162 - Emenda Constitucional 45: reafirmação da garantia da razoável duração do processo

 
FABIANO CARVALHO – Advogado
 
SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. Garantia da razoável duração do processo como direito fundamental – 3. Enquadramento dogmático do conceito de prazo razoável – 4. Equilíbrio na aplicação da garantia da razoável do processo – 5. Meios que garantam a razoável duração do processo - Notas Bibliográficas.

 

1. Introdução

É antiga a concepção segundo a qual o tempo não é modo de dissolver o direito (Tempus non est modus dissolvendi jus).

A Convenção para a Proteção dos Direitos dos Homens e das Liberdades Fundamentais, subscrita em Roma em 4.11.1950, proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10.12.1948, reafirmando o seu profundo apego a estas liberdades fundamentais, que constituem as verdadeiras bases da justiça e da paz no mundo e cuja preservação repousa essencialmente, por um lado, num regime político verdadeiramente democrático e, por outro, numa concepção comum e no comum respeito dos direitos do homem, reconheceu que “qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, eqüitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de caráter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela.”[1]

Desperta certa curiosidade o fato de o Brasil ter incorporado e reproduzido na Constituição da República de 1988 a maior parte dos direitos estabelecidos na Convenção e ter deixado de fixar, ao menos expressamente, norma que se relaciona com o princípio da celeridade processual.

Todavia, apesar da omissão do legislador, por meio de breve pesquisa na doutrina processual, fácil constatar a preocupação dos estudiosos com relação à duração do processo, pois, em verdade, trata-se de objeto nuclear das queixas de todos os operadores do direito.[2]

Na linha evolutiva do sistema processual, encarando precisamente o prisma progressivo do aumento das garantias constitucionais do processo, a Emenda Constitucional nº 45, de 8.12.2004, acrescentou o inciso LXXVIII ao art. 5º da Constituição da República: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”

Esclareça-se, desde já, que o âmbito do presente ensaio assenta-se em um estudo preliminar sobre a celeridade processual, agora elevada expressamente à categoria de garantia constitucional, por meio da Emenda Constitucional nº 45, na tentativa de conceder ao processo maior efetividade.

 

2. Garantia da razoável duração do processo como direito fundamental

A prestação da tutela jurisdicional em tempo razoável garante o efetivo acesso à justiça, porquanto o direito à prestação jurisdicional dentro de um tempo aceitável é uma exigência da tutela jurisdicional efetiva.

Nas palavras de Mauro Cappelletti e Bryant Garth “tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade dos direitos sociais é destituída de sentido na ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação. O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário, que pretenda garantir, e não apenas proclamar o direito de todos.”[3]

A duração do processo em prazo razoável é manifestação do direito fundamental ao acesso à justiça. Nesse sentido Luiz Guilherme Marinoni assenta que “o direito à defesa, assim como o direito à tempestividade da tutela jurisdicional, são direitos constitucionalmente tutelados. Todos sabem, de fato, que o direito de acesso à justiça, garantido pelo artigo 5º, XXXV, da Constituição da República, não quer dizer apenas que todos têm direito de ir a juízo, mas também quer significar que todos têm direito à adequada tutela jurisdicional ou à tutela jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva.”[4]

Os efeitos da demora na prestação jurisdicional são devastadores. Essa constatação é feita por Mauro Cappelletti e Bryant Garth: “em muitos países, as partes que buscam uma solução judicial precisam esperar dois ou três anos, ou mais, por uma decisão exeqüível. Os efeitos dessa delonga, especialmente se considerandos os índices de inflação, podem ser devastadores. Ela aumenta os custos para as partes e pressiona os economicamente fracos a abandonar suas causas, ou aceitar acordos por valores muito inferiores àqueles a que teriam direito.” E conclui: “a Justiça que não cumpre suas funções dentro de ‘um prazo razoável’ é, par muitas pessoas, uma Justiça incacessível.”[5]

