178 - A exceção de usucapião nas ações possessórias


 
JOSÉ WELLINGTON B. DA COSTA NETO - Juiz de Direito
 

 

Sumário: 1. Considerações iniciais: exceção; exceção de domínio; conceito – 2. Resumo histórico do tema – 2.1 Código Civil de 1916 – 2.2 Código de Processo Civil de 1973 – 2.3 Lei n° 6.820/80 – 2.4 Atual Código Civil – 3. A exceção de usucapião – 3.1 Exceção de usucapião e exceção de domínio – 3.2 Exceção de usucapião em ação reivindicatória – 3.3 Exemplo prático – 4. A alternativa do réu usucapiente manietado pela vedação à exceção de usucapião – 4.1 Críticas – 5. Conclusão – 6. Bibliografia.

 

1. O tema a ser objeto de estudo é a exceção de usucapião nas ações possessórias, possibilidade de sua argüição e possíveis efeitos.



Por rigor metodológico, conveniente que iniciemos tratando da exceção de domínio, por motivos que adiante se explanarão melhor.



“Exceção em sentido amplo é o poder jurídico de que se acha investido o réu e que lhe possibilita opor-se à ação que lhe foi movida”[1][1].



A classificação mais difundida das exceções divide-as em processuais e materiais. As exceções processuais são as defesas dirigidas contra o processo ou a admissibilidade da ação; enquanto as exceções materiais atacam o mérito. Estas (as materiais) subdividem-se em diretas (atacam a pretensão do autor fundamento do pedido), e indiretas (não elidem propriamente a pretensão do autor, mas lhe opõe fatos impeditivos, modificativos ou extintivos, como por exemplo a compensação)[1][2].



Levando em conta a possibilidade de conhecimento da defesa pelo juiz, ainda se classificam as defesas em objeções (podem ser conhecidas de ofício) e exceções (dependentes de argüição pela parte – cf. CPC, art. 128, in fine). Esta classificação, entretanto, não vem ao caso.



Com estes conceitos iniciais, podemos já vislumbrar a noção da exceção de domínio. Cuida-se da defesa fundada na propriedade. No caso presente estamos a tratar de seu cabimento nas ações possessórias, de modo que complementamos o já antes dito, esclarecendo que se cuida da defesa fundada na propriedade, alegada pelo réu de ação possessória, como fundamento para demandar a proteção possessória para si (lembrando o caráter dúplice das ações possessórias – CPC, art. 922).



É, em verdade, espécie de exceção (em sentido estrito, isto é, não cognoscível de ofício) material indireta, visto que à posse alegada pelo autor, opõe o réu o domínio que, segundo espera, lhe renderá a vitória na lide.



2. Um breve escorço histórico é fundamental para se compreender a atual conjuntura do tema no direito civil pátrio.



2.1. Remontaremos apenas ao Código Civil de 1916. Nele a matéria era tratada pelo art. 505, cuja redação, pela importância, vale transcrever:



“Não obsta à manutenção, ou reintegração na posse, a alegação de domínio, ou de outro direito sobre a coisa. Não se deve, entretanto, julgar a posse em favor daquele a quem evidentemente não pertencer o domínio”.



A primeira parte do dispositivo, com meridiana clareza, aparentemente afastava do direito pátrio a possibilidade de que a defesa fundada no domínio (ou mesmo outro direito) impedisse a reintegração ou manutenção na posse. Por outras palavras, estabelecia-se a rígida separação entre juízo possessório, voltado exclusivamente à apuração de quem tem a melhor posse, para sagrá-lo vencedor na demanda, e petitório, este sim voltado ao domínio. Impedia-se que no juízo possessório se imiscuísse o petitório.



Ernane Fidélis dos Santos bem sintetizou o que seja a proibição da exceção de domínio (embora comentando dispositivo semelhante, mas diverso, o art. 923 do Código de Processo Civil, que será adiante analisado): “O proprietário que não foi esbulhado pelo possuidor, exibindo título dominial, não pode pretender proteção possessória, assim como aquele que cometeu esbulho não tem defesa de seu ato, com fundamento em título de domínio indiscutível”[1][3]



A segunda parte da regra, contudo, causava certa perplexidade[1][4], por sua aparente contradição com a primeira. Estabelecia-se que embora o exercício de domínio sobre determinado bem fosse irrelevante na ação possessória, a posse não deveria ser deferida a quem evidentemente não pertencesse o domínio, isto é, permitia-se que a definição do domínio (ou ao menos a evidência de quem não o titularizava) fosse determinante no resultado da lide possessória, em clara intromissão do juízo petitório no possessório.



Segundo leciona Clóvis, a primeira parte do art. 505 do Código Civil de 1916, que trazia a irrelevância da alegação de domínio ou outro direito no juízo possessório, era regra universalmente aceita, a começar pelo direito romano (nihil commune habet proprietas cum possessione e separata esse debet possessio a proprietate). Cita ainda o nobre autor os Códigos Civis alemão, italiano, suíço e argentino, todos partidários da restrição[1][5].



Segundo o mesmo autor, a exceção à regra supra referida, que vinha logo na segunda parte da norma, foi albergada no direito pátrio desde 1786, tendo inclusive sido acolhida por Teixeira de Freitas.



É curial ao analisarmos o aspecto histórico do tema citar a explicação do doutrinador:

“Bem se comprehende que não pode, em todos os casos, oppor um dos contendores, no possessório, o seu domínio à pretensão do outro possuidor.



