129 - Planejamento sucessório familiar e empresarial
MARIO LUIZ ELIA JUNIOR - Advogado |
(Sumário: I. Introdução – II. Proteção legal do patrimônio familiar e societário – III. Direito de família e regras de sucessão no NCC – IV. Impactos da sucessão na gestão e proteção patrimonial – V. O herdeiro no planejamento sucessório e os regimes do direito de família nas sociedades – VI. Utilização da governança corporativa como instrumento de planejamento e gestão empresarial – VII. Conclusão)
I. INTRODUÇÃO
Este breve ensaio tem por objetivo elucidar os principais aspectos pertinentes ao moderno tema de planejamento sucessório familiar e empresarial. Trata-se de análise sintética e fiel à legislação em vigor e à interpretação dominante que lhe é dada por Doutrina e Jurisprudência.
II. PROTEÇÃO LEGAL DO PATRIMÔNIO FAMILIAR E SOCIETÁRIO
Em regra, uma empresa não é estruturada para resolver problemas sucessórios. No momento de sua constituição, a preocupação de seus sócios está voltada essencialmente às questões administrativas e comerciais do negócio.
Contudo, com a abertura da sucessão, normalmente há o ingresso de novos sócios, que, distantes do cotidiano e dos problemas da empresa, passam a interferir e não raro definir os rumos que devem ser tomados na condução do negócio.
Diante dessa realidade, para se evitar ou ao menos minimizar os efeitos dos sabidos e intuitivos conflitos dela decorrentes é que se recomenda, nos dias de hoje, o prévio desenvolvimento de estruturas societárias com o escopo de preservar a continuidade do negócio e defender os interesses dos sócios, mantendo coesos grupos familiares que participem de uma mesma sociedade.
Nesse contexto, o planejamento sucessório visa estruturar o patrimônio familiar, evitando disputas futuras quando da abertura do processo de sucessão. Isso porque cada núcleo familiar possui características peculiares e, portanto, deve contar com soluções únicas e igualmente peculiares para sua realidade e seus problemas. Uma regra geral deve ser obedecida no atendimento desse objetivo: sociedades distintas para patrimônios distintos.
Em primeiro lugar, deve-se verificar a natureza do patrimônio da família, eis que diferentes as estruturas utilizadas para imóveis, cotas sociais ou outros bens e ativos.
O patrimônio imobiliário no processo de sucessão cria uma espécie de condomínio fechado. Porém, por mais que o objetivo de determinado planejamento seja a partilha do patrimônio imobiliário de forma igualitária entre os herdeiros, o condomínio deve ser evitado.
Já a sucessão em empresas pressupõe o ingresso de dois tipos de herdeiros, os chamados herdeiros gestores, que são aqueles que exercem efetivamente funções no negócio, e os herdeiros investidores, que geralmente não têm vocação particular para o negócio, interessando-lhes apenas os dividendos.
Cria-se, com a sucessão, a possibilidade de disputas pelo controle societário com a interferência de terceiros – por exemplo, cônjuges, companheiros, “agregados” familiares etc. – ou, como é comum se verificar, o acúmulo de funções e cargos (verdadeiro “cabide de empregos” dentro da iniciativa privada, um contra-senso).
Tal situação, é certo, afeta o bom andamento da empresa, provocando, muitas vezes, a perda de rentabilidade e dificuldades notáveis no atendimento do escopo social.
A idéia de se fazer um planejamento sucessório é justamente criar uma estrutura societária que, uma vez implementada, ao menos permita circunscrever o âmbito em que tais conflitos serão travados, não afetando o negócio como um todo. Cria-se, dentro dessa “engenharia societária”, estrutura flexível que comporte o ingresso de novos sócios – herdeiros – sem prejuízo da continuidade do negócio. A operacionalização da divisão patrimonial e reorganização sucessória podem consistir na constituição de empresas holdings, bem como na cisão (divisão patrimonial), na incorporação (concentração patrimonial), na redução do capital (com entrega de bens e direitos aos sócios), na permuta (com a troca de bens e direitos entre sócios, ou entre empresas) etc..
A holding é sociedade constituída com o objetivo de deter bens, sendo esses participações em outras sociedades, imóveis e também outros direitos e ativos. Pode a holding ser constituída tanto sob a forma de sociedade limitada, como de sociedade por ações.
Vale ressaltar que se caracteriza como importante ferramenta no planejamento sucessório, permitindo tanto a concentração da capacidade de investimento de uma ou mais pessoas físicas ou jurídicas – ou seja, instrumento de controle societário – como também a segregação de ativos ou atividades, segmentando-se o patrimônio com regras específicas.
A chamada holding de participações, também denominada holding pura, tem por escopo precípuo a formação de uma empresa para controlar outra, isto é, empresa detentora de um número de ações/quotas ou direitos de sócio que lhe assegure o exercício do controle, com maioria nas deliberações sociais e poder de eleger a maioria dos administradores (art. 243, §2º, da Lei 6.404/76). Entretanto, como mencionado, não necessariamente uma holding detém exclusivamente o controle de outra sociedade.
No contexto do planejamento sucessório, a constituição de uma holding permite que os sócios consigam manter, indiretamente, sua participação majoritária na sociedade operacional, de maneira unificada.
Assim, eventualmente pode-se alienar parcela de participação na holding sem que essa tenha alterada sua participação operacional, de forma que a empresa fica preservada e as discussões travam-se no âmbito da holding.
De se destacar que uma holding pode unir herdeiros pelo agrupamento de participações individualmente minoritárias, as quais, juntas, possibilitam a formação de um grupo economicamente forte que pode tomar o controle societário para a preservação do negócio.
Presta-se a holding, ainda, ao estabelecimento de regras quanto à concentração de votos de um determinado grupo que a compõe, evitando a pulverização dos investimentos e do comando de uma sociedade após o falecimento de um sócio, com previsão de divisão de poderes e funções entre os grupos familiares. Tais regras, com considerável competência, podem evitar disputas internas e prolongar a vida da empresa.
Importante frisar que qualquer que seja a estrutura societária criada, nela sempre se deve contemplar o acordo de sócios, ao lado das regras do estatuto ou do contrato social, como chave do equacionamento, da adequação e da defesa dos interesses dos sócios.
Pelo acordo de sócios são ajustadas as relações entre esses e são protegidos interesses naquilo que o estatuto ou contrato social não possam suficientemente assegurar – como garantia da participação de determinado sócio na administração da sociedade, critérios de eleição dos administradores, quorum qualificado ou unânime para alteração do estatuto ou do contrato social, voto em bloco, cláusulas de venda, distribuição de dividendos, dentre outras matérias.
