedimento policial, deve ser feita em juízo, na presença do Juiz, do Ministério Público, sendo de todo interessante o acompanhamento da equipe multidisciplinar, pela qual deve passar a ofendida por entrevista, com o intuito de se aquilatar a efetiva sinceridade e espontaneidade no ato, de modo a evitar que se colha a renúncia estando a ofendida coagida a tanto.

Art. 17.  É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.

O artigo 17 veda a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica, as quais não existem, em que pese, por vezes era aplicável a prestação pecuniária, em favor de entidade pública ou privada com destinação social, com fundamento no artigo 45, §1º e 2º, do Código Penal.

Proíbe, outrossim, o legislador a aplicação da prestação pecuniária, bem como a substituição da pena privativa de liberdade por multa.

Pretendeu o legislador evitar a aplicação de pena exclusivamente de caráter patrimonial, em especial da popularmente conhecida como “cesta básica”, a qual contribuiu para a banalização dos Juizados Especiais Criminais.

O capítulo II trata das medidas protetivas de urgência, dispondo o artigo 18 que:

8 – Das Medidas Protetivas de Urgência – Disposições Gerais.

Art. 18.  Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas:

I - conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de urgência;

II - determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso;

III - comunicar ao Ministério Público para que adote as providências cabíveis.

 

Nos termos deste dispositivo cabe ao juiz decidir sobre as medidas protetivas no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, independentemente da oitiva do Ministério Público.

No inciso II a lei determina o encaminhamento da ofendida ao órgão da assistência judiciária, quando for o caso, vamos dizer que o juiz fixe os alimentos provisórios, determine o afastamento do agressor do lar conjugal, deverá encaminhar a ofendida para o órgão da assistência judiciária para que seja proposta a ação principal no prazo de 30 (trinta) dias, contados da efetivação da medida cautelar.

Ora o artigo 13 determina a aplicação subsidiária dos Códigos de Processo Penal e Processo Civil e, em se tratando de medidas cautelares, que encontram similitude com as previstas no processo civil, nos parece adequada a aplicação do capítulo próprio do Código de Processo Civil, vale dizer do artigo 796 e seguintes do CPC.

Ora quando se determina o afastamento do agressor ou se fixam os alimentos provisórios, isto não pode durar eternamente, ficando ao bel talante da vítima, da agredida, deve estar sujeito a um prazo certo e determinado.

Assim sendo, nos termos do disposto no artigo 806 do Código de Processo Civil, deverá a mulher propor a ação principal, no prazo de 30 (trinta) dias, contados da efetivação da medida, sob pena de perda da sua eficácia, na forma do artigo 808, inciso I, do mesmo “codex”.

Desta forma as medidas protetivas devem ser deferidas com um prazo de 30 (trinta) dias, sendo que neste interstício deverá a vítima promover a ação principal, já que encaminhada à Assistência Judiciária, quando for o caso, no juízo próprio, que é o da vara da família, sob pena de perda eficácia do comando cautelar.

Caberá, então ao juízo da família reapreciar todas as decisões proferidas em sede cautelar pelo juízo da vara especializada da violência doméstica e familiar contra a mulher.

No inciso III, do dispositivo em comento, temos a previsão de que o juiz “deve comunicar ao Ministério Público para que o mesmo adote as providências cabíveis”, o que vem a reforçar a idéia de que o deferimento das medidas em questão devem ser conhecidas diretamente pelo magistrado, sendo que após decisão, esta deverá ser comunicada ao representante do “Parquet”, conforme se observa também do comando incerto no artigo 19 § 1º.

Art. 19.  As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida.

O artigo 19 trata dos legitimados para propor as medidas protetivas de urgência, ou seja o Ministério Público e a própria ofendida, por intermédio do Delegado de Polícia, que formulará pedido cautelar específico, como o faz, quando requer a quebra de sigilo bancário, interceptação telefônica, prisão temporária, dentre outras.

§ 1o  As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, devendo este ser prontamente comunicado.

As medidas em questão podem ser deferidas independente da manifestação do Ministério Público ou “inaudita altera pars”, sem a necessidade de oitiva do agressor ou da vítima, buscando uma maior celeridade neste procedimento.

Contudo, o Ministério Público deverá ser prontamente comunicado, seja do deferimento ou indeferimento de qualquer medida, para que possa adotar as medidas cabíveis, inclusive convocar a vítima, em caso de indeferimento, para que esta possa trazer novos subsídios, que levem ao convencimento do magistrado, formulando ele, em favor dela, razão pela qual temos um caso típico de legitimação extraordinária, novo pedido.

