82 - A natureza da jurisdição perante a arbitragem e outros meios alternativos de solução de controvérsias
ANDRÉ RODRIGUES PEREIRA DA SILVA - Advogado |
SUMÁRIO INTRUDUÇÃO 1 BREVE EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO 2 DA JURISDIÇÃO 2.1. Conceito de jurisdição 2.2. Características da jurisdição 2.3. Princípios da jurisdição 2.4. Espécies de jurisdição 2.4.1. Jurisdição de direito e de eqüidade 2.4.2. Jurisdição contenciosa e voluntária 2.5 Jurisdição e Arbitragem CONCLUSÃO BIBLIOGRAFIA
INTRODUÇÃO
Inicialmente, buscou-se neste trabalho de pesquisa desenvolver e trazer em folhas um assunto de grande relevância para o mundo jurídico, especificamente à ciência processual civil. Trata-se do instituto da processual chamado jurisdição que, durante seu desenvolvimento e evolução histórica, passou a ser considerado e classificado pela doutrina contemporânea como um dos institutos fundamentais aos quais as normas processuais e toda sua ciência apóiam-se.
Como se pôde notar, é um assunto indubitavelmente importante e muito discutido no cotidiano jurídico atual, tanto na esfera interna como em âmbito internacional.
A jurisdição, entendida como uma das atividades soberanamente exercidas pelo Estado na composição de litígios entre as pessoas, revela regras, princípios e garantias constitucionais responsáveis pela manutenção da ordem jurídica.
Contudo, para a manutenção de tais objetivos, a jurisdição durante as últimas décadas, influenciada pelas novas idéias de instrumentalidade e efetividade, adquiriu características inovadoras, distintas até em tão de sua natureza, voltando, em razão disso, a ser muito debatido entre grandes operadores do direito, principalmente, no que se refere aos meios alternativos de solução de controvérsias, tais como a mediação, a transação, a conciliação e, principalmente, a arbitragem.
Portanto, elucidando, também, problemas em relação à sua natureza e a conseqüente legalidade do seu exercício poderá fechar-se a esfera de pesquisa sobre a jurisdição, na mínima e exata necessidade para o universo do direito processual civil.
1 BREVE EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO
Reportando-se ao passado, lembra Humberto Theodoro Júnior que, primitivamente, o Estado era fraco e limitava-se apenas a definir os direitos das pessoas. Competindo a elas próprias a satisfazê-los e a executá-los com os meios que dispunham. Eram os tempos da chamada justiça privada (autotutela) ou justiça pelas próprias mãos, onde prevalecia a lei do mais forte.
No entanto, neste início, o homem ainda sem a ajuda do Estado, passou a buscar amigavelmente a solução de suas pendências. O que se denominou de autocomposição, surgindo assim, uma segunda forma de composição de litígios.
Somente com o fortalecimento e organização do Estado, a falida justiça privada foi substituída pela Justiça Pública ou Oficial.
Desta forma, o Estado moderno chamou para si o encargo e o monopólio de definir o direito, bem como o de realizar esse mesmo direito, sujeitando os cidadãos ao cumprimento dessas decisões, surgindo daí a tutela jurisdicional, como a terceira forma de composição de litígios.
Muito embora seja a autotutela uma espécie primitiva e violenta de composição de litígios, ainda hoje se encontram resquícios em nosso ordenamento jurídico. São os exemplos do desforço imediato (art. 1.210, CC), em matéria possessória e a legítima defesa em direito penal (art. 23, CP).
Assim, fora dessas escassas hipóteses legais, deve o agredido em seu direito, procurar o Estado para a solução desse litígio, sob pena de cometer crime de exercício arbitrário das próprias razões (art. 345, CP). Por outro lado, é fundamental para a compreensão da tutela jurisdicional saber o conceito de bem da vida, de conflito de interesse e de lide ou litígio.
Bens da vida são todas as coisas ou valores necessários ou úteis à sobrevivência do homem, bem como o seu aprimoramento. Mas nem sempre estas coisas existem em quantidade suficiente para atender as exigências de todos.
Portanto, há conflito de interesse quando mais de uma pessoa procura usufruir o mesmo bem da vida. E quando houver resistência por uma das partes, estará formado a lide ou um litígio.
2 DA JURISDIÇÃO
Aponta o jurista Nilton César Antunes da Costa, que a visão de jurisdição predominante na atualidade está amoldada na idéia do Estado Moderno de Montesquie, ou seja, partindo do dogma dos três poderes estatais: Executivo, Legislativo e Judiciário.