Dessa forma, o acordo de sócios pode determinar a proibição de transmissão das ações/quotas aos herdeiros, mediante compensação com outros bens causa mortis e nos casos de separação judicial ou, ao menos, regular o ingresso de herdeiros na sociedade.
III. DIREITO DE FAMÍLIA E AS REGRAS DE SUCESSÃO NO NCC
Institutos de Direito de Família
Paralelo entre os Códigos de 1916 e de 2002
O projeto do Código Civil de 2002 procurou sistematizar o Direito de Família de modo a facilitar a sua aplicação e indo ao encontro de uma nova perspectiva constitucional, trabalhada sobre os valores existenciais do homem. Isso porque a regulação das relações familiares tem como norte os efeitos pessoais dessas relações, tendo sido colocado em segundo plano os efeitos patrimoniais. Dentre as modificações do Código Civil, no âmbito do Direito de Família merecem destaque as seguintes:
1. Nova conformação do casamento, cujo objetivo é estabelecer uma comunhão de vida entre os cônjuges (art. 1.509); 2. Instituição material da paridade dos cônjuges no exercício da sociedade conjugal, configurando, em seus efeitos jurídicos, o denominado “poder familiar” (arts. 1.658-1.666); 3. Igualdade dos filhos, em direitos e qualificações, como consignado pelo art. 277, § 6º, da Constituição da República, com a supressão de expressões com ela dissonantes, abolindo-se referências à filiação legítima, legitimada, adulterina, incestuosa e adotiva, consoante à ordem constitucional que nomeia uma única filiação; 4. Ampliação do conceito de família mediante inserção do instituto da “união estável” como entidade familiar, tratada pela Lei 9.278/96, que regula o §3º do art. 226 da Constituição da República; 5. Atenuação da imutabilidade do regime de bens no casamento, admitida a sua alteração parcial “mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros” (Emenda 249); e 6. Limitação do parentesco em linha colateral ao quarto grau, por ser este o limite estabelecido para o direito sucessório.
Relação conjugal
Com o advento do novo Código Civil instaurou-se a igualdade absoluta entre os cônjuges e os filhos, com a supressão do pátrio poder, que passou a ser denominado “poder familiar”. A igualdade entre o cônjuge e os filhos mostrou-se efetiva, sobretudo no que diz respeito ao direito sucessório. Segundo Miguel Reale, “o cônjuge passou a ser também herdeiro, em virtude da adoção de novo regime geral de bens no casamento – o da comunhão parcial -, corrigindo-se omissão existente no direito das sucessões” (História do Novo Código Civil, vol. I, São Paulo, RT, 2005, p. 43/44).
A união estável, outrossim, passou a ser disciplinada pelo Código Civil, sendo reconhecida como entidade familiar em conformidade com o art. 226, § 3º, da Constituição da República, desde que os sujeitos da relação forem de sexo oposto – tema controvertido em Jurisprudência, que começa perfilhar entendimento pelo reconhecimento da união estável e dos direitos que dela decorrem entre sujeitos de mesmo sexo.
Pelo novo Código Civil estabeleceu-se que a sucessão legítima cabe, em primeiro lugar, “aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens”. Deste modo, quando da vigência do regime de separação de bens, não se pode falar que o cônjuge sobrevivente é herdeiro necessário.
Antigamente, vigorava no Brasil a regra da comunhão universal de bens, na qual o cônjuge sobrevivente não concorria à herança com os filhos. Ao contrário, antes mesmo do óbito do cônjuge já era detentor de metade do patrimônio do casal.
Com a edição da Lei 6.515, de 26 de dezembro de 1977, a “Lei do Divórcio”, o regime da comunhão parcial de bens passou a ser o regime legal. Com isso, instaurou-se uma preocupante celeuma, uma vez que o cônjuge corria o risco de nada herdar do falecido, cabendo a herança, em sua integralidade, aos descendentes e ascendentes. A partir daí é que surgiu a preocupação de se incluir o cônjuge sobrevivente como herdeiro. Essa foi, portanto, a mens legislatoris e a razão pela qual o cônjuge se tornou herdeiro com o advento do Código Civil de 2002.
Com essa inovação, o cônjuge sobrevivo concorre com os descendentes, tendo direito a “quinhão igual aos que sucederem por cabeça, não podendo sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer”, de acordo com o art. 1.832 do Código Civil. Por outro lado, na falta de descentes e ascendentes, será deferida a sucessão por inteiro ao cônjuge sobrevivente, aperfeiçoando-se, assim, o quanto disposto no art. 1.611 do Código Civil de 1916.
Regime de bens
De grande relevância saber como os princípios do Direito Patrimonial de Família serão efetivados na relação com regimes de casamento, os quais devem ser levados em consideração quando da organização do processo sucessório. Para tanto, necessário analisar esses regimes em suas particularidades, dentro das inovações do novo Código Civil.
O Livro IV do Código Civil destina dois Títulos ao Direito de Família: o primeiro para reger o direito pessoal e o segundo para disciplinar o direito patrimonial. A idéia da divisão do direito de família em dois grandes eixos, pessoal e patrimonial, partiu do Prof. Clóvis do Couto e Silva. Assim, focalizou-se a nítida diferença entre as relações jurídicas de ordem familiar, que reside na maior ou menor carga de pessoalidade das relações. Essa mudança se deve à própria alteração da estrutura familiar ao longo do século que separa um Código do outro.
De início, para que se entenda corretamente a forma de transmissão de bens, é essencial que se tenha bem definida a composição do patrimônio para fins de sucessão, razão pela qual se passa a analisar os conceitos de meação, legítima e disponível.
A meação apenas existe nos regimes de comunhão total e comunhão parcial. No primeiro caso, equivale a 50% de todo o patrimônio de uma pessoa, e, no segundo caso, equivale à metade de todo o patrimônio adquirido apenas após a realização do casamento, excluídas heranças e doações. A parte remanescente divide-se em duas outras partes idênticas, denominadas legítima e disponível. A primeira irá obrigatoriamente aos herdeiros necessários e a segunda terá livre destinação pela vontade do autor da herança.
Ao tratar do Direito Patrimonial, o Código Civil, em seus artigos 1.658 a 1.688, descreve os diferentes regimes de casamento. Iniciando-se pela análise do regime da comunhão parcial, sua peculiaridade reside na comunicação dos bens que sobrevierem ao casal na constância do casamento, com algumas exceções. Dessa forma, passa a revelar um acervo de bens que pertencerão exclusivamente ao marido, ou exclusivamente à mulher, ou que pertencerão a ambos. Com a dissolução da conjugalidade, restará comunicável, então - e por isso passível de partilha entre os cônjuges que se afastam - o acervo dos bens comuns.
