147 - Limites constitucionais do poder punitivo do Estado

 
FLÚVIO CARDINELLE O. GARCIA – Delegado de Polícia
 

Estado Democrático de Direito

O artigo 1° da Constituição Federal de 1988 estabelece que “a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político”, asseverando que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente” (parágrafo único, art. 1°).

É clara a disposição do legislador constituinte em adotar o regime do Estado Democrático de Direito para nortear os ditames da República Brasileira, reunido, destarte, os princípios do Estado Democrático e do Estado de Direito, não apenas na reunião formal dos elementos que os compõem, mas engendrando um conceito novo, revolucionário, que os supera.[1]

Em síntese, ensina-nos Alexandre de Moraes que o Estado Democrático de Direito representa a exigência do regramento por normas democráticas, com eleições livres, periódicas e com ampla participação popular, além do respeito das autoridades públicas aos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana.[2] Cuida-se, portanto, da junção do princípio da legalidade com o princípio democrático, naquilo que ambos têm de salutar ao cotejo do império da lei com a realidade política, social e econômica do Estado. Em outras palavras, o formalismo legal destituído de conteúdo - apregoado pelo Estado de Direito – é mitigado pela participação efetiva e operante do povo na vida política do país em busca da justiça social.

Sobre o tema, José Afonso da Silva leciona que “o princípio da legalidade é também um princípio basilar no Estado Democrático de Direito. É da essência do seu conceito subordinar-se à Constituição e fundar-se na legalidade democrática. Sujeita-se, como todo Estado de Direito, ao império da lei, mas da lei que realiza o princípio da igualdade e da justiça não pela sua generalidade, mas pela busca da igualização das condições dos socialmente desiguais”. Continuando, o eminente doutrinador conclui que o Estado Democrático de Direito “é um tipo de Estado que tende a realizar a síntese do processo contraditório do mundo contemporâneo, superando o Estado capitalista para configurar um Estado promotor de justiça social que o personalismo e o monismo político das democracias populares sob o influxo do socialismo real não foram capazes de construir”.[3]

Rege-se o Estado Democrático de Direito pelos seguintes princípios: princípio da constitucionalidade, princípio democrático (art. 1°, CF/88); princípio da justiça social (art. 170, caput, e 193, CF/88); princípio da igualdade (art. 5°, caput, I, CF/88); princípio da divisão de poderes, princípio da independência do juiz (arts. 2° e 95, CF/88); princípio da legalidade (art. 5°, II, CF/88); princípio da segurança jurídica (art. 5°, XXXVI a LXXIII, CF/88); e sistema de direitos fundamentais (Títulos II, VII e VIII, da CF/88).

Constitucionalismo, processo e Estado

As Constituições escritas e rígidas dos Estados Unidos da América (1787) e da França (1791) são consideradas a origem formal do constitucionalismo, inovando ao estatuir a organização do Estado e a limitação do poder estatal, por meio da previsão de direitos e garantias fundamentais.

Como sabido, o Direito Constitucional é um ramo do Direito Público que tem como produto legislativo máximo a própria Constituição. Destaca-se, nos dizeres de Alexandre de Moraes, in verbis:

“por ser fundamental à organização e ao funcionamento do Estado, à articulação dos elementos primários do mesmo e ao estabelecimento das bases da estrutura política. Tem, pois, por objeto a constituição política do Estado, no sentido amplo de estabelecer sua estrutura, a organização de suas instituições e órgãos, o modo de aquisição e limitação do poder, através, inclusive, da previsão de diversos direitos e garantias fundamentais”.[4]

Atualmente, encontra-se pacificado que também é ramo do Direito Público o Direito Processual, com seus fundamentos principais fixados pelo Direito Constitucional, onde é estabelecida a estrutura dos órgãos jurisdicionais, garantida a distribuição da justiça e a efetividade do direito objetivo e consagrados os princípios processuais. Cintra, Grinover e Dinamarco esclarecem que, de fato, alguns dos princípios gerais que orientam o direito processual são, de igual forma, princípios constitucionais ou seus corolários, tornando-se inegável o paralelismo existente entre a disciplina do processo e o regime constitucional em que o processo se desenvolve.[5]