A controvérsia prevista pelo Código Civil, art. 505, 2° parte, é a da posse a título de proprietário, o que, desde logo, exclue a posse indirecta frente à directa. Se ambos os contendores reclamam a posse como emanação de sua propriedade, nada mais racional e justo do que não julgar a posse em favor daquelle a quem evidentemente, não pertencer o domínio.



(...) Não sendo evidente o direito dominial allegado por um dos contendores, ou restringindo-se o pleito ao facto da posse, como simples jus possessionis e não jus possidendi, não tem aplicação o princípio”[1][6].



Esta foi a forma que se encontrou de harmonizar as duas porções da regra, aparentemente contraditórias. Isto é, a discussão dominial em sede possessória seria admissível exclusivamente quando a posse fosse discutida a título de domínio, como emanação de tal direito. A explicação foi tradicionalmente sufragada pela doutrina[1][7].

A jurisprudência também a admitiu, valendo citar a respeito a súmula n° 487 do Colendo Supremo Tribunal Federal: “Será deferida a posse a quem, evidentemente, tiver o domínio, se com base neste for ela disputada”.



2.2. Em 1973 adveio o atual Código de Processo Civil, cujo art. 923 tratou da matéria ora debatida da seguinte forma: “Na pendência do processo possessório é defeso, assim ao autor como ao réu, intentar ação de reconhecimento de domínio. Não obsta, porém, à manutenção ou à reintegração na posse a alegação de domínio ou de outro direito sobre a coisa; caso em que a posse será julgada em favor daquele a quem evidentemente pertencer o domínio”.



A redação é bastante assemelhada à do art. 505 do Código Civil então vigente. Acrescentou-se a impossibilidade de no curso da ação possessória intentarem as partes, autor ou réu, ação que vise o reconhecimento de domínio. Outrossim, a última parte da regra trouxe redação positiva (a anterior, negativa, mencionava a impossibilidade de julgar-se a posse em favor de que evidentemente não titularizava domínio): a posse deve ser julgada em favor daquele a quem evidentemente pertencer o domínio.



A incongruência, contudo, permanecia a mesma. A regra inicialmente referia a irrelevância da titularidade de domínio sobre a coisa na definição da lide possessória, mas ao final conferia à prova do domínio papel fundamental na definição da ação possessória.



O entendimento a respeito da aplicabilidade da regra permaneceu inalterado, ou seja, entendia-se que a definição da posse com base no domínio, apregoada também pelo novel art. 923 do Código de Processo Civil, restringia-se à hipótese de disputa de jus possidendi, isto é, posse com fundamento no domínio[1][8].



Deste modo, via de regra, a discussão de matéria dominial em sede possessória estaria vedada, exceto na hipótese já referida.



2.3. Em 1980 a Lei n° 6.820 novamente veio trazer alteração à matéria ora em debate. Revogou integralmente a segunda parte do art. 923 do Código de Processo Civil, que passou a ter esta redação: “Na pendência do processo possessório, é defeso, assim ao autor como ao réu, intentar a ação de reconhecimento do domínio”.



É de se lembrar que era justamente na segunda parte da norma que se estabelecia a única exceção à vedação da argüição de domínio no juízo possessório, qual seja, o caso da posse disputada a título dominial, isto é, como conseqüência do direito real de propriedade sobre o bem.



A conclusão a partir da referida derrogação não poderia ser outra, senão a de que estava banida do direito pátrio, definitivamente, a exceção de domínio, afastando definitivamente do juízo possessório questões dominiais.



É que o art. 923 do Código de Processo Civil tacitamente revogara o art. 505 do Código Civil de 1916, na forma do disposto no art. 2°, § 1°, da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-lei n° 4.657/42).



Prevê a norma em questão duas formas básicas de revogação: a expressa e a tácita. Esta última decorre da incompatibilidade do texto normativo posterior com o anterior, que se tem então por revogado; ou da inteira regulamentação pela nova norma, do assunto tratado pela antiga. Pois bem, é da segunda espécie de revogação tácita que falamos, visto que indiscutivelmente o art. 923 do Código de Processo Civil se sobrepõe inteiramente ao antigo art. 505 do Código Civil.



Até 1980 a alteração não era de monta, visto que como já referido a segunda parte do art. 923 preservara a possibilidade de excepcionalmente discutir-se domínio no caso de lide possessória fundada em tal direito real.



Entretanto, a derrogação imposta pela Lei n° 6.820/80 acabou por extirpar do direito pátrio qualquer possibilidade de discussão dominial em lides possessórias. Desnecessário lembrar que impedida a repristinação no direito nacional, exceto se expressamente consignada em lei (LICC, art. 2°, § 3°), não revigoraria o art. 505 do Código Civil em razão da derrogação do art. 923 do diploma processual.



Daí que, com base nas premissas retro traçadas, teríamos desde 1980 a completa impossibilidade de discutir-se em lides possessórias, matéria dominial, mesmo que a discussão da posse tivesse por fundamento o domínio. Ou seja, mesmo que ambos os contendores alegassem domínio sobre o bem, venceria a lide o titular da melhor posse, fosse ou não o titular do direito dominial[1][9].



Na doutrina, esta é a posição de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery: “Com a superveniência do CPC 923, restou revogado o CC/1916 505. A exceção de domínio passou a ser inteiramente regulada pelo CPC 923, que a previa em sua redação originária. Com a revogação da 2° parte do CPC 923 pela L 6.820/80, não mais é prevista referida exceção no direito brasileiro, pois se manteve apenas a primeira parte do CPC 923, isto é, a parte que proíbe a discussão do domínio na pendência da ação possessória. Com a revogação, pela L 6.820/80, da exceção de domínio do CPC 923, não se restaurou o CC/1916 505, pois em nosso sistema não há repristinação da lei, quando a lei revogadora é revogada (...)”[1][10].



