30 - Algumas questões sobre o Estatuto do Idoso

 
ALEXANDRE PONTIERI - Advogado
 

O presente artigo não tem a pretensão de adentrar em questões polêmicas sobre o Estatuto do Idoso, mas apenas trazer à baila alguns pontos que poderão gerar maior debate.

 

A Lei nº 10.741 (Estatuto do Idoso), de 1º de outubro de 2003, publicada no Diário Oficial da União do dia 3 de outubro de 2003, veio para regular os direitos das pessoas idosas.[1]

 

Existem algumas questões que merecem maior atenção como, por exemplo, a do artigo 3º, que assim dispõe: “É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária”.

 

Assim, o Estatuto do Idoso veio para assegurar, de forma explícita o que a Constituição Federal já trazia em seu bojo. [2] 

 

Alguns outros artigos do Estatuto devem ganhar maior importância, como os disciplinadas no Capítulo III, artigos 11, 12, 13 e 14, que tratam da questão dos alimentos, principalmente o artigo 12, que dispõe: “A obrigação alimentar é solidária, podendo o idoso optar entre os prestadores”.

 

Apesar da atualidade, a questão veio a ser discutida em nossos Tribunais, como segue:

 

“Alimentos. Parentes. Arts. 1.694 E 1.695, CCB. A obrigação alimentar decorrente genericamente do parentesco é de menor intensidade do que o dever alimentar que decorre do poder parental. Este último é prioritário sobre o sustento do próprio prestador. O primeiro, no entanto, condiciona-se à possibilidade do prestador atendê-lo sem prejuízo, em primeiro lugar, da satisfação de suas próprias necessidades. Caso em que os filhos, maiores, não ostentam condições de prestar alimentos ao pai, embora a necessidade deste. Inteligência do Artigo 12 do Estatuto do Idoso. A Lei 10.741, de 01 de outubro de 2003, prevê, em seu artigo 12, que "a obrigação alimentar é solidária, podendo o idoso optar entre os prestadores". Trata-se, à evidência, de regra que, ao conferir à obrigação alimentar a característica da solidariedade, contraria a própria essência da obrigação, que, consoante dispõe o artigo 1.694, parágrafo primeiro, do Código Civil, deve ser fixada na proporção da necessidade de quem pede e da possibilidade de quem é chamado a prestar. Logo, por natureza, trata-se de obrigação divisível e, por conseqüência, não-solidária, mostrando-se como totalmente equivocada, e à parte do sistema jurídico nacional, a dicção da novel regra estatutária. Negaram Provimento. Unânime. (Apelação Cível nº 70006634414, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 22/10/2003).”

 

Já o artigo 27 trata da questão da Profissionalização e do Trabalho, disciplinando que: “Na admissão do idoso em qualquer trabalho ou emprego, é vedada a discriminação e a fixação de limite máximo de idade, inclusive para concursos, ressalvados os casos em que a natureza do caro o exigir”.

 

Cremos que este artigo trará diversas questões, principalmente no que diz respeito aos concursos públicos, que muitas vezes dispõe sobre limite de idade aos candidatos.

 

Já o artigo 34 dispõe que: “aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social – Loas.

 

Assim o entendimento dos Tribunais sobre a matéria:

 

Apelação Cível nº 748813 do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, publicada no DJU de 2/2/2004, p. 404:

“...

III – é de se deferir o benefício assistencial ao autor, já com 66 anos, portador de bronquite crônica (tabágica), etilismo crônico, síndrome varicosa de membros inferiores, morando com a companheira, sendo que o casal sobrevive da caridade alheia e com a aposentadoria mínima da mulher.

IV – Aplica-se, por analogia, o parágrafo único do art. 34, da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), que estabelece que o benefício já concedido a qualquer membro da família, nos termos do “caput”, não será computado para fins de cálculo da renda familiar  per capita  a que se refere a LOAS.

V – Recurso do autor provido.

VI – Sentença reformada.”

 

No mesmo sentido a Apelação Cível nº 713005 do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, publicada no DJU de 20/11/2003, p. 415:

 

“...

IV – Benefício assistencial requerido por pessoa com 69 anos, com saúde comprometida, que não tem rendimentos. Cumprimento do requisito etário.

V – Aplica-se, por analogia, o parágrafo único do artigo 34, da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).

VI – O rigor na aplicação da exigência quanto à renda mínima, tornaria inócua a instituição desse benefício de caráter social, tal o grau de penúria em que se deveriam encontrar os beneficiários.”

