303 - Algumas considerações a respeito do regime jurídico dos contratos bancários no ordenamento jurídico pátrio

 

JÚLIO CÉSAR BALLERINI SILVA – Juiz de Direito


Prévias considerações interdisciplinares

 

Tal questão se revela extremamente atual não só porque se tem verificado um grande número de ações versando sobre o tema nos fóruns e Tribunais do país, mas, sobretudo, porque se tem observado fenômenos econômicos, em escala global (primeiro o boom imobiliário norte americano e, depois, por exemplo, a grande recessão decorrente da crise financeira mundial com a quebra de inúmeros bancos públicos e privados nos E.U.A e na Europa, sobretudo em países como a Islândia, em que, como público e notório, tal como divulgado pelos meios de comunicação de massa, os mass media, ocorreram fenômenos intensos como o fato de que, em uma semana, os três maiores bancos privados deste país, acumularam dívidas que ultrapassavam, em dez vezes, o PIB do país).

 

Como vem sendo ponderado em vários outros artigos de minha autoria, desde há muito, não se pode ter como desconhecido dos operadores do direito, de um modo geral, o fenômeno do esgotamento paradigmático do pensamento jurídico fundado a partir da premissa de um direito natural (concepção tomista que foi empregada por séculos pelos juristas como modo de pensar dogmaticamente o direito) que encontra inúmeras dificuldades de resolver os problemas decorrentes da complexidade das relações intersubjetivas, ainda mais em um mundo que prima pela celeridade decorrente dos próprios avanços tecnológicos num mundo globalizado, o que não pode ficar á margem do ordenamento jurídico (parece sintomático e óbvio que não se possa pretender resolver os problemas decorrentes do mundo moderno, verbi gratia, com contratações eletrônicas, por vetustos brocardos de direito romano canônico – e, pense-se a esse respeito, em situações como o livre mercado, o câmbio e os fatores econômicos cujos efeitos se propagam, em razão de segundos, por veículos como a Internet, influenciando bolsas de valores, com seus reflexos nos mercados futuros e mesmo no mercado físico, como se tem observado pela recessão global que se tem anunciado a partir dos problemas de crédito no mercado norte-americano).

 

Ou seja, começa-se a compreender que não basta que o ordenamento jurídico passe a prever esta ou aquela conduta eis que fatores, mormente de índole econômica, que permitem a volatização do capital, em tempo recorde, acabam por influenciar de forma tão marcante a sociedade com eficácia muito maior do que a imposta por textos legais (por exemplos, não se desconhece que decisões legislativas tem levado, em muitos países, ao fechamento e à criação de fábricas, com muitos reflexos no que tange, por exemplo, a volume de empregos, geração de renda, qualidade de vida etc...), ou seja, num ambiente como este, não bastaria ao legislador estabelecer que não poderia chover durante um ano, no Território Nacional, eis que haveria óbice físico ao atendimento ao comando normativo, tornando-o nulo pela impropriedade do seu objeto (e a propagação dos efeitos acerca de fenômenos econômicos parece estar começando a suscitar análises analógicas, ao menos no que tange às instituições de crédito, com a devida licença, de modo que, muitas vezes, comandos normativos acerca do tema acabam se tornando manifestamente ineficazes porque leis outras, não tipificadas, como a de mercado, acabam gerando um substrato fático que torna manifestamente inaplicáveis certos comandos jurídicos, a revelar que, em momentos como este, o jura novit cúria, não se prestará para a solução do conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida).

 

Tanto assim que autores como Celso Lafer propugnam, como proposta inicial para a solução do problema referente ao hiato apontado, a adoção de um novo modelo paradigmático[1] (o referido autor propõe chamá-lo de paradigma da filosofia do direito, para permitir um “pensar” menos dogmático, mais aberto ao “perquerir” ou ao “questionar”, tomando, aliás, o dogma não como um fim em si mesmo (como se dava no modelo paradigmático positivista então dominante), mas, ao contrário, como um ponto de partida, como, ademais, vinha sendo sugerido por Tércio Sampaio Ferraz Jr.,[2] permitindo-se a interpretação que autorize abranger fatores interdisciplinares).

 

E isso se torna relevante na medida em que, igualmente, se tem por inegável que o Direito seja um fenômeno histórico, revestido de temporalidade e que, nos primórdios da civilização já tinha seu conteúdo intimamente ligado aos desígnios dos detentores do poder (verbi gratia, no Egito Antigo, no período conhecido por Antigo Império, ou seja, entre 2.664 a C e 2.155 a C, cunhou-se a expressão segundo a qual “o justo é o que o faraó ama, e o mal é aquilo que o faraó odeia”[3], não obstante a ponderação de que o justo e ético, para esse povo se confundia com a emblemática noção de maat[4]), reforçando-se o entendimento segundo o qual o direito implica numa evidente técnica de controle social (caráter igualmente destacado pelo já mencionado Tércio Sampaio)[5].

