9 - Discurso proferido durante a instalação do Setor de Conciliação do Fórum João Mendes

 
HÉLIO QUAGLIA BARBOSA - Ministro do STJ
 

Senhor Presidente do E. Tribunal de Justiça de São Paulo, Desembargador LUIZ ELIAS TAMBARA,

Senhor Professor KAZUO WATANABE, ilustre advogado e desembargador, que tanto honrou esta Corte ao tempo em que a integrava,

nas pessoas dos quais me permito saudar as demais autoridades presentes e representadas, bem como sobretudo aqueles tantos que acodem a esta solenidade, movidos pelo entusiasmo de prestar sua contribuição ao novel projeto, que ora se implanta e concretiza.

Na verdade, pelos idos de 2002, na gestão do então Presidente desta Corte, Desembargador SÉRGIO AUGUSTO NIGRO CONCEIÇÃO, também imbuído de crença firme na idéia, que principiava a tomar forma, reuniram-se, no recinto do Plenário do E. Segundo Tribunal de Alçada Civil, gentilmente cedido por seu Presidente, o hoje Desembargador JOÃO CARLOS SALETTI, mais de três dezenas de magistrados das Varas Cíveis do Fórum João Mendes Júnior, para trocar idéias e experiências, voltadas à plausibilidade da implantação, naquele Foro Central, do que então provisoriamente se rotulava um "projeto piloto de conciliação", em busca de colher, dentre as dezenas de milhares de feitos, que ali tinham curso, ingressando cada vez em maior número, qual avalanche irresistível, uma quantidade significativa dos que, por sua particular feição, se revelassem aptos a acolher desate pela via consensual pacífica, mediante consecução de resultado com acentuada utilidade social, sem embargo do efeito imediato de dar cabo de disputas sem conta, que dentre outras sobrecarregavam, como ainda sobrecarregam, de modo desumano, as tarefas de magistrados e serventuários, produzindo o efeito imediato de retardar e de dificultar a prestação da prestação jurisdicional, ainda útil ao usuário, dentro de um tempo razoável e com a qualidade de trabalho, que nunca faltou no Poder Judiciário paulista.

Estava lançada a semente, as raízes principiaram a se desenvolver, os primeiros brotos, ainda tímidos, passaram a assomar em solo fértil, a ponto de projetos de semelhante inspiração começarem a se desenvolver noutras Comarcas da Grande São Paulo e do Interior do Estado, frutos pioneiros da parceria, que se esboçava, entre a E. Corregedoria Geral da Justiça, à época laboriosamente comandada pelo insigne Desembargador LUIZ ELIAS TAMBARA, atual Presidente da Corte, e a Escola Paulista da Magistratura que, também naquele momento, era por mim dirigida, sucedendo ao eminente Ministro CEZAR PELUSO, um dos primeiros artífices da quase aventura, em que não muitos acreditavam, cerrando fileiras com KAZUO WATANABE, DEMÓSTENES BRAGA, CAETANO LAGRASTA e mais alguns sonhadores, - permitam-me assim chamar-nos a todos -, que se dispuseram a levar a idéia avante, por mais rijos que fossem os embaraços por arrostar.

Não se tratava, é bom que se diga, de simplesmente procurar diminuir a carga de trabalho dos magistrados cíveis do Foro Central, para lhes proporcionar melhores condições de enfrentar as causas, que não parecessem suscetíveis de receber solução amigável; muito mais do que isso, não descartado embora aquele efeito, o que se tinha sob mira era somar à "cultura da sentença", tanto ou mais produtiva e consentânea com a idéia da Justiça, a "cultura da conciliação", nem sempre valorizada, apesar de tendente à definitiva solução dos conflitos.

Cuidando, de modo mais abrangente, da mediação, ninguém menos que o baluarte KAZUO WATANABE explica o porquê dessa efetividade, pedra de toque dos denominados "meios alternativos de solução de conflitos", ADR - Alternative Dispute Resolution - desenvolvidos e agasalhados pela Justiça norte-americana.

Di-lo, com a habitual precisão:

"Quando se trata de solução adequada aos conflitos de interesses, insisto em que o preceito constitucional que assegura o acesso à Justiça traz implicitamente o princípio da adequação; não se assegura apenas o acesso à Justiça, mas se assegura o acesso para obter uma solução adequada aos conflitos, solução tempestiva, que esteja bem adequada ao tipo de conflito que está sendo levado ao Judiciário."

"Observa-se, na prática, que alguns conflitos, principalmente aqueles que ocorrem entre duas pessoas em contato permanente (marido e mulher, dois vizinhos, pessoas que moram no mesmo condomínio), exigem uma técnica de solução como a mediação, em virtude de se buscar nesses conflitos muito mais a pacificação dos conflitantes do que a solução do conflito, porque a técnica de hoje de solução pelo juiz, por meio de sentença, é uma mera técnica de solução de conflitos, e não uma técnica de pacificação dos conflitantes..." (Série Cadernos do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, nº 22, 2003, p. 56).

Significativamente, conclui o articulista, com sua autoridade incontroversa:

"Hoje, depois de vinte anos de magistratura, é muito mais importante a atuação do juiz, do profissional do Direito na pacificação da sociedade do que na solução do conflito. É mais relevante para o juiz um acordo amigável, mediante uma conciliação das partes, do que uma sentença brilhante e que venha a ser confirmada pelos tribunais superiores."

"Os tribunais superiores" - conclui - "precisam começar a aferir o mérito do juiz por uma atitude diferente diante de sua função judicante, que não consiste apenas em proferir sentença, dizendo qual a forma correta, se é preto ou branco, se é certo ou errado, solucionando apenas o conflito e não trabalhando para a pacificação da sociedade" (ob. cit., p. 60), indispensável, todavia, além da participação de todos os operadores do Direito, artesãos do mesmo ofício, antes de tudo a mudança de mentalidade desses profissionais e, mais do que deles, da própria sociedade.