Reconhece-se como características marcantes da garantia constitucional do prazo razoável para duração do processo: (i) universalidade, porquanto é destinada a todos que estão submetidos à jurisdição brasileira; trata-se, portanto, de um direito fundamental assegurado a todos, indistintamente; (ii) limitabilidade, os direitos fundamentais não são absolutos; isso quer dizer que a garantia da duração razoável do processo deve ser interpretada à luz do sistema e que duas garantias constitucionais podem chocar-se, como, v.g., celeridade e contraditório. Tal fenômeno é denominado de conflito positivo, resolvido pelo princípio da proporcionalidade, também chamado de princípio absoluto; (iii) cumulatividade, uma vez que essa garantia pode, e não raras vezes, é cumulada com outras; finalmente, (iv) irrenunciabilidade, na medida em que os titulares da garantia constitucional não podem dela dispor.

Tratando-se de garantia constitucional, a duração razoável do processo, “que conforma a essência de um conjunto normativo-constitucional, conferindo-lhe identidade, exteriorizando o sustentáculo da própria Constituição”[6], está compreendida na concepção de preceito fundamental.[7]

Com efeito, o art. 1º da Lei nº 9.882, de 3 de dezembro de 1999, estabelece que a argüição de descumprimento de preceito fundamental, mencionada no art. art. 102, § 1º, da CF, tem “por objetivo evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público.”

A locução Poder Púbico, empregada pela lei, deve ser compreendida em sentido amplo. Daniel Sarmento esclarece que “pela própria redação do caput do art. 1º, é possível notar a enorme abrangência da ADPF, que pode ser utilizada não apenas com o objetivo de censurar atos normativos, mas também atos administrativos e até mesmos jurisdicionais, agora sujeitos também ao crivo do controle concentrado de constitucionalidade.”[8]

Nesse contexto, o ato comissivo ou omissivo do órgão jurisdicional ou do órgão administrativo que resultar violação à garantia constitucional de duração razoável do processo, judicial ou administrativo, poderá dar ensejo à propositura de argüição de descumprimento de preceito fundamental pelos legalmente habilitados (art. 2º, da Lei nº 9.882/99) perante o Supremo Tribunal Federal.[9]

 

3. Enquadramento dogmático do conceito de prazo razoável

O tempo implica transcurso, sucessão dos anos, dos dias, das horas etc, que envolve, para o homem, a concepção de presente, passado e futuro. Quer dizer que o tempo é medida de duração de algo que pode ser observado.

O processo é o conjunto de sucessão de atos que documentam a atividade jurisdicional. Daí dizer que o tempo tem significativa importância no processo, sobretudo porque essa série de atos que se sucedem e são ligados por uma relação causal não acontece de modo instantâneo, mas sim de maneira paulatina, com pequenos intervalos. Adolfo Gelsi Bidart explica que “al proceso en sí, que requiere un lapso de cierta prolongación para actuarse, que no puede realizarse en un instante único.”[10]

De início, esclareça-se que a palavra processo está empregada no sentido de gênero. Quer isso dizer que, passe-se o truísmo, abrange todas as classes. De outra parte, o a garantia comentada poderá, de acordo com a natureza da causa, ser intensificada, como, v.g., em processos em que se manifesta perigo de dano irreparável ou de difícil ou incerta reparação.

O legislador constituinte empregou uma dicção deveras imprecisa que reconhecidamente necessita ser interpretada de acordo com o labor jurisdicional. Que é, afinal, prazo razoável?

A primeira observação cabível é a de que o vocábulo prazo razoável é conceito jurídico indeterminado ou aberto. Segundo conceituada doutrina española, a “esencia de estos conceptos radica en la subsunción de unas circunstancias reales determinadas en una categoría legal previa.”[11]

Não é possível delimitar de maneira precisa o alcance da norma jurídica sem análise do caso concreto.

