15 - O controle externo do Executivo

 
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS - Jurista
 

O Poder Executivo, em quase todas as unidades federativas, é o principal responsável pela lentidão do Poder Judiciário. Entulha varas e tribunais com recursos repetitivos, em casos em que existe jurisprudência consolidada em sentido contrário a suas pretensões, e, mediante esse expediente protelatório, retarda o cumprimento das condenações que lhe são impostas, dando um péssimo exemplo aos cidadãos brasileiros.

Tenho dito que a ''caixa-preta'' do Judiciário, na verdade, está localizada no Executivo, visto que mais de 60% das ações repetitivas - e sem qualquer possibilidade de êxito nos tribunais superiores - são originárias desse poder da República, nas esferas federal, estadual e municipal.

Bastaria cumprir a lei, reconhecer a jurisprudência e deixar de protelar o cumprimento das obrigações de responsabilidade do Estado, e a ''performance'' do Poder Judiciário melhoria, fantasticamente.

É, portanto, forma de desviar a atenção do real problema, pretender, esse poder, que é político e descumpridor de suas obrigações - basta considerar, por exemplo, o reiterado e escandaloso descumprimento do pagamento de precatórios -, controlar um poder técnico e que só não funciona melhor porque os Poderes Executivos das diversas unidades federativas não o permitem.

Dir-se-á que os países parlamentaristas - pelo menos, alguns deles - têm controle externo. Ocorre que, no sistema parlamentar de governo, não há independência entre os três poderes, como ocorre nos sistemas presidenciais. No parlamentarismo, os poderes não são nem autônomos nem independentes. O Executivo depende do Legislativo e pode ser por ele derrubado. O Legislativo depende do chefe de Estado e pode ser dissolvido, com convocação de novas eleições, se assim entender o mais estável entre os chefes dos três poderes (de governo, de Estado, do Parlamento). Em alguns países (França, por exemplo), o Poder Judiciário é uma repartição da Administração Pública (Executivo), estando mais sujeito ao ministro de Justiça que a suas cortes superiores.

Assim, quando criado, nesses países, o controle externo, seu objetivo foi ofertar independência ao Poder Judiciário, retirando-o do controle direto do Executivo e, mais particularmente, do Ministério da Justiça. Não foi para controlá-lo, mas para libertá-lo do controle do Executivo.

Nos regimes presidencialistas, tal problema não se coloca.

Dizer que seu controle se justifica porque seus integrantes são servidores públicos concursados, é justificar controle semelhante também de todos os servidores públicos concursados dos poderes Executivo e Legislativo. Dizer que os agentes políticos do Poder Executivo e do Legislativo são controlados por eleitores é outra falácia. Os políticos o são. Os burocratas, não.

Ora, se o povo não está contente com toda a Administração Pública concursada (Polícia, Tesouro, Saúde etc.), por que pretender que se crie o controle externo apenas para aquele poder que é o mais técnico do país?

É de se lembrar que o Brasil tem, apenas, 13.000 magistrados para 175.000.000 de habitantes. Trata-se de uma das mais baixas médias de magistrado, por jurisdicionado, do mundo civilizado.

Estou convencido de que a criação do controle externo, objetivando retirar autonomia e independência do Poder Judiciário, decorre de ser este um poder incômodo para os outros dois - responsáveis que são pela produção de leis desconformes à Constituição, cuja inconstitucionalidade acaba tendo de ser decretada pelos tribunais.

Ocorre, todavia, que o pretendido controle fere cláusula pétrea da Constituição, visto que está, o artigo 60, § 4º, inciso III da C.F., assim redigido:

''§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: .....

III. a separação dos poderes''.

Ora, se a separação dos poderes é cláusula pétrea, à evidência, não pode um deles interferir no outro. Se os integrantes de um eventual Conselho Nacional de Magistratura forem membros de outros poderes - deputados ou senadores - terão de renunciar ao mandato.

Se, entretanto, tal órgãos for composto por membros do Ministério Público ou advogados, terão eles de deixar de exercer, respectivamente, sua função e profissão, sob pena de passarem a gozar - em decorrência do exercício de tal controle - de condição privilegiada para o desempenho de sua atividade, que seus colegas não terão.

A minha tranqüilidade de que tal controle jamais será instituído está em que a última palavra sobre a sua constitucionalidade caberá ao Supremo Tribunal Federal, por força do artigo 102, inciso I da Constituição Federal.

Se a guardiã da Constituição, que é a Suprema Corte, entender que sua instituição é inconstitucional, por violar cláusula pétrea (separação dos poderes), à evidência, tal forma de expediente, destinado a desviar a atenção da sociedade dos reais problemas criados pelo Executivo, mediante a colocação do Judiciário na berlinda, cairá por terra, em benefício do Estado de Direito e da democracia.

Bem faria o Poder Executivo Federal, se, em vez de pretender o controle externo do Judiciário, acatasse as decisões desse poder, quando pacifica e reiteradamente desfavoráveis à administração direta e indireta, deixando de recorrer nas questões repetitivas. Só com essa providência já melhoraria fantasticamente as condições de exercício das funções do melhor e mais técnico dos três poderes, o Judiciário. Se, entretanto, desejar que haja o controle externo do Judiciário, que se estabeleça também o controle externo do Executivo para que não se utilize de recursos judiciais protelatórios a fim de não cumprir suas obrigações com o povo brasileiro. 




O Tribunal de Justiça de São Paulo utiliza cookies, armazenados apenas em caráter temporário, a fim de obter estatísticas para aprimorar a experiência do usuário. A navegação no portal implica concordância com esse procedimento, em linha com a Política de Privacidade e Proteção de Dados Pessoais do TJSP