149 - Breves anotações sobre a parte geral da IV Jornada de Direito Civil

 
RICARDO AMIN ABRAHÃO NACLE – Advogado
 

MARIA CECÍLIA GUIMARÃES ALFIERI

 

 

Nos últimos dias 26 e 27 de outubro de 2006, tivemos a honra de integrar a Comissão da Parte Geral da IV Jornada de Direito Civil realizada pelo Conselho Nacional da Justiça Federal, sob a coordenação científica do Ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça Ruy Rosado Aguiar. O evento dividiu-se em cinco comissões temáticas (Parte Geral, Empresas, Coisas, Obrigações e Responsabilidade Civil e, ainda, Família e Sucessões), cada qual abrilhantada pela presença dos mais importantes expositores do direito civil constitucional brasileiro.

 

À semelhança das anteriores, a IV Jornada permitiu o debate e a aprovação de enunciados interpretativos em torno dos temas mais polêmicos e instigantes do direito civil. E será especificamente em relação à Parte Geral - da qual figuraram como integrantes os professores Gustavo Tepedino; Maria Celina Bodin e Silvio de Salvo Venosa, entre outros - que destacaremos alguns dos novos enunciados aprovados. Confiramos, pois.

 

O primeiro enunciado constituiu uma interpretação do art. 13 do CC sob a ótica do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e, desta forma, consolida o entendimento da possibilidade dos transexuais realizarem, em conformidade com os procedimentos estabelecidos pelo Conselho Federal de Medicina, as cirurgias de transgenitalização, com a conseqüente alteração do prenome e do sexo no Registro Civil.

 

O segundo enunciado envolveu os arts. 14 do CC e 4º da Lei n. 9.434/97, afirmando que a manifestação expressa do doador de órgãos em vida prevalece sobre a vontade dos seus familiares, a qual só será exigida na restrita hipótese do silêncio do potencial doador.

 

Merece destaque, também, o enunciado cuja diretriz exortou o caráter apenas exemplificativo dos direitos da personalidade regulados pelo Código Civil, assim como, na hipótese de colisão entre eles, a aplicação da técnica da ponderação, na medida em que nenhum deles poderá sobrelevar sobre o outro.

 

Ainda sobre os direitos da personalidade, especificamente sobre o conflito entre o direito de imagem e a liberdade de imprensa, merece destaque o enunciado cuja conclusão foi a seguinte: “A proteção à imagem deve ser ponderada com outros interesses constitucionalmente tutelados, especialmente em face do direito de amplo acesso à informação e da liberdade de imprensa. Em caso de colisão, levar-se-á em conta a notoriedade do retratado e dos fatos abordados, bem como a veracidade destes e, ainda, as características de sua utilização (comercial, informativa, biográfica), privilegiando-se medidas que não restrinjam a divulgação de informações.”

 

Quanto à união estável, vale ressaltar dois enunciados, tais sejam, o primeiro, compreendendo o companheiro como integrante da legitimação dos arts. 12, parágrafo único, e 20, parágrafo único, do Código Civil; e o segundo, reconhecendo a não ocorrência da prescrição entre os companheiros enquanto viger a união.

 

Outro assunto igualmente debatido pela comissão foi o da desconsideração da personalidade jurídica. E, nesse particular, foram aprovados cinco enunciados, concluindo, em síntese, pela dispensa da demonstração da insolvência da pessoa jurídica para a incidência da desconsideração prevista no art. 50 do CC; pela impossibilidade do encerramento irregular das atividades da pessoa jurídica, por si só, caracterizar o abuso da personalidade jurídica; pela possibilidade das pessoas jurídicas de direito privado sem fins-lucrativos ou de fins não-econômicos serem abrangidas pelo conceito de abuso da personalidade jurídica; pela possibilidade da própria pessoa jurídica invocar em seu favor a desconsideração para a afetação dos bens do seu sócio; e, por fim, pela denominada desconsideração inversa da personalidade jurídica, para alcançar os bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros.

 

Sobre o artigo 108 do CC, a Comissão aprovou um enunciado assentindo que o valor de trinta salários mínimos, fixado como fator para a dispensa de instrumento público para os contratos de compra e venda de imóveis, deverá referir-se àquele atribuído pelas partes contratantes, e não o atribuído pela Administração Pública com finalidade tributária, devendo o tabelião, em caso de indício de manifesta simulação do valor, representar o caso ao juiz corregedor. É importante notar, entretanto, que a proposição desse enunciado teve em mira, predominantemente, as pessoas de baixa renda.  

 

A recente revogação do art. 194 do Código Civil pela Lei n. 11.280/2006 também foi objeto de discussão e, nesse tema, ficou assentado o entendimento segundo o qual o reconhecimento de ofício da prescrição não retira do devedor a possibilidade da renúncia admitida no art. 191 do texto codificado.

 

Sem nenhuma dúvida que poderíamos, aqui, continuar a discorrer sobre os demais enunciados aprovados pela comissão da parte geral, cujos temas revelaram-se igualmente relevantes. Entretanto, respeitando-se o limite do presente espaço, concluímos essas brevíssimas anotações com a recomendação de que os profissionais e estudantes do direito obtenham a íntegra de todos os enunciados da IV Jornada de Direito Civil no sítio do Conselho da Justiça Federal (www.cjf.gov.br).   

 

 


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