 

Essas concepções ligando o Direito ao poder se tornam uma questão de grande relevo posto que, em um mundo globalizado, em que o poder econômico se concentra pólos globalizantes opostos aos dos globalizados, se pode passar a questionar se fatores intimamente ligados ao poder não estão colocando em xeque a interpretação que se possa fazer do ordenamento jurídico como um todo (o que se tem revelado como óbvio numa concepção geopolítica, não se podendo, ainda, deixar de atentar para fatores como o financiamento regular, ou irregular[6] de campanhas eleitorais, atuação lícita e ilícita de lobbies, enquanto grupos de pressão acerca de interesses que possam estar em jogo, etc...).

 

Tal discussão se torna muito evidente e atual, num mundo em que as informações e a tecnologia são difundidas de forma muito rápida, por veículos como a internet e a própria mídia, de um modo geral, observando-se uma crise de efetividade, outro fator de complexidade a ser sopesado (e, lamentavelmente, não se tem observado a preocupação das Faculdades de Direito em enfocar tais situações) em primeiro lugar, do ordenamento jurídico enquanto tal (como se pode entendê-lo como forma de controle social eis que o mesmo para ser alterado exige uma série de atos e formas dos poderes normativos, que demandam um tempo totalmente incompatível com as mudanças sociais, e, sobretudo, econômicas ?), o que vem acompanhado da crise instrumental (se o ordenamento estabelece direitos, em caso de violações a esses direitos tem-se o direito de ação para o devido restabelecimento da situação, o qual, como é cediço, repousa num instrumental processual para que possa ser exercitado), o que nos conduz a um terceiro evento, qual seja, o da crise do Poder Judiciário (ente institucional que tem por função precípua o exercício da jurisdição, ou jurisdicere, poder de “dizer o direito”, de forma imparcial).

 

Aliás, autores como Montesquieu[7] explicam, sob um prisma histórico, que o Poder Judiciário se revela como um poder criado para suportar os desgastes das mazelas do poder, esclarecendo de forma simples, que se cuida de um poder criado para evitar o desgaste do soberano nas questões políticas polêmicas (pondera no sentido de que o poder de dizer o que é certo e o que é errado dentro de um Estado se revela como o maior poder de um Estado, posto que, quem o detém, pode-se dizer sempre como correto).

 

Assim, verifica-se que somente fatores muito candentes teriam levado os detentores do poder a não concentrar tal poder para si (resta como tentador dizer-se sempre certo, nunca estando errado) e isso se revela no fato de que, psicologicamente, ninguém gosta de estar errado (as pessoas dificilmente aceitam que lhes digam que estão erradas, optando por acreditar que foram vítimas de injustiça num julgamento a reconhecer as próprias falhas), o que significa que não se revela como raro que o julgador acabe por sempre se indispor com um dos pólos da relação (quando não com ambos), o que explica que a função de dizer o certo e o errado seja extremamente desgastante para quem a detém.

 

Daí a necessidade do soberano de atribuir a um terceiro tal função, para que este se desgaste politicamente com o fato de tal ou qual decisão, revelando a importância da liberdade do Julgador, que deve ser independente para tal mister, sob pena de se convolar em mero repetidor do soberano, isentando-o da responsabilidade política por seus atos.

 

Tais variáveis são postas em conflito, de forma candente, na questão que se delineia no presente momento, com a discussão das ações versando sobre a possibilidade de cobranças de inúmeros encargos, analisando-se a regularidade, ou não, de certas práticas nestes tipos de contratos bancários, que impliquem em relações de consumo, quando se verificar a mora do consumidor hipossuficiente (até porque normalmente são invocadas antinomias aparentes de normas, com regimes jurídicos diversos, como se exporá adiante), o que se tem se verificado num sem número de demandas análogas versando sobre tal tema, que tem abarrotado os fóruns do país (como se verifica, aliás, de forma sintomática, pela análise do grande número de Julgados sobre o assunto), o que recomenda, aliás, que às mais das vezes, se tenha que recorrer a um exame sob a perspectiva do princípio da proporcionalidade.

 

Não se olvide, inclusive, quanto às dificuldades suscitadas neste ambiente de complexidade, e, muitas vezes, de crises de valores, da lição de Tullio Ascarelli no sentido de que[8]en la actual crisis de valores, el mundo pide a los juristas nuevas ideas y no sutiles interpretaciones: es necesario, por tanto, reexaminar los conceptos fundamentales.[9]

 

 

Crédito como bem de consumo – A incidência da Lei nº 8.078/90

 

E como dito, linhas atrás, não é desconhecido de qualquer operador do direito, na sua acepção ampla, a existência de um sem número de demandas análogas questionando a natureza do contrato bancário, buscando inseri-lo num universo próprio, afastado das demais relações de consumo, como se fosse possível lhe atribuir um regime jurídico próprio, dissociado das demais relações de consumo.

