20 - Os Juizados Especiais Estaduais e as Ações Previdenciárias

 
MARCOS DE LIMA PORTA – Juiz de Direito
 

 

Um tema que tem gerado na prática algum conflito diz respeito à possibilidade ou não de o juizado especial estadual receber ações previdenciárias, processá-las e julgá-las, nas localidades onde não há sede de Vara do Juízo Federal.

A Constituição Federal em vigor, em seu artigo 109, par. 3º, estabelece:

"Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual".

Nesses termos, as Varas Judiciais Estaduais recebem as ações previdenciárias, processam-nas e, ao final, são julgadas pelo juiz estadual. No caso de recurso, os autos são remetidos para o Tribunal Regional Federal da área de jurisdição do juiz de primeiro grau, nos termos do art. 109, par. 4º., da Constituição Federal.

Portanto, trata-se de um tema típico da justiça federal que, por força da Constituição Federal, pode ser apreciado e julgado pela justiça estadual de primeiro grau por uma de Varas competentes.

Com o advento da Emenda Constitucional n. 22 de 18 de março de 1999 ficou estabelecido que a "Lei federal disporá sobre a criação de juizados especiais no âmbito da Justiça Federal".

Em atendimento a esse mandamento constitucional surgiu a Lei Federal n. 10.259/2001 que dispõe sobre a instituição e funcionamento dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal.

A partir dessa lei, os Juizados Especiais Cíveis Federais passaram a ser também competentes para o recebimento, processamento e julgamento das causas previdenciárias.

Nesses termos, há quem sustente que nos locais onde não há Juizado Especial Cível Federal, pelo mesmo motivo constitucional que permite o recebimento, processamento e julgamento das ações previdenciárias pela Vara Judicial Estadual, as reclamações previdenciárias podem ser recebidas, processadas e julgadas em primeiro grau pelo Juiz Estadual que atua nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais. Esse ponto de vista adquiriu relevância e adeptos de escol tanto é que foi aprovado como Enunciado 65, pelo Fórum Permanente de Juízes Coordenadores dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Brasil:

"Enunciado 65. A ação previdenciária fundada na Lei n.10.259/01, onde não houver Juízo Federal, poderá ser proposta no Juizado Especial Estadual, nos termos do art. 109, par. 3º., da Constituição Federal".

Todavia, há um outro ponto de vista que traz uma interpretação conforme a Constituição Federal que sustenta o contrário, ou seja, de que não é possível o Juizado Especial Estadual receber, processar e julgar as ações previdenciárias fundadas na Lei n. 10.259/01, mesmo onde não houver Juízo Federal.

A esse respeito, destaca-se o seguinte trecho da brilhante e inatacável decisão, recentemente proferida pelo Desembargador Federal Galvão Miranda, do Tribunal Regional Federal da 3ª. Região:

"Mesmo em se tratando de matéria previdenciária não fica excepcionado o dispositivo da lei ordinária, pois a hipótese prevista de delegação do par. 3º do artigo 109 da Constituição Federal trata de competência adstrita a Varas, não abrangendo a hipótese de juizados, para o qual a competência e procedimento decorrem do mandamento constitucional específico do parágrafo único do artigo 98. Observe-se que o juizado especial não constitui simples procedimento especial, mas órgão jurisdicional, com competência delimitada, de maneira que não se pode confundir a delegação prevista no par. 3º do artigo 109 da Constituição Federal com a competência haurida de dispositivo constitucional diverso (artigo 98, parágrafo único).

Isto fica ainda mais claro pelo fato de que, no caso de delegação, o recurso cabível "será sempre para o Tribunal Regional Federal", conforme dispõe o § 4º do artigo 109 da Constituição Federal, expressão que não permite qualquer flexibilidade de interpretação para conferir o exame de recurso de primeira instância a outro órgão jurisdicional, no caso as Turmas Recursais.

Poderia se afirmar que a expressão "será sempre para o Tribunal Regional Federal" não se distancia daquela que determina que as causas decididas por juízes federais estão sujeitas ao julgamento pelo Tribunal (inciso II do artigo 108 da Constituição Federal), e que nem por isso se verifica inconstitucional a apreciação por Turmas Recursais de recursos interpostos de sentenças dos Juizados Especiais Federais. Contudo, tal ilação não prospera, uma vez que na hipótese as Turmas Recursais têm previsão constitucional, o que não conflitaria, por ser norma específica, com a regra geral de apreciação dos respectivos recursos pelo Tribunal Regional Federal.

Por outro lado, permitir que se estenda aos Juizados Especiais Estaduais o julgamento de causas previdenciárias significaria também submeter eventuais recursos às Turmas Recursais Estaduais, deixando a hipótese de ser simples delegação de competência para a Justiça Estadual para constituir verdadeira transferência de competência, já que a Justiça Federal deixaria de exercer qualquer controle ou jurisdição sobre os respectivos feitos. Do mesmo modo, aventar a hipótese de eventuais recursos de decisões dos Juizados Estaduais serem submetidos ao exame das Turmas Recursais Federais constituiria solução contrária à lei, pois a referido órgão jurisdicional estão somente submetidos os recursos oriundos dos Juizados Especiais Federais.

A competência da Justiça Federal é classificada como jurisdição especial, na doutrina de Athos Gusmão Carneiro (Jurisdição e Competência, 11ª edição, Editora Saraiva, p. 25), sendo que o Juizado Especial Federal se encontra inserido nesta classificação, já que é especialíssimo o rol de controvérsias possíveis de serem submetidas ao seu julgamento. Em assim sendo, a competência é taxativa, de forma que as hipóteses que não se alinharem aos limites da norma que disciplina a competência na espécie devem ser submetidas à regra geral. A regra geral, no caso em testilha, é a submissão da questão ao julgamento pelo procedimento comum em Vara da Justiça Estadual, aplicando-se o disposto no § 3º do artigo 109 da Constituição Federal. Explica-se: a disposição constitucional relativa aos juizados especiais é, como a própria expressão já o diz, especial em relação à delegação tratada no § 3º do artigo 109 da Constituição Federal.

Se não bastasse, o próprio regramento normativo dos Juizados Especiais Estaduais (Lei nº 9.099/95), exclui da competência de referido órgão jurisdicional as causas de interesse da Fazenda Pública (§ 2º do artigo 3º). Também o artigo 8º do mesmo diploma legal deixa claro que não poderão ser partes – não importando se no pólo ativo ou passivo – as pessoas jurídicas de direito público e as empresas públicas da União.

Assim, não pode o Juizado Especial Estadual processar e julgar causas para as quais sua atuação está expressamente vedada, vedação esta assinalada pelas leis que instituíram os Juizados Especiais Estaduais e os Juizados Especiais Federais, não se olvidando que a competência, neste caso, como anteriormente salientado, é taxativa, não se podendo acrescentar o que não foi previsto e, muito menos, adicionar aquilo que foi expressamente proibido pela lei" (proc. 2004.03.00.004768-8, MS 256338,11.02.2004).

A divergência ainda remanesce. Como Juiz-Diretor de Juizado Especial Estadual tenho perfilhado do entendimento exposto na decisão acima mencionada do Tribunal Regional Federal da 3ª. Região, posição essa que, salvo melhor juízo, tem prevalecido entre os operadores do Direito.


    


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