Dizem os insignes professores que, hoje, “acentua-se a ligação entre processo e Constituição no estudo concreto dos institutos processuais, não mais colhidos na esfera fechada do processo, mas no sistema unitário do ordenamento jurídico”.[6] Prosseguem afirmando que o processo não é apenas instrumento técnico, mas sobretudo ético, fortemente influenciado por fatores históricos, sociológicos e políticos, e que é justamente a Constituição a resultante do equilíbrio de forças políticas existentes na sociedade num dado momento histórico e, por consegüinte, constitui-se no “instrumento jurídico de que deve utilizar-se o processualista para o completo entendimento do fenônemo processo e de seus princípios”.[7] O processo deixa de ser um simples instrumento de justiça para transformar-se em garantia de liberdade.

Sendo assim, conclui-se que a concepção dominante no Estado, representada pelos valores que prevalecem em determinado momento histórico, retratados na Constituição do país, influenciam diretamente o tratamento que será dispensado ao indivíduo em relação aos seus direitos e garantias, uma vez que, salienta Scarance Fernandes, “as construções jurídicas, indistintamente, são permeadas pela ideologia política, social e ética da época em que são elaboradas”.[8]  Deste íntimo relacionamento que há entre Estado e processo, resulta a crescente inserção nos textos constitucionais de princípios e regras de direito processual, elevando ao patamar da Lei Maior as principais normas processuais.

Fins do processo penal

Fernando da Costa Tourinho Filho classifica a finalidade do Direito Processual Penal em duas: mediata e imediata.[9] Quanto à primeira, confunde-se com a própria finalidade do Direito Penal, qual seja, um instrumento a serviço da paz social. Nesse sentido, Cintra, Grinover e Dinamarco esclarecem, com irreparável brilhantismo, que, in verbis:

“Falar em instrumentalidade do processo, pois, não é falar somente nas suas ligações com a lei material. O Estado é responsável pelo bem-estar da sociedade e dos indivíduos que a compõem: e, estando o bem-estar social turbado pela existência de conflitos entre pessoas, ele se vale do sistema processual para, eliminado os conflitos, devolver à sociedade a paz desejada. O processo é uma realidade desse mundo social, legitimada por três ordens de objetivos que através dele e mediante o exercício da jurisdição o Estado persegue: sociais, políticos e jurídico. A consciência dos escopos da jurisdição e sobretudo do seu escopo social magno da pacificação social constitui fator importante para a compreensão da instrumentalidade do processo, em sua conceituação e endereçamento social e político”.[10]

Os citados doutrinadores lecionam, nesse diapasão, sobre o aspecto positivo da relação que liga o sistema processual à ordem jurídico-material e ao mundo das pessoas e dos Estados, alertando para a necessidade de o processo ser efetivo, capaz de servir de eficiente caminho à ordem jurídica justa. Fala-se também em sua faceta negativa, a medida que não é um fim em si mesmo e, portanto, não deve ser guinado à fonte geradora de direitos. Na esteira desses pensamentos, observam Cintra, Grinover e Dinamarco que “os sucessos do processo não devem ser tais que superem ou contrariem os desígnos do direito material, do qual ele é também um instrumento”.[11] Desse aspecto negativo da instrumentalidade do processo é que deriva o princípio da instrumentalidade das formas, de acordo com o qual as exigências formais do processo quando não cumpridas apenas poderão invalidar os atos praticados se forem indispensáveis para a consecução dos objetivos desejados.

Sob este prisma, chega-se à finalidade imediata do Processo Penal que é tornar realidade o Direito Penal, ou seja, conseguir a “realizabilidade da pretensão punitiva derivada de um delito, através da utilização da garantia jurisdicional”.[12] Trata-se, em suma, de finalidade dirigida à aplicação do direito penal objetivo, porquanto para a imposição de pena faz-se necessário o devido processo legal.