§ 2o  As medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou cumulativamente, e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados.

Este dispositivo prevê a possibilidade de aplicação isolada ou cumulativa de medidas protetivas, as quais poderão ser substituídas, a qualquer tempo, por outras de maior eficácia, vale dizer na hipótese de se mostrarem ineficazes.

Temos na hipótese a aplicação de medida substitutiva em razão da ineficácia da anteriormente concedida.

§ 3o  Poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida, conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas, se entender necessário à proteção da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio, ouvido o Ministério Público.

Este dispositivo reforça a idéia da possibilidade de concessão de novas medidas, sem prejuízo das anteriormente concedidas, as quais poderão ser revistas a qualquer momento, dada a sua provisoreidade, característica inerente ao provimento cautelar, com a necessidade de prévia oitiva do Ministério Público, se este não for o requerente.

Observa-se, claramente, que o legislador não protege somente a mulher, em situação de violência doméstica e familiar, mas esta proteção alcança também o seu patrimônio e seus familiares.

Art. 20.  Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial.

Parágrafo único.  O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.

Este artigo trata de uma inovação, ou seja, a possibilidade da prisão preventiva do agressor, não só para o cumprimento de medidas, mas também e, em especial, para fazer cessar a atividade criminosa, quando todas as outras medidas adotadas tenham se mostrado insuficientes para conter o agressor.

Vale dizer, nesta hipótese, foi deferida uma medida protetiva, a qual não está sendo cumprida, havendo recalcitrância na prática criminosa, exigindo-se uma medida mais dura, para fazer cessar a atividade criminosa, razão pela qual é colocada a disposição do magistrado a possibilidade do decreto de prisão preventiva.

A prisão poderá ser decretada de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial, em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal.

O parágrafo único, como não poderia deixar de ser, prevê a possibilidade de revogação da prisão preventiva decretada, quando não mais subsista o motivo que ensejou a sua decretação.

Art. 21.  A ofendida deverá ser notificada dos atos processuais relativos ao agressor, especialmente dos pertinentes ao ingresso e à saída da prisão, sem prejuízo da intimação do advogado constituído ou do defensor público.

Parágrafo único.  A ofendida não poderá entregar intimação ou notificação ao agressor.

Este artigo determina a notificação da ofendida de todos os atos processuais relativos ao agressor, em especial o seu ingresso e a saída da prisão, sem prejuízo da intimação do defensor público ou advogado constituído.

Vale dizer a lei determina que a mulher deva ser notificada, pessoalmente, em todo o procedimento, não bastando a simples intimação de seu patrono.

Em nenhuma hipótese a ofendida poderá ser incumbida da entrega da intimação do agressor, situação comum, em São Paulo, nas ações de alimentos, conhecidas como “alimentos de balcão”, que eram realizadas independente de advogado.

Nestas a mulher comparecia em cartório e formulava o pedido de alimentos, já saindo intimada da data da audiência designada pelo juízo, recebendo intimação para o requerido, a qual era por ela entregue ao mesmo.

9 - Medidas Protetivas de Urgência em espécie.

Temos duas ordens de medidas protetivas de urgência as que obrigam o agressor, previstas no artigo 22 e as medidas protetivas de urgência à ofendida, previstas nos artigos 23 e 24.

Me parece que seria melhor uma outra classificação, ou seja medidas protetivas da integridade física e saúde da mulher e dos seus dependentes, previstas nos artigos 22 e 23 e as medidas protetivas do patrimônio da mulher ou da sociedade conjugal, previstas no artigo 24.

Vale dizer nitidamente há uma preocupação do legislador sob o aspecto pessoal, integridade física e saúde, nos artigos 22 e 23, sendo que no artigo 24 esta é voltada para o aspecto patrimonial.

Vejamos cada uma delas.

Art. 22.  Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

Ora havendo a suspensão do direito de posse de arma de fogo, a posse passa a ser ilegal, sendo sintomático e conseqüencial que o agressor tenha que entregar a arma que possui, sob pena de incorrer no crime previsto no artigo 12 da Lei 10.82603, razão pela qual me parece que o magistrado deva determinar, nesta hipótese, a busca e apreensão da mesma, até porque esta medida tem muito mais efeito, alcança mais o objetivo pretendido pelo legislador, do que a simples suspensão do direito.