Por ser um conceito jurídico indeterminado ou aberto, e de caráter dinâmico, o prazo razoável requer um processo intelectivo individual de acordo com a natureza de cada caso.

Isso quer dizer que não existe “um limite exato acerca dos contornos do conceito. A teoria dos conceitos jurídicos indeterminados não deságua na liberação do aplicador do Direito para adotar qualquer solução, a seu bel-prazer. Aliás, muito pelo contrário. Conduz a restringir a liberdade na aplicação dos conceitos jurídicos indeterminados. A incompatibilidade entre o limite do conceito e a atuação do aplicador resolve-se na invalidação dessa última.”[12]

Uma advertência: o conceito interminado ou aberto é noção que se atém ao princípio da legalidade, e, por esse motivo, deve ser interpretado à luz de toda sistemática. 

Augusto Morelo, ao comentar importante precedente que se revestiu de maior interesse ao adotar com rigor a virtualidade do prazo de duração do processo judicial, caso Zimmermann y Steiner, asseverou que “conviene reparar en que la fórmula plazo razonable, traduce lo que em la teoría se denomina un concepto jurídico indeterminado, que debe ir recortánose em su flexible y ajustable adaptabilidad a distintos parámetros sociológicos y jurídicos dentor de los cuales cobra relieve la manifestación de um proceso específico y la consencuente respuesta jurisdiccional.”[13]

Nessa linha de raciocínio, comparando o conceito indeterminado ou vago com o rígido e determinado, Arruda Alvim afirma que o legislador transferiu ao aplicador da lei a tarefa de ser minucioso e exauriente na descrição da norma. E isso porque a disciplina minuciosa em muitos casos se mostra inconveniente às finalidades últimas do legislador, que prefere confiar no aplicador da lei para realizar seus objetivos. A tarefa dos juízes, portanto, não é apenas aplicar o texto legal, mas perquirir e realizar o valor da justiça nele contido.[14]

Com toda razão, José Rogério Cruz e Tucci afirma que é “impossível fixar a priori uma regra específica, determinante das violações à garantia da tutela jurisdicional dentro de um prazo razoável.”[15]

as dilaciones indebidas no se identifican con el mero incumplimiento de los plazos procesales (sentencia del Tribunal Constitucional de 14 febrero de1991). Los criterios aplicables a este respecto para determinar si ha existido dilación indebida son:

O descumprimento da norma em comento, que provoca dilações indevidas no campo processual não se identifica com o mero descumprimento dos prazos fixados pela lei. Por esse motivo, tem-se ponderado os seguintes critérios, por meio dos quais se pode materializar o conceito de prazo razoável, a saber: (i) natureza e complexidade do caso; (ii) comportamento das partes e; (iii) comportamento das autoridades.

(i) natureza e complexidade do caso

De acordo com a natureza do caso concreto, v.g. “tutela de urgência”, que ocorre quando há possibilidade de lesão iminente e irreversível do direito, liberdade e garantia, impõe-se ao órgão judiciário apresentar providências imediatas, de maneira a responder às exigências do caso posto em juízo, acomodando-o da melhor forma possível, em termos de proteção jurídica, dando-lhe o trato de “causa prioritária”.

A demora de uma decisão judicial nessa matéria é suscetível de acarretar perda definitiva e irreversível do direito fundamental, situações de fatos consumados ou a iminência de prejuízos significativos, o que é claramente violadora do princípio da efetividade da tutela jurisdicional e do direito à prestação de decisão num prazo razoável.[16]

Para tanto, é absolutamente necessário um modelo de tramitação processual simplificado e ágil, em que o juiz tenha os poderes de adaptar o andamento do processo à intensidade da urgência e à complexidade do caso. Tanto assim, que a segunda parte do inciso LXXVIII do art. 5º da CF estabelece os meios que garantam a celeridade de tramitação do processo.