2.1 Conceito
A análise etimológica da expressão “jurisdição” mostra a presença de duas palavras do latim: juris, que significa direito e a palavra dictio, que significa dizer.
E esse “dizer o direito”, que o Estado chama para si a responsabilidade, transforma-se em uma função, ou melhor, em poder. E esta função do Estado é própria do Poder Judiciário.
Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, observam que muitos critérios foram propostos pela doutrina tradicional, que se apóiam tão somente em premissas de caráter jurídico. Mas hoje, as perspectivas buscam levar em conta aspectos sócio-políticos, surgindo daí os escopos sociais (a pacificação social) e políticos (a realização da justiça) da jurisdição.
Diante disso, conceituam jurisdição como sendo uma das funções do Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça. E essa pacificação é feita através da atuação da vontade do direito objetivo apresentado no caso em concreto.
Dessa forma, a jurisdição é ao mesmo tempo, poder, função e atividade. Como poder é a manifestação do poder estatal, ao decidir imperativamente e impor suas decisões. É função, uma vez que expressa o encargo que têm os órgãos estatais em promover a pacificação de conflitos, mediante a realização do direito justo. E como atividade, a jurisdição é exercida através do processo, formado pelo complexo de atos praticados pelo juiz, exercendo o poder e cumprindo a função que a lei lhe comete.
2.2 Características da jurisdição
A jurisdição tem por características: a substitutividade, a imparcialidade; a lide, o monopólio, a inércia, a unidade e a definitividade.
A característica da substitutividade proposta por Chiovenda consiste na substituição da vontade das partes, pela “vontade” da norma jurídica aplicada no caso em concreto. O Estado substitui as atividades daqueles que estão envolvidos no conflito trazido à apreciação. Não cabe a nenhuma das partes interessadas dizer se a razão está com ela ou com a outra parte, nem pode, também, esta invadir esfera jurídica alheia para satisfazer-se, salvo raríssimas exceções.
A imparcialidade é conseqüência do escopo social e político, pois para poder aplicar o direito objetivo ao caso concreto, o órgão judicial há de ser imparcial. O juiz não deve ter interesse no litígio, devendo tratar as partes com igualdade.
Dizia Carnelutti que a jurisdição consistia na justa composição da lide. Para esse entendimento, só haveria jurisdição quando houvesse lide. Assim, para esta concepção, jurisdição pressupõe sempre uma situação contenciosa.
Portanto, é aqui que se começa o debate em torno das características e a natureza da jurisdição. Pois há quem entenda que o controle abstrato da constitucionalidade das leis, as ações preventivas, as ações constitutivas necessárias e a jurisdição voluntária são necessariamente jurisdição, bem como há entendimento diverso sobre a natureza jurisdicional de tais atividades.
Também dentro da característica do monopólio, encontra-se outra polêmica, uma vez que para alguns juristas como Nelson Nery Junior, a jurisdição não é exclusiva do Órgão do Poder Judiciário, como por exemplo o Senado, quando julga o presidente da república por crime de responsabilidade. Para aqueles que entendem assim, a atividade jurisdicional é típica, mas não exclusiva do Poder Judiciário.
Quanto à inércia, costuma-se afirmar que a jurisdição é inerte, ou seja, o exercício espontâneo da atividade jurisdicional deve obedecer a seu escopo social de forma imparcial.
No entanto, atualmente, ao magistrado são atribuídos amplos poderes de direção do processo, tais como a possibilidade de determinar, sem provocação, a produção dos meios de prova e de dar tutela sem pedido expresso pela parte.
Assim, embora permaneça a inércia como característica da jurisdição, esta fica basicamente, mitigada à instauração do processo e a determinação do objeto litigioso.
Embora alguns doutrinadores coloquem a inércia como sendo uma característica da jurisdição, seria mais adequado tecnicamente tratar a inércia como um princípio inerente a ela.
A jurisdição por ser um poder estatal, é una. Só há uma função jurisdicional. Pois falar em várias jurisdições, estaria afirmando a existência de várias soberanias. O que ocorre é apenas o fracionamento entre os diversos órgãos do Poder Judiciário, que recebem cada qual as suas competências.
Ademais, lembra Nelson Nery Junior que a expressão “jurisdição civil” previsto no artigo 1o do Código de Processo Civil foi empregado em sentido apenas didático, para diferenciar as divisões da atividade jurisdicional no âmbito penal, trabalhista, eleitoral e militar.
Por fim, encontra-se na doutrina a característica da definitividade da jurisdição, caracterizada pela a imunização dos efeitos dos atos realizados. Relata Candido Rangel Dinamarco que “os atos dos demais Poderes do Estado, podem ser revistos pelos juízes no exercício da jurisdição, mas o contrário é absolutamente inadmissível”.
