90 - Conceito de ordem pública e sua aplicação quando da homologação de sentença arbitral estrangeira
MARIO LUIZ ELIA JUNIOR - Advogado |
(Sumário: I. Considerações Introdutórias. II. A Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal antes do advento da Lei nº 9.307/96 e o conceito de ordem pública. III. O artigo 39 da Lei nº 9.307/96, a reação do Supremo Tribunal Federal e as contribuições para os futuros julgados do Superior Tribunal de Justiça. IV. Bibliografia Consultada)
I – CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS
Este breve estudo tem por finalidade a análise das inovações introduzidas no ordenamento jurídico brasileiro pelo artigo 39[1] da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1.996 (“Lei da Arbitragem”), o qual, ao disciplinar os requisitos necessários à homologação de sentenças arbitrais estrangeiras, estabelece que não será passível de homologação sentença de implique ofensa à ordem pública.
Tal inovação legislativa, bem como a conseqüente repercussão nos julgados do Supremo Tribunal Federal, deverão amparar os futuros julgamentos Superior Tribunal de Justiça a respeito da matéria, eis que, por conta da promulgação da Emenda Constitucional n.º 45/2004 (art. 105, I, “i”), esse E. Tribunal tornou-se o órgão competente para julgamento de ação de homologação de sentença estrangeira prolatada por juízo arbitral.
Observe-se que o parágrafo único do artigo 39 da Lei de Arbitragem dispõe que “não será considerada ofensa à ordem pública nacional a efetivação da citação da parte residente ou domiciliada no Brasil, nos moldes da convenção de arbitragem ou da lei processual do país onde se realizou a arbitragem, admitindo-se, inclusive, a citação postal com prova inequívoca de recebimento, desde que assegure à parte brasileira tempo hábil para o exercício do direito de defesa”.
Trata-se de avanço que, por um lado, representa um elemento que visa a dar maior efetividade à Lei nº 9.307/96, bem como ao meio de solução de conflitos por ela disciplinado. De fato, é indubitável que a regulação introduzida por tal diploma representa novidade que visa a prestigiar e tornar eficaz esse salutar meio de resolução de controvérsias.
Ademais, a arbitragem é freqüentemente adotada, em razão de suas características (maior rapidez, flexibilidade e possibilidade de eleição de um particular expert), em âmbito internacional, especialmente na seara comercial, sendo relativamente freqüentes os pedidos de homologação de sentenças arbitrais proferidas fora do Estado Brasileiro, antes formulados perante o Supremo Tribunal Federal e que agora o serão perante o Superior Tribunal de Justiça.
Nesse sentido, o avanço que será comentado nos parágrafos que seguem, ao ressalvar que a citação por via postal (ou por outro meio previsto na convenção de arbitragem ou na lei processual do país em que se realizou o procedimento arbitral) não poderá ser considerada ofensa à ordem pública nacional, permitirá certamente uma maior efetividade desse meio se solução de controvérsias, visto que as diferentes formas de citação não constituirão mais óbices à sua homologação e exeqüibilidade perante nosso ordenamento.
Assim, o entendimento antes vigente no Supremo Tribunal Federal (o qual será adiante analisado) não mais representará empecilho à eficácia dos laudos arbitrais estrangeiros perante a justiça brasileira.
Comunga desse mesmo entendimento o Prof. Carlos Alberto Carmona[2], respeitado especialista na matéria, ao afirmar que “para que tal orientação pudesse, pelo menos em matéria arbitral, criar emperramento insuperável ao reconhecimento dos laudos estrangeiros (eis que, especialmente, no comércio internacional, é preciso encontrar meios rápidos e eficazes para solucionas controvérsias, o que exclui, de modo absoluto, o emprego das malsinadas cartas rogatórias), foi inserido o parágrafo único do art. 39”.
Destacando a importância da finalidade tutelada com tal inovação, Irineu Strenger[3] assevera que “com muita freqüência homologações foram obstaculizadas por irregularidade formal de citação”.