Esse regime de casamento é o mais usado atualmente e, quando o casal não opta por nenhum regime, automaticamente é o que vigora, eis que se trata do regime legal. No que respeita à sucessão, o cônjuge sobrevivente nada herda no que diz respeito ao patrimônio adquirido na constância da união, tendo em vista que já recebe a meação pela contribuição na sociedade. O tratamento é o mesmo dado ao regime da comunhão universal de bens.
A lei faz distinção quando o autor da herança possuía bens particulares, ou seja, inclui o sobrevivente entre os herdeiros necessários, quando existirem bens próprios, exclusivos do morto. Ensina Orlando Gomes que o regime de comunhão parcial de bens “caracteriza-se pela coexistência de três patrimônios, o pessoal do marido, o pessoal da mulher e o comum” [1]. Existindo, então, bens particulares e comuns, o cônjuge supérstite recebe a meação sobre os bens comuns e sua parte sobre a legítima.
Já no regime da comunhão universal há comunicação de todos os bens do casal, presentes e futuros, ou seja, os bens que já possuíam ao casar e os adquiridos na constância do casamento. Os patrimônios dos cônjuges se confundem em um só, passando marido e mulher a figurarem como condôminos daquele patrimônio. Segundo Clóvis Beviláqua, ocorre “a unificação dos patrimônios dos cônjuges, formando um acervo sob propriedade e posse indivisas de ambos”[2].
Assim, as regras de sucessão com o falecimento de um dos dois cônjuges fazem cessar a comunhão, cabendo ao sobrevivente metade dos bens comuns, a título de meação, e, a outra metade, aos herdeiros do autor da herança. Manteve o legislador, em suma, a posição do Código Civil de 1916: continua o cônjuge sobrevivente apenas com seu direito de meeiro. O matrimoniado pelo regime da comunhão universal somente herdará bens se não existirem descendentes. Nesse caso, o sobrevivente passará a concorrer com os ascendentes, independentemente do regime de bens.
Inovou o legislador ao introduzir no Código Civil o regime de participação final nos aqüestos, o qual, segundo Clóvis do Couto e Silva, “permite a cada cônjuge administrar seus bens particulares e os adquiridos durante o casamento”.
Trata-se de regime de bens misto. Isso porque, durante o casamento, vigora o regime de separação de bens, no qual cada cônjuge possui patrimônio próprio, composto pelos bens que adquirir durante o casamento e os que já possuía antes de casar. Por outro lado, no momento da ruptura entre os cônjuges, seja por separação judicial, seja por falecimento de uma das partes, adota-se o regime da comunhão parcial de bens.
Por fim, tem-se um último regime, o da separação total de bens, quando os patrimônios permanecem incomunicáveis, sob administração exclusiva de cada um dos cônjuges, necessitando, somente, de outorga para a alienação dos bens imóveis. O comparatista Roguin define o regime da separação como “l’absence de régime”.
Entretanto, de enorme importância bem fixar as mudanças decorrentes desse regime de bens a partir da vigência do novo Código, o qual prevê que o casal que opta pelo regime da separação total de bens conta com o cônjuge sobrevivente entre os herdeiros necessários. Mencione-se a existência de casos, previstos em lei, nos quais a separação de bens é obrigatória – falecendo uma das partes, não arrola o legislador o sobrevivente entre os herdeiros necessários, “eis que o que é vedado por lei não pode ser contornado pela própria lei e em manifesta contradição ao espírito da separação” [3].
De ressaltar, à guisa de conclusão deste tópico, a possibilidade de alteração do regime de bens caso pareça pertinente aos consortes, desde que ajuizada a medida cabível para tanto, por ambos, e obtida outorga judicial.
Entidades familiares
O art. 226 da Constituição da República trouxe enormes conseqüências ao dispor sobre a instituição da família como a base da sociedade. Antes deste dispositivo, apenas o casamento era concebido como entidade familiar, o que entrava em choque com a realidade. Dentre outras modalidades, ressalte-se a união estável.
A norma constitucional disciplina a união estável, de modo a conceder sua proteção pelo Estado, “devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.
Aumentou-se o número de entidades familiares, que passam a ser três: o casamento, a união estável e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, família monoparental. No entanto, há hierarquia entre estas entidades familiares, eis que é irrecusável o primado conferido à sociedade conjugal, estabelecendo o casamento com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges, o que se ilustra com a facilidade estipulada para a conversão da união estável em casamento, que comprova o status do casamento como entidade familiar por excelência.
Desta hierarquia estabelecida pela Constituição, depreende-se que não há igualdade absoluta de direitos e deveres entre cônjuges e companheiros. A matéria é disciplinada nos arts. 1.724, 1.725 e 1.790.[4] No que tange aos companheiros, esses deverão obedecer aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e guarda e educação dos filhos. Além disso, o regime da comunhão parcial de bens é o que se aplica entre os companheiros, salvo quando houver estipulação contratual diversa. Vale ressaltar que o novo Código Civil não revogou as Leis 8.971/94 e 9.278/96, que dispõem sobre união estável, salvo quando em conflito com a Lei Civil. Quanto aos cônjuges, o Código Civil ocupa-se muito mais de regulamentar suas relações. Disposição que se destaca é aquela que traz a necessidade de o cônjuge obter autorização do outro, exceto no regime de separação absoluta, para alienar bens imóveis, gravar ônus real, ou litigar, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos.
A Lei Civil não estende os direitos e deveres dos companheiros aos cônjuges, embora em alguns casos se utilize a analogia. As maiores diferenças entre os cônjuges e companheiros são relativas ao Direito das Sucessões. Como já se disse, com o novo Código Civil, o cônjuge passa a ser herdeiro e a concorrer com os descendentes e ascendentes do de cujus, salvo se casado no regime de comunhão universal ou no de separação de bens.
Dessa feita, se o falecido não deixar ascendentes ou descendentes, a herança caberá por inteiro ao cônjuge sobrevivente.
De outra banda, o art. 1.790 estipula que “a companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança”.
Tal dispositivo substitui o art. 2º da Lei 8.971/94, o qual não considerava o companheiro como herdeiro – a ele era apenas concedido o usufruto dos bens do falecido.
Direito das Sucessões
Paralelo entre os Códigos de 1916 e de 2002
A parte do novo Código Civil que se dedica a tratar do Direito Sucessório não inova tanto quanto nos outros Livros da Parte Geral e da Parte Especial que o antecedem. Algumas alterações, ditas implícitas, são decorrentes de modificações já procedidas nos institutos disciplinados nos demais Livros, tanto da Parte Geral como da Especial. Outras alterações, explicitas, foram promovidas nos dispositivos específicos do Livro V. Em ambos os casos, as alterações, implícitas ou explícitas, são internas, eis que operadas no corpo do Código Civil.