O § 2º, deste dispositivo deve ser interpretado conjuntamente com o inciso I, ou seja na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas condições mencionadas no caput e incisos do art. 6º da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, ou seja as pessoas que estão legalmente autorizadas a portar armas de fogo, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e determinará a restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do agressor responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso.

Ora, em se tratando, por exemplo, de um policial militar, vejam o peso desta decisão, suspensa a posse ou o porte de arma, determinada a sua busca e apreensão ou recolhimento a policial militar, o mesmo não poderá mais portá-la, sendo comunicado o seu superior, o qual deverá, ao nosso ver, afastar o policial da atividade de rua, já que não poderá trabalhar fora do quartel desarmado, colocando-o para exercer funções meramente administrativas.

Resta evidente que temos que tomar muito cuidado, muita cautela, com a imposição desta medida.

II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

Já foi mencionado que tem natureza cautelar, devendo ser deferido pelo prazo de 30 (trinta) dias, período em que deverá ser proposta a ação principal, no juízo próprio, sob pena de perda da eficácia da medida.

III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

Isto é um pouco complicado. O juiz poderá até fixar esta obrigação de não fazer, mas será de difícil fiscalização.

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

Isto também é de difícil fiscalização, muito embora seja interessante que se evite contato telefônico, ocasião em que podem ser proferidas ameaças.

c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

Esta medida me parece bastante adequada, já que o juiz pode proibir, por exemplo, que o agressor freqüente o local de trabalho da vítima, de modo a impedir que a mesma venha a ser prejudicada profissionalmente.

IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

Para haver a restrição ao direito de visitas é necessária a prévia oitiva da equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar.

Temos, assim, que tomar um cuidado especial com a medida de proibição de aproximação, eis que a mesma pode implicar na suspensão, por via indireta, do direito de visitas, sem que tenha havido qualquer parecer prévio nesse sentido.

V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios

Podem os alimentos serem fixados como medida de urgência, sendo necessária, para tanto, prova pré-constituída do parentesco, sendo que a necessidade dos filhos menores se presume, devendo a ofendida, na medida do possível, fazer prova da possibilidade do agressor, possibilitando uma fixação mais criteriosa da verba alimentar.

§ 1o  As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público.

Este dispositivo é absolutamente desnecessário, pois o artigo 13 garante esta aplicação subsidiária.     

§ 3o  Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.

Este artigo é de extrema importância. Deferida a medida protetiva a quem caberá o cumprimento da determinação judicial? Me parece que ao oficial de justiça. Não é a autoridade policial que irá cumprir a medida protetiva de afastamento do lar conjugal, por exemplo, sendo que, se for necessário, poderá o juiz requisitar o auxílio da força policial, nos termos deste dispositivo.

Vale dizer este parágrafo deixa claro que a força policial é auxiliar no cumprimento da determinação, não figurando com executora da ordem, incumbência esta do oficial de justiça.

Art. 23.  Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:

I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;

A lei prevê o encaminhamento da ofendida, bem como seus dependentes a programas oficiais ou comunitários de proteção ou de atendimento, o que de certo deverão ser criados e instituídos, com vistas a dar apoio não só a mulher, mas também a seus dependentes, encontrando-se estes fragilizados em razão da situação de violência doméstica e familiar.

II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;

A ofendida, uma vez abrigada e afastado o agressor, poderá ser reconduzida ao domicílio.

III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;

Prevê este dispositivo a possibilidade da ofendida se afastar do lar conjugal, sem que com isto possa lhe ser imputada responsabilidade por abandono do lar.

IV - determinar a separação de corpos.

A separação de corpos é decorrência lógica e natural do afastamento do agressor do lar conjugal ou da saída da ofendida, sendo desnecessária, no meu entender, esta previsão legal.

Art. 24.  Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras:

Como já vimos este dispositivo tem em mira a proteção patrimonial, vale dizer dos bens da sociedade conjugal ou particulares da mulher.

I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;

Vamos dizer que o agressor tenha retido a carteira de trabalho da vítima, seus documentos pessoais, dos filhos, dos quais necessita, pode, neste caso, o juiz determinar a restituição, expedindo mandado de busca e apreensão e restituição dos mesmos.

II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;

Me parece que a legislação foi longe demais, levando a mulher a categoria de incapaz. Para a celebração de atos e contratos de compra e venda ou locação é necessária a assinatura da mulher, sendo que a mesma não irá, evidentemente, assinar nada se não quiser. Ainda que se admita a hipótese de assinar qualquer instrumento mediante coação tal ato jurídico estará sujeito a anulação em razão do vício da vontade, sendo completamente dispensável esta disposição.

