52 - A aplicabilidade da prova técnica no Juizado Especial Cível
ANA RAQUEL C. DOS SANTOS LINARD – Juíza de Direito |
Como é de amplo conhecimento, a prova pericial foi excluída do conjunto probatório admitido no procedimento aplicado nos JECs, uma vez que sua efetivação impõe rito complexo e demorado que não se coaduna com os critérios da simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade que norteiam esta Justiça Especializada.
Por óbvio que permitir a produção de prova pericial, nos moldes do CPC, seria, no mínimo, uma postura contraditória por parte do legislador, por ir de encontro ao que se espera da atuação jurisdicional a ser exercida, notadamente que se mostre célere e objetiva, fator primordial de atração de demanda para os Juizados Especiais.
No entanto, não menos incorreto seria vedar a produção de qualquer espécie de prova técnica, situação que poderia, inclusive, impossibilitar a entrega da prestação jurisdicional em algumas circunstâncias, à míngua de subsídios probatórios suficientes para tanto.
Assim, considerou o legislador a hipótese prevista no artigo 35 da Lei 9.099/95, o qual dispõe acerca da prova técnica realizável no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis: Art. 35. Quando a prova do fato exigir, o Juiz poderá inquirir técnicos de sua confiança, permitida às partes a apresentação de parecer técnico. Parágrafo único. No curso da audiência, poderá o Juiz, de ofício ou a requerimento das partes, realizar inspeção em pessoas ou coisas, ou determinar que o faça pessoa de sua confiança, que lhe relatará informalmente o verificado.
À primeira vista, parece razoavelmente aplicável o conteúdo do mandamento legal, uma vez que estabelece uma prerrogativa e não uma obrigatoriedade de conduta judicial, concedendo às partes, igualmente, a possibilidade de fazer uso do direito de apresentar parecer técnico acerca do fato em questão.
Dispõe, ainda, que no curso da audiência, o juiz poderá realizar inspeção em pessoas ou coisas, como também determinar que o faça pessoa de sua confiança, a qual lhe relatará informalmente o verificado.
Na prática, pode-se afirmar que a inquirição de técnicos da confiança do juiz acerca do fato objeto de discussão, ostenta a natureza de inquirição de testemunha técnica, ou seja, o técnico a ser inquirido comparecerá ao ato processual na condição de testemunha convocada, esclarecendo, portanto, as questões que lhe forem indagadas, oralmente, sem apresentação de qualquer laudo escrito, sendo que tais esclarecimentos receberão o mesmo tratamento legal que é dado pelo CPC ao laudo pericial, constante do artigo 436 do aludido diploma legal: Art. 436. O juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos.
De fato, a manifestação técnica apresentada não ostenta orientação cogente, podendo o magistrado, em face do princípio da livre apreciação da prova pelo juiz, adotar entendimento diverso, com fulcro na sua convicção pessoal, devidamente fundamentada, segundo ordena a Constituição.
Ademais, oportuno se faz ressaltar que se o laudo pericial devesse ser sempre respeitado deixaria de ser uma prova para se tornar uma decisão, conforme entendimento que se extrai de decisão proferida pelo Colégio Recursal de Tupã(SP), de 30/08/1996, pelo juiz Emílio Gimenez Filho, apud COMENTÁRIOS À LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS, de autoria de RONALDO FRIGINI, 2a. ed., Editora Mizuno, 2004, pág. 399.
Ainda, a jurisprudência acerca da matéria tem entendido que a prova prevista no artigo 35 da lei de regência não pode, até mesmo literalmente, ser considerada prova pericial, sendo, portanto, mais adequado denomina-la de prova técnica, considerada a natureza de seu teor.