Segundo Miguel Reale, o Código Civil superpõe-se, em alguns pontos, às regras preexistentes do Código de Processo Civil, em proveito do rigor técnico que deve presidir a delimitação normativa entre a área de incidência da lei substantiva ou material e a área reservada à disciplina da lei adjetiva ou formal.
Impõe-se, aqui, o exercício daquilo que Francesco Carnelutti, na teoria geral do direito, denomina diritto comparato interno, a fim de que a ramificação do ordenamento jurídico não se entrelace em detrimento da sistemática e da interpretação contextual.
Essa cautela foi tomada pelo Código Civil de 2002, notadamente no que diz respeito à administração da herança, que abrange, muitas vezes, um lapso de tempo, à vista do aparecimento de figuras como a do herdeiro aparente ou de pretensões como a da petição de herança. A recepção ou a reivindicação, pelo Código Civil, da disciplina de situações jurídicas dessa natureza coloca em seu local próprio a sobrevida sucessória antes mesmo do regramento processual iniciado, usualmente, com abertura do inventário e a representação ativa e passiva do espólio.
Dentre as alterações mais relevantes no Direito Sucessório com o advento do NCC, podemos citar: 1. Disciplina geral da administração da herança até o compromisso do inventariante, bem como a inclusão do direito de perempção ou preferência dos herdeiros no caso de cessão da quota-parte hereditária de um deles (arts. 1.803-1.809); 2. Inclusão do cônjuge e dos descendentes do de cujus entre as vítimas dos atos criminosos que excluem da sucessão o responsável pela sua prática (art. 1.826); 3. Disciplina da petição de herança no plano do direito material (arts. 1.836-1.840); 4. Alteração da ordem da vocação hereditária a fim de que o cônjuge sobrevivente possa, em certos casos, concorrer com os descendentes, e, em qualquer caso, concorrer em igualdade de condições com os ascendentes (art. 1.852); 5. Inclusão do cônjuge sobrevivente entre os herdeiros necessários (art. 1.857); 6. Simplificação do ato de testar sem que seja afetada a segurança da validade do ato (arts. 1.874-1.892); e 7. Exigência de justa causa para o exercício do direito do testador de estabelecer cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade sobre a legítima (art. 1.923).
Alguns aspectos sobre a União Estável
Ao conferir à união estável determinados direitos e obrigações que antes apenas poderiam ser exigidos dos formalmente casados, o legislador, frente às mudanças ocorridas nos tempos modernos, preocupou-se, com acerto, em conferir segurança àqueles que optam por viver como companheiros.
Contudo, muitos consideram que a união estável foi tida pelo legislador como um casamento não aperfeiçoado e acabou recebendo pouca atenção, fato que seria comprovado pela sua sucinta regulação pelos artigos 1.737 a 1.739 na área do Direito de Família.
Já na que toca ao Direito das Sucessões, a união estável é contemplada com um único dispositivo (art. 1.814), sendo mesmo notória a desproporcionalidade no tratamento do legislador em relação à entidade familiar do casamento.
Não quis o legislador estabelecer um prazo mínimo para caracterização da união estável. Entretanto, a Jurisprudência fixou prazo mínimo de 5 (cinco) anos para tanto. De qualquer forma, o reconhecimento da união estável dependerá, sempre, da análise do caso concreto, em virtude da informalidade do regime deste novo instituto, não sendo obrigatório aos companheiros a vida sob mesmo teto, no que difere substancialmente do instituto do casamento – entendimento da Súmula 382 do Supremo Tribunal Federal.
O próprio preceito constitucional que possibilita a conversão de união estável em casamento demonstra o caráter “meio” da união estável e o caráter “fim do casamento”.
Por fim, vale ressaltar que a regulamentação da união estável apenas pode ser aplicada para as pessoas sem impedimentos legais, pois se assim não o for, configurará o concubinato.
IV. IMPACTOS DA SUCESSÃO NA GESTÃO E PROTEÇÃO PATRIMONIAL
No Brasil, dentre os 300 (trezentos) maiores grupos privados nacionais, cerca de 270 (duzentos e setenta) são empresas familiares. Das pequenas e microempresas brasileiras, pouquíssimas não possuem gestão familiar. Portanto, os números demonstram a relevância do assunto quando se trata de planejamento sucessório em relação à gestão da empresa familiar.
O planejamento sucessório é essencial para assegurar a continuidade de uma empresa por mais de uma geração. Deixar para os herdeiros encontrarem uma solução é medida que já se mostrou ineficaz. Assim sendo, programar um futuro no qual não se está presente é o objetivo do planejamento sucessório, evitando-se, assim, desarmonia e desgastes pessoais, acomodação pelo sucesso passado, desperdício de recursos, dentre outros problemas.
A solução, portanto, está em buscar o controle dos acontecimentos, questionar e tentar prever os percalços futuros. Imaginar e planejar o futuro dos entes queridos, de modo a proporcionar-lhes conforto e segurança financeira. Planejar regras para que, na ausência do empreendedor, a geração seguinte possa sobreviver. Uma das soluções é estabelecer medidas que impeçam a dilapidação do patrimônio em curto e médio prazos, garantindo estabilidade aos herdeiros e impondo-lhes responsabilidades em relação à preservação dos bens – por exemplo, por meio da adoção de cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade sobre determinados bens.
Outra maneira de se evitar conflitos sucessórios é a criação de uma holding familiar, que se tornará a proprietária de todos os bens da família, inclusive das cotas pessoais do sócio da empresa. Em outras palavras, a holding – e não mais um membro da família – passa a ser a sócia do empreendimento. Com isso, o estatuto da holding fará as vezes do inventário familiar e nele serão definidas, dentre outras coisas, a participação no capital social e a função de cada sucessor na hipótese de afastamento dos atuais dirigentes.
Por fim, conhecer a tributação de heranças e doações, bem como o Imposto de Renda incidente sobre os patrimônios, é imprescindível para que o empresário possa assegurar a continuidade de seus negócios e proteger o patrimônio de sua família.
Aliado ao planejamento sucessório, é possível, ainda, criar-se um planejamento fiscal, diminuindo a carga tributária da empresa e dos seus sócios, em especial no que tange ao imposto sobre a herança. A economia fiscal poderá ser obtida não apenas com relação ao imposto sobre a herança, mas também com relação a outros tributos, devendo ser analisado e estudado cada caso específico, de forma a se obter a otimização dos resultados.