É a advertência de eminente mestre das Arcadas, o Professor RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO:

"Só as técnicas processuais, de per si, por mais elaboradas ou até sofisticadas que sejam, não bastam para resolver o problema da morosidade da prestação jurisdicional e conseqüente represamento de processos, se não forem acompanhadas de uma mudança de mentalidade, buscando-se a superação da postura beligerante por um posicionamento conciliador, no contexto de um processo de estrutura cooperatória..." ("O Plano Piloto de Conciliação em Segundo Grau de Jurisdição do Egrégio Tribunal de Justiça", separata da Revista dos Tribunais, , v. 820, p. 23), sendo para tanto imprescindível, porém, afora a colaboração dos demais profissionais jurídicos, a figura do juiz vocacionado para a gestão, detentor dos atributos da atenção, da paciência, da concentração, do autocontrole, da disciplina e da preocupação verdadeira com a efetiva pacificação social. Sem o que tudo não passará de um triste simulacro de atitude e de conduta, fadado à inutilidade e ao fracasso, perda acrescentada do tempo precioso de que o Judiciário já não dispõe...

No momento em que se traz a público um tosco, mas nem por isso menos ambicioso, diagnóstico de Poder Judiciário, atopetado de quadros, tabelas e gráficos, multicoloridos e de produção gráfica caprichada, mas que apenas perpassa à vol d’oiseau pelos "meios alternativos de solução de conflitos", reconhecendo-os embora como "instrumentos importantes de realização de justiça", especialmente em primeiro grau, produto de consultoria prestada pela Fundação Getúlio Vargas - São Paulo, editado pela Secretaria da Reforma do Judiciário (agosto de 1994, p. 111), aqui está, efetiva e concretizada, a contribuição do Poder Judiciário de São Paulo, nos moldes do Provimento nº 796/03, do E. Conselho Superior da Magistratura, disciplinando o projeto, e da Portaria nº 7.174/04, desde logo e para já, nomeando uma plêiade de profissionais voluntários, experientes e abnegados, dentre respeitáveis advogadas e advogados, ainda na militância, e juízas e juízes aposentados, irmanados na empresa valorosa, unidos no propósito de responder melhor e mais prontamente àqueles que clamam por justiça.

Se propostas de reforma ou diagnósticos que lhe vêm caudatários quase nada trazem, em seu bojo, para dar esperanças sérias de aperfeiçoamento do Poder Judiciário, este projeto, sim, há de ser identificado como contribuição real, promissor empreendimento, com aptidão para produzir resultados imediatos, passando ao largo das generalidades alinhavadas por quem não conhece o Poder Judiciário e que só trarão frustrações, não somente para seus escribas, mas, sobretudo, o que é muito pior, para a própria sociedade brasileira.

Ao propósito do inefável diagnóstico, quem pondera, significativamente, é o Professor de Direito Constitucional da UFRJ, também na condição de Diretor da Escola de Direito do Rio de Janeiro da mesmíssima Fundação Getúlio Vargas:

"Quem já tem experiência com estudos do gênero desconfia, por exemplo, de comparações internacionais. Magistratura não é realidade profissional unívoca. Possui funções distintas em cada país. No Japão, o contencioso administrativo exerce muitas funções judiciais. O juiz tem menos funções. Em Portugal, também. O critério de cálculo das despesas judiciais não é uniforme, e a quantidade de processos é diferente. Há que se ter cautela nestas comparações. Podem causar danos e produzir políticas equivocadas."

Ademais, outra "constatação é a de que, como os dados demonstram que o Poder Executivo usa o Judiciário para adiar suas dívidas, que algumas grandes empresas transferem para a Justiça os custos da relação com o consumidor e que o número de recursos processuais previstos nas leis feitas pelo Congresso é excessivo, a lentidão da Justiça não tem um só responsável - o Poder Judiciário. Tem muitos. Reformar a Justiça é também reformar o mau uso que os governos e a sociedade fazem dela. O desafio civilizatório não será o jogo de quem tem mais culpa. Será instaurar um processo para o qual todos convirjam em busca de soluções realistas" ("O diagnóstico do Poder Judiciário", Correio Braziliense, 19.8.04, p. 29).

Soluções realistas, efetivas, palpáveis, verdadeiramente sinceras, principiológicas, mas também pragmáticas, produtivas, transformadoras de cultura, engajando todos os segmentos sociais e, mais do que tudo, vinculando todos os Poderes ao compromisso de realizá-las e de respeitá-las.

Soluções como esta, que há de orgulhar o Judiciário paulista, por seu mérito e pelos frutos, que decerto produzirá a curto prazo, a bem da pacificação social e da melhor prestação jurisdicional ao usuário de nossa Justiça.

Parabéns, Presidente LUIZ ELIAS TAMBARA, parabéns, Desembargador KAZUO WATANABE, parabéns, operadores do Direito de meu Estado, pelo êxito que já bate às portas deste recinto, acudindo ao chamado do ideal de tantos participam ou virão a participar do novel projeto!

Felicidades a todos e recebam minha gratidão pela oportunidade de usar da palavra, nesta ocasião histórica, e, ademais, no Salão Nobre desta Corte que, permita-me, Senhor Presidente, será sempre a minha Casa, o meu inesquecível Tribunal de Justiça de São Paulo!

SP, 30.8.2004

O ministro do STJ, Quaglia Barbosa, participou da instalação do Setor de Conciliação do Fórum João Mendes. Durante os anos de 2002/2003 foi diretor da EPM e vice-diretor no período de 1999/2002, durante a gestão do atual ministro do STF, Cezar Peluso.



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