A complexidade do processo está diretamente relacionada com a duração do processo. Uma demanda que encerra grande número de litigantes (autores e réus em litisconsórcio, terceiros etc), muitos elementos fáticos, com diversos fatos controversos, a necessitar de realização provas a respeito deles, ou suscitar matéria divergente, a cujo respeito merece maior cuidado pelo órgão julgador, evidentemente não pode ter seu desfecho antes de uma demanda constituída por duas partes (autor e réu), formada de poucos (ou sem) elementos fáticos, e que compreenda matéria exclusivamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência.

(ii) comportamento das partes

Dum pendet rendet - enquanto pende rende - é o velho brocardo dirigido à parte que utiliza algum meio processual para dilatar o desfecho do processo.

Consoante acentua Arruda Alvim, “A lealdade e a boa-fé são regras informativas, de caráter ético, abrangente de toda atividade das partes, desde o início, durante todo o procedimento, inclusive no desdobramento recursal.”[17]

Na hipótese de remanescer desrespeitado o dever de probidade e lealdade processual das partes, de seus procuradores ou de todos aqueles que de qualquer participam do processo, evidentemente estará comprometido o desfecho do processo em tempo razoável. Daí dizer que cumpre ao órgão judicial tomar todas as providências para evitar a ocorrência de manobras que ponham em risco a tempestividade da tutela jurisdicional.

Em verdade, a possibilidade de plena incidência da norma do art. 5º, LXXVIII, da Constituição da República está quase sempre condicionada à forma de atuação do órgão judicial e das partes.

Se o órgão julgador perceber que o contorno de um direito é demasiado, ou que a força, ou intensidade, com que se exerce, é nociva, ou perigosa a extensão em que se lança, deve conceber providências que o limitem, que lhe ponham menos avanços ou marcos, aplicando as normas pertinentes reclamadas pelo caso concreto.

A esse propósito, vale a pena transcrever o pensamento de Adroaldo Leão: “se o dolo processual fosse tratado sem contemporização, por certo a atividade jurisdicional será célere e mais barata, à vista dos inúmeros processos que seriam extintos, mesmo na fase postulatória ou, quando menos, a ‘chicana’, tão presente na fase probatória, seria sensivelmente reduzida, tudo coroado com uma sanção ao litigante de má-fé.”[18]

(iii) comportamento das autoridades

O comportamento dos órgãos judiciais e administrativos na apreciação do processo, judicial ou administrativo, deve ser analisado de maneira a verificar se o desfecho do processo ocorreu em tempo razoável, nos termos da norma constitucional.

Nesse encadeamento de idéias, o órgão julgador tem o dever de dar cumprimento cabal às suas obrigações, incluindo julgar em prazo razoável.[19]

De igual passo, por se cuidar de um conceito indeterminado, assente-se que a duração do processo deve ser considerada na apreciação da razoabilidade do prazo sempre que decisão judiciária ou administrativa tenha conseqüências práticas sobre o modo como o caso concreto vai ser julgado perante os órgãos judiciários ou administrativos.

Registre-se que a obrigação de prestar a tutela jurisdicional ou administrativa também se aplica aos tribunais de superposição, bem ainda aos órgãos administrativos de “alto  escalão”. Entretanto, tendo em vista o conteúdo desses órgãos, que assumem contornos diferentes comparativamente a um órgão comum, poderá ocorrer, por vezes, darem prevalência a outras questões, em função da sua natureza e da respectiva relevância econômico-social podendo não atender por isso meramente à ordem cronológica de entrada dos processos.

É importante dizer que a duração do processo não está relacionada única e exclusivamente ao desfecho do processo, mas sim com todos os atos praticados pelas partes e pelos órgãos jurisdicional e administrativo.

 

4. Equilíbrio na aplicação na aplicação da garantia da razoável do processo

É quase ocioso afirmar que um processo sem dilações indevidas não se revela necessariamente em um processo mais célere.