Todo esse panorama jurídico atual, anteriormente inexistente, demonstra a necessidade de se efetivar um planejamento integrado, multidisciplinar (familiar, societário e fiscal), capaz de solucionar os principais problemas da empresa, em especial aqueles de ordem sucessória, evitando-se que conflitos familiares internos destruam ou dificultem a sobrevivência da empresa. Destarte, um bom planejamento sucessório pode ser a saída para se poupar tempo e recursos no caso de falecimento de alguém da família.
A escolha do tipo de planejamento sucessório vai depender do patrimônio acumulado e, dadas as proporções, é interessante para qualquer valor de patrimônio. Dependendo do caso concreto, poderá ser viabilizada desde a elaboração de um simples testamento até a criação de holdings familiares mais complexas. Obviamente, não existe uma fórmula pré-estabelecida para o planejamento sucessório. Cada caso terá uma solução única, criada exclusivamente para atender aos interesses específicos do empresário.
Destacam-se, nesse contexto, as formas de transferência de bens aos herdeiros dentro de um planejamento sucessório. Suas formas são: inventário, doação de bens em vida, inventário de quotas ou ações e doação de quotas ou ações com cláusula de usufruto. A primeira opção - inventário de bens - é a mais dispendiosa, a mais demorada, mas também a mais comum, justamente pela recusa de as pessoas lidarem com o assunto “morte” e admiti-la antes de sua ocorrência.
Indubitavelmente, é ainda a mais traumática do ponto de vista afetivo, pois não são raras as vezes em que o processo de inventário envolve discórdia entre os herdeiros pela partilha de bens. De se destacar o valor a ser gasto com o inventário, que pode ser muito elevado em face das custas processuais e, principalmente, do imposto de transmissão causa mortis, que necessariamente incidirá na transferência dos bens.
A segunda hipótese - doação dos bens em vida - futuramente poderá incorrer na primeira, eis que, em decorrência do falecimento do doador, o herdeiro que o recebeu em vida poderá ter que discutir a validade da doação em juízo. Mesmo que a doação seja gravada com cláusula de usufruto, em termos tributários não haverá qualquer economia, pois os herdeiros terão que suportar os impostos incidentes sobre a transferência dos bens imóveis.
As vantagens do planejamento sucessório delineiam-se com as duas últimas opções, envolvendo transferência de bens para uma empresa. Os bens integralizados serão "substituídos" por um determinado número de quotas ou ações representativas de seus valores. Em caso de falecimento, haverá economia tributária e diminuição de litígios entre os herdeiros, pois a partilha não recairá sobre os bens especificamente, mas sim sobre as quotas ou ações representativas do valor dos bens, não havendo incidência de alguns impostos.
A mais econômica opção é a transferência de bens para a empresa e posterior doação das quotas ou ações aos herdeiros com cláusula de usufruto (cuidando o doador de reservar para si, expressamente, o direito de voto, conforme o caso), na medida em que, por ocasião do falecimento, a titularidade das quotas ou ações será transferida automaticamente aos herdeiros.
O doador continuará com a posse e com a efetividade das quotas ou ações, estando na completa gestão dos negócios. Enquanto o doador estiver vivo, será como se nenhuma doação tivesse ocorrido, sendo que por ocasião do falecimento não será necessário abrir processo de inventário, bastando o registro do atestado de óbito na Junta Comercial com a alteração contratual ou, no caso de uma sociedade anônima, apenas o arquivamento do atestado na própria sociedade e averbada a transferência efetiva nos livros da sociedade.[5]
A organização e o planejamento do processo sucessório são imprescindíveis. Sem isso, os prejuízos podem ser enormes, o que ocorre quando o processo sucessório se dá de forma inesperada ou repentina, muitas vezes após a morte do fundador. Nesses casos, a estrutura organizacional entra em crise, em função da mentalidade dos herdeiros e gestores da empresa, que geralmente se relacionam de maneira conflituosa. Neste momento, as conseqüências podem determinar a morte da empresa, em função de uma perda de identidade formada durante anos frente aos empregados e ao mercado. A esse respeito, Lodi[6] afirma que “freqüentemente o fundador se dedica muito a erguer seu império e se esquece de preparar os filhos. É nessa segunda geração que se inicia a disputa pelo poder, em geral porque existem vários herdeiros que nem sempre conseguem crescer juntos em harmonia”. De acordo com Cohn[7], “o processo sucessório, quando mal administrado, pode resultar em graves conseqüências, tais como: Membros qualificados da família desligam-se dos negócios por nunca terem tido a oportunidade de utilizar sua qualificação na empresa; Filhos e empregados mal preparados para o papel de liderança; Proprietário que não tem a devida percepção das opções disponíveis; Proprietário que não deseja abrir mão do controle; Família que sofre significativa perda financeira, não em virtude de tributação, mas de falta de planejamento”.[8]
V. O HERDEIRO NO PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO E OS REGIMES DO DIREITO DE FAMÍLIA NAS SOCIEDADES
Escolha do herdeiro
Uma das diversas vantagens do planejamento sucessório está em preparar a transmissão de bens e decidir em vida com qual herdeiro ficará a direção dos negócios. E pensando no futuro busca-se a redução dos tributos e custos, além dos desgastes entre os herdeiros, tranqüilizando tanto o titular dos bens quanto quem o sucede. A escolha do herdeiro e sua preparação para gerência da empresa é possível. Porém, adequar uma empresa para um herdeiro pode ser desastroso. Aconselha-se, nesses casos, a contratação de técnicos gabaritados para assumir os cargos de que a empresa necessite.
O pior dos pecados que um empresário geralmente comete é concentrar em si próprio todo o controle ou todas as informações vitais ao negócio. É preciso olhar sempre adiante, descentralizar as informações e/ou conhecimentos técnicos da companhia, para que, na ausência dessas pessoas, o negócio possa continuar fluindo e a própria empresa não seja colocada em risco. Quanto mais descentralizados a administração e os processos operacionais, menor será o impacto sofrido pela empresa por conta da ausência de qualquer de seus membros.
Assim sendo, organizações que almejam a longevidade não podem ter administradores ou funcionários insubstituíveis. A profissionalização é um instrumento muito útil, elegendo técnicos para ocuparem cargos estratégicos ou de confiança. Evita-se, destarte, a inclusão de um herdeiro pouco preparado, o qual, sem sintonia com a empresa, pode vir a interferir na administração de forma desastrosa, levando à descontinuidade dos negócios e, em determinados casos, à redução patrimonial e do valor de mercado da sociedade.
Saliente-se que o planejamento sucessório não busca afastar a família da administração da empresa, nem tampouco abandonar princípios que a acompanham desde a sua fundação, mas sim obter uma gestão mais eficaz. Obter isso dentro da continuidade consangüínea é uma proeza para poucos.