Em segundo lugar, o avanço em questão representa, de certa forma, adequação à própria disciplina do Processo Civil Brasileiro, no qual já é possível a realização da citação pela via postal, ainda que determinada por autoridade judiciária sem jurisdição no local em que deva ser cumprida.
José Carlos de Magalhães destaca que o fundamento que embasa essa forma de citação no Processo Civil Brasileiro (prevista no artigo 222 do Código de Processo Civil) – a saber, a cooperação judiciária entre os Estados-membros – também justifica a admissão da citação postal, ainda que determinada por autoridade de outro país, desde que assegurado fique o pleno direito de defesa[4].
II. A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ANTES DO ADVENTO DA LEI Nº 9.307/96 E O CONCEITO DE ORDEM PÚBLICA
O tema que ora se aborda nesse estudo é conhecido de longa data do Supremo Tribunal Federal, o qual sempre adotou, nessa matéria, uma posição extremamente protetiva da ordem pública nacional. Para que se compreenda a razão de ser da orientação emanada de nosso Pretório Excelso antes da promulgação da Lei nº 9.307/96, mostra-se pertinente uma rápida menção ao conceito de ordem pública nacional e de seus delineamentos em matéria processual. A ordem pública é protegida em nosso ordenamento pelo artigo 17 da Lei de Introdução ao Código Civil, o qual dispõe: “as leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes”.
Trata-se de disposição agasalhadora de “sistema de limites, que abre ao STF, em certa medida, a possibilidade de examinar o conteúdo da sentença estrangeira, embora para fim diverso daquele que se tem em vista nos ordenamentos jurídicos em que se procede ao controle da justiça ou injustiça do julgamento. Aqui se visa, tão-somente, a recusar a colaboração da Justiça nacional para o cumprimento de decisões incompatíveis com os princípios políticos, éticos, sociais, que estão na base mesma da organização do Brasil como Estado”[5].
É delimitada, dessa forma, como “a situação e o estado de legalidade normal, em que as autoridades exercem suas precípuas atribuições e os cidadãos as respeitam e acatam”[6].
O conceito de ordem pública representa, portanto, um reflexo dos valores de determinada época e de certas culturas jurídicas, representando, assim, os valores que a moral vigente em nossa cultura jurídica considera fundamentais. Assim, tudo que se mostrar contrário a essa conformação moral básica será considerado contrário à ordem pública e não deverá receber a chancela do Órgão competente – antes o Supremo Tribunal Federal, agora o Superior Tribunal de Justiça – segundo o disposto pela Lei de Introdução ao Código Civil.
Por outro lado, é de inteira sabença que a concretização e a delimitação do conteúdo da ordem pública constitui tarefa que pode (e deve) ser desempenhada exclusivamente pelas Cortes nacionais, salvo raras exceções em que o próprio legislador se encarrega de conformá-la, como é o caso da própria ressalva feita pelo parágrafo único ao artigo 39 da Lei nº 9.307/96.
Entretanto, anteriormente à vigência desse diploma, cabia somente à Suprema Corte Brasileira, na qualidade de órgão judiciário encarregado de dar exeqüibilidade às decisões estrangeiras, dizer qual o conteúdo da ordem pública em matéria processual. De fato, em vários julgados emanados daquela Corte[7], todos de teor nitidamente protetivo da ordem pública nacional, considerou-se como ofensiva à ordem pública a homologação de sentença arbitral estrangeira na qual não houve o processamento de carta rogatória citatória.
Carlos Alberto Carmona ensina que “o fundamento de tal orientação apóia-se na garantia do direito de defesa estabelecido pelo processo, de tal sorte que o modelo brasileiro de ‘due process of law’ acaba considerado com o único satisfatório, exigindo-se, então, a utilização de carta rogatória, cujo manejo – todos sabemos – torna penosa (para dizer o mínimo) a realização do ato processual citatório”[8].
