297 - Direito de imagem. Súmula 403 do STJ. Considerações
LUIZ FERNANDO GAMA PELLEGRINI – Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Há alguns dias o STJ editou súmula de grande relevância, nos seguintes termos:
Súmula 403 —“Independe de prova ou prejuízo a indenização pela publicação não autorizada da imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais”.
Entendeu o tribunal que certamente tratando-se de imagem como direito constitucionalmente protegido, tomando-se como referência antecedentes judiciais o uso indevido da imagem do ser humano acarreta indenização, independentemente de prova ou prejuízo-dano, o que certamente constitui um grande avanço sobre o tema, elidindo certamente o uso e abuso da imagem muitas vezes por pretextos sem qualquer respaldo jurídico, além da tormentosa dificuldade na apuração da indenização.
Sobre o tema a doutrina procura definir a natureza do direito de imagem, como bem aponta SILMA MENDES BERTI: “E então um direito de personalidade extrapatrimonial, protegendo interesses morais. É também um direito patrimonial assegurando a proteção de interesses materiais”.[1]
JOSÉ RAFFAELLI SANTINI, em obra específica, assim preceitua:
“Na lição do inigualável AGUIAR DIAS:
“O dano moral é o efeito não patrimonial da lesão de direito e não a própria lesão abstratamente considerada.”
Para SAVATIER:
“Dano moral é todo sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária”
Segundo PONTES DE MIRANDA:
“Nos danos morais a esfera ética da pessoa é que é ofendida; o dano não patrimonial é o que, só atingindo o devedor como ser humano, não lhe atinge o patrimônio” (Rui Stocco, Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial, ed. RT, p. 395).”
Já para o mestre ANTÔNIO CHAVES:
“Dano moral é a dor resultante da violação de um bem juridicamente tutelado sem repercussão patrimonial. Seja a dor física – dor-sensação como a denominava Carpenter – nascida de uma lesão material; seja a dor moral – dor-sentimento – de causa material” (in “Tratado de Direito Civil”, p. 607).
Acentua, de outra feita, MARIA HELENA DINIZ QUE:
“O dano moral vem a ser lesão de interesse não patrimonial de pessoa física ou jurídica” (“Curso de Direito Civil Brasileiro”, p.71).
Finalmente o laureado WILSON MELO DA SILVA conceitua o dano moral como sendo:
“Lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal, em contraposição ao material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico” (“O Dano Moral”, p.1).
CONCLUSÃO:
Podemos então dizer, diante do que ficou exposto, que o dano moral requer indenização autônoma, cujo critério será o arbitramento, ficando este a cargo do juiz, que, usando de seu prudente arbítrio, fixará o valor do “quantum” indenizatório. Para isso deverá levar em conta as condições das partes, o nível social, o grau de escolaridade, o prejuízo sofrido pela vítima, a intensidade da culpa e os demais fatores concorrentes para a fixação do dano.
Por outro lado, a indenização deverá ser paga em dinheiro, para que o ofensor sinta de alguma forma o dano que praticou, sabendo-se de antemão, entretanto, que o valor fixado jamais será suficiente para compensar integralmente a perda, como no caso da morte de um filho menor, procedendo-se tão-só de forma a facultar ao beneficário condições materiais para minimizá-la, da maneira que melhor lhe aprouver.”[2]
Todavia, o que chama a atenção é a nova visão do STJ quiçá na esteira do STF que já se manifestara no sentido de que para a existência do dano moral não se exige (a existência a inexistência) de intuito comercial, como se vê da ementa abaixo transcrita:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. DANO MORAL. FOTOGRAFIA. PUBLICAÇÃO NÃO CONSENTIDA. INDENIZAÇÃO. CUMULAÇÃO COM O DANO MATERIAL. POSSIBILIDADE. CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 5º, X.
“I. Para a reparação do dano moral não se exige a ocorrência à reputação do indivíduo. O que acontece é que, de regra, a publicação da foto grafia de alguém, com intuito comercial ou não, causa desconforto, aborrecimento ou constrangimento, não importando, o tamanho desse desconforto, desse aborrecimento ou constrangimento. Desde que ele existe, há o dano moral, que deve ser reparado, manda a Constituição, art. 5°, X. II. R.E. conhecido e provido.” (RE 215.984/RT. Rel. Min.CARLOS VELLOSO).
O STJ por sua vez nos autos do REsp n° 1 .053.534-RN — um dos precedentes invocados para a súmula em questão - , traz no seu bojo a seguinte ementa:
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. PUBLICAÇÃO DE FOTOGRAFIA NÃO AUTORIZADA EM JORNAL. DIREITO DE IMAGEM. INAPLICABILIDADE DA LEI DE IMPRESA.
“I. A publicação de fotografia não autorizada em jornal constitui ofensa ao direito de imagem, ensejando indenização por danos morais, não se confundido, com o delito de imprensa, previsto na Lei n° 5.207/67. Precedentes. II. Recurso especial não conhecido.” (REsp 207.165/SP, Rel. Min. PÁDUA RIBEIRO)
Obviamente que a fotografia a que se refere a súmula é a tirada com fins ecomômicos/comerciais o que a nosso ver ocorre em todas essas situações, mesmo porque o interesse financeiro sempre existe, direto ou indireto - em que a pessoa fotografada entendeu ter a sua imagem sofrido abalo suficiente para questiona-lo em juízo (artigo 5º, incisos V e X, da CF/88), quando então a aferição da indenização devida terá a sua caminhada menos tormentosa, pois não mais precisará provar a existência de prejuízo, uma vez que, como dito, a veiculação da imagem acompanhada de interesses comerciais é bastante para o nascimento da obrigação de indenizar.
Pensamos que há que se interpretar a súmula com alguma flexibilidade, pois as denominadas pessoas notórias e públicas vivem em verdade da veiculação das suas imagens, mormente quando relacionadas com as suas atividades profissionais ou do dia, o que não impede contudo que determinada fotografia possa ensejar o nascimento do dano causado, quando então estaria invadindo a privacidade do cidadão(ã).
Pensamos que essa é a melhor forma de interpretá-la, e o seu alcance processual é um grande avanço, pois nesse tipo de ação se arrastam por anos, quer na procura das provas, quer na existência do dano.
Todavia, não há que se descartar que a interpretação seja mais objetiva, ou seja, a simples veiculação da imagem para fins comerciais diretos ou indiretos acarreta o nascimento da obrigação de indenizar.
[1] Direito à própria imagem, Ed Del Rey, 1993, p 36.
[2] Dano Moral Doutrina, Jurisprudência e prática, Ed de Direito, 1997, p 42/43 e 51.