Em lealdade ao leitor, não podemos deixar de mencionar que a posição retro defendida não é pacífica. Há a doutrina de peso da professora Maria Helena Diniz em sentido contrário. Segundo a ilustre doutrinadora “A Lei n. 6.820/80 não revogou o art. 505 do Código Civil, que tem idêntica redação, mas a segunda parte do art. 923 do Código de Processo Civil, e este artigo, em sua primeira parte, só se refere às ações possessórias em que a posse seja disputada a título de domínio; logo, se a questão sobre o julgamento da posse a favor do proprietário é de ordem material e não processual, não houve derrogação daquele artigo do Código Civil”[1][11].



Apesar de partindo de premissas diversas, a conclusão da professora acaba sendo a mesma que ora adotamos. Com efeito, apesar de rechaçar a revogação do antigo art. 505, o que implicaria em preservar a possibilidade de argüição de domínio, a doutrinadora acaba concluindo que tal exceção não aproveitaria ao proprietário esbulhador, porque não lhe assiste, “ainda que sob a alegação de propriedade, molestar posse alheia”[1][12].



2.4. O último passo nesta linha que viemos adotando é analisar a matéria à luz do atual Código Civil, o que será bastante esclarecedor.



O antigo art. 505 do Código Civil de 1916 veio parcialmente reproduzido no atual § 2° do art. 1.210 nos seguintes termos: “Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa”.



Parece evidente que o novel diploma desprezou justamente a segunda parte do antigo art. 505, ou seja, a regra que previa a possibilidade de intromissão do juízo petitório no possessório (quando a posse fosse disputada a título de domínio, conforme esclareceram a doutrina e jurisprudência a respeito do assunto).



Com esta disposição, parece indiscutível que o legislador definitivamente baniu do direito pátrio a exceção de domínio em sede possessória, não se podendo opor a esta conclusão nem mesmo aqueles que outrora defendiam a manutenção do art. 505 do Código Civil de 1916 em face do art. 923 do Código de Processo Civil.



De fato, se era possível argumentar que o art. 923 do diploma processual não revogara o art. 505 do Código Civil, não é possível manter o mesmo argumento em relação ao atual Código Civil.



Definitivamente o art. 1.210, § 2° revogou o antigo art. 505, sem reproduzir a possibilidade de discussão da exceção de domínio em matéria possessória, que assim resta sepultada.



Segundo Sílvio de Salvo Venosa, “o atual estatuto prende-se exclusivamente ao fato da posse nas ações possessórias. Podem ser alegados outros direitos nessa contenda, inclusive a propriedade, mas a decisão será com fundamento exclusivamente na posse. Parece que doravante a situação fica clara. Se, por um lado, essa alegação de propriedade ou outro direito não obsta a manutenção ou reintegração na posse, por maior razão não impede que seja acolhido o interdito proibitório, no qual a posse ainda não está frontalmente atingida. Tantos foram os anos em que se discutiu o citado art. 505 do Código Civil antigo, que por algum tempo ainda sentir-se-á o ranço das alegações descabidas de domínio nas futuras ações possessórias, situação que, sem dúvida, a futura jurisprudência haverá de esclarecer, com base na nova disposição. Anote-se, contudo, que o novel dispositivo não proíbe a alegação de propriedade ou outro direito nesse campo. Sob o prisma ainda da vetusta lei, quando ambos os contendores disputam a posse exclusivamente com base no domínio, o que na prática não é muito fácil de ocorrer, cabe ao juiz decidir quem tem melhor fato de posse, se é que essa posse efetivamente existe. Aliás, parece-nos difícil, senão impossível, que o fato da posse seja reconhecido se ambas as partes discutem-na exclusivamente sob respaldo do direito de propriedade”[1][13].



3. O próximo passo é compreender o que seja a exceção de usucapião. Face às considerações já feitas, não será matéria tormentosa. O que entendemos por exceção, já alinhavamos no início do trabalho, de modo que apenas reiteramos as considerações já feitas.



“Usucapião é, no conceito clássico de Modestino, o modo de adquirir a propriedade pela posse continuada durante certo lapso de tempo, com os requisitos estabelecidos na lei”[1][14]. Cuida-se de modo originário de aquisição de propriedade.

Os requisitos exigidos variarão conforme a espécie de usucapião analisada. Não aprofundaremos tal tópico pena de desviarmos sobremodo o tema em estudo, o que seria cansativo e contraproducente.



Basta sabermos que preenchidos os pressupostos pelo possuidor, ou ao menos pensando ele tê-los preenchido, poderá ajuizar a ação própria, pretendendo que “se lhe declare, nos termos da lei, o domínio do imóvel ou a servidão predial” (CPC, art. 941). Cuida-se da ação de usucapião, tratada pelos arts. 941 e ss. do Código de Processo Civil, que contém especificidades em relação às demais demandas, notadamente quanto àqueles que devem integrar a lide.



Nas palavras do professor Antônio Carlos Marcato, “a exigência de justificação prévia da posse, com a conseqüente necessidade de realização de audiência correspondente, representava a razão determinante da especialidade do procedimento sob exame”[1][15]. “Considerando a nova redação conferida aos artigos 942 e 943 pela Lei 8.951, de 13.12.94, que não mais prevêem a realização dessa audiência, o procedimento a ser adotado para o processamento da ação de usucapião de terras particulares é exclusivamente o ordinário, mantidas, apenas, a necessidade de litisconsórcio passivo e a exigência de citação editalícia dos eventuais interessados e de intimação das Fazendas Públicas e do Ministério Público – as quais, todavia, não são privativas do processo de usucapião, nem atuam como causas de especialidade do procedimento respectivo”[1][16].