Numa acepção mais completa, José Frederico Marques entende que o Processo Penal, enquanto mecanismo de solução da lide penal, busca “a aplicação justa das normas de Direito Penal a um pretensão fundada em fato penalmente relevante, que constitua objeto da função jurisdicional”.[13] Tem-se, assim, uma finalidade eminentemente prática que se consubstancia em aplicar a lei penal ao fato concreto.

Outro aspecto há de ser observado quanto à finalidade do Processo Penal especialmente considerado no Estado Democrático de Direito. Sabemos, o Estado é o único titular da jurisdição e, conseqüentemente, sobretudo na seara penal, do poder de aplicar o direito ao conflito de interesses onde se encontra envolvido o status libertatis do indivíduo. Ocorre que quanto maior for a liberdade do Estado em agir na aplicação da lei penal, maior será a possibilidade da incidência de abusos e desvios. Por isso, o próprio Estado Democrático de Direito se autolimitou, estabelecendo um compromisso político e ético na escolha dos fins do Processo Penal, visando a garantir à sociedade e aos indivíduos o exercício pleno de seus direitos e garantias fundamentais. Nesse contexto, o Processo Penal encontra no binônimo pacificação social x liberdade do indivíduo um dilema na persecução de seus fins.

Sobre o assunto, manifesta-se Marcus Alan de Melo Gomes, esclarecendo que, in verbis:

“A busca da paz social por intermédio da aplicação da lei penal – adotada esta como ultima ratio – deve achar um ponto de equilíbrio exato, de modo a não constranger a liberdade do indivíduo. O processo penal, num Estado Democrático de Direito, deve zelar, sobretudo, pela preservação da liberdade jurídica da pessoa humana, assegurando o exercício pleno dos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição. Assim, não bastará a aplicação da lei penal ao caso concreto, se não forem respeitados os princípios constitucionais que asseguram os valores da liberdade e dignidade do homem”.[14]

Direitos fundamentais na constituição de federal

Ao longo da história, durante a evolução do relacionamento entre o Estado e o indivíduo, houve necessidade do estabelecimento de normas que resguardassem direitos mínimos ao ser humano contra o forte poder intervencionista estatal. Surgiram assim, em sua concepção atualmente conhecida, os direitos humanos fundamentais, cujos objetivos principais são, nas palavras de Alexandre de Moraes,  “limitação e controle dos abusos de poder do próprio Estado e de suas autoridades constituídas e a consagração dos princípios básicos da igualdade e da legalidade como regentes do Estado moderno e contemporâneo”.[15]

Observa o sapiente mestre que a idéia de direitos fundamentais é anterior ao surgimento do constitucionalismo, que, segundo ensina, “tão-somente consagrou a necessidade de insculpir um rol mínimo de direitos humanos em um documento escrito, derivado diretamente da soberana vontade popular”.[16]

O fato da constituicionalização dos direitos humanos, principalmente após as guerras mundiais, revela a importância dos mesmos no sentido de consagrar o respeito à dignidade humana e garantir a limitação do poder estatal, visando ao pleno desenvolvimento da personalidade humana, tudo isso protegido sob o manto da Lei Maior de um país. Segundo José Afonso da Silva, a primeira Constituição no mundo que deu concreção jurídica aos direitos do homem foi a Constituição Imperial Brasileira de 1824.[17]

A atual Constituição Federal de 1988 consagra, expressamente, como fundamento da República Federativa do Brasil -  constituída como um Estado Democrático de Direito -  o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1°, III), trazendo em seu artigo 5° um extenso e não-taxativo rol de direitos e garantias individuais. Frise-se que, consoante decisão do STF, os direitos e garantias expressos na Constituição Federal não excluem outros de caráter constitucional decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, desde que expressamente previstos no texto constitucional (ADin n° 939-7/DF), como é do princípio da anterioridade tributária (art. 150, III, b, CF/88).

