126 - Desembargador Dimas Ribeiro da Fonseca: magistratura e jurisdição de 1912 a 1982 (*)

 
ANTONIO RULLI JUNIOR - Desembargador
 

“Dimas é muito dessa consciência histórica de magistratura e jurisdição”

 

Sumário:

 I. Introdução. II. Magistratura. III. Jurisdição. IV. Conclusão. Bibliografia.

 

I Introdução

O convite para escrever na presente obra ESTUDOS EM HOMENAGEM AO DESEMBARGADOR DIMAS RIBEIRO DA FONSECA muito me honra e ao pensar no que poderia escrever sobre o homenageado, me veio à mente a idéia da instituição da magistratura e da justiça, como principal característica de quem sempre foi justo, porque teve como único prêmio a própria justiça (JUSTITIA GRATIA JUSTITIAE): A JUSTIÇA É PRÊMIO DA PRÓPRIA JUSTIÇA.

 

Recordo-me que a primeira vez que ouvi falar do Colega Dimas foi na década de oitenta, quando era Juiz de Direito na Capital, em São Paulo.

 

Dimas estava associado a Rondônia, meu Estado natal (quando ainda nem existia o Território Federal do Guaporé). Alguém que deixava sua Cidade de Guadalupe no Piauí, passando por Minas Gerais onde fez a graduação e o Doutorado em Criminologia na Universidade Federal, Professor em Unai (MG) e Brasília, onde também foi professor universitário no Centro Universitário de Brasília (CEUB), na Universidade do Distrito Federal e Promotor de Justiça do Ministério Público dos Territórios, predestinado a ser Presidente do Tribunal de Justiça de Rondônia, nas longínquas paragens do Forte do Príncipe da Beira, na Comarca de Costa Marques, nas margens do Rio Guaporé, no extremo da nossa fronteira ocidental.

 

Nosso comum amigo, meu compadre Desembargador Cândido Rangel Dinamarco, falava de Dimas como colega exemplar da nossa amazônia ocidental, que ligava sua cultura do Piauí a cultura jurídica de uma região em desenvolvimento: unia a tradição legada em Campo Mourão à modernidade de Porto Velho, revelando-se mais moderno do que antigo.

 

Esta modernidade de magistratura e jurisdição é o seu traço, é o seu legado, representando muito do que sempre acrescentou ao Estado de Rondônia pela dedicação impar à Magistratura e à Jurisdição.

 

Portanto, falar do ora homenageado é falar de Instituição, é falar de Justiça, é falar do homem justo que combateu o bom combate e guardou a fé. Não aquele homem justo que causa tanto horror quanto os criminosos (Joaquin Dualde), mas o homem justo, da arte do bom e do eqüitativo.

 

II Magistratura

Não podemos nos esquecer que em 13 de setembro de 1943 foi criado por Getúlio Vargas o Território Federal do Guaporé, desmembrado do Estado de Mato Grosso e cuja instalação ocorreu em 24 de janeiro de 1944 (in Memória Judiciária, história judiciária de Rondônia no século XX, Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, Nilza Menezes, Gráfica do TJ/RO, 1999, pp. 57 e seguintes).

 

O Território se transformou em Estado recebendo o nome de Rondônia, em homenagem mais que merecida ao Marechal Cândido Mariano Rondon.

Até a criação do Território Federal, Rondônia tinha a sua Justiça organizada pelo Tribunal de Apelação do Estado de Mato Grosso, criado em 1874, juntamente com o de São Paulo (hoje designados de Tribunal de Justiça).

 

A organização da magistratura começa, por assim dizer, com a implantação do poder político do Juiz, na Comarca de Humaitá, em 1894. A cidade de Humaitá foi criada em 1890 e sua comarca em abril de 1891, que centralizava todo o atendimento judiciário do baixo Rio Madeira, com jurisdição até o povoado de Santo Antonio do Rio Madeira, só se modificando essa situação quando da criação da Comarca de Santo Antonio em 1914.

 

Aparece como primeiro Juiz da Vila de Santo Antonio e Guajará-Mirim, em 1912, o Dr. João Chacon (03/8/1912).

 

A história da Magistratura está intimamente ligada à ocupação do território e ao exercício da Jurisdição pelo Juiz.

 

Na ocupação havia a preocupação sempre presente de se estender a justiça aos rincões mais distantes do território.

 

O Tratado de Madri, subscrito em 13 de janeiro de 1750, conduzido pelo magnífico brasileiro de Santos, Alexandre de Gusmão, irmão de Teotônio de Gusmão, que empresta seu nome à cachoeira do Teotônio, no Rio Madeira, acaba incluindo Rondônia no nosso território, o que determinou a criação, posteriormente, do Forte do Príncipe da Beira (preciosidade histórica de Rondônia), nas margens do Guaporé, onde é hoje a Comarca de Costa Marques. Pelo Tratado de Madri o Brasil ganha sua configuração geográfica que temos nos dias atuais, sendo marco de repúdio aos tratados e as pretensões anteriores, a começar pelo Tratado de Tordesilhas. A fronteira fora declinada na foz do Jauru para o Madeira-Mamoré, a ligar-se com o Amazonas na região dos Carmelitas portugueses, ao sul, e pelo curso do Japurá ao norte. O tratado assegurou a nossa amazônia ocidental, como fórmula de garantia da paz entre Espanha e Portugal, a paz perpétua sonhada pelo Abade de Saint Pierre em 1740.