Logo, essa antiga exigência do Supremo Tribunal Federal, conquanto mostre-se muito severa e, de certa maneira, supressora da celeridade esperada de um procedimento arbitral, é, na realidade, reflexo do mais legítimo processo de determinação concreta do conteúdo que a ordem pública deve assumir segundo os valores presentes em nosso ordenamento em matéria processual.
Os arestos que se seguem são capazes de demonstrar de modo muito ilustrativo qual era o entendimento do Supremo Tribunal Federal quando era obrigado a recusar homologação a laudo arbitral oriundo de procedimento em que a citação do demandado não se efetivou por meio de rogatória:
“Sentença estrangeira. República Francesa. Sentença arbitral. Falta de citação regular por meio de competente carta rogatória. Decisão que se limita a revelar a sanção aplicada à ré, sem dizer as razões que orientam o arbítrio, não se qualifica como hábil à homologação” (Sentença Estrangeira Contestada 3976 – França, Tribunal Pleno, Relator Ministro Paulo Brossard, j. 14.6.89). “Sentença estrangeira. Homologação. Sentença estrangeira, que teve por exequível decisão arbitral. sua homologabilidade, em princípio, no Brasil. Precedente na sentença estrangeira n. 2178 (RTJ 92/515 e 91/48). Regimento Interno do STF, art-217. requisitos à homologação de sentença estrangeira. (...) é princípio de ordem pública, no Brasil, seja o réu, conhecida sua residência, diretamente, citado no país, para responder à ação, perante a justiça estrangeira, constituindo a citação válida, dessa sorte, requisito indispensável à homologação da sentença alienígena. Lei de Introdução ao Código Civil, art-12, par-2. a citação deve ser feita, mediante carta rogatória, após obtido o exequatur do presidente do Supremo Tribunal Federal. No caso, não houve citação da requerida, mediante carta rogatória, nem compareceu ela, voluntariamente, ao juízo estrangeiro. Não afastaria o vicio da falta de citação, sequer, o fato alegado, pela requerente, segundo o qual a requerida não ignorava a existência da decisão arbitral. Trânsito em julgado da decisão estrangeira homologada, não regularmente comprovado. Sentença estrangeira, cujo pedido de homologação se indefere, por falta de citação regular da requerida, mediante carta rogatória, e porque não comprovado, suficientemente, seu trânsito em julgado (RISTF, art-217, ii e iii)” (Sentença Estrangeira Contestada 2912, Tribunal Pleno, Relator Ministro Néri da Silveira, j. 2.2.83).
“Sentença homologatória de arbitragem comercial proferida pela Justiça Inglesa num processo em que o réu, domiciliado no Brasil, não foi citado. é indispensável, no caso, a citação por meio de rogatória com exequatur do presidente do STF. As exigências impostas pelo art. 212 do Regimento Interno desta Corte constituem direito absoluto, que deve ser observado até mesmo por tribunal ou autoridade que, num país estrangeiro, profira sentença que produza efeitos no Brasil. Ação homologatória improcedente” (Sentença Estrangeira Contestada 2424, Tribunal Pleno, Relator Ministro Antônio Neder, j. 14.12.79).
Note-se que o Supremo Tribunal Federal chegou até mesmo, em algumas oportunidades, a recusar a homologação de sentença na qual a citação se deu por via postal, justamente a hipótese introduzida pelo art. 39, parágrafo único da Lei de Arbitragem:
“Sentença estrangeira. Irregularidade da citação por via postal, com dispensa de rogatória. Homologação denegada. Agravo regimental não provido” (Agravo Regimental na Sentença Estrangeira 2736, Tribunal Pleno, Relator Ministro Xavier de Albuquerque, j. 14.5.81).