Vê-se, portanto, a mitigação da especialidade do procedimento previsto para a usucapião.



Tratamos até o presente momento da hipótese de figurar o pretenso usucapiente no pólo ativo da relação processual. É possível, contudo, que figure este no passivo, isto é, que terceiro pretenda obter o bem que está em seu poder, tendo o réu preenchido os pressupostos para a usucapião, mas sem ainda ter obtido a sentença declaratória de seu domínio.



As questões centrais do estudo são: pode o réu desta ação defender-se argüindo a aquisição de domínio pela usucapião ? Acaso positiva a resposta, poderá argüi-lo em quaisquer espécies de ações que de algum modo possam privá-lo do bem ?



3.1 Procuramos nas linhas anteriores vincar bem a questão relativa à exceção de domínio, e agora descortina-se a razão de tal recurso.

Parece evidente que a defesa fundada na usucapião nada mais representa que uma espécie de exceção de domínio. Com efeito, cuidando-se a usucapião de modo originário de aquisição da propriedade, o réu na ação possessória ou reivindicatória que a alegue está, em verdade, opondo ao autor da ação o domínio que diz ter adquirido pelo preenchimento dos pressupostos da prescrição aquisitiva.



Ora, a solução advém de um simples e vetusto recurso de lógica, o silogismo: linhas atrás sustentamos o banimento no direito pátrio das exceções de domínio em meio possessório; em sendo a exceção de usucapião uma espécie do gênero exceção de domínio, também ela dever-se-ia ter por alijada do cenário em que se litiga pela posse de determinado bem.



A questão, entretanto, não se reduz de modo tão simplório.

De plano, e por absoluta lealdade, deve-se ressaltar a existência de respeitáveis opiniões em sentido contrário. Cito a lição de Washington de Barros Monteiro: “O usucapião pode ser argüido como meio de defesa nas ações possessórias e petitórias. Aliás, em muitas legislações, como mostra o Prof. Alfredo Buzaid, ele não passa de mero remédio defensivo”[1][17].



Na jurisprudência há também relevantes decisões neste sentido. Cito, a título ilustrativo, a seguinte manifestação, do Eg. Tribunal de Justiça de Santa Catarina: “A exceção de domínio fundada em usucapião podendo ser oposta como defesa na ação possessória, não deve ser afastada de plano, no saneador, se demandar produção de prova na instrução” (Agravo de Instrumento n° 9.135 – Ibirama – Rel. Des. Nilton Macedo Machado).



Também o Colendo Superior Tribunal de Justiça assim já se manifestou (embora no caso não se tenha reconhecido a prescrição aquisitiva, mas não por impossibilidade de argüir em defesa tal matéria): “USUCAPIÃO. Defesa. Declaração de domínio. O réu de ação possessória pode argüir como defesa a sua posse e pedir o reconhecimento da prescrição aquisitiva, mas para a procedência do seu pedido devem estar presentes os requisitos da usucapião, entre eles a descrição da área, o que não aconteceu na espécie. Recurso não conhecido” (REsp n° 182.728/SP – Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar – 4° Turma – j. 03.11.1998 – DJ 01.02.1999 p. 212).



Sem pretender desrespeitar tais opiniões, proponho simples meditação a respeito, com base em tudo que já se disse.



Com efeito, admitir que em sede de ação possessória se discuta a usucapião alegada pelo réu em defesa, e mais, eventualmente reconhecer tal direito dominial como fator impeditivo ou extintivo do direito possessório do autor seria ensejar a intromissão de matéria dominial em juízo possessório.



Parece-me que, quando nada ao menos a partir da vigência do atual Código Civil (já que há posições segundo a qual o já citado art. 923 do CPC bem como a Lei n° 6.820/80 não revogaram o antigo art. 505 do CC/1916), impossível admitir tal cenário. Com efeito, o § 2° do art. 1.210, ao desprezar a segunda parte do antigo art. 505 do CC/1916 definitivamente estabeleceu a rígida distinção entre os juízos petitório e possessório. Neste discute-se apenas o fato da posse.



Sílvio de Salvo Venosa, embora não de modo explícito, parece admitir o que temos defendido. Tratando do efeito declaratório da sentença proferida na ação de usucapião, o referido autor assim se manifesta: “Reconhece-se a existência da aquisição da propriedade. Não se constitui a propriedade pela sentença. Tendo em vista essa declaratividade, permite-se que o usucapião possa ser alegado como matéria de defesa, para obstar ação reivindicatória”[1][18] (destaquei).



3.2 Uma advertência é bastante salutar. Estamos a proscrever a usucapião como matéria de defesa em ações possessórias. Nada impede que seja alegada e discutida em sede de demanda reivindicatória.



Com efeito, cuida-se de juízo petitório. “O direito de reivindicar a coisa é o poder que tem o proprietário de mover ação para obter o bem de quem injusta ou ilegitimamente o detenha, em razão do seu direito de seqüela (JB 166:241)”[1][19].

A jurisprudência, aliás, é pacífica e numerosa neste sentido. A título exemplificativo, vale citar: “REIVINDICATÓRIA – Exceção substancial de usucapião extraordinário – Origem e invalidez do título – Irrelevância – Posse própria e posse como dono, caracterizadas – ação improcedente – Recurso provido para esse fim. Estava, no caso, consumado o usucapião, quando se distribuiu a reivindicatória, de cuja inicial se tira o reconhecimento explícito de que, embora sem causa jurídica, o réu se apossou da coisa há mais de vinte anos” (TJSP – Apelação Cível n° 180.299-1 – Rel. Cezar Peluso – São Paulo – j. 01.06.93)[1][20].