 

Rondônia nasce da simbologia da paz e da cultura, do amor ao direito e à justiça, que tem sido o DNA de sua Magistratura, tão bem representada pelo nosso homenageado.

 

E por quê? Por uma simples questão de direito e de justiça.

 

O princípio do “uti possidetis” não foi introduzido na diplomacia luso-brasileira por Alexandre de Gusmão com o Tratado de 1750, mas a ele se deve a glória de ter feito a fórmula pacificadora da justiça “uti possidetis de facto” e não “de iure”, ou seja de acordo com convenções e tratados sem conseqüências territoriais e nem realidade histórico-cultural (in Pedro Calmon, História do Brasil, Volume IV, 2ª., Edição, Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1963, pp. 1137 a 1146).

 

Dimas é muito dessa consciência histórica de magistratura e de jurisdição.

 

O Poder Judiciário foi instalado em 1912, no auge do ciclo econômico da borracha, começando ai a história da magistratura de Rondônia.

 

O Estado foi criado pela lei nº41, de 22 de dezembro de 1981 e a mesma lei criou o Poder Judiciário, instalado em 04 de janeiro de 1982.

 

O Desembargador Dimas tomou posse no cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça de Rondônia em 19 de março de 1982 e no biênio 1990/1992 tomou posse como Desembargador Presidente do Tribunal.

 

Na sua gestão, seguindo a continuidade administrativa e política, ampliou-se o atendimento do Juizado Especial nos bairros da Comarca de Porto Velho, além de instalação de Comarcas no Interior do Estado.

 

A continuidade administrativa possibilitou nas gestões seguintes a implantação de avançado projeto de informatização do Poder Judiciário, constituindo-se em exemplo a ser seguido. O objetivo é a melhora no funcionamento da estrutura administrativa.

 

A magistratura organiza-se com as criações e instalações do Tribunal de Justiça e Tribunal Regional Eleitoral, porque até então era atendida por juízes temporários e por dois juízes territoriais, um em Porto Velho e outro em Guajará-Mirim.

 

Com a edição do Decreto-Lei nº8, de 25 de janeiro de 1982, foram criadas as Comarcas de Porto Velho, terceira entrância; Ariquemes, Ji-Paraná, Vilhena, Guajará-Mirim, Cacoal e Pimenta Bueno, segunda entrância e Jaru, Ouro Preto do Oeste, Presidente Médici, Espigão do Oeste e Costa Marques, entrância inicial.

 

O primeiro concurso de ingresso na carreira da magistratura teve o seu termo de posse lançado em 26 de julho de 1982.

 

O homenageado representa o lado vivo e humano dessa Magistratura valorosa, respeitada por todos nós brasileiros, que sempre esteve presente, sendo capaz de adequar os interesses nos momentos políticos e econômicos, apesar das críticas injustas da mídia.

 

III Jurisdição

 

Falamos na organização e estrutura da magistratura de Rondônia e, como conseqüência, aflora a atividade jurisdicional do magistrado homenageado.

 

A jurisdição tem seu fundamento de legitimidade na ética, na cidadania e na democracia.

 

A estrutura da jurisdição é, assim, a autoridade ética, como prevalência e marca da postura das ações e das decisões dos Juizes.

 

A sociedade se caracteriza pela autoridade, pelo poder do agente político, autoridade que decorre de autoria, autoria do poder político, que nada mais é do que a base moral de uma organização hierarquizada, respeitada por sua imparcialidade. Autoridade que advém da organização judiciária que começou em 1912 e se aperfeiçoou em 1982.

 

Temos que considerar que nesse tempo os magistrados estiveram em comarcas e regiões de difícil acesso e com a sua dedicação, o seu sacrifício e trabalho, as populações locais foram atendidas, respeitando-se a peculiaridade de cada comunidade, nas centenas de vilarejos espalhados pelas margens dos rios. A autoridade ética que adveio pelo lado mais pedagógico da jurisdição, com a realização de atos que tudo organiza, criando ordem jurídica que disponibiliza o atendimento de todos. Com certeza Mariazinha e Joãozinho estarão mais interessados em saber seu direito, do que nas doutrinas dos Doutos ou a sabia jurisprudência dos Tribunais. Falar sobre Carnelutti, Chiovenda ou Wach nada significará. Mas, se o Juiz na decisão deixa claro qual o direito, de tal modo que possam entender, estará atingido o poder de dizer o direito, ensinando a arte do justos.

 

Rondônia tem as suas características de jurisdição diferente de São Paulo ou de qualquer outro Estado.

 

Mas, Rondônia tem os princípios gerais no exercício da jurisdição. Assim, não podemos pensar em autoridade sem ética, pois, poderíamos cair no autoritarismo.