Em outras oportunidades, também anteriores à Lei de Arbitragem, nosso Pretório Excelso deferiu a homologação por considerar atendida a exigência de citação pessoal do réu domiciliado no Brasil por meio de rogatória:
“Sentença estrangeira. Pedido de homologação. Decisão de juízo arbitral inglês homologada pela "high court of justice - queen's bench division - commercial court". 2. Alegações de nulidade da decisão arbitral, de falta de fundamentação da sentença da corte que deu "exequatur" à decisão arbitral, bem assim de inexistência de prova do trânsito em julgado da sentença cuja homologação é pleiteada. 3. Pressuposto para homologação de sentença estrangeira, que concede "exequatur" à decisão arbitral, é que exista, no país de origem, procedimento jurisdicional assegurando às partes o contraditório. precedentes do STF. 4. Citação da requerida, mediante carta rogatória regularmente processada no Brasil. Juiz competente. A requerida, anteriormente, já comparecera ao procedimento arbitral, ao qual se sujeitara, indicando árbitro. 5. Decisão arbitral devidamente fundamentada, o mesmo sucedendo com a sentença homologanda. Recurso desprovido. 6. Trânsito em julgado da sentença comprovado, atendida, assim, a exigência da Súmula 420. 7. Requisitos do art. 217 do RISTF satisfeitos. 8. Deferimento do pedido de homologação da sentença estrangeira” (Sentença Estrangeira Contestada 3897 – Inglaterra, Tribunal Pleno, Relator Ministro Néri da Silveira, j. 9.3.95). “Homologação de sentença estrangeira. Laudo arbitral que recebe "exequatur" do Tribunal de grande instância de Paris. Citação por carta rogatória de empresa sediada no Brasil. 2. A sentença arbitral adquire a autoridade de coisa julgada quando recebe o "exequatur", não impugnado mediante apelação. 3. Homologação de sentença estrangeira julgada procedente” (Sentença Estrangeira Contestada 3236, Tribunal Pleno, Relator Ministro Alfredo Buzaid, j. 22.2.84).
“Sentença estrangeira. Pedido de homologação. Decisão de juízo arbitral inglês homologada pelo Tribunal de Alçada da Rainha (queen's bench division). Pressuposto para homologação de sentença estrangeira, que dá o 'exequatur' a laudo arbitral, e que exista, no país de origem, procedimento jurisdicional assegurando às partes o contraditório. Precedentes do STF. Citação da requerida, mediante carta rogatória regularmente processada no Brasil. A requerida, anteriormente, já comparecera ao procedimento arbitral, indicando arbitro. Hipótese em que a decisão inglesa homologatória do laudo arbitral examinou, inclusive, aspectos de mérito do arbitramento e alegações da requerida. Assegurado o contraditório, não cabe, aqui, apreciar os fundamentos da decisão estrangeira de 'exequatur' do laudo arbitral. Pedido de homologação de sentença estrangeira que se defere” (Sentença Estrangeira Contestada 3707, Tribunal Pleno, Relator Ministro Néri da Silveira, j. 21.9.88).
Em outros dizeres, o Supremo Tribunal Federal, ao agir assim, conferia privilégio máximo à proteção da garantia de citação válida do demandado, ainda que a proteção a essa garantia implicasse a introdução de um elemento que acabava por tornar a arbitragem deveras lenta, tudo em razão dessa exigência que, de resto, sempre recebeu muitas críticas por parte dos procedimentos arbitrais.
Uma vez analisada a jurisprudência anterior emanada do Supremo Tribunal Federal, bem como de que modo o conceito de ordem pública nacional em matéria processual a influenciava, prossegue-se com a análise da inovação introduzida pela Lei de Arbitragem na disciplina da homologação.
III. O ARTIGO 39 DA LEI Nº 9.307/96, A REAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E AS CONTRIBUIÇÕES PARA OS FUTUROS JULGADOS DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Não restam dúvidas de que a inovação trazida pelo parágrafo único do artigo 39 da Lei de Arbitragem, ao estabelecer balizas para a compreensão da noção de ofensa ordem pública, buscou especificamente superar os inegáveis problemas decorrentes da orientação anterior adotada pelo Supremo Tribunal Federal, bem como os seus irrefragáveis inconvenientes.