Ementa INDENIZAÇÃO. JUIZADO ESPECIAL. INFORMALIDADE NA PRODUÇÃO DE PROVAS. OS LIMITES DA SENTENÇA TERMINATIVA. 1. A INFORMALIDADE DOS ATOS DOS JUIZADOS ESPECIAIS EXIGE DA PARTE DILIGÊNCIAS ESPECIAIS. AS RESPECTIVAS ALEGAÇÕES, DEVEM ESTAR INSTRUÍDAS COM TODOS OS DADOS E INFORMAÇÕES A SEU ALCANCE. 2. A INQUIRIÇÃO DE TÉCNICOS PREVISTA NO ART.35 DA LEI 9.099/95 NÃO SE TRADUZ EM PROVA PERICIAL. 3. A SENTENÇA TERMINATIVA (ART.267 CPC C/C.51 LEI 9.099/95) ESGOTA OS SEUS EFEITOS NO PROCESSO ONDE FOI PROFERIDA. Decisão - DESPROVER O RECURSO. UNÂNIME. (APELAÇÃO CÍVEL NO JUIZADO ESPECIAL 19990110811336ACJ DF - Registro do Acórdão Número : 131918 - Data de Julgamento : 19/09/2000 - Órgão Julgador : Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F. - Relator : ANTONINHO LOPES - Publicação no DJU: 21/11/2000 Pág. : 40
Assim, admitida referida espécie de prova, caberia indagar: em que tipo de matéria ela poderia ser produzida sem suscitar a alegação defensiva de cerceamento do direito de defesa pela parte demandada?
De fato, a praxe forense nos ensina que, para fins defensivos, busca a parte acionada lançar mão de todos os meios processuais ao seu alcance, não sendo raras as contestações contendo alegações preliminares no sentido de extinção do feito sem julgamento do mérito, por incompetência absoluta do Juízo, em face da referida necessidade de produção de prova pericial.
Não existem receitas prontas e a lei não disciplina de maneira expressa a questão, de forma a afastar questionamentos já que estabelece a possibilidade de inquirição de testemunhas técnicas quando a prova do fato o exigir, deixando, portanto, a critério exclusivo do magistrado a identificação de tal necessidade, após concluir pela prescindibilidade da produção de prova pericial, nos moldes ordinários, sem o que o reconhecimento da incompetência do juízo seria inevitável.
A meu ver, a prova em questão poderá ser produzida em feitos relativos a responsabilidade civil, notadamente os referentes a acidentes de veículos, produtos e serviços defeituosos, dependendo, ainda, do conteúdo probatório já constante dos autos, se suficiente ou não, uma vez que, por não se encontrarem devidamente explicitadas as hipóteses que autorizariam sua produção, seu deferimento somente deverá advir quando a pobreza de subsídios probatórios se verificar, bem como a ausência de complexidade do fato a ser apurado.
Compreendo que a identificação do conjunto de tais circunstâncias não se mostra de fácil percepção, tendo levado várias vezes esta magistrada a decidir pela incompetência do juízo para processo e julgamento do feito, uma vez protestada pela defesa a produção de prova pericial, no viso de manter incólume o respeito aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, bem como de evitar prejuízos processuais para as partes pelo advento de decisão final nula.
Assim, creio que se os esclarecimentos a serem fornecidos pelo técnico, convocado a atuar no feito na condição de testemunha, o puderem ser sem demandar a apresentação de documento escrito demonstraria, sem qualquer dúvida, que a prova técnica restaria indicada, mostrando-se desnecessária a pericial, ainda que reclamada.
A necessidade de maiores explanações ou de demonstrações de cálculo sugerem, portanto, uma complexidade incompatível com o sistema dos Juizados Especiais, impondo a extinção do feito em face da óbvia incompetência.