 

O autoritarismo que condenamos na mídia que se contenta em dar interpretação ao fato na versão que mais lhe convenha. Na política vale a interpretação que se dá ao fato, ao contrário, na jurisdição vale a interpretação que se dá ao fato qualificado pelo direito.

 

Não se pode interpretar o fato de forma aleatória , sem responsabilidade, sem ética, com o interesse mais voltado para o grupo e não no interesse da sociedade.

 

A jurisdição dá interpretação ao fato sempre dentro das normas do sistema legal, porque sua responsabilidade ética e social é com a cidadania e com a democracia.

 

Qual a razão do magistrado em se afastar do autoritarismo?

 

É por uma única razão, evitar o arbítrio, a arbitrariedade tendenciosa.

O apanágio da jurisdição é o viver honestamente.

 

A autoridade do magistrado não se afirma com o autoritarismo e nem com o arbítrio, porque a honorabilidade é o seu maior apanágio: o apanágio de viver honestamente.

 

A separação de funções é a representação do que é a imparcialidade, a ética que garante a cidadania, porque a concentração das funções nas mãos de um só agente leva ao arbítrio, negação de toda a ética, de toda cidadania e de toda democracia, com ameaça e lesões das liberdades fundamentais do indivíduo.

 

Esta imparcialidade é que torna possível uma justiça segura, célere, objetiva e eficaz na pacificação dos conflitos, evitando a justiça tardia.

 

A justiça tardia que não queremos porque não é justiça.

 

Mas, a jurisdição tem o seu tempo, que é diferente do tempo legislativo e é diferente do tempo da administração. O tempo da jurisdição, por exigir ética, tem seu fundamento no devido processo legal, no contraditório e na ampla defesa. Não queremos uma justiça tardia, mas também não queremos uma celeridade que desvirtue o próprio tempo da jurisdição.

 

A jurisdição é uma necessidade de pacificação que exige tempo, isenção, imparcialidade, independência, probidade e responsabilidade social, circunstâncias que não existem na mera interpretação política do fato, quando ocorre a parcialidade de apreciação que busca a satisfação dos interesses do próprio intérprete.

 

A postura da imparcialidade exige do Juiz equilíbrio emocional, vocação, sensibilidade e intuição.

 

A inteligência emocional decorre da natureza social do homem. O homem por sua vez é dotado de inteligência e vontade, o que o torna individualizado e marcado pelas diferenças individuais, tornando variável o relacionamento humano.

 

Por outro lado, não nos esqueçamos que a jurisdição é o lado interno da soberania e, portanto, poder nacional (Universalidade da Jurisdição, Antonio Rulli Junior, São Paulo, Ed. Oliveira Mendes, 1998).

 

A mesma jurisdição que vigora em Rondônia vigora em todo o território nacional (inciso XXXV, ao artigo 5º, da Constituição Federal).

 

A nossa jurisdição tem uma abrangência de fins e escopos, como alerta Cândido Dinamarco (in Instrumentalidade do Processo, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1987).

 

IV Conclusão

 

O exemplo de postura dado pelo nosso homenageado, Desembargador Dimas Ribeiro da Fonseca, faz-nos concluir que os fins últimos (distribuição da justiça) é a base da pretensão de legitimidade da jurisdição.

 

Os três fins distintos se caracterizam na finalidade política, social e jurídica.

A finalidade política deixa evidente que a justiça faz parte da política e a maior virtude da política é a justiça que nada mais é do que a afirmação da capacidade estatal de decidir imperativamente.

 

A finalidade social é a pacificação dos conflitos, confundindo-se com a atividade legislativa, por ser este o escopo fundamental de ambas.

 

A finalidade jurídica é a atuação concreta da vontade da lei e do direito.

 

A ética da jurisdição não está, assim, somente em razão de não lesar a ninguém (alterum non loedere), ou dar a cada um o que é seu (suum cuique tribuere), mas acima de tudo no viver honestamente (honeste vivere).

 

São Paulo, 08 de dezembro de 2006.

 

 

Bibliografia

CAPELLETI, Mauro. Juízes irresponsáveis? Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 1980.

DINAMARCO, Cândido Rangel Dinamarco. A Instrumentalidade do processo. São Paulo. Ed. Revista dos Tribunais, 1987.

DINIZ, Maria Helena. A ciência jurídica. São Paulo, Ed. Resenha Tributária, 1975.

GUIMARÃES, Mário. O juiz e a função jurisdicional. Rio de Janeiro, Editora Forense, 1ª ed., 1960.

RULLI JUNIOR, Antonio. Universalidade da Jurisdição, São Paulo, Ed. Oliveira Mendes, 1998.

 

Antonio Rulli Junior é desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Vice-diretor da Escola Paulista da Magistratura. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Mestre e doutor em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Presidente da 9ª Câmara de Direito Público e do 2º Grupo de Câmaras do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Professor titular de Direito Constitucional e Direitos Humanos do Curso de Graduação e Pós-graduação (stricto sensu) do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU).

 

(*) Publicado na obra “Estudos em Homenagem ao Desembargador Dimas Ribeiro da Fonseca do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia”.

 


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