Aqui, tornam-se indispensáveis duas ressalvas, a fim de prevenir conclusões precipitadas.

Em primeiro lugar, o tempo de duração do processo, não raras vezes, está preso a fatores estranhos ao universo do processo.

Em segundo lugar, o resultado “mais rápido” seguramente nem sempre é o “mais efetivo”. A celeridade processual, conquanto sendo um valor que deve presidir à administração da justiça, não poderá, claramente, ser erigida a um tal ponto que, em seu nome, vá sacrificar outros valores que, afinal, são componentes de direitos fundamentais tais como os do acesso aos tribunais em condições de igualdade e de uma efetividade de defesa.

Hélio Tornaghi escreveu que “o juiz deve zelar a celeridade do processo, mas sempre cuidando que não se mutilem as garantias, quer de observância do Direito objetivo, quer de respeito aos direitos subjetivos das partes ou de terceiros. O acerto da decisão prima sobre a sua presteza. É preciso que a ligeireza não se converta em leviandade, que a pressa não acarrete a irreflexão. O juiz deve buscar a rápida solução do litígio, mas tem de evitar o açodamento, o afogadilho, a sofreguidão. Deve ser destro, sem ser precipitado; pontual, sem imprudência. O juiz inconsiderado é ainda pior que o vagaroso. A observância rigorosa das formas e prazos legais é a melhor receita para conciliar a rapidez e a segurança.”

Na verdade, a garantia do devido processo legal e a garantia da duração razoável do processo não podem ser examinadas como forças opostas, mas sim fenômenos que se interagem dentro do processo. Caso contrário, como adverte Barbosa Moreira, corre-se “o risco de romper o equilíbrio do sistema, hipertrofiando uma peça em detrimento das restantes. É o que acontece, por exemplo, quando se estende além da medida razoável a duração do feito, pelo afã obsessivo de esgotar todas as possibilidades, mínimas que sejam, de apuração dos fatos. Nem o valor celeridade deve primar, pura e simplesmente, sobre o valor verdade, nem este sobrepor-se, em quaisquer circunstâncias, àquele.”[20]

Esse raciocínio é corroborado por Canotilho ao explicitar que “a ‘aceleração’ da protecção jurídica que se traduza em diminuição de garantias processuais e materiais (prazos de recurso, supressão de instâncias excessiva) pode conduzir a uma justiça pronta mas materialmente injusta.”[21]

 

5. Meios que garantam a razoável duração do processo

 

Importa fazer a enunciação e delimitação muito sumária de outras inovações que igualmente incorporaram o texto da Emenda Constitucional nº 45 e que também, ao que tudo indica, colaboram para a duração razoável do processo, a saber: (i) aferição do merecimento conforme o desempenho e pelos critérios objetivos de produtividade e presteza no exercício da jurisdição e pela freqüência e aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos de aperfeiçoamento; (ii) não será promovido o juiz que, injustificadamente, retiver autos em seu poder além do prazo legal, não podendo devolvê-los ao cartório sem o devido despacho ou decisão; (iii) a atividade jurisdicional será ininterrupta, sendo vedado férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau, funcionando, nos dias em que não houver expediente forense normal, juízes em plantão permanente; (iv) o número de juízes na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda judicial e à respectiva população; (v) os servidores receberão delegação para a prática de atos de administração e atos de mero expediente sem caráter decisório; (vi) a distribuição de processos será imediata, em todos os graus de jurisdição; (vii) As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal; (viii) no recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros; (ix) os Tribunais Regionais Federais e os Tribunais Regionais do Trabalho instalarão a justiça itinerante, com a realização de audiências e demais funções da atividade jurisdicional, nos limites territoriais da respectiva jurisdição, servindo-se de equipamentos públicos e comunitários; (x) os Tribunais Regionais Federais os Tribunais Regionais do Trabalho poderão funcionar descentralizadamente, constituindo Câmaras regionais, a fim de assegurar o pleno acesso do jurisdicionado à justiça em todas as fases do processo; (xi)  o Tribunal de Justiça poderá funcionar descentralizadamente, constituindo Câmaras regionais, a fim de assegurar o pleno acesso do jurisdicionado à justiça em todas as fases do processo; (xii) o Tribunal de Justiça instalará a justiça itinerante, com a realização de audiências e demais funções da atividade jurisdicional, nos limites territoriais da respectiva jurisdição, servindo-se de equipamentos públicos e comunitários; (xiii) para dirimir conflitos fundiários, o Tribunal de Justiça proporá a criação de varas especializadas, com competência exclusiva para questões agrárias; (xiv) a distribuição de processos no Ministério Público será imediata; (xv) súmula com efeito vinculante; (xvi) criação do Conselho Nacional de Justiça.