O cônjuge supérstite
Mulheres mais independentes economicamente, maridos mais presentes na vida dos filhos, aumento dos acordos pré-nupciais, e a crescente preocupação com o regime de bens no casamento e com a organização da empresa familiar. Essas são as novas configurações sociais e culturais amparadas pelo novo Código Civil, que trouxe muitas mudanças importantes como o reconhecimento dos direitos do cônjuge como herdeiro. O novo Código Civil, ao incluir o cônjuge supérstite na condição de herdeiro legítimo ou necessário do falecido, acenou com interessantes alternativas para o planejamento sucessório patrimonial, em especial para os casados nos regimes da comunhão parcial de bens e da separação absoluta de bens.
No regime anterior, havendo herdeiros necessários (ascendentes ou descendentes) o cônjuge sobrevivente estaria excluído da sucessão, salvo se houvesse testamento em seu favor. E mesmo assim, na hipótese de haver testamento, em face das limitações da reserva aos herdeiros legítimos, no máximo 50% dos bens de um cônjuge poderia ser transmitido por sucessão testamentária ao outro.
Nos dias de hoje, no entanto, é possível que o cônjuge disponha de seus bens de maneira mais livre, de forma que parte mais substancial do seu patrimônio, quando do falecimento, seja transmitido ao consorte sobrevivente. Não obstante, por força do novo Código Civil, essa situação antes descrita, limitante do exercício do controle societário, pode ser significativamente alterada, se assim for a vontade do casal, sendo possível conservar o controle da empresa nas mãos do consorte sobrevivente ao invés de diluí-lo entre filhos e netos, ou mesmo entre pais e avós do falecido.
Regimes de Direito de Família nas sociedades
De acordo com as recentes alterações no conceito de controle societário provocadas pelo advento do novo Código Civil, nas sociedades por ações, como regra geral, o controle é exercido pela maioria absoluta do capital social (o que corresponde a 50% das ações com direito a voto, mais uma); nas sociedades limitadas, como regra geral, face à nova lei, o controle é exercido por sócios detentores de ¾ (três quartos) do capital social.
Isso afeta bastante as sociedades já constituídas. Um sócio que detinha o controle societário com 51% do capital social, deixou de tê-lo e agora precisa de mais 24% de votos para, simplesmente, alterar o endereço da sede social, por exemplo.[9] Porém, a forma de se contornar essa situação está baseada na celebração de acordos de voto em bloco.
Assim dito, a importância do regime de casamento para as sociedades está no poder de controle. Dependendo do regime de casamento, ficará mais fácil ou mais difícil a aquisição do controle.
Neste tocante interessa mais de perto a questão do planejamento sucessório com o objetivo maior de, sendo da vontade dos cônjuges, concentrar o poder de controle no cônjuge sobrevivo.
Assim, hodiernamente, pode-se dispor, no regime universal de bens, 25% da totalidade patrimonial, sendo que outros 25% são dos herdeiros necessários. A outra metade (50%) pertence já ao cônjuge sobrevivente como meação.
Dessa combinação de fatores, e, por exemplo, nomeado também o cônjuge sobrevivente como herdeiro testamentário da totalidade das quotas disponíveis de uma sociedade limitada, resulta que o sobrevivo passaria a ser quotista majoritário da sociedade limitada, detendo mais da metade do capital social.
Ele terá votos suficientes, destarte, para aprovar toda e qualquer matéria objeto de deliberação societária, excetuadas as previstas no artigo 1.071, V e VI, do Código Civil, ou seja, a modificação do contrato social e a incorporação, a fusão e a dissolução da sociedade ou a cessação do estado de liquidação.
Veja-se, sob esse prisma, que, se fosse apenas um o descendente e sendo o sobrevivo herdeiro testamentário de 25% dos bens do de cujus (em regime universal de bens), chegará ele ao controle de ¾ do capital social (50% da meação mais 25% da parte testamentária disponível) o que configurará a maioria qualificada de votos, permitindo a ele o controle quase que absoluto das questões deliberativas.
Se o regime fosse de separação de bens e não houvesse testamento ou qualquer planejamento sucessório, o cenário seria muito diferente, variando drasticamente o poder de controle.
Neste, disponível seria 50% e a outra metade seria dividida entre os herdeiros necessários (lembre-se da inclusão da mulher como herdeira necessária), variando a quantidade de filhos, varia-se a quantidade de poder, podendo, em uma sociedade anônima, por ter um quorum maior (3/4 para o poder de controle), não haver um controlador, ou até mesmo se perder o controle da empresa.
Logo, fica evidente, em face das novas disposições do Código Civil, a necessidade de maior reflexão, em face da estratégia a ser adotada no planejamento sucessório, por parte dos cônjuges sócios.
VI. UTILIZAÇÃO DA GOVERNANÇA CORPORATIVA COMO INSTRUMENTO DE PLANEJAMENTO E GESTÃO EMPRESARIAL.
Para se implementar práticas de governança corporativa deve-se ressaltar o objetivo da empresa, os critérios para a tomada de decisão e a avaliação de seu próprio desempenho. Empresas com boa governança são mais procuradas pelos investidores, uma vez que os custos de capital são mais reduzidos e os seus papéis valorizados. Além disso, um sistema de governança corporativa eficiente aumenta o fluxo de caixa.
A adoção de boas práticas de governança aprimora tanto o processo decisório da alta gestão, quanto o sistema de avaliação de desempenho dos executivos, além de diminuir a ocorrência de fraudes e corrupção, construindo uma imagem muito melhor da companhia como instituição forte e segura para investimentos. São princípios de boa prática de governança corporativa, importantes na atuação das empresas familiares no mercado: transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa.
Uma das alternativas para aprimorar a boa governança reside em se criar um family office, ou seja, uma estrutura familiar administradora dos ativos patrimoniais. Nessa estrutura de apoio, visa-se suprir as necessidades individuais e também proteger o patrimônio. Além disso, tem-se por objetivo estruturar a transferência de ativos para as próximas gerações.
Compreende-se por family office o local em que a família administra sua vida pessoal como pagamento de contas pessoais e de compras. Além disso, nesses family offices são criadas regras de relacionamento, que são tão importantes quanto um estatuto social de uma empresa, na medida em que definem regras básicas de utilização de recursos, de representatividade externa e da remuneração dos familiares.
Torna-se, portanto, importante pilar da boa governança, tranqüilizando as relações societárias e garantindo a perpetuação do patrimônio da empresa.