A própria Constituição Federal em seu artigo 5o, inciso XXXVI garante, que nenhum dos atos de exercício de um Poder que é soberano por natureza possam ser depois questionados por quem quer que seja, visando garantir assim, a segurança jurídica, que se faz através da coisa julgada material.
Portanto, rebate-se aqui a natureza jurisdicional da sentença arbitral. Por esta não possuir das várias características da jurisdição, tais como a definitividade.
E por conseqüência a inafastabilidade do Poder Judiciário, uma vez que a sentença arbitral é passível de averiguação pelo Poder Judiciário; pela ausência da investidura do juízo e por também admitir julgamentos por equidade, ou seja, dá ao árbitro a possibilidade de buscar uma solução para o conflito contrária a lei.
2.3 Princípios da jurisdição
Não obstante às suas características, encontram-se ligadas a jurisdição vários princípios. E é por esta razão que a doutrina, por algumas vezes se confunde, referindo-se como característica um princípio.
Assim, pela lição de Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, são princípios inerentes à jurisdição: a investidura, a aderência ao território, a indelegabilidade, a inevitabilidade, a inafastabilidade, do juiz natural e da inércia.
Princípio do juiz natural: juízes são aqueles integrados no Poder Judiciário que legalmente ocupam os cargos nos juízos e tribunais constitucionalmente previstos (arts. 92, incs. I a VII) e os criados pela legislação infraconstitucional.
GRINOVER entre outros doutrinadores defendem que com a garantia do juiz natural assegura-se a imparcialidade do órgão jurisdicional. Por isso, afirmam que sem o juiz natural não há jurisdição, pois a relação jurídica não pode nascer.
Indeclinabilidade da prestação jurisdicional: a atividade jurisdicional não pode ser delegada ou transferida, ela é indeclinável (art. 5º XXXV da CF e 126 do CPC). O inc. XXXV do art. 5º da CF garante o direito de aceso a jurisdição brasileira, desde que seja proposta ação. Este princípio está relacionado ao art. 126 do CPC. “O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei...”. – Aqui, embora não se assegure sentença favorável, existe o direito a uma decisão ou sentença.
CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO afirmam que o princípio da indelegabilidade é, em primeiro lugar, expresso através do princípio constitucional segundo o qual é vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições.
Afirmam ainda que a Constituição Federal fixa o conteúdo das atribuições do Poder Judiciário, e não pode a lei, nem pode muito menos alguma deliberação dos próprios membros deste, alterar a distribuição feita naquele nível jurídico-positivo superior.
O Princípio da aderência ao território estabelece que o exercício da jurisdição deve estar sempre vinculado a certa delimitação territorial. Pois é a jurisdição uma manifestação da soberania, manifestando-se e limitando-se, primeiramente, pela soberania nacional do país, depois de seus Estados, Municípios e Territórios.
CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO explicam que o exercício espontâneo da atividade jurisdicional acabaria sendo contraproducente, pois a finalidade que informa toda a atividade jurídica do Estado é a pacificação social e isso viria em muitos casos a fomentar conflitos e discórdias, lançando desavenças onde elas não existiam ainda.
Publicidade: toda atividade jurisdicional é realizada publicamente, a exceção às causas em que tramitam em segredo de justiça.
Princípio da definitividade: CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO conceituam como sendo a imutabilidade dos efeitos de uma sentença, em virtude da qual nem as partes podem repropor a mesma demanda em juízo ou comportar-se de modo diferente daquele preceituado, nem os juízes podem voltar a decidir a respeito, nem o próprio legislador pode emitir preceitos que contrariem, para as partes, o que já ficou definitivamente julgado.
O princípio da investidura corresponde à idéia de que a jurisdição só será exercida por quem tenha sido regularmente investido na autoridade de juiz. Sem ter sido regularmente investido na condição de juiz, ninguém poderá exercer a função jurisdicional.
O princípio da indelegabilidade é aquele segundo o qual veda qualquer tipo de transferência de atribuições inerentes aos juízes investidos nesta função, uma vez que o magistrado não age em nome próprio e muito menos por um direito próprio. O princípio da inevitabilidade significa que a autoridade dos órgãos jurisdicionais, impõe-se por si mesma, independentemente da vontade das partes ou de eventual pacto para aceitarem os resultados do processo.
Por último, o princípio da inércia como tratado anteriormente, consiste em condicionar o juiz de forma inerte, ou seja, o a jurisdição não pode ser exercida de ofício por ele, dependerá quase sempre de provocação pelas partes.