Dissemos isto porque propomos uma boa compreensão da súmula n° 237 do Colendo Supremo Tribunal Federal. Com efeito, assim dispõe: “O usucapião pode ser argüido em defesa”.



Insta salientar que a edição de tal súmula remonta ao remoto ano de 1963[1][21]. Portanto, bem anterior à edição do atual Código de Processo Civil, ocorrida em 1973, bem como da Lei n° 6.820/80, marcos na matéria ora estudada, conforme já explicitamos.



Tal súmula não perde a validade, mas merece interpretação afinada não só com as normas supra citadas, mas também com o atual Código Civil. É ela aplicável apenas em ações dominiais, notadamente a reivindicatória[1][22].

 

3.3 Com um exemplo prático talvez melhor elucidemos as nuances das considerações até aqui feitas, assim como suas conseqüências práticas.



Imagine-se que “A” invada o terreno de “B”, clandestinamente durante a noite, acompanhado de sua família e agregados. “B”, que não reside no local e não faz uso do terreno, ao tomar conhecimento do ocorrido, remanesce inerte. No local, “A” constrói pequena casa para viver com a família e passa a cultivar a terra, a fim de prover a subsistência do grupo familiar.



Passados cerca de doze anos, “B” decide-se por utilizar o terreno para ali erigir uma casa para si, e então trata de cuidar da retirada da família que ali se instalou (família de “A”).



A juíza então ação de reintegração de posse, argumentando o caráter injusto da posse titularizada por “A”, visto seu caráter clandestino, que representa vício de origem a teor do art. 1.200 do Código Civil. Aliás, nos termos do art. 1.208 do mesmo diploma, apenas após cessada a clandestinidade da detenção exercida por “A” sobre o terreno é que se pôde falar propriamente em posse.



Em defesa, “A” aduz que por ocupar a área há cerca de doze anos, tendo nela “estabelecido a sua moradia habitual e nela realizado obras ou serviços de caráter produtivo”, teria adquirido o domínio pela usucapião, nos termos do parágrafo único do art. 1.238 do Código Civil. Com base em tal domínio, demanda para si a proteção possessória, argumentando que no Brasil adotou-se a teoria de Ihering, segundo a qual “a defesa da posse foi instituída com o fim de aliviar e facilitar a proteção da propriedade. Sendo o possuidor um proprietário presuntivo, as agressões à propriedade podem ser repelidas, de modo mais pronto, admitindo-se que a presunção não possa ser destruída, salvo pelo proprietário verdadeiro”[1][23].



Em verdade, em defesa veicula-se verdadeira reivindicatória, em que o “A” demanda o bem para si alegando domínio advindo da usucapião.



É indiscutível que em relação a “B” a posse de “A” é injusta, já que haurida clandestinamente. Cabe lembrar o caráter relativo da justiça da posse, sempre averiguada em face da posse que se diz ostentada pelo adversário.



Se admitirmos a argüição da usucapião em defesa, “A” sagrar-se-á vencedor, visto que evidentemente preencheu os pressupostos para a usucapião prevista pelo parágrafo único do art. 1.238 do Código Civil. Sendo a posse discutida como conseqüência da propriedade (e “B” alega ser proprietário esbulhado), aplicar-se-ia a súmula n° 487 do Colendo Supremo Tribunal Federal, julgando-se a posse em favor daquele a quem evidentemente pertencer o domínio, no caso, o usucapiente “A”.



De outro lado, se entendermos pela impossibilidade de argüir-se em defesa a usucapião em caso de demandas possessórias, a decisão da lide travada entre “A” e “B” dependerá apenas do fato da posse, isto é, de apurar quem detém a melhor posse, e no caso, como já se disse, o vencedor seria “B”, já que “A” o esbulhou clandestinamente de sua posse.



4. Uma questão se erige: como poderia o réu na ação possessória, que de fato usucapiu o bem, fazer valer seu direito dominial, se em razão da vedação à exceção de usucapião em matéria possessória se viu impossibilitado de argüir tal defesa ?



A primeira consideração que se deve fazer é de que nenhuma medida poderá tomar o réu usucapiente no curso da ação possessória. De fato, é peremptório o art. 923 do Código de Processo Civil, em sua atual redação: “Na pendência do processo possessório, é defeso, assim ao autor como ao réu, intentar a ação de reconhecimento do domínio”.



Finda a ação possessória, o réu, que poderá inclusive ter perdido a demanda, poderá ajuizar ação em face do vencedor da ação possessória, antigo proprietário, em que pleiteará o reconhecimento da aquisição do domínio pela usucapião, e a reivindicação do bem para si.



Pacífica é a doutrina em admitir a ação do usucapiente que ainda não teve declarado seu direito dominial, em que pleiteia tal reconhecimento e a posse do bem para si. Esta ação é denominada “publiciana”.



Esta é a doutrina de Arnoldo Wald: “Se a reivindicação é intentada por quem já usucapiu, por ter decorrido o prazo estabelecido por lei, mas ainda não obteve a sentença em ação declaratória reconhecendo o seu direito, admite-se a cumulação num único processo dos dois pedidos: declaração do direito ao usucapião e reivindicação”[1][24].



Eis a definição de ação publiciana de De Plácido e Silva: “quem tem justo título, apto, em tese, para a aquisição do domínio, pela prescrição aquisitiva, pode intentar a ação publiciana (usucapião), para exigir a posse, de que carece, para completar seu direito de propriedade.