Nesse sentido, o que buscou o parágrafo único do referido artigo foi suplantar o anterior entendimento da Suprema Corte Brasileira, considerando como não ofensiva à ordem pública nacional a citação realizada de acordo com a legislação processual do país em que se realize a arbitragem, ou com a convenção arbitral celebrada. Especial destaque é dado no mencionado artigo à citação postal, sendo que “a norma, ao que parece, procurou eliminara esse óbice, deixando de considerar essa forma de citação judicial como atentatória à ordem pública brasileira”, segundo José Carlos de Magalhães[9].
Com tal avanço, esperava-se que os laudos arbitrais obtivessem exeqüibilidade com mais facilidade em território brasileiro, flexibilizando o anterior entendimento relativo à forma de citação da parte com domicílio no Brasil. Segundo o Prof. Irineu Strenger, “a inovação não só reduz a força da ordem pública, o que já é um benefício, como introduz o sistema da ‘lex causae’, permitindo colher no direito processual estrangeiro a linha de conduta que mais se apropria à diligência da intimação do réu”[10].
Não se buscou, evidentemente, superar pura e simplesmente qualquer discussão sobre a validade da citação. Em outras palavras, o avanço não considerou a citação uma mera formalidade destituída de utilidade, muito pelo contrário: em conseqüência do reconhecimento da importância do ato citatório, o próprio parágrafo único do artigo 39 contempla observação no sentido de que deve ser assegurado à parte com domicílio no Brasil “tempo hábil para o exercício da defesa”, expressão essa que será comentada mais à frente.
Em resumo, o que se almejou – e deve ser observado pelo Supremo Tribunal Federal – foi assegurar à parte brasileira “o direito ao contraditório e ampla defesa, ainda que realizada a citação por outra forma que não a da lei nacional. Isto, portanto, não obstará a homologação, uma vez comprovado que não foram violados tais princípios que, como dito, são garantias do cidadão”[11].
De qualquer forma, José Maria Rossani Garcez destaca que “na forma em que se acha redigido, parece-nos que o dispositivo legal acima transcrito [art. 39, parágrafo único da Lei nº 9.307/96] não poderá ser desconsiderado pelo STF, trazendo para a prática brasileira, ao menos em termos de arbitragem internacional, a aceitação de mecanismo citatório existente em outras legislações[12]”.
Realmente, os reflexos dessa novidade já podem ser percebidos a partir da análise de julgados proferidos pelo Supremo Tribunal Federal. O acórdão que a seguir se transcreve bem ilustra a modificação que se operou no entendimento dessa Corte acerca do tema, passando a considerar válida a citação por via postal, como não poderia deixar de ser:
“Sentença arbitral estrangeira. Pedido de homologação. Contrato de afretamento. Requisitos previstos no regimento interno do STF e na Lei nº 9.307/96 (Lei da Arbitragem). Tendo as normas de natureza processual da Lei nº 9.307/96 eficácia imediata, devem ser observados os pressupostos nela previstos para homologação de sentença arbitral estrangeira, independentemente da data de início do respectivo processo perante o juízo arbitral. Pedido que cumpre os requisitos dos arts. 37 a 39 da mencionada lei, bem como dos arts. 216 e 217 do RISTF. Homologação deferida. (...) Alega a requerida, em sua contestação, que a requerente não prestou a necessária caução (...). Sustenta, ainda que se tendo iniciado o processo de arbitragem antes da edição da Lei nº 9.307/96, não poderia ela ser utilizada no presente pedido homologatório, acarretando a nulidade da citação, procedida por via postal (...). O fato de o processo de arbitragem que resultou na sentença arbitral homologanda haver se iniciado meses antes do advento da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1.996, não afasta a aplicação desse diploma legal no presente feito. (...) Assim, a questão levantada pela requerida quanto à nulidade da citação feita por via postal, antes da vigência da Lei nº 9.307/96, perde sua eventual relevância, posto configurado o comparecimento e a conseqüente aceitação do juízo arbitral inglês” (Sentença Estrangeira Contestada nº 5.828-7 – Noruega, Tribunal Pleno, Relator Ministro Ilmar Galvão, j. 6.12.2000).