2.4 Espécies de jurisdição
Como visto, a jurisdição, como poder estatal soberano, não comporta divisões, pois falar em diversas jurisdições em um mesmo Estado significaria afirmar a existência de uma pluralidade de soberanias, o que não faria sentido, pois a jurisdição é una e indivisível quanto o próprio poder soberano.
Contudo, a doutrina fala em espécies de jurisdição. Segundo o próprio professor Cândido Rangel Dinamarco, expõe referidas espécies, como que orientadoras e explicativas; pela utilidade didática de que são portadoras e por serem elementos úteis para o entendimento de uma série de problemas processuais, como a competência, graus de jurisdição, poderes decisórios mais amplos do juiz em certos casos, etc.
Tradicionalmente, as espécies de jurisdição classificam-se: primeiro, segundo o modo como o juiz se comporta diante do conflito, em jurisdição contenciosa ou voluntária; segundo, conforme a matéria, em jurisdição civil e penal; terceiro, segundo a justiça competente, em jurisdição comum e especial; quarto, segundo as fontes formais do direito relevantes para julgar, em jurisdição de direito e de eqüidade; e quinto, de acordo com a posição hierárquica do órgão julgador, em jurisdição inferior e superior.
No entanto, afim de atingir a meta principal deste trabalho, e para melhor elucidação e desenvolvimento de seu significado técnico e científico, dentre essas espécies de jurisdição, faz-se somente relevante a análise da jurisdição contenciosa e voluntária bem como da jurisdição de direito e por eqüidade,
2.4.1 Jurisdição de direito e de eqüidade
O artigo 127 do Código de Processo Civil diz: “o juiz só decidirá por eqüidade nos casos previstos em lei”. Decidir por eqüidade significa decidir sem limitações impostas pelas regulamentações legais. É nesses casos que o juiz exerce a jurisdição de eqüidade, a que se refere a doutrina em contraposição à jurisdição de direito. No direito processual civil, como visto, sua admissibilidade é excepcional, mas nos processos arbitrais podem as partes convencionar que o julgamento seja, também, feito por eqüidade (LA, artigo 11, inciso II). Na arbitragem ajustada perante os juizados especiais, o julgamento por eqüidade é sempre admissível, independentemente de autorização pelas partes (Lei 9.099/95, artigo, 25).
No processo penal o juízo de eqüidade é a regra geral (individualização judiciária da pena, artigo 42 do Código Penal), também, nos feitos de jurisdição voluntária em que o juiz poder “adotar em cada caso a solução que reputar mais convincente ou oportuna” (artigo 1.109 do CPC).
2.4.2 Da jurisdição contenciosa e voluntária
A jurisdição contenciosa é a atividade inerente do Poder Judiciário, é a jurisdição propriamente dita, isto é, aquela função que o Estado desempenha na pacificação ou composição dos litígios.
Há doutrinadores que acreditam que a expressão jurisdição contenciosa é redundante ou pleonástica, pois jurisdição já induz, indubitavelmente, a idéia de contenda e sugerem que ao invés de jurisdição contenciosa, poder-se-ia denominarmos de jurisdição propriamente dita ou jurisdição em si mesma.
Porém, ao Poder Judiciário lhe é dado certas funções em que predomina o caráter administrativo e que são desempenhadas sem o pressuposto do litígio.
Trata-se da chamada jurisdição voluntária, em que, segundo Humberto Theodoro Júnior, “o juiz apenas realiza gestão pública em torno de interesses privados, como se dá nas nomeações de tutores, nas alienações de bens de incapazes, na extinção do usufruto ou fideicomisso, etc”.
Existem três correntes que tentam explicar a natureza jurídica da jurisdição voluntária. Duas são clássicas: a corrente jurisdicionalista, que equipara a jurisdição voluntária à jurisdição contenciosa e a corrente administrativista, que lhe confere cunho especial por ser exercida por juízes que tratam de administração de negócios jurídicos. E a terceira, a corrente autonomista, que cria uma outra função estatal ao lado da trilogia dos Poderes, sendo um quarto Poder.
Tal expressão “jurisdição voluntária” teve origem no Direito Romano, de fonte atribuída a Marciano no Digesto. É também chamada por muitos de jurisdição graciosa.
Dessa forma, continuando a análise dos elementos e características da jurisdição, a doutrina acrescenta, para o reforço da tese de que não se trata a jurisdição voluntária, necessariamente, de jurisdição na específica acepção jurídica do termo, porque na jurisdição voluntária não se visa a atuação do direito, mas sim à constituição de situações jurídicas novas; não há partes mas apenas interessados; não há o caráter substitutivo, pois o que acontece é que o juiz se insere entre os participantes do negócio jurídico, numa intervenção necessária para a consecução dos objetivos desejados, mas sem exclusão das atividades dos participantes.