 Alexandre de Moraes define a dignidade como

“um valor espiritual e moral inerente a pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limtações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.[18]

Leciona ainda, que o princípio constitucional da dignidade humana tem dupla concepção, prevendo um direito individual de proteção contra o Estado e contra os semelhantes e estabelecendo um dever fundamental de tratamento igualitário entre os indivíduos.

Ressalte-se a natureza jurídica de direito constitucional  das normas que disciplinam os direitos e garantias fundamentais, visto estarem inseridas no texto da Constituição. Outrossim, por força expressa do artigo 5°, §1°, têm as normas que consubstanciam os direitos fundamentais democráticos e individuais eficácia e aplicabilidade imediata.

Conceito e Finalidades

Alexandre de Moraes, corroborando definição da UNESCO, conceitua como direitos humanos fundamentais “o conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana”.[19]

Pérez Luño, por sua vez, apresenta um conceito mais completo dos direitos humanos fundamentais, definindo-os como “um conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigências da dignidade, da liberdade e da igualdade humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos em nível nacional e internacional”.[20]

Trata-se, portanto, de direitos reconhecidos pela maioria dos países, seja em sede constitucional, seja em sede infraconstitucional, e que se relacionam diretamente com a garantia de não ingerência do Estado na esfera individual e com a consagração da dignidade humana.

A finalidade precípua dos direitos humanos fundamentais pode ser identificada a partir dos conceitos já apresentados, qual seja, a limitação dos poderes delegados aos representantes do povo enquanto mandatários a decidirem os destinos da nação. O poder oferecido aos representantes pelo povo não é absoluto, encontrando-se restringido pela previsão de normas mínimas fundamentais que devem ser seguidas pelo Estado e pelos próprios indivíduos.

Em suma, direitos humanos fundamentais consagram dispositivos constitucionais e infraconstitucionais que visam a impedir eventuais ilegalidades e arbitrariedades do Estado e mesmo entre os semelhantes, resguardando basicamente o princípio da dignidade humana, tido em seu sentido mais amplo. Acerca do tema, afirma Canotilho que os direitos humanos cumprem, in verbis:

“a função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: (1) constituem, num plano jurídico-objectivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implicam, num plano jurídico-subjectivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa)”.[21]

Para Alexandre de Moraes, “o respeito aos direitos humanos fundamentais, principalmente pelas autoridades públicas, é pilastra-mestra na construção de um verdadeiro Estado de direito democrático”.[22]

Por fim, importa salientar a distinção doutrinária feita entre direitos e garantias individuais. Lembra-nos Alexandre de Moraes que, no direito brasileiro, a diferenciação remonta a Rui Barbosa que separou as normas meramente declaratórias daquelas que considerou assecuratórias. Enquanto que as primeiras – direitos - imprimem existência legal aos direitos reconhecidos, as segundas – garantias - limitam o poder estatal a fim de defender direitos.[23] Acompanhando a lição de Rui Barbosa, Jorge Miranda afirma que, in verbis:

“os direitos representam só por si certos bens, as garantias destinam-se a assegurar a fruição desses bens; os direitos são principais, as garantias acessórias e, muitas delas, adjectivas […]; os direitos permitem a realização de pessoas e inserem-se directa e imediatamente, por isso, as respectivas esferas jurídicas, as garantias só nelas se projectam pelo nexo que possuem com os direitos; na acepção juracionalista inicial, os direitos declaram-se, as garantias estabelecem-se”.[24]

Características e Classificação

Alexandre de Moraes[25] considera os direitos humanos fundamentais em posição elevada em face aos demais preceitos normativos constantes no ordenamento jurídico e, por consegüinte, enumera-lhes as seguintes características:

Imprescritibilidade: não se perdem pelo decurso do tempo;

Inalienabilidade: não podem ser transferidos, seja a título gratuito, seja a título oneroso;

Irrenunciabilidade: não podem ser objeto de renúncia;

Inviolabilidade: não podem ser desrespeitados por normais infraconstitucionais ou por ato de autoridade pública;

Universalidade: engloba todos os indivíduos, sem qualquer distinção;

Efetividade: o Poder Público deve atuar no sentido de garantir a efetivação dos direitos e garantias previstos;

Interdependência: apesar de autônomas, as previsões constitucionais se inter-relacionam a fim de atingirem suas finalidades;

Complementariedade: não podem ser interpretados isoladamente, mas conjuntamente, a fim de alcançar os objetivos previstos.

