294 - Direito à identidade genética ou direito ao reconhecimento das origens e reprodução assistida heteróloga

EDISON TETSUZO NAMBA - Juiz de Direito


O art. 48 do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/1990, com redação dada pela Lei 12.010/2009, que começará a vigorar após 90 (noventa) dias de sua publicação, em 4.8.2009, estabeleceu que: “O adotado tem direito de conhecer sua origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após completar 18 (dezoito) anos” (destaquei). Chamou-se a isso de direito à identidade genética ou direito ao reconhecimento das origens.

 

Disciplinou-se além do que se desejava, ou seja, o dispositivo em estudo merece ser interpretado restritivamente.

 

A legislação referente à Infância e Juventude assegura ao adotado que fique na família natural, ao invés da família substituta. Os laços de sangue prevaleceriam sobre a vontade de ser pai ou mãe, para o bem estar da criança.

 

Na Constituição Federal, promulgada em 5.10.1988, também se regulamenta a maternidade e paternidade responsáveis (art. 229), dando ensejo à filiação sócio-afetiva, ou seja, quem dá carinho, instrução e conselhos ao ser gerado é o verdadeiro pai ou mãe.

 

Quando ocorre a adoção, o adotado é resultado do relacionamento de pessoas que assumem o risco da paternidade e/ou maternidade, porque são casados, unidos estavelmente, namorados, tem relações sexuais eventuais, ou seja, elas sabem que podem ser pai ou mãe.

 

Dessa forma, cessado o vínculo de parentesco que havia entre os pais e o adotado, este tem direito de saber quem são aqueles indivíduos, os quais, inicialmente, assumiram o risco da paternidade e/ou maternidade.

 

Se não fosse assim, existiria descompasso com o art. 27 da mesma Lei 8.609/1990, que garante o direito ao estado de filiação.

 

No caso da reprodução assistida heteróloga, o (a) doador (a) (s) do material genético sabe que ele será usado para gerar um ser, contudo, não assume o risco de ser pai e/ou mãe, ao contrário, em nenhum momento estabeleceu vínculo com o ser gerado e, provavelmente, não saberá quem será a pessoa que receberá o espermatozóide ou o óvulo para concepção, não tem e não deseja nenhum contato com essa pessoa. O risco da paternidade e/ou maternidade é de outrem, ou seja, quem recebe o material genético doado. Dessa maneira, o (a) doador (a) (s) tem (têm) direito de ver resguardada sua intimidade, direito fundamental, segundo o art. 5º, inciso X, da Carta Magna.

 

A doutrina já se inclina a não ver estendidos todos os dispositivos legais que cuidam da adoção à reprodução assistida heteróloga.

 

Efeito prático acaso outro fosse o tirocínio seria a de inviabilizar a formação de bancos de sêmen e óvulos a serem utilizados por terceiros, cujo anonimato tem sua característica marcante.

 

Não se nega o direito efetivamente prevalente no ordenamento jurídico, qual seja, o de estado de filiação, pois os pais são aqueles que efetivamente desejaram ter o (a) filho (a) (s).

 

Em suma, o direito inserto no art. 48 do Estatuto da Criança e do Adolescente não é aplicável à reprodução assistida heteróloga, diante do direito ao anonimato dos doadores.

 

A origem biológica referida no artigo em questão nada mais é que a vetusta tradição da paternidade e da maternidade em razão do sangue, o que, conforme se demonstrou, não mais deve sobrelevar o exercício responsável de uma ou outra função.

 

Entende-se que se queira saber da origem biológica, entretanto, isso não tem relevância prática, porque, agora, devem-se tratar todos os filhos igualmente (art. 226, parágrafo 6º, da Carta Magna e art. 1596 do novo Código Civil).

 

 

Edison Tetsuzo Namba é juiz de Direito Auxiliar da 31ª Vara Criminal da Capital. Mestre e Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Juiz Docente Assistente da Área Criminal do Curso de Inicial Funcional da Escola Paulista da Magistratura (Concursos 177º, 178º, 179º e 180º) e Juiz Docente Formador e Docente Instrutor de 1º Grau da Escola Paulista da Magistratura.


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