III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;

A mulher pode ela própria suspender ou revogar as procurações conferidas, não havendo necessidade de atuação do Poder Judiciário, mostrando-se absolutamente dispensável e até inútil tal dispositivo.

IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.

Poderá ser exigida a prestação de caução, demonstrada a situação capaz de gerar prejuízo, seja de ordem material ou moral, bem como a necessidade da medida, sob pena de perecimento do direito, em caso de sucesso em demanda indenizatória. 

Parágrafo único.  Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins previstos nos incisos II e III deste artigo.

10 - Da atuação do Ministério Público.

Art. 25.  O Ministério Público intervirá, quando não for parte, nas causas cíveis e criminais decorrentes da violência doméstica e familiar contra a mulher.

Estabelece este dispositivo a obrigatoriedade de intervenção do Ministério Público, seja como parte ou como fiscal da lei, nas causas cíveis e criminais, decorrentes de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Art. 26.  Caberá ao Ministério Público, sem prejuízo de outras atribuições, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, quando necessário:

I - requisitar força policial e serviços públicos de saúde, de educação, de assistência social e de segurança, entre outros;

Ao Ministério Público é conferido o poder de requisitar, vale dizer não é mero requerimento, a força policial, serviços públicos de saúde, de educação, de assistência social e de segurança, entre outros, com vistas ao pleno atendimento da mulher e seus dependentes, em caso de violência doméstica e familiar.

II - fiscalizar os estabelecimentos públicos e particulares de atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, e adotar, de imediato, as medidas administrativas ou judiciais cabíveis no tocante a quaisquer irregularidades constatadas;

Incumbe, outrossim, ao “Parquet” a fiscalização dos estabelecimentos públicos e particulares de atendimento à mulher, tendo o dever de adotar as medidas administrativas ou judiciais cabíveis, uma vez constatadas eventuais irregularidades, tais como interdição temporária dos estabelecimentos, até sua efetiva regularização, através de ação própria para tanto, como ocorre, por exemplo, no juízo da infância e juventude.

III - cadastrar os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Este dispositivo aponta a necessidade de manutenção de um cadastro, ou melhor um estudo quantitativo e qualitativo, elaborado, inclusive, por regiões, de modo a mapear a violência doméstica e familiar contra a mulher, bem como aquilatar a eficácia das medidas adotadas na sua prevenção, o que está em perfeita consonância com o disposto no artigo 8º, inciso II. 

11- Da Assistência Judiciária.

Art. 27.  Em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a mulher em situação de violência doméstica e familiar deverá estar acompanhada de advogado, ressalvado o previsto no art. 19 desta Lei.

Garante a lei a assistência judiciária a mulher, de modo que esteja acompanhada de advogado, se não tiver condições de constituir profissional de sua confiança, em todos os processos relacionados com o tema, salvo a hipótese do artigo 19, ou seja em caso de requerimento de medidas protetivas, cujo pedido poderá ser formulado diretamente à autoridade policial ou ao Ministério Público.

Art. 28.  É garantido a toda mulher em situação de violência doméstica e familiar o acesso aos serviços de Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária Gratuita, nos termos da lei, em sede policial e judicial, mediante atendimento específico e humanizado.

Este dispositivo reforça o atendimento a mulher, bem com a idéia de criação de setores especializados da Defensoria Pública ou Assistência Judiciária, com já existe na fase policial, nos Estados em que há a conhecidas Delegacias da Mulher.

 

12 – Da equipe de atendimento multidisciplinar.

Art. 29.  Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher que vierem a ser criados poderão contar com uma equipe de atendimento multidisciplinar, a ser integrada por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde.

Neste dispositivo temos a previsão de atendimento multidisciplinar nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar, caracterizado pelo acompanhamento do caso por psicólogos, assistentes sociais, possibilitando a utilização dos recursos de pacificação dos conflitos tais como a conciliação e a mediação.

Art. 30.  Compete à equipe de atendimento multidisciplinar, entre outras atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito ao juiz, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, mediante laudos ou verbalmente em audiência, e desenvolver trabalhos de orientação, encaminhamento, prevenção e outras medidas, voltados para a ofendida, o agressor e os familiares, com especial atenção às crianças e aos adolescentes.

Este artigo trata das atribuições mínimas a serem desenvolvidas por esta equipe multidisciplinar, vale dizer traz os contornos mínimos que devem ser observados, já que a atuação poderá ser diferenciada, dependendo das necessidades que serão ditadas pelo caso concreto.

