109 - O STF e a gestão da ética pública diante do "mensalão"
RODRIGO CARNEIRO GOMES - Delegado Federal |
Em mais uma decisão histórica, em 19-10-2005, o STF ao julgar o pedido liminar no Mandado de Segurança 25579, caminhou a passos largos para a preservação dos padrões éticos do serviço público e da sua adequada gestão.
Embora o julgamento tenha ocorrido em sede de liminar, fato é que ao se negar a pretendida suspensão do processo disciplinar, instaurado perante a Câmara dos Deputados por quebra de decoro parlamentar, se reconheceu, diante de quem foi alta autoridade da administração pública federal, que o seu afastamento temporário, ainda que licenciado, não corresponde ao respectivo afastamento de suas obrigações de servidor público e, assim, de servidor à disposição do povo, para bem e no seu interesse servi-lo, remunerado que é pelos contribuintes.
“Decoro”, na concepção do Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa, v. 1.0, significa: “recato no comportamento; decência; acatamento das normas morais; dignidade, honradez, pundonor; seriedade nas maneiras; compostura; postura requerida para exercer qualquer cargo ou função, pública ou não.
A figura do decoro não existe apenas na seara parlamentar. Está presente no regime jurídico das Polícia Federal e Polícia Civil do DF (arts. 9º, V e 43, XXXVI da Lei nº. 4.878/65), no Estatuto dos Militares (ética militar das Forças Armadas, art. 28 da Lei nº. 6.880/80), dentre outros.
Segundo a Ministra Ellen Gracie, o autor da ação, na condição temporária de ministro, não estaria dispensado de guardar comportamento compatível com a ética do parlamento “até porque o conteúdo ainda impreciso deste conceito de decoro parlamentar não parece tolerar o tipo de comportamento que é imputado ao impetrante”.
Ainda conforme notícias do “site” institucional do STF, para o Min. Celso de Mello, “a ordem jurídica não pode permanecer indiferente a condutas de membros do Congresso Nacional ou de quaisquer outras autoridades da República que ajam, eventualmente, incidindo em censuráveis desvios éticos revestidos ou não de caráter delituoso no desempenho das elevadas funções que lhes são cometidas pelo povo brasileiro”.
O policial, mesmo considerado como um servidor público civil, por previsão legal, tem que adotar a figura da moral inatacável também nos atos da vida privada, o que, via de regra, devia valer para todos aqueles que desempenham um papel público relevante, autoridades públicas em geral, não limitados aos atos desempenhados em razão da função, mas com as mitigações necessárias dentro de uma razoabilidade e proporcionalidade constitucionais.
Na Lei nº. 8.112/90, ao contrário da Lei nº. 4.878/65, a apuração disciplinar só vai ocorrer quando houver responsabilidade por ato praticado “no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido” (art. 148), o que vai de encontro às modernas políticas de gestão de ética pública.
Ética é um conceito aberto tão indeterminado como o de “decoro”, mas que, em apertada síntese, em referência ao mencionado dicionário, significa “conjunto de regras e preceitos de ordem valorativa e moral de um indivíduo, de um grupo social ou de uma sociedade”.
Um dos Programas do Governo (anexo II do Plano Plurianual 2004-2007, nº. 1143) é a “Promoção da Ética Pública”, que contempla atividades voltadas para o monitoramento, avaliação, divulgação e gestão da ética pública e, como se percebe pela evolução do atual quadro político, deveras necessário e tardio. O programa está previsto na Lei nº. 10.933/2004, regulamentada pelo Decreto nº. 5233/94, e já serviu de base para julgamento de auditorias pelo TCU na Petrobras, na Comissão de Valores Mobiliários e no BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.
A partir desse julgamento histórico pelo STF, afastam-se as dúvidas quanto aos deveres éticos e funcionais dos servidores públicos, ainda que no gozo de licenças, férias ou outros afastamentos temporários ou preventivos, porque subsistente o vínculo com a Administração Pública.
A sociedade contemporânea exige muito mais de seus servidores públicos. Não mais se satisfaz com a publicização de atos e controles estatais. Quer que haja eficácia, eficiência, transparência, além de uma moralidade administrativa prevista no art. 37 da Constituição Federal mas por poucos aplicada. Estamos em tempos de gestão de ética pública. A ética como medida de bom atendimento, meio de melhorar a produtividade, de resgate da imagem do serviço público (“trust in government”) e de se portar habitualmente na vida privada.
Rodrigo Carneiro Gomes é delegado de polícia federal, pós-graduado em Processo Civil e pós-graduando em Segurança Pública e Defesa Social, professor da Academia Nacional de Polícia e chefe do Serviço de Apoio Disciplinar da Corregedoria-Geral do DPF. É ex-assessor de ministro do STJ. E-mail: rodrigo.rcg@dpf.gov.br
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