131 - Honorários advocatícios - causas de fixação irrisória em juízo
RICARDO CALIL FONSECA - Advogado | ||||||||||||||
Ao lado das preocupações cotidianas que o advogado enfrenta nos dias atuais, a exemplo, de se manter atualizado da legislação, doutrina e jurisprudência, fontes de interpretação que nos últimos tempos mudam em velocidade e quantidade inigualável na história do direito, seguem inevitavelmente as concernentes aos honorários advocatícios, que lhe garantam a subsistência. O capitalismo assim exige.
Embora o múnus público da profissão seja incompatível com o mercantilismo, a verba honorária é que proporciona sua mantença, competindo ao advogado, encontrar o ponto de sustentação no equilíbrio, ao tratar desta questão.
Advogar em causa própria, é desafio que em geral o profissional se depara, especialmente quando se trata de defender o direito de auferir seus honorários, assunto delicado, já que o fundamento de um recurso, por verba fixada aquém do razoável, será a insurgência quanto à injusta apreciação de seu próprio trabalho, o grau de zelo e dedicação à causa, conforme alíneas, “a” “b” e “c” do § 3º do art 20 do Código de Processo Civil, que balizam o percentual adequado.
Não menos desconfortável, quando o direito de seu cliente é integralmente reconhecido numa sentença, mas com fixação ínfima de honorários de sucumbência, e possa ocorrer que recurso sobre este capítulo, postergue a execução do direito do constituinte.
A conscientização dos que atuam no campo do direito, em especial, a respeito da importância social do advogado, e que são os honorários que fazem vezes de seu salário, é sem dúvida, o que pode favorecer a adequação de seu valor. Neste sentido, o acervo de piadas que o achincalha, muitas delas de péssimo gosto, não ajuda.
No antigo direito romano, era proibida a remuneração pelos serviços advocatícios, daí o significado etimológico do termo de origem honorarìus: do que é feito ou dado por honra; direito de participar das honras; que não é pago, que não recebe retribuição.[i]
Affonso Fraga, nos idos de 1940, em português contemporâneo resgata esta parte histórica, de quando a advocacia era desempenhada de forma graciosa:
Haveria ainda, nos dias atuais, influência desta antiga cultura?
A resposta é sim, a julgar pelo posicionamento adotado em alguns julgamentos, felizmente em minoria, nos quais os honorários são fixados em valor irrisório, meramente pro forma, como relatam profissionais da área:
Recentemente, entrou para o anedotário jurídico, a história de um advogado que, estupefato com os franciscanos honorários fixados na sentença, optou por doar a soma ao foro, destinando-a a aquisição de papel higiênico.[iv]
A depender do vulto desta verba, a estas alturas o produto doado, com certeza já faltou naquele mictório.
Pensamos que o desequilíbrio tenha por causa também, uma interpretação equivocada do § 4º do artigo 20 do CPC - em relação à possibilidade de fixação dos honorários consoante apreciação eqüitativa do juiz - quando esta, conduza à estipulação meramente perfunctória de seu valor, aquém do razoável, prescindindo do balizamento do § 3º deste artigo, transcrito abaixo:
Da leitura deste dispositivo, se depreende que, a flexibilidade conferida pela “apreciação eqüitativa”, não é fundamento para fixação simbólica dos honorários, porque sua parte final, não dispensa a consideração do grau de zelo profissional, do lugar da prestação do serviço, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o serviço.
Como esclarece Sérgio Bermudes, em todas as hipóteses contempladas no § 4º, os honorários são fixados na conformidade dos critérios das alíneas a, b e c do § 3º.[v]
Daí que, ao inverso da aparente possibilidade legal de uma fixação ínfima, mesmo em causas de pequeno valor - em atenção a estes critérios da responsabilidade e trabalho profissional desempenhado - a recomendação que se extrai dos recentes arestos do Superior Tribunal de Justiça, para justa remuneração do advogado, é que a fixação se dê, mesmo acima do valor atribuído à causa:
Neste diapasão, tem assentado a doutrina, em alerta ao indesejável aviltamento na fixação dos honorários, que se resolve com a justa interpretação desta norma:
Noutra quadra, o § 4º do art. 20 do CPC, tem recebido críticas contundentes da doutrina, por incluir ressalva em favor de uma parte em especial, a Fazenda Pública; pois quando é esta a parte sucumbente, possui o privilégio de não se submeter aos critérios do § 3º deste artigo, podendo assim, merecer condenação em percentual inferior a 10% da condenação:
O antigo paradigma cultural, do trabalho não remunerado, exercido por ideal, era possível quando não se vivia numa era de capitalismo exacerbado, mas tende a mudar também a partir do plausível reconhecimento pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, na apreciação de uma situação de fato, concludente que, honorários advocatícios, possuem natureza alimentar.
No julgamento do Recurso Extraordinário de nº. 470407[ix], em que foi relator o Ministro Marco Aurélio, ao decidir sobre a natureza dos honorários dos advogados - para situá-los na ordem de preferência de pagamento dos créditos junto às Fazendas Públicas, conforme art. 100 da Constituição Federal – concluiu-se que, estes têm natureza alimentícia, pois visam prover a subsistência dos advogados e de suas respectivas famílias.