Édson Luís Baldan[26] apresenta, para os direitos humanos fundamentais, as mesmas características elecandas por Alexandre de Moraes, acrescentando mais três: a historicidade – têm caráter histórico, ou seja, é possível traçar uma cadeia evolutiva em cujo ápice se situam;  a limitabilidade – não são absolutos, sendo possível a colidência entre os mesmos, dependendo do caso concreto; e a concorrência – sobre um titular recaem vários direitos humanos.

Quanto à classificação, esta foi estabelecida pelo legislador constituinte quando estabeleceu cinco espécies ao gênero Direitos e Garantias Fundamentais, quais sejam:[27]

Direitos individuais e coletivos: ligados diretamente ao conceito de pessoa humana e de sua própria personalidade (p. ex.: vida, dignidade, honra, liberdade – art. 5°, CF/88);

Direitos sociais: referem-se a melhoria das condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social (p. ex.: art. 6°, CF/88);

Direitos de nacionalidade: capacita o indivíduo, por meio do vínculo jurídico político da nacionalidade, a exigir a proteção do Estado, sujeitando-se, em contrapartida, ao cumprimento de deveres impostos;

Direitos políticos: permitem ao indivíduo liberdade de participação nos negócios políticos do Estado, conferindo-lhe atributos de cidadania (p. ex.: art. 14, CF/88);

Direitos relacionados à existência, organização e participação em partidos políticos: regulamentam os partidos políticos como instrumentos necessários e importantes à preservação do Estado Democrático de Direito, assegurando-lhe autonomia e plena liberdade de atuação.

Em tempos mais modernos, a doutrina também tem classificado os direitos humanos fundamentais baseando-se na ordem histórica cronológica em que passaram a ser constitucionalmente reconhecidos, diferindo-os em diretos de primeira geração (direitos civis e políticos que compreendem as liberdades formais, prestigiando o princípio da liberdade); de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais que se identificam com as liberdades reais, realçando o princípio da igualdade); e de terceira geração (direitos a um meio ambiente equilibrado, a saudável qualidade de vida, ao progresso, à paz, e outros direitos difusos que englobam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações titulares, acentuando o princípio da solidariedade ou fraternidade).[28]

Dentro desta visão, Manoel Gonçalves Ferreira Filho leciona que “a primeira geração seria a dos direitos de liberdade, a segunda, dos direitos de igualdade, a terceira, assim, complementaria o lema da Revolução Francesa: liberdade, igualdade, fraternidade”.[29]

Fundamentos: Teorias

A fundamentação dos direitos humanos é alvo de diversas teorias que os tentam justificar. Nesta seara, destacam-se as teorias: jusnaturalista, positivista e moralista ou de Perelman.[30]

A Teoria Jusnaturalista afirma que os direitos humanos fundamentais não são criação dos operadores do direito, mas de uma ordem superior, universal, imutável e inderrogável, e, assim, não seriam passíveis de desaparecer da consciência humana.

A Teoria Positivista, a contrario sensu, fundamenta a existência dos direitos humanos fundamentais no direito positivo, ou seja, apenas aqueles previstos expressamente no ordenamento jurídico.

A Teoria Moralista ou de Perelman entende que a fundamentação dos direitos humanos encontra-se na própria experiência e consciência de um determinado povo, configurando o denominado espiritus razonables.