Confunde-se com a ação de reivindicação, porém dela se difere: nesta se pede o domínio, na primeira se pede a posse hábil para promover e gerar a prescrição aquisitiva, que o investirá em pleno domínio da coisa ou do imóvel”[1][25].



É possível que uma indagação tenha surgido: se o usucapiente perdeu a ação possessória, e conseqüentemente a posse do bem que pretende usucapir, como teria declarado seu direito, especialmente porque se exige posse mansa e pacífica para reconhecimento da usucapião ?



Não se pode esquecer que a sentença proferida na ação de usucapião na porção em que reconhece o domínio (pois como dissemos na ação publiciana é dotada de um capítulo em que concede a posse ao autor) tem natureza declaratória e portanto retroativa[1][26].



Conforme ensina Orlando Gomes, “a aquisição da propriedade pela usucapião opera-se ex tunc. Não se realiza quando expira o prazo dentro do qual a coisa deve ser possuída ininterruptamente, mas, sim, no momento em que se inicia a posse. Esta doutrina se inspira na conveniência de proteger terceiros que, supondo ser o possuidor proprietário, com ele mantiveram relações jurídicas com base na aparência de propriedade”[1][27].



Logo, o usucapiente que perdeu a ação possessória e assim foi privado do bem que pretende usucapir, poderá ajuizar a ação publiciana, argumentando o caráter retroativo do reconhecimento da prescrição aquisitiva. Isto é, se poderia ter alegado a exceção de usucapião, não fosse a vedação, significa dizer que entendia ter preenchido já ao tempo da ação possessória os pressupostos para a aquisição. Logo, poderá na ação publiciana argumentar que quando perdera a posse (em razão da vedação à argüição da exceção de usucapião), já havia adquirido o bem, mas não pôde em razão do caráter daquela ação (possessória) argüir seu direito.



4.1 Duas críticas à posição ora defendida seriam bastante procedentes. Primeiramente, eventual afronta ao princípio constitucional da ampla defesa, assegurado aos litigantes em processo judicial e administrativo, e aos acusados em geral (CR, art. 5°, LV), vez que se está a defender uma restrição às matérias que poderiam ser argüidas pelo réu da ação possessória (impossibilidade de argüir a exceção de usucapião).



Esta possível objeção, a meu ver, é até superável. A Constituição assegura genericamente o direito à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, sem excluir a faculdade de que o legislador infraconstitucional regulamente a forma como se exercerá tal garantia constitucional.



Com efeito, é papel do legislador ordinário, normalmente processual, estabelecer as balizas que regerão o exercício do direito em questão. Aliás, isto não é novidade. Também se assegura o amplo acesso ao Judiciário, conforme o princípio da inafastabilidade, consagrado pelo inciso XXXV do art. 5° da Constituição, mas não se questiona a existência das condições da ação. Fala-se então em direito constitucional de ação, incondicionado e amplo, consistente na faculdade de simplesmente obter uma resposta ao pleito, mesmo que seja negando a presença do direito processual de ação, isto é, o direito a uma resposta sobre o mérito.



Críticas deste jaez não seriam novidade. Veja-se que o antigo[1][28] § 2° do art. 3° do Decreto-lei 911/69, que regula a alienação fiduciária em garantia, especialmente o processo de busca e apreensão judicial do bem dado em garantia, estatuía que “Na contestação só se poderá alegar o pagamento do débito vencido ou o cumprimento das obrigações contratuais”.



A jurisprudência tinha por inválida tal restrição. Calha a respeito citar: “BUSCA E APREENSÃO – Deslocamento patrimonial da ré desproporcional – Necessidade de inversão do ônus da prova (CDC, art. 6°, VIII) – Imprescindibilidade da dilação probatória – Julgamento antecipado – Inadmissibilidade – Cerceamento de defesa caracterizado – Limitação do art. 3°, § 2°, do Dec. Lei 911/69, que não se coaduna com a garantia constitucional da ampla defesa (CR, art. 5°, inc. LV) – Preliminar acolhida – Sentença mantida” (TJSP – Apelação Cível n° 838.149-0/5 – Quatá – 35° Câmara de Direito Privado – Rel. Carlos Ortiz Gomes – j. 23.05.05 – v.u.)[1][29].



De outro lado, possível argumentar que não se está negando ao réu da ação possessória que acredita ter usucapido o direito de fazer valer tal direito, mas apenas relegando-se o exercício de tal faculdade para as vias próprias, no caso, a ação petitória, estabelecendo a rígida distinção entre os juízos petitório e possessório.



A segunda crítica bastante oportuna seria a menção ao princípio da economia processual. Defender a vedação à exceção de usucapião nas ações possessórias representaria obrigar o réu usucapiente a ajuizar, após o fim de ação possessória (em razão do disposto no art. 923 do Código de Processo Civil), nova demanda destinada a declarar-lhe o domínio (a já referida à saciedade, ação publiciana).



Realmente, sob este aspecto o usucapiente teria de aguardar o decurso completo da ação possessória, e posteriormente da ação petitória, para então ter reconhecido seu direito dominial. Aliás, o inconveniente poderia ser maior ainda se acaso derrotado na ação possessória, pois perderia a posse do imóvel que já é de sua propriedade (embora esta ainda não tenha sido declarada), para depois reavê-la na ação dominial.



Com efeito, parece nítido retrocesso no contexto hodierno em que se tem como mote das reformas processuais tão abundantes nos últimos dois anos a celeridade e economia processuais. Convém ressaltar, aliás, a inserção do inciso LXXVIII no art. 5° da Constituição: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.