Conclusão

Celso Bastos e Carlos Ayres de Brito asseveraram que “o texto constitucional é feito para ser aplicado. Dado o seu caráter instrumental, o direito (e dentro deste o da Constituição não faz exceção) é elaborado com vistas à produção de efeitos práticos. É dizer: os seus enunciados não remanescem no nível puramente teórico das prescrições abstratas, mas descem ao nível concreto das suas incidências fáticas. Dá-se, pois, a aplicação do direito constitucional, todas vez que se submete um certo fato ou comportamento empírico ao mandamento nele previsto para tais situações.”[22]

No entanto, para que isso ocorra, não se pode perder da lembrança o papel reservado às autoridades do Estado, que têm o poder-dever de fornecer condições estruturais a fim de que o Poder Judiciário exerça sua sublime missão de, verdadeiramente, prestar a tutela jurisdicional efetiva. Caso contrário, estaremos diante de mais uma disposição constitucional puramente teórica, desprovida de eficácia, efetividade e sanção.

 

 

Notas Bibliográficas

ARRUDA ALVIM, José Manoel. Código de processo civil comentado, vol. II. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1975.

____ A argüição de relevância no recurso extraordinário, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988

BASTOS, Celso Ribeiro e Carlos Ayres de Brito. Interpretação e aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Saraiva, 1982.

BIDART, Adolfo Gelsi. “El Tiempo y el proceso”, RePro 23.

BRITO, Carlos Ayres de Brito e Celso Ribeiro Bastos. Interpretação e aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Saraiva, 1982.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 4ª ed., Coimbra: Almedina, s/d.

GUINCHARD, Serge et alii. Droit Processuel - Droit commun du process, 1ª ed. Paris: Dalloz, 2001.

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 5ª ed., São Paulo: Dialética,1998.

LEÃO, Adroaldo. O Litigante de Má-fé. São Paulo: Forense. 1982.

MARGUÉNAUD, Jean-Pierre. La Cour européenne des droits de l’homme, Paris: Dalloz, 1997.

MORELLO, Augusto M. El proceso justo. Buenos Aires: Libraria Editra Platense SRL – Abeledo Perrot SA, 1994.

TORNAGHI, Hélio. Comentários ao código de processo civil, vol. I. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974.

TUCCI, José Rogério Cruz e. “Garantia do processo sem dilações indevidas”, in Garantias constitucionais do processo civil, 1ª ed., 2ª tiragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

____ Tempo e processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

Fabiano Carvalho é mestre e doutorando em Direito Processual pela PUC/SP; professor do curso de especialização em Direito Processual Civil na PUC/SP; professor associado da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) e advogado militante em São Paulo.

 



[1] É digno de registro que essa Carta foi assinada pelo representante do Brasil, Austregésilo de Athaíde.