Art. 31.  Quando a complexidade do caso exigir avaliação mais aprofundada, o juiz poderá determinar a manifestação de profissional especializado, mediante a indicação da equipe de atendimento multidisciplinar.

Observe-se que o atendimento não se limita a equipe de atendimento multidisciplinar, podendo o juiz, caso a complexidade do caso venha a exigir, utilizar-se de outro profissional especializado, que deverá ser indicado pela equipe.

Art. 32.  O Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta orçamentária, poderá prever recursos para a criação e manutenção da equipe de atendimento multidisciplinar, nos termos da Lei de Diretrizes Orçamentárias.

Neste dispositivo temos a possibilidade de criação de uma rubrica específica, no orçamento do Poder Judiciário, para destinação de verba orçamentária para criação e manutenção de equipe de atendimento multidisciplinar.

 

13 – Das Disposições Transitórias

Art. 33.  Enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as varas criminais acumularão as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, observadas as previsões do Título IV desta Lei, subsidiada pela legislação processual pertinente.

O artigo 33 tem uma regra de transição, ou seja enquanto não instalado Juizado de Violência doméstica e familiar contra a Mulher, as varas criminais serão competentes para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar, cujas ações terão andamento preferencial, na forma do parágrafo único do mesmo dispositivo.

 

14 – Das Disposições Finais.

Art. 34.  A instituição dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher poderá ser acompanhada pela implantação das curadorias necessárias e do serviço de assistência judiciária.

Este dispositivo prevê a possibilidade de instalação de curadorias e do serviço de assistência judiciária, que devem atuar conjuntamente com os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.

Art. 35.  A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios poderão criar e promover, no limite das respectivas competências:

I - centros de atendimento integral e multidisciplinar para mulheres e respectivos dependentes em situação de violência doméstica e familiar;

II - casas-abrigos para mulheres e respectivos dependentes menores em situação de violência doméstica e familiar;

III - delegacias, núcleos de defensoria pública, serviços de saúde e centros de perícia médico-legal especializados no atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar;

IV - programas e campanhas de enfrentamento da violência doméstica e familiar;

V - centros de educação e de reabilitação para os agressores.

Este dispositivo trata da criação do sistema dos Juizados da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, que deverá ser integrado e possuir frentes de atuação a níveis Nacional, Estadual e Municipal, fazendo-se as devidas adaptações nos existentes, na forma do artigo 36.

Art. 37.  A defesa dos interesses e direitos transindividuais previstos nesta Lei poderá ser exercida, concorrentemente, pelo Ministério Público e por associação de atuação na área, regularmente constituída há pelo menos um ano, nos termos da legislação civil.

Parágrafo único.  O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz quando entender que não há outra entidade com representatividade adequada para o ajuizamento da demanda coletiva.

O artigo 37 trata da legitimidade para a propositura de ações coletivas, que será do Ministério Público ou de entidade de autuação nesta área, regularmente constituída há pelo menos 01 (um) ano, dispensado este requisito, se não houver outra que o reúna, quando do ajuizamento da demanda.

Art. 38.  As estatísticas sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher serão incluídas nas bases de dados dos órgãos oficiais do Sistema de Justiça e Segurança a fim de subsidiar o sistema nacional de dados e informações relativo às mulheres.

Parágrafo único.  As Secretarias de Segurança Pública dos Estados e do Distrito Federal poderão remeter suas informações criminais para a base de dados do Ministério da Justiça.

Este dispositivo prevê a inclusão das estatísticas de violência doméstica e familiar contra a mulher na base de dados da Secretarias da Segurança Pública e da Justiça estaduais, que por sua vez alimentaram os dados a nível nacional do Ministério da Justiça.

Art. 39.  A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no limite de suas competências e nos termos das respectivas leis de diretrizes orçamentárias, poderão estabelecer dotações orçamentárias específicas, em cada exercício financeiro, para a implementação das medidas estabelecidas nesta Lei.

Este dispositivo trata da possibilidade de previsão orçamentária a nível Federal, Estadual e Municipal para o cumprimento das metas e diretrizes traçadas por esta legislação.

Art. 40.  As obrigações previstas nesta Lei não excluem outras decorrentes dos princípios por ela adotados.

Este dispositivo aponta a preponderância dos princípios por esta lei adotados em relação as obrigações expressamente previstas.

Art. 41.  Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995.

