141 - O devido processo legal no processo penal

 
LUÍS GUSTAVO BREGALDA NEVES – Juiz de Direito
 

KHEYDER LOYOLA – Advogado

 

 

O Direito assegurado à pessoa, quanto a seu patrimônio e sua liberdade, com a garantia de um processo regido por Lei, “Due process of law”, denomina o princípio constitucional que garante ao indivíduo ser processado somente nos termos de normas jurídicas anteriores ao fato ensejador do processo. Esse princípio está consagrado no Texto Constitucional, em seu art. 5.º, LIV. Qualquer imposição que atinja a liberdade ou os bens de uma pessoa deve estar sujeita ao crivo do Poder Judiciário, o qual atuará mediante o princípio do Juiz natural, em processo contraditório que assegure às partes a ampla defesa, não exclusivamente no âmbito processual judicial mas também nos processos civil, administrativo e militares (STF, 2.ª T., DJU. séc. I.5. 1993).

 

Não é outro o entendimento de José Frederico Marques (1990, p. 80-81), quando leciona, com extrema sabedoria, que: “o exercício da jurisdição deve operar-se através do devido processo legal, garantindo-se ao litigante julgamento imparcial, em procedimento regular onde haja plena segurança para o exercício da ação e do direito de defesa. É que de nada adiantaria garantir-se a tutela jurisdicional e o direito de ação sem um procedimento adequado em que o Judiciário possa atuar imparcialmente, dando a cada um o que é seu. Se a lei permitisse ao Juiz compor o litígio inquisitorialmente, sem a participação dos interessados, não haveria tutela jurisdicional, e sim atuação unilateral do Estado para impor sua vontade aos interessados. Juiz e jurisdição, para atuarem, pressupõem sempre o devido processo legal; e, por imposição expressa e categórica do art. 5.º, LIV, da Constituição, a qual solenemente proclama que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.”[1]

 

É o conjunto, portanto, de garantias e princípios que têm por objetivo resguardar os direitos fundamentais do indivíduo, principalmente a vida, a liberdade e o patrimônio, durante o desenrolar do processo, de modo a permitir a justa composição da lide (exemplo: plenitude de defesa, direito de ser ouvido e de ser informado pessoalmente de todos os atos do processo).

 

Em termos processuais, esse princípio assegura ao acusado a sua plenitude de defesa, abrangendo, assim, o direito de ser ouvido; da informação dos atos do processo e de sua publicidade; da defesa técnica; da manifestação posterior à acusação e em todas as oportunidades, motivação do crivo decisório (ressalvadas suas exceções legais); de ter um juízo natural; ao duplo grau de jurisdição; à revisão criminal e do respeito à coisa julgada.

 

Ressalta-se que existem dois planos para o devido processo legal: o substancial – para que haja o devido processo legal, deve existir uma formulação legislativa, um conjunto normativo de regras, rígido e justo, que traga ofensa mínima aos direitos fundamentais do homem; e o formal (Processual, Procedimental ou Judicial) – rígido e justo. Estes, por sua vez, se dividem em: clássico (CPP e Leis Especiais) e consensual (Leis n. 9.099/95 e n. 10.259/2000).

 

Observa-se que não há pena criminal sem processo, ou melhor, não há pena sem o devido processo legal, o qual consiste em assegurar à pessoa o direito de não ser privada de sua liberdade e de seus bens, sem a garantia de um processo embasado na forma em que a lei prescreve. Assim, garante-se ao acusado a plena defesa, compreendendo o direito de ser ouvido, de ser informado pessoalmente de todos os atos processuais, à defesa técnica e outros, assegurando sempre o princípio da dignidade da pessoa humana.

 

Cabe consignar que os princípios do contraditório e da ampla defesa estão diretamente ligados ao princípio em análise e, por isso, devem aqui ser lembrados.

 

No contraditório, o Juiz coloca-se, na atividade que lhe incumbe o Estado, de maneira imparcial, devendo haver sempre o embate dialético: uma parte acusa e a outra defende. Por isso, o princípio é identificado na doutrina pelo binômio ciência/participação.

 

Devem existir, assim, dois requisitos fundamentais: a informação (ciência), pois a petição inicial deve ser bem clara em relação ao réu e aos fatos e a citação deve ser regular em relação ao acusado; e a efetiva contrariedade (participação/reação), defesa técnica, ampla defesa, dando a todos os direitos de defesa permitidos no Código de Processo Penal.

 

O contraditório, também, deve ser pleno – ocorrer durante todo o processo, ser efetivo, real ou imediato –, ocorrer no momento da produção de provas em juízo. Lembrando-se de que o contraditório diferido ou mediato não é vedado, pois pode acontecer em casos de urgência para não perecer o objeto tutelado na lide, denominado contraditório “inaudita autera parte”.

 

A ampla defesa consiste no dever de o Estado assegurar ao acusado a completa defesa, seja pessoal (autodefesa), seja técnica (defensor), e também prestar assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados. Decorrente desse princípio, também há a obrigatoriedade de se observar a ordem de manifestação no processo, de modo que a defesa se manifeste em último lugar.

 

Sintetizando, a ampla defesa resume-se em dois direitos:

 

a) Autodefesa (possibilidade de o réu defender-se): direito de presença (arts. 395 e 577 do CPP) combinado com o direito de audiência, que é o direito do réu de influenciar na formação da convicção do julgador.

 

b) Defesa técnica (por defensor legalmente habilitado): a Súmula n. 523 do STF dispõe que haverá nulidade absoluta se não houver defesa.

 

Assim, o sistema penal considerado como a atividade organizada para o exercício do “jus puniendi” deve evidenciar uma estrutura que tenha verdadeiramente assegurados os valores constitucionais, sobretudo o valor da dignidade do homem como um limite, uma finalidade.

A dignidade da pessoa humana é a pedra angular sobre a qual deve ser construído todo o sistema penal. Por isso, é também seu fundamento máximo. Além de fundamento, o ideal humanitário passa a ser considerado como base num paradigma geral e imperativo na dinâmica do sistema penal, desde a escolha da política criminal até a execução das conseqüências jurídicas do delito, passando pelo processo legislativo e por todos os fatores envolvidos com a aplicação da ordem penal.

 

 

LUÍS GUSTAVO BREGALDA NEVES é juiz de Direito federal em São Paulo e professor no Complexo Jurídico Damásio de Jesus. Foi aprovado em 31 concursos públicos.

KHEYDER LOYOLA é advogado, professor universitário e em cursos preparatórios para concursos públicos nas áreas de Direito Civil e Processual Civil, em São Paulo.



[1] Manual de Direito Processual Civil. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. v. 1.



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