[2] A esse propósito, vale a pena trazer à baila um pequeno trecho de Luiz Guilherme Marinoni, que muito antes da Emenda Constitucional nº 45, já propunha uma leitura “mais moderna” do art. 5º, XXXV, da CF, ao afirmar que “faz surgir a idéia de que essa norma constitucional garante não só o direito de ação, mas a possibilidade de uma acesso efetivo à justiça e, assim, um direito à tutela jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva. Não teria cabimento entender, com efeito, que a Constituição da República garante ao cidadão que pode afirmar uma lesão ou uma ameaça a direito apenas e tão-somente uma resposta, independentemente de ser ela efetiva e tempestiva. Ora, se o direito de acesso à justiça é um direito fundamental, porque garantidor de todos os demais, não há como imaginar que a Constituição da República proclama apenas que todos têm o direito a uma mera resposta do juiz. O direito a uma mera resposta do juiz não é suficiente para garantir os demais direitos e, portanto, não pode ser pensado como uma garantia fundamental de justiça” (“Garantia da tempestividade da tutela jurisdicional e duplo grau de jurisdição”, in Garantias constitucionais do processo civil, pág. 218). Sobre a tempestividade da prestação da tutela jurisdicional, Cândido R. Dinamarco afirma que “os males de corrosão e frustração que o decurso do tempo pode trazer à vida dos direitos constituem ameaça à efetividade da promessa de tutela jurisdicional, contida nas Constituições modernas – e ameaça tão grave e tão sentida, que em tempos atuais se vem afirmando que tal garantia só se considera efetiva quando for tempestiva.” (“Aceleração do procedimentos”, in Fundamentos do processo civil moderno, vol. II, pág. 894). Nesse sentido, na doutrina italiana, ver com proveito Comoglio-Ferri-Taruffo, Lezioni sul processo civile, págs. 56/57.

[3] Acesso à justiça, págs. 11 e 12.

[4] Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da sentença, pág. 18. O Tribunal Constitucional de Portugal asseverou que “para além do direito de acção, que se materializa através do processo, compreendem-se no direito de acesso aos tribunais, nomeadamente: a) o direito a prazos razoáveis de acção ou de recurso; b) o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas; c) o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas; d) o direito a um processo de execução, ou seja, o direito a que, através do órgão jurisdicional se desenvolva e efective toda a actividade dirigida à execução da sentença proferida pelo tribunal. O Tribunal Constitucional tem caracterizado o direito de acesso aos tribunais como sendo, entre o mais, um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se designadamente, um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultado de umas e outras” (Tribunal Constitucional de Portugal, Rel. Monteiro Diniz, j. 20.11.1996).

[5] Acesso à justiça, págs. 20 e 21.

[6] Cf. André Ramos Tavares, “Argüição de descumprimento de preceito constitucional fundamental: aspectos essenciais do instituto na constituição e na lei”, in Argüição de descumprimento de preceito fundamental: análise à luz da lei nº 9.882/99, pág. 53.

[7]  Nelson Nery Jr. e Rosa Nery esclarecem que “os preceitos fundamentais são valores jurídicos fundamentais dominantes na comunidade. São fundamentais, entre outros, os preceitos constitucionais (...) direitos e garantias fundamentais (art. 5º)” (Código de processo civil comentado, pág. 1443).

[8] “Apontamentos sobre a argüição de descumprimento de preceito fundamental”, in Argüição de descumprimento de preceito fundamental: análise à luz da lei nº 9.882/99, pág. 91.