5. Como já salientado anteriormente, as duas críticas retro citadas à posição que temos defendido são bastante procedentes. Embora aquela referente à violação do princípio constitucional da ampla defesa seja até contra argumentável, conforme já explicitamos, não negamos a força com que se insurge.



De outro lado, é impossível não notar como obrigar o réu usucapiente a aguardar o fim da ação possessória para somente após tentar ver seu direito dominial reconhecido conspira contra a economia processual.



A verdade é que ao reproduzir parcialmente no § 2° do art. 1.210 a antiga regra do art. 505 do Código Civil de 1916 o legislador pátrio manteve a tradição do direito civil brasileiro de prestigiar a rígida distinção entre juízos possessório e petitório (embora, lembremos, na segunda parte do antigo art. 505 houvesse exceção).



Esta regra, conforme pensamos termos explicitado, importa em proscrição da exceção de usucapião em sede de ações possessórias (já que implica a vedação à exceção de domínio).



Talvez seria o momento para repensar o proveito de sua manutenção no ordenamento nacional, justamente sob a ótica dos princípios já citados (ampla defesa e economia processual). Aliás, a bem ver, se falamos em violação de um princípio constitucional, como o é a ampla defesa, sequer seria necessária expressa ou tácita revogação do referido § 2° do art. 1.210 para eliminar sua eficácia, bastaria reconhecer a afronta à Lei Maior. Considerando o inciso LXXVIII do art. 5° da Constituição, podemos considerar até mesmo a economia processual como um princípio constitucional implícito, o que implicaria dizer que também ao contrariá-lo, estaria o legislador infraconstitucional agindo ao arrepio da Constituição.



Como a pretensão deste pequeno estudo não é fincar conclusões irrefutáveis, mas sim instigar o debate e a reflexão, contentamo-nos em deixar esta discussão em aberto.



* José Wellington Bezerra da Costa Neto é bacharel em direito pela Faculdade de Direito da USP, ex-promotor de justiça, juiz substituto da 3º Circunscrição Judiciária - Santo André.





6. Bibliografia.



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VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Direitos Reais, 7° ed., São Paulo, Atlas, 2007.



WALD, Arnoldo. Direito das Coisas, 10° ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995.



[1][1] ARAÚJO CINTRA, Antônio Carlos; GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo, 15° ed., São Paulo, Malheiros, 1999, p. 269/270.



[1][2] ARAÚJO CINTRA, Antônio Carlos; GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit. p. 272.

[1][3] Manual de Direito Processual Civil, 3° vol., 8° ed., São Paulo, Saraiva, 2002, p. 40.

[1][4] Vale citar a lição de Orlando Gomes: “O Direito pátrio acolheu a exceptio dominii numa disposição considerada incongruente por alguns escritores, enquanto outros justificam-na dando ao texto interpretação que visa eliminar a evidente contradição que encerra” (Direitos Reais, 19° ed., Forense, Rio de Janeiro, 2006, p. 103).

[1][5] BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das Coisas, 1° vol., São Paulo, Freitas Bastos, 1941, p. 80/81.

[1][6] BEVILÁQUA, Clóvis. Op. cit. p. 82.

[1][7] Vale citar: MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, 3° vol. (Direito das Coisas), 27° ed., São Paulo, Saraiva, 1989, p. 61.; DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado, 7° ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 429. No mesmo sentido, a preciosa lição de Arnoldo Wald, que pela clareza, citaremos: “Se ambos os possuidores alegarem domínio, ou seja, se discutirem a posse a título de proprietários, o magistrado não deverá conceder as medidas possessórias àquele que evidentemente não tiver o domínio. É o princípio da exceptio proprietatis, que importa uma ingerência do juízo petitório no possessório e por este motivo mereceu importantes reservas e críticas por parte dos nossos doutrinadores. (...) Na realidade, sendo a posse uma exteriorização do domínio e tendo o Código Civil brasileiro adotado a teoria de Ihering que define a proteção possessória como medida complementar de defesa da propriedade, não seria concebível, dentro da nossa sistemática legal, que, no conflito de possuidores baseados ambos em títulos de propriedade, se decidisse a lide em favor de quem evidentemente não fosse proprietário, conforme determina a lei. (...) Se o princípio geral é no sentido de excluir, no juízo possessório, a apreciação do título para limitar a discussão à situações de fato, ocorre excepcionalmente que, justificadas as pretensões das partes pela alegação de domínio, o magistrado seja compelido a examinar  os títulos e, nesta hipótese, não deverá dar a posse a quem evidentemente não é proprietário” (Direito das Coisas, 10° ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995, p. 91).

[1][8] O professor Antônio Carlos Marcato cita a respeito entendimento do LXXIII Simpósio de Curitiba, realizado em outubro de 1975, segundo o qual o art. 923 só se refere às ações possessórias em que a posse seja disputada a título de domínio (cf. Procedimentos Especiais. 8° ed., São Paulo, Malheiros, 1999, p. 118).

[1][9] Lembre-se que neste caso, isto é, de posse discutida a título de domínio, a posse não deveria ser julgada em favor daquele a quem evidentemente não pertencia o domínio (CC, art. 505), ou deveria ser julgada em favor daquele a quem evidentemente pertencesse o domínio (CPC, art. 923). Agora tal questão era irrelevante. Se aquele que evidentemente titularizasse o domínio tivesse posse inferior ao adversário, perderia a lide.



[1][10] Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 7° ed., São Paulo, Atlas, 2003, p. 1.140.