É digna de aplausos a posição que foi adotada pelo Supremo Tribunal Federal nesse acórdão, não só por ter dado vigência ao artigo 39, parágrafo único, da Lei de Arbitragem, mas principalmente porque flexibilizou o entendimento anterior relacionado à citação, tendo considerado que o comparecimento espontâneo ao juízo arbitral afasta qualquer alegação de nulidade de citação, visto que divorciada do princípio na instrumentalidade das formas.
Ademais, esse acórdão tem o condão também de ilustrar que a aplicação do dispositivo em análise aos casos de homologação de sentença arbitral estrangeira não acarreta, sob ótica alguma, a fragilização da ordem pública brasileira, ao contrário: a novidade mostra-se em harmonia com o restante das normas processuais vigentes em nosso Ordenamento.
De resto, é interessante notar que, em algumas oportunidades, o Supremo Tribunal Federal, antes instado a deferir a homologação de laudos arbitrais estrangeiros, considerou, sem vacilos, que a Lei nº 9.307/96, por conter disposições de natureza processual, possui eficácia imediata, ao menos no tocante a essas normas, sendo aplicável às arbitragens iniciadas antes do início de sua vigência.
Dessa forma, tal entendimento abre possibilidade para que, futuramente, o Superior Tribunal de Justiça continue adotando posição contrária ao seu anterior entendimento do Supremo Tribunal Federal, inclusive em relação a arbitragens iniciadas antes da entrada em vigor da Lei de Arbitragem. Os seguintes arestos, ainda da lavra do Supremo Tribunal Federal, são exemplos desse entendimento: “Homologação de laudo arbitral estrangeiro Requisitos formais: comprovação. Caução: desnecessidade. Incidência imediata da Lei nº 9.307/96. (...) 3. As disposições processuais da Lei nº 9.307/96 tem incidência imediata nos casos pendentes de julgamento” (Sentença Estrangeira Contestada nº 5.847 – Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, Tribunal Pleno, Relator Ministro Maurício Corrêa, j. 1.12.99).
“Homologação de sentença arbitral estrangeira. Aplicabilidade da Lei nº 9.307/96. (...) 3. A Lei nº 9.307/96, dado seu conteúdo processual, tem incidência imediata nos casos pendentes de julgamento” (Sentença Estrangeira Contestada nº 5.378-1 – França, Tribunal Pleno, Relator Ministro Maurício Corrêa, j. 3.2.2000).
Interessante questão diz respeito à menção contida no texto da disposição legal em análise de que a ofensa à ordem pública não se caracterizará “desde que [a forma de citação adotada pela convenção de arbitragem ou pela lei processual do país em que se realiza a arbitragem] se assegure à parte brasileira tempo hábil para o exercício do direito de defesa”. Certamente, essa ressalva do texto legal será fonte de dúvidas e controvérsias diversas, uma vez que a expressão “tempo suficiente” representa, de acordo com os escólios de Carlos Alberto Carmona, “expressão perigosamente aberta a interpretações[13]”.
É possível até considerar que eventuais discussões suscitadas pela parte brasileira não mais se darão em razão da forma de citação adotada (como se fazia antes do início da vigência da Lei de Arbitragem), mas sim em virtude do prazo exíguo para defesa concedido à parte brasileira, pela lei processual estrangeira ou pela convenção de arbitragem.
