41 - A Justiça do Trabalho e sua competência para o julgamento de ações acidentárias e de indenização decorrentes de acidente do trabalho

CÉLIO DE ALMEIDA MELLO - Juiz de Direito
 

O presente estudo foi motivado em razão da fixação de competência, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, da Justiça dos Estados para as ações de indenização resultantes de acidente do trabalho, pois no julgamento do RE nº 438639  não houve  aprofundamento na análise das inovações trazidas pela Emenda Constitucional nº 45/04.

                

Historicamente, a competência da Justiça do Trabalho abrangia tão-somente o julgamento de causas relacionadas a dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores (antiga redação do “caput” do art. 114 da Carta Magna), razão pela qual não havia celeuma, por força do disposto no art. 109, I, da Constituição Federal, e do art. 129, II, da Lei nº 8.213/91, de que a Justiça Comum dos Estados e do Distrito Federal eram competentes para o enfrentamento de questões envolvendo indenizações por acidente do trabalho.

 

Contudo, esse entendimento hodiernamente não deve subsistir.

                

Atualmente o artigo 114 da Constituição Federal excluiu a expressão “dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores” permitindo, assim, que dentre todas as vicissitudes das relações de trabalho possa a Justiça do Trabalho conhecer e julgar causas de acidente do trabalho propostas contra instituições de previdência social (INSS).

                

Tampouco o fato da vigência integral do dispositivo em comento ter sido suspensa daria azo à fomentação do entendimento de que a Justiça do Trabalho não estaria capacitada a julgar ações de indenização decorrentes de acidente do trabalho, porquanto não poderia haver motivo para controvérsias dada a não inclusão da referida expressão. Esse é o entendimento porque a partir da Emenda Constitucional nº 45/04 não há mais razão para  entender que a Justiça do Trabalho não possa dirimir litígios existentes entre segurado e instituição da previdência social, de modo que em nenhuma hipótese poder-se-ia falar em probabilidade de decisões conflitantes entre os julgamentos proferidos pelo mesmo órgão jurisdicional (concentração da solução de lides envolvendo o mesmo fato histórico exclusivamente pela Justiça do Trabalho).

                

As ações acidentárias estão diretamente ligadas às relações de trabalho, não existindo atualmente - na novel redação do art. 114 dada pela Emenda 45/04 - a limitação que outrora afastava da Justiça do Trabalho o julgamento de casos que não envolvessem “dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores”.

                

Portanto, embora a ação de acidente de trabalho não esteja relacionada diretamente a “dissídio individual ou coletivo entre trabalhadores e empregadores”, não se pode negar que esteja ela relacionada diretamente à relação de trabalho, seja entre trabalhadores e empregadores, ex-trabalhadores e ex-empregadores, seja entre segurado e instituição de previdência social, uma vez que a limitação de matérias foi providencialmente extraída do texto constitucional naquilo que se refere à competência da Justiça do Trabalho.

                

Não se sabe a razão para tamanha resistência contra a possibilidade da Justiça do Trabalho processar e julgar todas as causas relacionadas à relação de trabalho (ações acidentárias contra instituição de previdência social e ações de indenização resultantes de acidente do trabalho), porquanto a utilização, pelos juízes do trabalho, dos institutos de direito civil e direito acidentário, estarão sempre voltadas ao estudo de  figuras básicas de direito  ( v.g. art. 8º , parágrafo único, da CLT).

                

O sistema brasileiro em matéria de infortunística seguia, inclusive com a promulgação da Constituição de 1.988, a estrutura do sistema germânico (adotado pela Alemanha, Áustria e Dinamarca), cujas principais características são: obrigação de seguro contra acidente; regime de monopólio, em proveito do Estado; instituição de uma jurisdição especial; fixação das indenizações por via da lei. A única diferença estava justamente na não instituição de uma jurisdição especial, anomalia esta, que agora, em face à Emenda Constitucional nº 45/04, procurou-se corrigir.

                

A própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal vinha se inclinando no sentido de fortalecer a tese de que as ações de indenização decorrentes de acidente de trabalho deveriam ser julgadas pela Justiça do Trabalho entre ex-trabalhadores e ex-empregadores, conforme se verifica do teor da Súmula 736:

 

“Compete à Justiça do Trabalho julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores”

                

Assim sendo, a melhor solução seria, data vênia, a fim de se evitar decisões conflitantes acerca do mesmo fato jurídico (ponto nuclear que motivou o julgamento do RE nº 438639), unificar definitivamente todas as questões decorrentes da relação de trabalho (sistema germânico, em sua  essência) na esfera de competência da Justiça do Trabalho.

                

Daí a justificar tal entendimento o atual inciso IX do art. 114 da Constituição Federal que também fixa a competência da Justiça do Trabalho para “outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei”.

                

Por derradeiro, o disposto no art. 129, II, da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, não foi recepcionado pela atual Constituição Federal em face à nova redação dada ao art. 114  pela Emenda Constitucional nº 45/04. Com efeito, tal disciplina era necessária porque o art. 109, I, da Constituição Federal, excluía da competência da Justiça Federal as causas de acidentes do trabalho e o já revogado art. 114 da Carta Magna restringia a competência da Justiça do Trabalho às causas envolvendo “dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores”, expressões suprimidas pelo novo texto constitucional do dispositivo em comento.

                

Em conclusão, a tentativa de nossos constituintes de ampliar a competência da Justiça do Trabalho para todas as relações de trabalho, inclusive, segundo este estudo, ações acidentárias contra instituições de previdência social, corre sério risco de ser totalmente desprestigiada pela análise conservadora e tímida das novas normas de direito constitucional ditadas  pela EC nº 45/04.

 

 

Célio de Almeida Mello é juiz de Direito da 3ª Vara Cível de Mogi das Cruzes/SP



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