8 - O Projeto de Gerenciamento do Processo

 
VALÉRIA FERIOLI LAGRASTA - Juíza de Direito
 

O Projeto de Gerenciamento do Processo, hoje implantado na 2ª Vara da Comarca de Serra Negra e na Vara Única da Comarca de Patrocínio Paulista, surgiu da conjugação de idéias e estudos realizados no Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais, sob a orientação do Professor Kazuo Watanabe e do Desembargador Caetano Lagrasta Neto.

Atualmente, nota-se um distanciamento cada vez maior entre o juiz e o processo.

Muitos juízes apenas tomam contato com a matéria discutida no processo no momento da audiência, sem conseguir aproximar as partes, visando a obtenção de um acordo.

Então, profere-se uma sentença e, com isso, há o descontentamento, no mínimo, de uma das partes, dando ensejo ao recurso, que acaba por levar ao estrangulamento do sistema judicial.

Com a sentença, não há a pacificação do conflito.

Vislumbra-se então, a necessidade de modificar a mentalidade dos juízes e demais lidadores do Direito, deixando de lado a "cultura da sentença", que nos é incutida desde os bancos universitários, para nos aproximarmos de uma "cultura da pacificação", conforme ensina com sabedoria o Professor Kazuo Watanabe.

E para que se atinja êxito nesse intento é necessário efetivar o gerenciamento dos processos.

É importante que o juiz assuma a direção efetiva do processo, evitando-se a prática de atos desnecessários e inúteis, para conhecer a questão controvertida e buscar seriamente a conciliação, podendo sugerir às partes formas alternativas de solução do litígio.

Para isso, o juiz deve conhecer a inicial e acompanhar o processo de perto, participando ativamente de todos os seus atos.

É de suma relevância que despache a petição inicial, evitando-se o despacho elaborado em cartório, pois esse é o nascedouro do processo e, se o mesmo tiver início equivocado, esse erro terá reflexos, inclusive, no direito das partes.

Também é imprescindível que o juiz designe a audiência do artigo 331, do CPC, quando o rito assim o exigir, e que se infrutífera a conciliação ou a busca de outros meios de solução de conflitos, desde logo, fixe os pontos controvertidos, analise as questões processuais pendentes e determine a realização das provas, designando, se o caso, audiência de instrução e julgamento. Assim agindo, evitará a publicação de atos no Diário Oficial e a realização de provas inúteis, facilitando-se o momento da decisão.

Outro ponto importante é o rigoroso controle da pauta de audiências. O juiz não deve permitir que o escrevente de sala faça a designação das mesmas, pois havendo necessidade de uma designação urgente, até para o dia seguinte, o juiz poderá fazê-lo, o que é de suma importância nas questões de família.

Por fim, é de grande relevo o controle do juiz sobre o seu cartório e isso não significa que tenha que ser extremamente rigoroso, mas sim que deve acompanhar pessoalmente o serviço de seus funcionários, despachando, sempre que possível, no cartório, para verificar as dificuldades e estimular a vocação de cada um, sabendo como melhor aproveitá-los.

O bom andamento do processo depende diretamente do bom andamento do cartório. O cumprimento dos prazos previstos nas Normas da Corregedoria deve ser exigido, sendo imprescindível, para isso, a existência de um escaninho, para o controle dos prazos.

Ainda, é importante que sejam realizadas reuniões mensais com o Diretor e os chefes, além dos oficiais de justiça.

Em resumo, é necessário que o juiz conheça de perto o seu cartório, seus funcionários e cada um dos processos que estão sob sua condução.

Pensando em tudo isso e visando introduzir no processo e, até mesmo antes dele, formas alternativas de solução de conflitos é que desenvolvemos junto ao Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais o projeto de gerenciamento de casos.

Esse projeto se destina a casos cíveis e se subdivide em duas fases: a fase pré-processual e a fase processual.

A fase pré-processual nada mais significa do que a reativação da estrutura do Juizado Informal de Conciliação, já existente e que deixou de ser utilizada por resistência dos advogados, das partes e dos próprios juízes e funcionários do Poder Judiciário. O objetivo dessa fase é buscar a conciliação antes mesmo da distribuição do processo, evitando-se esta última.

Já a fase processual, é a que busca, além de meios alternativos de solução do conflito, o gerenciamento do processo pelo juiz.

Para conduzir efetivamente o processo, o juiz deve realizar, no curso do mesmo, duas triagens, uma inicial e uma final.

A triagem inicial consiste numa seleção dos processos, logo após a distribuição e autuação, podendo o magistrado, em 48 (quarenta e oito) horas, dar um dos seguintes encaminhamentos aos mesmos:

1) indeferimento da petição inicial (art. 295, CPC);

2) determinação de emenda (art. 284, CPC);

3) apreciação de eventual liminar e inserção do processo em um dos circuitos de mediação do juízo;

4) apreciação de eventual liminar e determinação de citação do requerido (para os casos em que a autocomposição for vedada ou pouco provável).