 

E, ainda, no mesmo sentido a Apelação Cível 719543 do mesmo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, publicada no DJU de 6/11/2003, p. 279:

 

“Previdenciário. Benefício Assistencial. Cumpridos os Requisitos Legais. I – É de se deferir o benefício assistencial à autora que está cega, já com 76 anos, morando com o cônjuge e com um filho de criação, sendo que a família se mantém com uma cesta básica fornecida pelo governo e com a aposentadoria por tempo de serviço do marido.

II – Aplica-se, por analogia, o parágrafo único do artigo 34, da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).

III – Recurso da autora provido.

IV – Sentença reformada.”

 

Já o Capítulo X, que trata da questão do Transporte dos Idosos (artigos 39 e 40), pode ser considerado como um dos mais polêmicos do Estatuto, principalmente diante da enorme resistência das Empresas de Transporte Interestadual de Passageiros em garantir a reserva de 2 (duas) vagas gratuitas por veículo para idosos com renda igual ou inferior a 2 (dois) salários-mínimos.[3]

 

O artigo 70 dispõe que o Poder Público poderá criar varas especializadas e exclusivas do idoso. Seguindo esta orientação, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com sede em Porto Alegre, implantou na cidade de Maringá, no Paraná, a 1ª Vara Especializada do Idoso no  país.

 

O artigo 71 assegura a “prioridade na tramitação dos processos e procedimentos e na execução dos atos e diligências judiciais em que figure como parte ou interveniente pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, em qualquer instância.”[4]

 

O artigo 74 trata da competência do Ministério Público.

 

Assim o entendimento dos Tribunais reforçando a questão:

 

Processual Civil. Agravo Interno. Fornecimento de Medicamentos. Legitimidade Ativa do Ministério Público. 1 – O Ministério Público é parte legítima para pleitear em nome próprio, a favor de pessoa idosa, o fornecimento de medicamentos por expressa previsão legal (Lei nº 10.741, artigo 74, III). 2  - Agravo Interno Provido. (Agravo nº 70008288003, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relator: Araken de Assis, Julgado em 24/3/2004).

 

Constitucional. Direito à Vida. Fornecimento de Medicamentos. Portadora de Problemas Cardíacos e Hipertensão Arterial. Possibilidade. 1 – O Ministério Público é parte legítima para pleitear em nome próprio, a favor de pessoa idosa, o fornecimento de medicamentos por expressa previsão legal (Lei nº 10.741, artigo 74, III). Preliminar rejeitada. 2 – O direito à vida (CF/88, artigo 196), que é de todos e dever do Estado, exige prestações positivas, e, portanto, se situa dentro da reserva do possível, ou seja, das disponibilidades orçamentárias. É passível de sanção a ausência de qualquer prestação, ou seja, a negativa genérica a fornecer medicamentos. 3 – Apelação provida. (Apelação Cível nº 70008124331, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relator: Araken de Assis, Julgado em 7/4/2004).

 

No que diz respeito às questões criminais, podemos destacar o artigo 94, que assim dispõe: “Aos crimes previstos nesta Lei, cuja pena máxima privativa de liberdade não ultrapasses 4 (quatro) anos, aplica-se o procedimento previsto na Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, de 26 de setembro de 1995, e, subsidiariamente, no que couber, as disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal.”

 

Discute-se neste artigo a questão da ampliação ou não do conceito de infração penal de menor potencial ofensivo, que será analisada pelo Supremo Tribunal Federal através da Ação Direta de Inconstitucionalidade  nº 3096, ajuizada pelo Procurador- Geral da República em 17 de dezembro de 2003.

 

Cremos que, de forma resumida, estes são os principais pontos que  vislumbramos como os que poderão suscitar maiores discussões.

 

Só o dia-a-dia forense e a busca incessante por melhorias trarão dignidade e respeito aos nossos idosos.

 

 

Alexandre Pontieri é advogado em São Paulo; pós-graduado em Direito Tributário pelo Centro de Pesquisas e Pós-Graduação da FMU (CPPG/UNIFMU) e pós-graduado em Direito Penal pela Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo (ESMP/SP).

 

 

 


 

[1] Lei nº 10.741, de 1º/10/2003, artigo 1º - É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.

[2] Constituição Federal, artigo 230: A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. 

[3] Sobre a polêmica questão do Transporte Interestadual dos Idosos, ver: Pontieri, Alexandre; Estatuto do Idoso – Lei 10.741 e Transporte Interestadual de Passageiros, publicado na Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, nº 10, ano 16, outubro de 2004, p. 85.

[4] A Lei nº 10.173, de 9/1/2001, trata da prioridade de tramitação aos procedimentos judiciais em que figure como parte pessoa com idade igual ou superior a (65) sessenta e cinco anos.


    


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