Governança Corporativa no Brasil
O modelo atual de governança nas empresas brasileiras não tem atraído investidores a aplicarem os seus recursos e nem tem incentivado as empresas a adorarem as melhores práticas de governança. A explicação está no chamado “circulo vicioso” da Governança Corporativa (GC) no Brasil, caracterizado pelo baixo incentivo para adoção de boas práticas de GC, aliado com as práticas prejudiciais para com os sócios minoritários, o que tem provocado instabilidade econômica e desvalorização da companhia. Disso decorrem prejuízos para abertura de capital e captação de recursos com a emissão de novas ações, bem como o distanciamento das empresas em relação ao mercado de capitais. Conseqüência desse distanciamento é a falta de investimento na adoção de boas práticas de GC.
Assim, preocupados com os rumos de governança do Brasil, por iniciativas institucionais e governamentais passou-se a adotar uma série de medidas para tentar quebrar o círculo vicioso. Existem dois tipos de iniciativas, a de adequação, como a Lei das Sociedades Anônimas, os códigos de GC do IBGC e da CVM e os níveis diferenciados de GC da Bovespa. O outro tipo de iniciativa é o de financiamento, sendo esse consubstanciado nas novas regras da Secretaria de Previdência Complementar (SPC) – Res. 3121, no programa de incentivo à Adoção de Práticas de GC do BNDES, Projeto de Lei do FGTS (PLS nº 247/2002), e no plano Diretor de Mercado de Capitais e o Código de Auto-Regulamentação da ANBID. [10]
Com esses incentivos, espera-se uma maior proteção aos investidores, que, em virtude da adoção de melhores práticas de governança, pagam um preço maior pelas ações e títulos da companhia. Com isso, naturalmente reduz-se o custo de capital das empresas e sofistica-se o mercado de capitais, pois essa se torna a melhor alternativa de capitalização das empresas, aumentando-se, assim, o incentivo para adoção de boas práticas de GC, sendo esse o círculo virtuoso proposto ao Brasil.
Governança das empresas familiares
O objetivo da GC é maximizar o valor de longo prazo da empresa. Para tanto, podem ser instituídas uma série de medidas visando administrar três espécies de relações: familiar, patrimonial societário e empresarial.
Nessas esferas inter-relacionadas busca-se amenizar os conflitos e administrar satisfatoriamente as suas diferenças. De início, com a criação da empresa estão confundidas essas três esferas em um único setor. Entretanto, após as transições de geração e a evolução da empresa, tornam-se evidentes e diferentes; porém, sempre interligadas.
Observe-se que as relações de poder, influência e interesses em cada esfera (patrimonial, familiar e empresarial) precisam de um fórum específico para discussão e busca de soluções próprias de sua área.
Portanto, tem-se um instituto próprio para cada setor, objetivando a concentração de discussões e a eficiência da companhia: o Conselho Família, para a esfera familiar, o Conselho de Administração, para a esfera patrimonial e, por fim, a Diretoria Executiva, para escolher as melhores soluções dentro da esfera empresarial.
O Conselho de Família tem por função administrar o cotidiano das famílias empresárias, unificando os interesses familiares, sendo que por ele se busca promover a comunicação eficaz entre os familiares. Com o Conselho de Família evita-se a discussão – e a confusão – dos problemas familiares na agenda da empresa, melhorando – e desafogando – sobremaneira a pauta de reuniões e concentrando em cada instituto a solução de seus próprios problemas.
Ou seja, a finalidade do Conselho de Família é administrar a complexidade dos negócios e atender às necessidades dos familiares.
Na prática, opera-se geralmente por meio de acordo de acionistas, composto de 4 a 10 membros (1 ou 2 membros de cada núcleo ou grupo familiar), sendo o presidente eleito entre os integrantes. O seu bom funcionamento pressupõe algumas características como local próprio fora da empresa, a existência de uma secretária para registro das decisões e sistema de informações, reuniões regulares (mensal, bimestral ou trimestral) com atas registradas e distribuição prévia dos documentos, pauta anual de reuniões e regimento interno contemplando os objetivos e atribuições de cada membro dentro da empresa.
O Conselho de Administração possui papel de destaque na GC, pois serve para harmonizar as relações entre acionistas e gestores. Assim sendo, sua função é fixar a orientação geral dos negócios da companhia, definindo os mecanismos de eleição e destituição dos diretores e de auditores independentes (se houver), bem como fiscalizar a gestão, analisar assuntos específicos e definir a política de remuneração dos executivos.
O Projeto IBGC/CIPE (Improving Corporate Governance in Brazilian Family Businesses) estudou casos de governança em empresas familiares de sucesso. As peculiaridades de cada caso, bem como os caminhos trilhados por cada empresa, servem como rumo à boa governança para tantas empresas brasileiras.
Código das Melhores Práticas de Governança do IBGC
Definição de governança corporativa pelo Código das Melhores Práticas de Governança do IBGC: “É o sistema pela qual uma sociedade é dirigida e monitorada, envolvendo o relacionamento entre Acionistas / Cotistas, Conselho de Administração, Diretoria, Auditoria Independente e Conselho Fiscal. As boas práticas da governança corporativa têm como finalidade aumentar o valor da sociedade, facilitar seu acesso ao capital e contribuir para sua perenidade.” [11]
Com efeito, a prática surgiu para superar o problema de “conflito entre agências”, que surge a partir do fenômeno que separa a propriedade da gestão empresarial. O “principal”, titular da propriedade, delega ao “agente” o poder de decisão sobre essa propriedade. A partir daí surge conflito no qual os interesses do primeiro divergem dos interesses do segundo. A preocupação maior, assim, é criar um mecanismo eficiente para que o comportamento dos executivos esteja alinhado com o dos acionistas.
Dessa feita, a governança corporativa surgiu como possibilidade de proporcionar aos proprietários – sendo acionistas ou cotistas – uma gestão estratégica de sua empresa e efetiva monitoração da direção executiva.
É certo que a gestão corporativa deve estar aliada a um negócio lucrativo e bem administrado, para que a administração torne-se ainda mais efetiva. A boa governança corporativa é sustentada pela transparência, pela equidade e pela prestação de contas (accountability). Por transparência, entende-se que a administração deve não somente ter a obrigação de informar, mas também o desejo de informar.
A boa comunicação interna e externa resulta em relação de confiança: internamente e com outras empresas. Portanto, a comunicação deve abranger, além do aspecto econômico financeiro, fatores que norteiam a ação empresarial e a criação de valores. Por equidade tem-se o tratamento justo e igualitário dispensado a todos os grupos minoritários, sendo que políticas discriminatórias, sob quaisquer pretextos, são inaceitáveis. Por fim, a prestação de contas é um dever dos agentes da governança corporativa para com aqueles que os elegeram. Esses agentes respondem por todos os atos que praticarem durante o exercício do cargo.