Assevera Alexandre de Moraes que a sublime importância dos direitos humanos fundamentais não consegue ser fundamentada isoladamente por qualquer uma das teorias existentes. Afirma o douto professor que as teorias se completam, devendo coexistirem, pois

“somente a partir da formação de uma consciência social (teoria de Perelman), baseada principalmente em valores fixados na crença de uma ordem superior, universal e imutável (teoria jusnaturalista) é que o legislador ou os tribunais (esses principalmente nos países anglo-saxões) encontram substrato político e social para reconhecerem a existência de terminados direitos humanos fundamentais como integrantes do ordenamento jurídico (teoria positivista). O caminho inverso também é verdadeiro, pois o legislador ou os tribunais necessitam fundamentar o reconhecimento ou a própria criação de novos direitos humanos a partir de uma evolução de consciência social, baseada em fatores sociais, econômicos, políticos e religiosos”.[31]

Colidência entre Direitos e Garantias Fundamentais

Como se viu, o respeito aos direitos humanos fundamentais é a pedra angular na construção de um efetivo Estado Democrático de Direito. Pode ocorrer, entretanto, dependendo do caso concreto, que haja colidência entre direitos e bens constitucionalmente protegidos. Visando a solucionar o conflito, na tentativa de se compatibilizar os dispositivos da Lei Maior com vistas a dar-lhes aplicabilidade, alguns importantes princípios de hermenêutica constitucional são apontadas pela doutrina.[32] São eles:

Princípio da unidade da Constituição: a interpretação deve ser feita de modo a evitar contradições entre as normas constitucionais;

Princípio do efeito integrador: na resolução dos conflitos, deve-se dar maior primazia às normas que favorecem a integração política e social e a unidade política;

Princípio da máxima efetividade ou da eficiência: deve ser atribuída a uma norma constitucional o sentido que lhe der maior eficácia;

Princípio da justeza ou da conformidade funcional: as determinações organizacionais e funcionais estabelecidas na Lei Maior pelo legislador constituinte não podem ser subvertidas, alteradas ou perturbadas pela interpretação divergente das normas constitucionais;

Princípio da concordância prática ou da harmonização: os bens jurídicos em conflito devem ser coordenados e combinados com o intuito de evitar o sacrifício total de um deles em detrimento dos outros;

Princípio da força normativa da Constituição: sempre deverá ser adotada a interpretação que der maior eficácia, aplicabilidade e permanência às normas constitucionais.

Tais princípios são complementados por Jorge Miranda, ao orientar que

“a contradição dos princípios deve ser superada ou mediante a redução proporcional do âmbito de alcance de cada um deles, ou, em alguns casos, mediante a preferência ou a prioridade de certos princípios; deve ser fixada a premissa de que todas as normas constitucionais desempenham uma função útil no ordenamento, sendo vedada a interpretação que lhe suprima ou diminua a finalidade; os preceitos constitucionais deverão ser interpretados tanto explicitamente quanto implicitamente, a fim de colher-se seu verdadeiro significado”.[33]

Não obstante a necessidade de a Constituição Federal ser interpretada a fim de adequar-se à realidade sociopolítico-econômica do momento buscando, destarte, sua plena eficácia, é mister salientar a lição de Raul Machado Horta, ao comentar a possibilidade de haver, num caso concreto, precedência interpretativa de alguns direitos e garantias fundamentais. Vejamos:

“é evidente que essa colocação não envolve o estabelecimento de hierarquia entre as normas constitucionais, de modo a classificá-la em normas superiores e normas secundárias. Todas são normas fundamentais. A precedência serve à interpretação da Constituição, para extrair dessa nova disposição formal a impregnação valorativa dos Princípios Fundamentais, sempre que eles forem confrontados com atos do legislador, do administrador e do julgador”.[34]

Bem sintetizando o tema, Alexandre de Moraes ensina que a aplicação de regras de interpretação deverá, em síntese, “buscar a harmonia do texto constitucional com suas finalidades precípuas, adequando-a à realidade e pleiteando a maior aplicabilidade dos direitos, garantias e liberdades públicas”.[35] Para tanto, havendo conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, deverá o intérprete “coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual, sempre em busca do



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