Aguarda-se, portanto, futuro posicionamento do Superior Tribunal de Justiça a respeito da exegese da parte final do parágrafo único do artigo 39, sendo provável que, sempre em respeito à ordem pública nacional, sejam acolhidas alegações de cerceamento de defesa fulcradas no fato de a defesa ter sido exercida em prazo muito inferior ao previsto pela legislação processual nacional. Em conclusão, é possível afirmar que a orientação do Superior Tribunal de Justiça tende a seguir aquela já adotada nos autos da Sentença Estrangeira de nº 5.828-7, cujo acórdão foi da lavra do Ministro Ilmar Galvão. Contudo, resta dúvida no tocante ao sentido que se dará à parte final do parágrafo único ao artigo 39 da Lei de Arbitragem, bem como em que hipóteses eventual prazo exíguo para defesa configurará, no entender do Superior Tribunal de Justiça, ofensa à ordem pública nacional.
IV. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
Carmona, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo – um comentário à lei 9.307/96. São Paulo: Malheiros, 1.998.
Furtado, Paulo, et alii. Lei da Arbitragem Comentada. São Paulo: Saraiva, 1.997, p. 132.
Garcez, José Maria Rossani. A Arbitragem Internacional e a Lei Brasileira de Arbitragem – Lei nº 9.307/96, in Aspectos Atuais da Arbitragem (Adriana Noemi Pucci, org.), Rio de Janeiro: Forense, 2.001.
Magalhães, José Carlos de. Reconhecimento e execução de laudos arbitrais estrangeiros. Revista dos Tribunais 740/116, jun. 1.997.
Martins, Pedro Antônio Batista. Questões que envolvem a homologação de sentença arbitral estrangeira. Revista Forense 344/225, out.-dez. 1.998.
Moreira, José Carlos Barbosa. Problemas relativos a litígios internacionais. Revista de Processo 65/157.
Mori, Celso Cintra e Nascimento, Edsom Bueno do. A competência geral internacional do Brasil: competência legislativa e competência judiciária no direito brasileiro. Revista de Processo 73/74, p. 88.
Strenger, Irineu. Comentários à Lei Brasileira de Arbitragem. São Paulo: LTr, 1.998. [1] “Art. 39. Também será denegada a homologação para o reconhecimento ou execução da sentença arbitral estrangeira, se o Supremo Tribunal Federal constatar que: I - segundo a lei brasileira, o objeto do litígio não é suscetível de ser resolvido por arbitragem; II - a decisão ofende a ordem pública nacional. Parágrafo único. Não será considerada ofensa à ordem pública nacional a efetivação da citação da parte residente ou domiciliada no Brasil, nos moldes da convenção de arbitragem ou da lei processual do país onde se realizou a arbitragem, admitindo-se, inclusive, a citação postal com prova inequívoca de recebimento, desde que assegure à parte brasileira tempo hábil para o exercício do direito de defesa”. [2] Arbitragem e Processo – um comentário à lei 9.307/96. São Paulo: Malheiros, 1.998, pp. 310/311. [3] Comentários à Lei Brasileira de Arbitragem. São Paulo: LTr, 1.998, pp. 199. [4] Reconhecimento e execução de laudos arbitrais estrangeiros. Revista dos Tribunais 740/116. [5] José Carlos Barbosa Moreira. Problemas relativos a litígios internacionais. Revista de Processo 65/157. [6] Furtado, Paulo, et alii. Lei da Arbitragem Comentada. São Paulo: Saraiva, 1.997, p. 132. [7] Julgados mencionados por Mori, Celso Cintra e Nascimento, Edsom Bueno do. A competência geral internacional do Brasil: competência legislativa e competência judiciária no direito brasileiro. Revista de Processo 73/74, p. 88. [8] Ob. cit., p. 310. [9] Ob. cit., p. 126. [10] Ob. cit., p. 199. [11] Paulo Furtado et alli, ob. cit., p. 133. [12] A Arbitragem Internacional e a Lei Brasileira de Arbitragem – Lei nº 9.307/96, in Aspectos Atuais da Arbitragem (Adriana Noemi Pucci, org.), Rio de Janeiro: Forense, 2.001, p. 205. [13] Ob. cit., p. 311. |