Ementa CIVIL. IMÓVEIS SITUADOS EM CONDOMÍNIO VERTICAL. DEFEITO NA REDE HIDRÁULICA. INFILTRAÇÃO NO APARTAMENTO SITUADO EM ANDAR INFERIOR. DANOS MATERIAIS COM PROVADOS. DEFINIÇÃO DA ORIGEM DO DEFEITO DE FORMA A DELIMITAR A RESPONSABILIDADE PELA REPARAÇÃO. MATÉRIA CONTROVERTIDA SOMENTE PASSÍVEL DE SER ELUCIDADA MEDIANTE PERÍCIA TÉCNICA. INCOMPETÊNCIA DO JUIZADO. EXTINÇÃO DA AÇÃO PROMOVIDA. 1. ESTANDO O APARATO MATERIAL DA LIDE MANEJADA ENLIÇADO À ORIGEM DO VAZAMENTO QUE PROVOCARA INFILTRAÇÕES NO APARTAMENTO PERTENCENTE AO AUTOR, E, DE SEU TURNO, O PEDIDO ADUZIDO ENDEREÇADO AO RECONHECIMENTO DE QUE TERIA DERIVADO DO DEFEITO HAVIDO NA REDE HIDRÁULICA QUE GUARNECE ESPECIFICAMENTE O IMÓVEL PERTENCENTE AO RÉU, TORNANDO-O OBRIGADO A COMPOR OS PREJUÍZOS DERIVADOS DO HAVIDO E A SUPORTAR OS CUSTOS DA REPARAÇÃO DO VÍCIO AFERIDO, O EQUACIONAMENTO DOS FATOS CONTROVERTIDOS E DO CONFLITO DE INTERESSES ESTABELECIDO RECLAMA A EFETIVAÇÃO DE PROVA PERICIAL. 2. ENVOLVENDO MATÉRIA COMPLEXA, PORQUANTO SUA ELUCIDAÇÃO RECLAMA A EFETIVAÇÃO DE PROVA PERICIAL, POIS SOMENTE UM PROFISSIONAL DA ENGENHARIA PODERÁ AFERIR A ORIGEM DO VAZAMENTO QUE AFETARA O APARTAMENTO DANIFICADO, DEFINIR A EXTENSÃO DOS DANOS DELE ORIGINÁRIOS E MENSURAR O NECESSÁRIO PARA SUA REPARAÇÃO, O JUIZADO ESPECIAL CÍVEL NÃO ESTÁ MUNICIADO COM COMPETÊNCIA PARA PROCESSAR E JULGAR A DEMANDA MANEJADA, IMPONDO-SE SUA EXTINÇÃO, SEM A APRECIAÇÃO DO MÉRITO, CONSOANTE RECOMENDAM OS ARTIGOS 3O E 51, INCISO II, DA SUA LEI DE REGÊNCIA (LEI N. 9.099/95). 3. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. SENTENÇA CASSADA E PROCESSO EXTINTO. UNÂNIME. Decisão - CONHECER. ACOLHER PRELIMINAR. CASSAR SENTENÇA. EXTINGUIR PROCESSO. UNÂNIME. (APELAÇÃO CÍVEL NO JUIZADO ESPECIAL 20030110800863ACJ DF - Registro do Acordão Número : 204902 - Data de Julgamento : 05/10/2004 - Órgão Julgador : Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cív eis e Criminais do D.F. - Relator : TEOFILO RODRIGUES CAETANO NETO - Publicação no DJU: 04/02/2005 Pág. : 171) (grifos nossos)
Os pareceres técnicos cuja apresentação a lei faculta às partes deverão ser trazidos aos autos, a meu ver, instruindo a peça inicial e a contestação, respectivamente, em atenção aos princípios constitucionais acima referidos – uma vez que o técnico a ser eventualmente inquirido pelo juiz já terá acesso aos mesmos – bem como aos critérios norteadores dos JECs, no caso, a celeridade e economia processual.
Por fim, no tocante á inspeção judicial prevista no parágrafo único do artigo 35 aqui examinado, sua adoção pelo juiz tem-se mostrado bastante tranqüila, seja quando executada diretamente pelo próprio juiz ou indiretamente, por oficial de justiça ou pessoa de sua confiança, mediante certificação nos autos ou declaração em termo de audiência.
Sua utilização tem-se mostrado mais comum em feitos relativos a direito de vizinhança, despejo para uso próprio, ressarcimento por danos em prédio urbano ou rústico e nas ações ordinárias de cobrança e indenização por danos, quando se mostra necessária, não se tendo verificado qualquer tipo de questionamento pelas partes, acerca de sua viabilidade e produção no âmbito dos JECs.
Ana Raquel Colares dos Santos Linard Juíza Titular do Juizado Especial Cível e Criminal da Comarca de Juazeiro do Norte(CE)
Abril, 2005.
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