Desta esteira, cabível a dedução que o artigo 21 do CPC, referendado pela Súmula de nº. 306, do Colendo Superior Tribunal de Justiça[x], com a devida licença, está em contra-mão ao admitir compensação dos honorários, quando houver sucumbência recíproca, pois a compensação somente é possível, quando duas pessoas forem ao mesmo tempo, credor e devedor uma da outra, nos termos do art. 368 do Código Civil.
O fenômeno da compensação da verba sucumbencial, chama a atenção também, porque os honorários pertencem ao advogado por direito autônomo, reconhecido pelo art. 23 da lei 8.906 de 1994[xi]. Sua finalidade, não é de ressarcir a parte vencedora, mas sim, remunerar o trabalho profissional do advogado.
Ademais, o causídico de uma das partes litigantes, não tem relação obrigacional com o advogado ex adverso a justificar a compensação. Os profissionais, não figuram como credor e devedor um do outro; e a compensação que isenta as partes do correspondente pagamento, causa prejuízo ao advogado, violando o art. 380 do Código Civil, ao expressar em sua primeira parte que “não se admite a compensação em prejuízo de direito de terceiro” o que na prática ocorre neste caso.
A fixação proporcional dos honorários ao êxito da demanda, aos respectivos advogados, sem compensação, é, com a devida vênia, a melhor solução, pois não afronta os dispositivos legais que regem a matéria dos honorários: art. 23 da lei 8.906/94, que pelo princípio da especialidade e pela lógica, derrogou o art. 21 do CPC, cuja redação provém da lei 5.869 de 1973; e do citado instituto da compensação, previsto no Código Civil, criado pela lei 10.406 de 10-1-2002.
De auspiciar então, que o Colendo STJ, revise esta súmula, que ceifa o direito ao recebimento dos honorários de sucumbência, no caso de sucumbência recíproca.
Regressando ao centro da questão, a fixação de honorários sucumbenciais ou por arbitramento em valores ínfimos, constitui por via oblíqua, violação do art. 133 da Constituição Federal, ao proclamar que, o advogado, é indispensável à administração da justiça, uma vez que, a existência deste profissional, é iniludível, depende do recebimento de honorários, que é a forma de sua remuneração.
Cândido Rangel Dinamarco destaca a importância do advogado, classificando seu exercício profissional, dentre as funções essenciais à justiça:
De pontuar a relevância deste reconhecimento constitucional e da lei especial, que naturalmente não teve por fim, constituir uma casta profissional, mas está indissociavelmente atado, às garantias e direitos individuais e sociais, quando estes direitos são ameaçados ou violados, já que o advogado dispõe de recursos técnicos para, no manejo dos instrumentos processuais adequados, trabalhar para solucioná-los através do judiciário.
Ricardo Calil Fonseca é advogado em Itaberaí, Goiás, atuante desde 1992 nas áreas cível e trabalhista; é pós-graduado em Direito do Trabalho, pelo convênio Universidade Católica de Goiás/PUC-SP.
[i] Dicionário Houaiss.
[ii] FRAGA, Affonso. Instituições do Processo Civil do Brasil – Editora: Saraiva & CIA. São Paulo. Tomo II – 1940. Pág. 120.
[iii] SOUZA, Edras Dantas de. Dos Honorários Advocatícios. Prática Jurídica – Editora: Consulex. Ano V – nº. 51 de 30/06/2006. Pág 47.
[iv] http://www.espacovital.com.br/novo/noticia_ler.php?idnoticia=6300 (29/12/2006).
[v] BERMUDES, Sérgio. A Reforma do Código de Processo Civil – Editora: Livraria Freitas Bastos S.A. – 1995. Pág. 15.
[vi] NEGRÃO, Theotônio. Código de Processo Civil e Legislação Processual em vigor – Editora: Saraiva. 37ª edição – 2005. Nota 31 ao art. 20. Pág. 144.
[vii] JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil – Editora: Forense. 18ª edição – 1996. Pág. 95.
[viii] JUNIOR, Nelson Nery. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal – Editora: RT. 8ª edição – 2004. Vol. 21. Pág. 86.
[ix] STF. Recurso Extraordinário nº. 470407 - Origem: DF - Relator: Min. Marco Aurélio - Recorrente: José da Paixão Teixeira - Recorrida: União - (Obs: ainda em trâmite).
[x] Art. 21 do CPC: “Se cada litigante for em parte vencedor e vencido, serão recíproca e proporcionalmente distribuídos e compensados entre eles os honorários e as despesas.”
“STJ. Súmula nº. 306. Os honorários advocatícios devem ser compensados quando houver sucumbência recíproca, assegurado o direito autônomo do advogado à execução do saldo sem excluir a legitimidade da própria parte.
[xi] Art. 23 do CPC - Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor.
[xii] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil – Editora: Malheiros. 4ª edição – 2003. Pág. 695/6.
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