[9] O inciso II, do art. 2º, vetado pelo Presidente da República, estabelecia que qualquer pessoa lesada ou ameaçada por ato do Poder Público poderia propor argüição de descumprimento de preceito fundamental. Nos termos da Mensagem nº 1.807, de 3 de dezembro de 1999, as razões do veto foram as seguintes: “A disposição insere um mecanismo de acesso direto, irrestrito e individual ao Supremo Tribunal Federal sob a alegação de descumprimento de preceito fundamental por "qualquer pessoa lesada ou ameaçada por ato do Poder Público". A admissão de um acesso individual e irrestrito é incompatível com o controle concentrado de legitimidade dos atos estatais – modalidade em que se insere o instituto regulado pelo projeto de lei sob exame. A inexistência de qualquer requisito específico a ser ostentado pelo proponente da argüição e a generalidade do objeto da impugnação fazem presumir a elevação excessiva do número de feitos a reclamar apreciação pelo Supremo Tribunal Federal, sem a correlata exigência de relevância social e consistência jurídica das argüições propostas. Dúvida não há de que a viabilidade funcional do Supremo Tribunal Federal consubstancia um objetivo ou princípio implícito da ordem constitucional, para cuja máxima eficácia devem zelar os demais poderes e as normas infraconstitucionais. De resto, o amplo rol de entes legitimados para a promoção do controle abstrato de normas inscrito no art. 103 da Constituição Federal assegura a veiculação e a seleção qualificada das questões constitucionais de maior relevância e consistência, atuando como verdadeiros agentes de representação social e de assistência à cidadania. Cabe igualmente ao Procurador-Geral da República, em sua função precípua de Advogado da Constituição, a formalização das questões constitucionais carentes de decisão e socialmente relevantes. Afigura-se correto supor, portanto, que a existência de uma pluralidade de entes social e juridicamente legitimados para a promoção de controle de constitucionalidade – sem prejuízo do acesso individual ao controle difuso – torna desnecessário e pouco eficiente admitir-se o excesso de feitos a processar e julgar certamente decorrentes de um acesso irrestrito e individual ao Supremo Tribunal Federal. Na medida em que se multiplicam os feitos a examinar sem que se assegure sua relevância e transcendência social, o comprometimento adicional da capacidade funcional do Supremo Tribunal Federal constitui inequívoca ofensa ao interesse público. Impõe-se, portanto, seja vetada a disposição em comento.”

[10] “El tiempo y el proceso”, in RePro 23, pág. 110.

[11] García de Enterría, E. y Fernández, T. R., Curso de Derecho administrativo, págs. 448 a 455.

[12] Marçal Justen Filho, Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, pág. 171.

[13] El proceso justo, pág. 370.

[14] A argüição de relevância no recurso extraordinário, especialmente págs 12/15.

[15] Tempo e processo, pág. 67. Do mesmo autor, ver também “Garantia do processo sem dilações indevidas”, in Garantias constitucionais do processo civil, pág. 239.

[16] Interessante ac. do Tribunal Central Administrativo do Norte de Portugal, relatado pelo Dr. Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro, processo 00496/04, datado de 16.12.2004, decidiu que “A necessidade de tutela urgente, e em certos casos de absoluta necessidade, é um pressuposto processual ou pelo menos uma condição de procedibilidade da intimação urgente. O interesse processual, também designado “interesse em agir”, é aferido pela necessidade de tutela judicial e pela adequação do meio judicial empregue pela parte. Significa isto, por um lado, que o interesse processual do autor ou do requerente de determinada providência judicial está dependente da necessidade de obtenção da tutela judicial solicitada e, por outro, que o meio processual escolhido seja efectivamente o mais adequada a alcançar aquela tutela.”

[17] Código de processo civil comentado, vol. II, pág. 131.

[18] O litigante de má-fé, pág. 5

[19]Conforme demonstrou Serge Guinchard, as razões mais comuns de argüição de violação da garantia da tutela jurisdicional efetiva perante a Corte Européia de Direitos Humanos é a violação da garantia da duração do processo em tempo razoável. A Itália, v.g., sofreu 65 condenações entre 1997 e 2000 por parte daquela Corte, o que confere ao reclamante o direito a uma indenização (Droit Processuel - Droit commun du procès, págs. 530 e ss.).

[20] “Efetividade do processo e técnica processual”, in Temas de direito processual (sexta série), pág. 22.

[21] Direito constitucional e teoria da constituição, pág. 487.

[22] Interpretação e aplicabilidade das normas constitucionais, pág. 34.


    


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