28 - A prática de “atividade jurídica” nos concursos
HUGO NIGRO MAZZILLI - Advogado |
Ao cuidar dos concursos de ingresso na Magistratura e no Ministério Público, a Reforma do Judiciário passa a exigir “do bacharel em Direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica” (arts. 93, I, e 129, § 3.º, com a redação da Emenda Constitucional (EC) n. 45, promulgada em 8 de dezembro de 2004). Quiseram os parlamentares instituir um lapso mínimo, antes que o novo juiz ou o novo promotor assuma seus difíceis encargos, que supõem maturidade e experiência. A nova exigência deverá causar grande repercussão nos concursos públicos, pois muitos candidatos, hoje, saem das faculdades de Direito em busca de ingresso direto na Magistratura ou no Ministério Público. Se mal aplicada a regra, poderemos ver afastados muitos bons candidatos, uma vez que, depois de três anos, “no mínimo”, de atividade jurídica, o possível candidato poderá ter deixado os estudos preparatórios há algum tempo, poderá ter feito progressos na advocacia, esta poderá parecer-lhe mais promissora, e ele poderá abandonar a idéia de concurso, relegando-a não raro para profissionais malsucedidos na advocacia... Essa nova exigência, entretanto, tem ensejado bastantes controvérsias. Esses três anos, no mínimo, de atividade jurídica, só podem ser contados a partir do momento no qual o candidato tiver obtido o bacharelado? Por outro lado, em que consiste exatamente essa experiência jurídica? A lei não define o que é exercício de atividade jurídica (diversamente do que ocorre com o exercício da advocacia, já definido no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB – e na legislação regulamentar). Comecemos por procurar responder à questão sobre se podem ser computados, como experiência jurídica, períodos de tempo anteriores à conclusão do curso jurídico, como o estágio profissional. Quando a emenda passa a exigir “do bacharel em Direito” os três anos de atividade jurídica, não está dizendo que ele há de ter três anos de atividade jurídica enquanto bacharel em Direito, e, sim, que ele precisa ser um bacharel em Direito com três anos de experiência jurídica. Assim, poderia essa experiência jurídica começar a contar a partir dos bancos acadêmicos? O curso acadêmico em si não pode contar como exercício de atividade jurídica para os fins dessa exigência; se assim fosse, a norma constitucional seria inútil e ociosa, pois qualquer bacharel em Direito, pela obtenção do título, já teria quatro ou cinco anos de curso jurídico. O que interessa discutir é se alguma experiência jurídica anterior à obtenção do bacharelado poderia ser computada em seu favor. Durante o curso jurídico, muitas vezes, o acadêmico já se inscreve profissionalmente na OAB e faz o estágio profissional, em razão do qual pratica licitamente atos limitados de advocacia, nos termos do Estatuto da OAB. A nosso ver, isso será exercício de atividade jurídica de caráter profissional. Da mesma forma, entendemos que o estagiário do Ministério Público ou o estagiário da Magistratura poderá contar esse tempo de experiência profissional jurídica, que não se confunde com a mera formação cultural acadêmica dos bancos escolares. Está claro que a nova norma não dispensará a devida regulamentação que enfrentará o âmago da questão: com efeito, o que significa, exatamente, exercício de “atividade jurídica”? Além dos casos óbvios dos advogados militantes, dos promotores e juízes em exercício, que, sem dúvida, exercem “atividade jurídica”, ainda há outras hipóteses, menos óbvias, porém. O estagiário profissional, assim reconhecido pela OAB, exerce atividade jurídica? Segundo cremos, e já o antecipamos, a resposta deve ser positiva. E o estagiário acadêmico ou do Ministério Público? Por que não também? E o Delegado de Polícia? Estamos certo de que sim. E o Escrivão de Polícia? E o escrevente judiciário ou o Oficial de Promotoria do Ministério Público, por que não? E, mesmo para o advogado militante, quantas peças profissionais por ano consideram-se efetiva prática de atividade jurídica? Só uma boa e sensata regulamentação poderá responder a tudo isso... Todas essas são questões que supõem regulamentação em âmbito federal, para evitar discrepâncias regionais as quais fariam com que uma exigência nacional fosse interpretada de maneira diferente em cada Estado-Membro, quebrando-se inadmissivelmente a unidade do Direito federal. Nesse ínterim, parece-nos interessante noticiar que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já tinha enfrentado esse tipo de problema, mantendo interpretação mais eqüitativa sobre o alcance da expressão parelha “prática forense”, e, a nosso ver, sua posição vinha sendo bem adequada. Outrossim, o requisito deve ser exigido quando da posse e não quando da inscrição no concurso[3]. Segundo o entendimento pretoriano dominante, a prática forense, traduzida no efetivo exercício da advocacia por alguns anos, ou a prática de cargo para o qual se exija diploma de bacharel em Direito era exigência legítima para ingresso na Magistratura, cuja comprovação deve ser aferida no ato da posse e não por ocasião das inscrições[4]. Em suma, será indispensável o advento de lei que regulamente essa importante questão trazida pela Reforma do Judiciário, da mesma forma que outros pontos dessa Reforma também deverão ser regulamentados para alcançar a eficácia desejada pelo legislador (art. 7.º da EC n. 45/2004). Sem regulamentação, cremos que o requisito de prévio exercício de atividade jurídica não é auto-aplicável, de maneira que, se vier a ser exigido em editais de concurso, sem anterior regulamentação, poderá ser questionado por meio de mandado de segurança. Hugo Nigro Mazzilli é procurador de Justiça aposentado, advogado, professor do Complexo Jurídico Damásio de Jesus, consultor jurídico e autor de diversos livros, inclusive de "Ministério Público", cuja 3.ª edição revista e atualizada de acordo com a Reforma do Judiciário será lançada em janeiro de 2005.
[1] RMS n. 450.936/RS; REsp n. 399.345/RS; AREDMS n. 6.620/DF; MS n. 6.867/DF; MS n. 6.624/DF; MS n. 6.559/DF; MS n. 6.815/DF; MS n. 6.579/DF; REsp n. 241.659/CE; MS n. 6.200/DF; MS n. 6.216/DF. [2] MS n. 4.628/DF; MS n. 5.148/DF. [3] ROMS n. 15.221/RR. [4] Nesse sentido, a Súmula n. 266 do STJ; ROMS n. 15.221/RR; RMS n. 14.434/MG. |