Ressalte-se que o Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) propõe uma série de medidas para uma boa governança. Propõe-se, por exemplo, que as sociedades familiares implementem um Conselho de Família para discussão de assuntos familiares e organização das expectativas em relação à sociedade. Dentre as principais práticas do Conselho de Família estão: definir limites entre interesses familiares e empresariais; preservação dos valores familiares (história, cultura e visão compartilhada); definir e pactuar critérios para proteção patrimonial, crescimento, diversificação e administração de bens mobiliários e imobiliários; planejamento de sucessão, transmissão de bens e herança; visão da sociedade como fator de agregação e continuidade da família; tutela aos membros da família com referência à sucessão na sociedade (aspectos vocacionais, futuro profissional e educação continuada); e definir critérios para indicar membros para compor o Conselho de Administração.
Quanto ao conselho da sociedade deve ser formado, em sua maioria, por conselheiros independentes, contratados por meio de processos formais com escopo de atuação e qualificação bem-definidos.
O conselheiro independente se caracteriza por: não ter qualquer vínculo com a sociedade, exceto eventual participação de capital; não ser acionista controlador, membro do grupo de controle, cônjuge ou parente até segundo grau destes, ou ser vinculado a organizações relacionadas ao acionista controlador; não ter sido empregado ou diretor da sociedade ou de alguma de suas subsidiárias; não estar fornecendo ou comprando, direta ou indiretamente, serviços e/ou produtos à sociedade; não ser funcionário ou diretor de entidade que esteja oferecendo serviços e/ou produtos à sociedade; não ser cônjuge ou parente até segundo grau de algum diretor ou gerente da sociedade, e não receber outra remuneração da sociedade além dos honorários de conselheiro (dividendos oriundos de eventual participação no capital estão excluídos desta restrição).
Assim sendo, o conselheiro deve buscar a máxima independência possível em relação ao acionista, grupo acionário ou parte interessada que o tenha indicado ou eleito para o cargo, consciente de que, uma vez eleito, sua responsabilidade refere-se ao conjunto de todos os sócios. Para empresas abertas é recomendável que todos (ou a maioria) dos membros sejam independentes. Já nas empresas fechadas, com controle familiar, pode haver alguns membros não independentes.
Se um conselheiro identificar pressões ou constrangimentos do acionista controlador para o exercício de suas funções, deve ele assumir uma conduta de independência ao votar ou, se for o caso, renunciar ao cargo. Por fim, observe-se que o conselheiro independente que esteja há vários anos em uma mesma sociedade deve avaliar se sua independência permanece intacta.
Os conselheiros devem atender aos seguintes requisitos: capacidade de ler e entender relatórios gerenciais e financeiros; ausência de conflito de interesses; alinhamento com os valores da sociedade, conhecimento das melhores práticas de governança corporativa; integridade pessoal; disponibilidade de tempo; motivação; capacidade para trabalho em equipe; e visão estratégica.
Uma última ponderação a ser fazer é sobre o código de conduta que, dentro do conceito de melhores práticas de governança corporativa, toda sociedade deve ter.
Deve o código de conduta comprometer administradores e funcionários, sendo elaborado pela Diretoria em atenção aos princípios e políticas definidos pelo Conselho de Administração. O código de conduta deve também definir responsabilidades sócio-ambientais. O código de conduta deve abranger o relacionamento entre conselheiros, sócios, funcionários, fornecedores e demais partes relacionadas (stakeholders). Conselheiros e executivos não devem exercer sua autoridade em benefício próprio ou de terceiros.
O código de conduta deve tratar, principalmente, dos seguintes temas: cumprimento das leis e pagamento de tributos; pagamentos ou recebimentos questionáveis; conflito de interesses; informações privilegiadas; recebimento de presentes; discriminação no ambiente de trabalho; doações; meio ambiente; assédio moral ou sexual; segurança no trabalho; atividades políticas; relações com a comunidade; uso de álcool e drogas; direito à privacidade; nepotismo; exploração do trabalho adulto ou infantil; política de negociação das ações da empresa; processos judiciais e arbitragem; mútuos entre partes relacionadas; e prevenção e tratamento de fraudes.
VII. CONCLUSÃO
Objetivamos neste breve estudo elucidar os principais aspectos pertinentes ao moderno tema de planejamento sucessório familiar e empresarial.
No atendimento desse escopo procuramos analisar os seguintes pontos: (i) a proteção legal do patrimônio familiar e societário por meio do desenvolvimento de estruturas societárias com o objetivo de preservar a continuidade do negócio e defender os interesses dos sócios, mantendo coesos grupos familiares que participem de uma mesma sociedade; (ii) os institutos de direito de família e as regras de sucessão do Novo Código Civil no que interessa à proteção legal do patrimônio familiar e societário; (iii) os impactos da sucessão na gestão e proteção patrimonial; (iv) os fatores a serem ponderados para a eleição do herdeiro no planejamento sucessório e os regimes do direito de família nas sociedades; e a (v) utilização da governança corporativa como instrumento de planejamento e gestão empresarial.
Tal análise foi realizada de forma fiel ao texto legal e à interpretação dominante que lhe é dada por Doutrina e Jurisprudência. [1] Gomes, Orlando. O novo direito de família. Porto Alegre: Fabris, 1984, p. 16. [2] Beviláqua, Clóvis. Direito de família. Recife: Livraria Contemporânea, 1905, p. 248. [3] Leite, Eduardo de Oliveira. Do direito das sucessões. (Arts. 1784 a 2027). Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 220. [4] Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.
Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.
Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.
[5] Luz, Ilo Löbel da. Texto: Planejamento sucessório permite economia tributária. Kümmel & Kümmel Advogados Associados. [6] Lodi, João Bosco. O fortalecimento da empresa familiar. São Paulo: Pioneira, 1993. p.14
[7] Cohn, Mike. Passando a tocha: como conduzir e resolver os problemas de sucessão familiar. São Paulo: Makron Books, 1991. p.17.
[8] Leone, Nilda Maria de Clodoaldo Pinto Guerra. Sucessão na empresa familiar: preparando as mudanças para garantir sobrevivência no mercado globalizado. São Paulo: Atlas. 2005.p.47/51. [9] Ressalte-se que os juristas vêm debatendo se a nova regra sobre a mudança do poder de deliberações aplica-se somente para as sociedades limitadas constituídas após a entrada em vigor do novo Código Civil ou se é regra geral. Não há consenso nessa discussão.
[10] Silveira, Alexandre Di Miceli da. Material didático do curso de pós-graduação da FGV de 2005 [11] Excerto da apresentação do Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa. |