Na jurisprudência, encontramos o seguinte julgado, o Eg. Tribunal de Alçada de Minas Gerais: “Reintegração de posse – Exceção de domínio – Impossibilidade – Revogação da parte final do art. 505 do Código Civil pelo art. 923 do CPC – Inexistência do elemento “posse” – Carência de ação. A partir da vigência do Código de Processo Civil de 1973, a exceção de domínio em ação possessória passou a ser regulada pelo seu art. 923, atualmente em vigor com a redação que lhe imprimiu a Lei 6.820/80, e não mais pelo art. 505 do Código Civil, estando revogada sua parte final, que autorizava a alegação da exceção de domínio em sede de ação possessória. Se o autor da reintegratória não exercia posse dos bens em litígio não tem interesse processual para o manejo daquela ação, devendo o processo ser extinto sem o julgamento do mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC” (Apelação Cível n° 0377767-5 – j. 12.2.2003 – 3° Câmara – Rel. Vieira de Brito).



[1][11] Op. cit. p. 429.

[1][12] Op. cit. p. 429.

[1][13] Direito Civil – Direitos Reais, 7° ed., São Paulo, Atlas, 2007, p. 123/124.

[1][14] GOMES, Orlando. Op. cit. p. 186.

[1][15] Op. cit. p. 138.

[1][16] Op. cit. p. 139.

[1][17] Curso de Direito Civil, 3° vol., 27° ed., São Paulo, Saraiva, 1989, p. 133.

[1][18] Op. cit. p. 201.

[1][19] DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 7° ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 445.

[1][20] “Somente pela ação de usucapião com todas as formalidades exigidas pela lei processual, conseguirá o usucapiente a declaração de seu domínio, com força de coisa julgada material, para posterior registro no competente Cartório. Com a exceção de usucapião, poderá o usucapiente, apenas, afastar a pretensão do proprietário reaver o imóvel, sem que isto se constitua em reconhecimento judicial definitivo” (TJSP – Agravo de Instrumento n° 227.591-1 – Rel. Leite Cintra – São Paulo – j. 25.05.94).



“REIVINDICATÓRIA – Usucapião urbano alegado como defesa – Admissibilidade da exceção – Decurso do prazo prescricional previsto no art. 183 da Constituição da República – Área inferior a 250m2 – Recurso provido” (TJSP em JTJ 257/158).



[1][21] A súmula foi aprovada em sessão plenária de 13 de dezembro de 1963. Tem como fundamento precedentes de 1948 (RE n° 8.952); 1949 (RE n° 10.819); 1950 (RE n° 10.544); 1952 (RE n° 18.241) e 1953 (RE n° 22.656).



[1][22] Vale a respeito citar a posição de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, aliás, em continuação a lição que transcrevemos linhas atrás: “O STF 487 tem aplicação no sistema privado vigente, mas com a adaptação aqui mencionada: a exceção de domínio existe no direito privado positivo brasileiro, mas só é exercitável em ações reais, vedada em ação possessória. Em resumo, podemos concluir afirmando que no sistema do Código Civil vigente a exceptio proprietatis: a) é proibida nas ações possessórias; b) é permitida nas ações petitórias” (Op. cit. 1.141).

[1][23] GOMES, Orlando. Op. cit. p. 91.

[1][24] Direito das Coisas, 10° ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995, p. 111.

[1][25] Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro, Forense, 1982, p. 61.



[1][26] “O CC 1238 fala que aquele que possuir o imóvel como seu por mais de quinze anos adquirir-lhe-á o domínio, donde é lícito concluir, com a unanimidade da doutrina e jurisprudência, que a ação de usucapião é de natureza declaratória” (NERY JÚNIOR, Nélson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit. p. 1.150).



[1][27] Op. cit. p. 196.



No mesmo sentido, Washington de Barros Monteiro: “o reconhecimento do usucapião produz efeito retroativo. Admite-se que o direito real existe em favor do usucapiente desde o instante em que começou a possuir mansa e pacificamente” (Op. cit. p. 134/135).



Em sentido contrário, Sílvio de Salvo Venosa: “O direito é obtido pelos requisitos de tempo e posse e mais boa-fé e justo título. Independe da sentença. O juiz limita-se a declarar situação jurídica preexistente. Fosse a sentença necessária para completar o direito, teria efeito constitutivo. Não é o que ocorre. Completado o prazo com os demais requisitos, o usucapiente já é proprietário. A sentença é decreto judicial que reconhece direito preestabelecido” (Op. cit. p. 189) (destaquei). Como se vê, para o renomado autor a retroação da aquisição limita-se ao termo final do prazo previsto para a aquisição, enquanto para Orlando Gomes e Washington de Barros tal retroatividade é mais extensa, atinge o próprio início do exercício possessório.



Para os fins do quanto afirmado no texto, esta distinção é irrelevante, pois partimos do pressuposto de que o réu usucapiente já completara o prazo necessário quando perdida a ação possessória. Logo, quer retroagindo seu direito ao termo final do prazo para a usucapião, quer retroagindo ao início do exercício da posse, já teria usucapido quando derrotado da lide possessória.

[1][28] Antes da atual redação dada pela Lei n° 10.931/04.

[1][29] No mesmo sentido: “Na ação de busca e apreensão de bem alienado fiduciariamente, a contestação não sofre a limitação prevista no art. 3°, § 2°, do DL n° 911/69 se ilegítimas as exigências do credor, como na espécie, sendo possível ao réu alegar, na defesa, contrariedade à lei ou ao contrato” (STJ – REsp n° 185.812/MG – Rel. Min. César Asfor Rocha – 4° Turma – j. 06.04.2000 – DJ 29.05.2000 p. 159).




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