Ainda, determinada a emenda da petição inicial, se não efetuada, o processo é extinto; e se efetuada, retornando o processo ao magistrado, este em nova triagem, deve inseri-lo em um dos circuitos de mediação do juízo ou, apreciando eventual liminar, determinar a citação da parte contrária.

Os mencionados circuitos de mediação do juízo são dois: o 1º Circuito, para as ações de família e de infância e juventude, e o 2º Circuito, para as ações cíveis que versem sobre direitos disponíveis.

Havendo o encaminhamento do processo para um desses circuitos, o requerido deve ser citado e intimado por carta ou mandado (expedido pelo cartório independentemente de despacho do juiz) para a audiência de mediação, que se realizará no prazo máximo de 30 (trinta) dias a contar da triagem inicial; constando de referida carta ou mandado a advertência de que, infrutífero o acordo, o prazo para o oferecimento de eventual contestação começará a fluir a partir da data da audiência.

Ao iniciar a audiência, em qualquer dos circuitos de mediação, o mediador deve alertar as partes sobre as desvantagens da demanda, informando-lhes o rito a ser seguido pelo processo, caso infrutífero o acordo; o tempo que irá decorrer até a sentença; o tempo dentro do qual será designada a primeira audiência e, se necessário, a segunda; os recursos e o prazo de duração dos mesmos; eventuais perícias e custos estimados; além da sucumbência e, enfim, todas as circunstâncias que envolvam a demanda.

Para isso, é necessário que o juiz preveja prazos e os cumpra, de forma efetiva, pois apenas assim poderá transmitir segurança ao mediador e às partes quanto à duração do processo.

O mediador ainda pode convocar para essa audiência um dos técnicos que comumente atuam na Vara como peritos, que ajude a esclarecer a questão controvertida.

Por fim, frutífero o acordo, o processo retorna ao magistrado para a homologação; e, infrutífero, o processo retorna ao cartório para que se aguarde o oferecimento de eventual contestação.

Encerrada a fase postulatória, com a apresentação de contestação, o juiz deverá, então, realizar uma nova triagem (chamada de final) em 48 (quarenta e oito) horas, nos seguintes termos:

     

  1. extinção (art. 299, CPC);

     

     

  2. julgamento antecipado (art. 330, CPC);

     

     

  3. designação de audiência preliminar (art. 331, CPC) ou de conciliação (art. 125, IV, CPC);

     

     

  4. saneamento por escrito e designação de audiência de instrução (art. 331, § 3º, CPC) (para os casos em que a autocomposição for vedada ou pouco provável).

     

Os processos encaminhados à audiência preliminar devem ser previamente estudados pelo magistrado que, indicando conhecimento da causa, tentará aproximar as partes, a fim de obter a conciliação. Nessa audiência, que é o cerne do gerenciamento do processo, o juiz assume a direção efetiva do mesmo, colocando-se em contato com as partes e ouvindo suas razões e os fundamentos da demanda, a fim de buscar a conciliação e, em caso negativo, sugerir às mesmas outras formas alternativas de solução de conflitos como a arbitragem, a mediação e a avaliação neutra sigilosa de um terceiro.

Infrutífera a conciliação e não obtendo êxito na busca de outros meios de solução do conflito, deve o juiz, na própria audiência, fixar os pontos controvertidos, decidir as questões processuais pendentes e determinar as provas a serem produzidas, designando, desde logo, se o caso, audiência de instrução e julgamento, mas sempre mostrando às partes o curso a ser seguido pelo processo e o tempo de decorrerá até uma solução definitiva.

Por fim, ainda que designada audiência de instrução e julgamento, o juiz deve, no início da mesma, de forma efetiva, tentar novamente a conciliação, podendo até convocar para esta tentativa o técnico que realizou a perícia, que não deixa de ser um terceiro neutro; e, mesmo após a colheita da prova, deve informar as partes de que, a qualquer momento, o acordo pode ser feito, alertando-as do prazo de duração dos recursos e das desvantagens dos mesmos.

Concluindo, tendo o juiz, em suas mãos, o controle efetivo dos processos, participando ativa e pessoalmente de todos os seus atos, além de evitar que o prazo de duração dos mesmos seja superior ao necessário, tem melhores condições de aproximar as partes, aumentando a possibilidade de obtenção de acordos, o que leva à pacificação dos conflitos e ao conseqüente afastamento da morosidade da Justiça.

Prova disto é que, após a implantação do projeto na 2ª Vara de Serra Negra, houve a redução da pauta de audiências em um mês e meio e a redução da distribuição em trinta por cento, de onde se depreende que os conflitos estão sendo pacificados de forma mais eficiente e em maior quantidade.

Eis a prestação da Justiça!



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