O artigo 44 alterou o § 9º, do artigo 129, do Código Penal reduzindo a pena mínima que era de 06 (seis) meses e passou a ser de 03 (três) meses, em flagrante equívoco, já que a intenção do legislador era agravar a situação de violência doméstica e familiar.

Contudo, foi elevada a pena máxima para três anos, de modo que a lesão corporal, em situação de violência doméstica, assim entendida como gênero e não de gênero, deixando de ser infração de menor potencial ofensivo, já que a reprimenda superou o limite de dois anos, previsto no artigo 61 da Lei 9.099/95.

Surgem disto várias questões. Como a lesão corporal dolosa leve depende de representação, em razão do disposto no artigo 88 da Lei 9.099/95, como teria ficado este crime, se praticado em situação de violência doméstica e familiar contra a mulher?

 

Alguns já sustentam que, em razão do dispositivo em questão, a lesão corporal de natureza leve, com contornos de violência doméstica e familiar contra a mulher, passaria a ser processada por ação penal pública incondicionada, vale dizer não dependendo mais de representação.

 

Afirmam, ainda, que não se aplica a transação penal, a suspensão do processo, a possibilidade de composição dos danos civis, o rito sumaríssimo, vale dizer institutos previstos na Lei 9.099/95.

 

Me parece não seja esta a melhor interpretação, pois estaríamos, com isto, criando um tratamento diferenciado injustificável.

 

Vale dizer, um homem que pratica uma ameaça contra uma mulher, em situação de violência doméstica e familiar prevista nesta lei, na forma do artigo 41, não devo aplicar a Lei 9.099/95, de modo que não se trata de infração de menor potencial ofensivo, razão pela qual não caberá a transação penal, a suspensão do processo, nem a composição dos danos civis.

 

Contudo, se uma mulher ameaçar um homem, temos uma infração de menor potencial ofensivo, sendo cabível a transação penal, o que me parece absolutamente insustentável.

 

Assim sendo, o artigo 41 deve ser interpretado em conjunto com os artigos 4º, 16 e 17 da Lei em estudo, de modo a restringir o alcance do primeiro dispositivo.

 

Quando o artigo 41 afirma que não se aplica a Lei 9.099/95, deve ser entendido que não se aplica esta legislação somente em relação as restrições previstas nos artigos 16 ou 17, vale dizer que a retratação da representação somente será possível em audiência especialmente designada para esta finalidade, bem como não será possível a aplicação de pena de prestação pecuniária ou exclusivamente de multa.

 

O artigo 4º, como foi visto anteriormente, traz uma importante regra de interpretação, devendo ser observados os fins sociais a que a lei se destina, bem como as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

 

Ora, o que dependia de representação, continuará a depender, até porque esta vem em favor da mulher e não contra ela, já que evitará que a mesma veja seu companheiro processado, mesmo contra sua vontade, como acontecia no passado.

 

A representação é um verdadeiro trunfo que a mulher possui em suas mãos, podendo, inclusive, ser objeto de negociação, já que é possível a composição civil com forma de renúncia, de modo a se possibilitar a pronta reparação de danos.

O espírito da lei é este, vale dizer proteger a mulher, atender suas necessidades, seus anseios e sua vontade.

 

Entendemos que é possível, outrossim, a transação penal, desde que não seja “cesta básica” ou exclusivamente pecuniária, mas pode ser, por exemplo, a prestação de serviços à comunidade, a freqüência a programas de orientação e prevenção de violência doméstica, etc.

 

Também será possível a suspensão do processo, a qual longe de estar prejudicando a mulher, ostenta como condição a reparação do dano que vem em seu favor.

 

Como vimos, há a possibilidade de aplicar medidas protetivas em se tratando de violência doméstica e familiar contra a mulher, mas e se a violência doméstica for praticada contra um filho, por exemplo, um atentado violento ao pudor praticado pelo companheiro da mãe, tendo como vítima seu enteado, haverá ou não possibilidade de proteção desta lei?

 

Entendemos que sim, pois como vimos as medidas protetivas são cautelares de natureza processual civil, de modo que é plenamente possível a sua aplicação analógica, vale dizer nessa hipótese seria possível o afastamento do agressor do lar conjugal, formulado como medida protetiva, perante a autoridade policial.

 

MARCELO MATIAS PEREIRA é juiz de direito titular da 19ª vara criminal central da capital do Estado de São Paulo, coordenador do curso de Especialização em Processo Penal da Escola Paulista da Magistratura e professor universitário.

 

 

 



[1] R.T. 753/309, RJTJESP 132/279, RJTJESP 134/283.



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