Além disso, o objeto dessa atividade não é uma lide, não há conflitos de interesses, mas apenas um negócio, com a participação do magistrado.
Dentro disso, acrescenta Nelson Nery Junior, que na jurisdição voluntária não incide o princípio dispositivo, mas sim o inquisitório e, também, não há legalidade estrita, pois pode o juiz decidir por eqüidade (art. 1109, CPC).
Posto isso, diante de toda esta minuciosa análise comparativa, torna-se fraco e imprudente por parte daqueles que defendem que a jurisdição voluntária tem natureza jurisdicional. E se continuam entendendo pela sua natureza jurisdicional é porque a analisam apenas por alguns aspectos e características, sem considerar a jurisdição como um todo, como visto, relatado e trabalhado em folhas.
2.5 Jurisdição e arbitragem
A arbitragem é um acordo de vontades, celebrado entre pessoas capazes que, preferindo não se submeter à morosidade de um crivo judicial, utilizam-se de árbitros para a solução de suas controvérsias ou litígios, quando estas recaírem sobre direitos patrimoniais disponíveis, isto é, aqueles que podem ser objeto de transação entre os interessados.
Porém, a arbitragem não se confunde com a transação, cuja a solução do conflito de interesses é resolvido pelos próprios envolvidos, mediante concessões recíprocas.
No início de sua vigência, a Lei 9307/96, alimentou muitos debates em torna da sua constitucionalidade, que para alguns ofenderia o princípio constitucional da inafastabilidade do Poder Judiciário e do juiz natural.
No entanto, o entendimento majoritário é o de que a escolha pela arbitragem não agride os princípios constitucionais, na medida em que a esta escolha nada mais é, segundo o Ministro José Augusto Delgado, do que um “direito subjetivo fundamental do cidadão”, que lhe dá plena liberdade em situação de conflito patrimonial optar pela solução via arbitragem. E nos moldes do artigo 33 da Lei de Arbitragem, não está afastada a via do Poder Judiciário caso ofenda direitos e garantias fundamentais do indivíduo.
CONCLUSÃO
Contudo, com base, também, neste dispositivo acima citado, torna mais uma vez evidente a ausência de alguns requisitos e princípios inerentes e formadores da jurisdição, como por exemplo, a substitutividade, a definitividade, a inafastabilidade do Poder Judiciário, o juiz natural, a inevitabilidade, uma vez que abre possibilidade de reapreciação da sentença arbitral pelo Poder Judiciário.
Ademais, falta para a atividade “jurisdicional” da arbitragem, como visto, a característica da investidura, pois admite-se decisões por qualquer pessoa capaz, fora da função jurisdicional; admitindo-se até pessoas sem conhecimento jurídico e que por sua vez ainda podem decidir contrário a lei (por eqüidade).
Desta forma, não há como sustentar a natureza jurisdicional da arbitragem ou qualquer outro meio alternativo de solução de controvérsias, tais como a mediação, a transação, a conciliação e até, a tradicionalmente conhecida, jurisdição voluntária.
No entanto, neste trabalho não é objetivo desmerecer a arbitragem ou qualquer outro meio alternativo de solução de conflitos, que pelo contrário, têm-se mostrado muito eficiente e útil para nossa sociedade e realidade jurídica, mas sim o de preservar e evitar o desvio do entendimento científico e social sobre o significado da palavra jurisdição. Pois o que se encontrou em quase todas as doutrinas foram várias análises superficiais acerca da jurisdição, analisando-a de forma superficial e parcial, sem considerá-la por inteiro; ora considerando-a apenas como atividade e algumas de suas características; ora como função, por algumas de suas finalidades, desprezando, porém, a jurisdição como Poder emanado de um Estado Soberano e Democrático de Direito que estabeleceu princípios e garantias fundamentais, onde o exercício da jurisdição é uma delas.
Assim, para realmente saber sobre a natureza jurisdicional de certos meios alternativos de composição de conflitos ou controvérsias, deve-se levar em conta a jurisdição como poder, função e atividade, bem como passar por todos os seus princípios e características que desse tripé formam o poder jurisdicional do Estado.
Portanto, não se pode querer desenvolver qualquer argumentação jurídica em torno da jurisdição sem considerá-la como um todo, ou seja, dentro desse tripé estrutural: poder, função e atividade.
BIBLIOGRAFIAS
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