135 - As principais inovações da nova Lei de Drogas

VITOR F. KÜMPEL - Juiz de Direito
 

Desde a vigência da Carta Constitucional de 1988, o sistema jurídico estava a reclamar uma nova disciplina legislativa, sob o ponto de vista material, sobre a repressão, notadamente ao uso e ao tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins. O vetor da dignidade da pessoa humana (art. 1.º, III, da CF), alicerçado na esfera penal nos dispositivos do art. 5.º, inciso XLIII, que considera o tráfico ilícito de entorpecentes ou drogas afins inafiançável e insuscetível de graça ou anistia, harmonizado com o inciso XLVIII, que determina que o cumprimento de pena se dá de acordo com a natureza do delito, passou a exigir um novo regramento, distinto da obsoleta Lei n.º 6.368/76. Isso porque esta última lei, de maneira um pouco simples, regulava duas grandes situações jurídicas, a saber: o tráfico de entorpecentes, no seu famoso art. 12, e o porte e o uso de entorpecente, no art. 16.

 

Em uma sociedade complexa como a nossa, contudo, as situações não são tão simples como se tivéssemos apenas o traficante e o usuário, de forma que, muitas vezes, a dignidade da pessoa humana era aviltada com condenações do pequeno traficante com a mesma pena que se dá àquele que financia a prática do tráfico de entorpecentes em caráter supranacional.

 

Nesse sentido, a Lei n.º 11.343/2006 foi equilibrada na medida em que apresenta uma situação mais benéfica para o usuário e mais gravosa para o traficante, de forma que podemos fazer uma subdivisão na parte material da lei em dois tópicos. No primeiro tópico, podemos abordar a figura do usuário ou dependente. Na segunda parte, podemos tratar da figura do traficante subdividido em três grandes temas: o do que trafica ou que tenha aparato para o tráfico; o da pessoa que simplesmente oferece drogas a terceiros e, por fim, a figura do financiador.

 

No que diz respeito ao usuário, ocorreu uma novatio legis in melius, já que a lei nova é mais benéfica que a anterior e, portanto, tem caráter retroativo pleno, abrangendo desde o condenado até aquele que está em fase de inquérito policial.

 

De maneira acertada, a nova lei não pune o usuário ou dependente com pena privativa de liberdade, até porque a pena carcerária nesses casos jamais atinge o seu objetivo, que é o da reinserção social. Dessa forma, o art. 28 apresenta como principais sanções a prestação de serviços à comunidade e o comparecimento a programa ou curso educativo (incisos II e III), no prazo de cinco ou dez meses (§§ 3.º e 4.º). A grande inovação está no § 7.º, ocasião em que o juiz pode determinar ao infrator tratamento especializado e gratuito para sua desintoxicação.

 

No que diz respeito ao tráfico de entorpecentes, ocorreu uma novatio legis in pejus, de forma que a lei somente incide para situações novas. Entre as principais figuras, podemos destacar a:

 

                   a) do traficante – para o traficante, a pena é de reclusão de cinco a quinze anos, e a multa varia de 500 a 1.500 dias-multa. Todo aquele que trabalha fabricando, transportando maquinários e aparatos para o tráfico tem a pena um pouquinho inferior de reclusão de três a dez anos, mas a multa é mais gravosa, pois varia de 1.200 a 2.000 dias-multa. Visa o legislador desestimular o aparelhamento para o traficante sob o ponto de vista econômico. A terceira situação aposta como tráfico no sentido geral é a do colaborador do traficante, que tem uma pena ainda um pouco inferior de reclusão de dois a seis anos e a multa um pouco mitigada de 300 a 700 dias-multa.

                   b) do incentivador – aquele que simplesmente oferece drogas, sem o intuito de lucro, para consumir junto e que, na verdade, não é um traficante tem uma pena de seis meses a um ano e pagamento de 700 a 1.500 dias-multa, tendo todos os benefícios da lei, já que não há qualquer tráfico na hipótese em questão. Da mesma forma, o médico ou operador do sistema de saúde que erra na dosagem de entorpecente também tem uma pena de seis meses a dois anos de detenção e pagamento de 50 a 200 dias-multa (art. 38) porque também não é traficante.

                   c) do financiador – a mais preocupante figura do tráfico de entorpecentes em geral é daquele que tem tremendo poder econômico e custeia a logística do tráfico, chamado de grande traficante ou de chefe do narcotráfico. Aqui a pena mínima é de oito anos de reclusão, podendo chegar a vinte anos, e a multa varia de 1.500 a 4.000 dias-multa (art. 36). O número de dias-multa poderá ser multiplicado por cinco, iniciando em 1/30 do maior salário mínimo (art. 43, caput).

 

Com esse breve apanhado, foi possível observar que o legislador apresentou equilíbrio ao tratar do usuário e do traficante, respeitando os princípios da nova política criminal, que visa punir gravosamente condutas típicas relevantes e reinserir socialmente, e de forma rápida, condutas consideradas socialmente mais brandas, bastando apenas aos operadores do Direito dar efetividade ao novo regulamento legal.

 

 

Vitor F. Kümpel é doutor em Direito; juiz de Direito e professor no Complexo Jurídico Damásio de Jesus e na Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus.

 



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