 

Tal questão não é nova, e, praticamente, desde o advento da entrada em vigor do referido estatuto consumerista (a mencionada Lei nº 8.078/90), já existiam acalorados debates doutrinários acerca de tal tema, inclusive, havendo opiniões consagradas, no sentido de que se deveria analisar tais questões casuisticamente, verificando a natureza do uso que se daria ao numerário liberado pelo contrato.

 

Sobre o tema, com essa posição, se manifestava Cláudia Lima Marques, afastando a incidência da legislação protetiva do consumidor (Lei nº 8.078/90) da esfera da integralidade dos contratos de empréstimo bancário (eis que, no seu então entender acerca da questão, cada caso deveria ser analisado individualmente, não se tratando de disposição automática), como se observa pela transcrição do seguinte trecho de sua obra:

 

"Resta saber se o consumidor é o co-contratante no contrato em exame. Já observamos que a característica maior do consumidor é ser o destinatário final do serviço, é utilizar o serviço para si próprio. Nesse sentido, é fácil caracterizar o consumidor como destinatário final de todos os contratos de depósito, de poupança, e de investimentos que firmar com bancos. A dificuldade está na caracterização do consumidor, nos contratos de empréstimo, onde há uma obrigação de dar, de fornecer o dinheiro, que é bem juridicamente consumível. Nestes casos, a pessoa é destinatária final fática, mas pode não ser a destinatária final econômica..... Neste sentido, podemos concluir que os contratos entre o Banco e os profissionais, nos quais os serviços prestados pelos Bancos estejam, em última análise, canalizados para a atividade profissional destas pessoas físicas (profissionais liberais, comerciantes individuais) ou jurídicas (sociedades civis e comerciais), devem ser regidos pelo direito comum, direito comercial e leis específicas sobre o tema. Só excepcionalmente, por decisão do Judiciário, tendo em vista a vulnerabilidade do contratante e sua situação equiparável ao do consumidor stricto sensu, serão aplicadas as normas especiais do CDC a estes contratos entre dois profissionais. Para caracterizar estes contratos como contratos de consumo ou não o fator decisivo não é a existência de uma lei especial ( por exemplo, Lei do Mercado de Capitais), que regule o contrato bancário, decisiva é a presença de um consumidor ou de um profissional-vulnerável, que possa também ser equiparado ao consumidor, em matéria de proteção contratual." (grifos nossos) In "Contratos no Código de Defesa do Consumidor", Vol. I, págs. 141/142, 2ª edição, 1995, Ed. Revista dos Tribunais.

 

Ainda sobre o tema, com a mesma opinião, de se destacar a lição de Toshio Mukai, para quem:

 

"Observe-se, por outro lado, que, entretanto, a pessoa jurídica só é considerada consumidor, pela Lei, quando adquirir ou utilizar produto ou serviço como destinatário final, não assim, quando o faça na condição de empresário de bens e serviços com a finalidade de intermediação ou mesmo como insumos ou matérias-primas para a transformação ou aperfeiçoamento com fins lucrativos (com o fim de integrá-los em processo de produção, transformação, comercialização ou prestação a terceiros)." In "Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor", pág. 6, 1ª edição, 1991, Ed. Saraiva.

 

Aliás, sempre a devida licença, tal entendimento poderia gerar, no plano fático, situações de exacerbada injustiça, posto que o numerário empregado em atividades agro-mercantis, verbi gratia, gerando impostos e empregos, aquecendo a economia e desenvolvendo o país, seriam, sob tal ótica, vistos como relações comerciais não regidas pelo arcabouço protetivo das relações de consumo (dado o caráter empresarial da empreita) enquanto que o dinheiro tomado por empréstimo para aquisição de bens de consumo, por mero deleite, estariam abrangidos por tal proteção, sem, no entanto, uma repercussão tão candente em prol do interesse público, como no caso do exemplo anterior (e o advento da norma contida no artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil exige que se faça um juízo exegético visando atingir as exigências do bem comum e os fins sociais a que a lei se destina, ou seja, a mens legis, ou, como queiram, a mens legislationes).

 

E, do mesmo modo, assim se manifestava o saudoso Miguel Reale acerca deste mesmo tema, qual seja, a necessidade de busca deste real espírito motivador da normativização da questão (In Teoria do Direito e Do Estado, São Paulo, 1.984, pp. 320/321):

 

“O Estado deve sempre ter em vista o interesse geral dos súditos, deve ser sempre uma síntese dos interesses tanto dos indivíduos como dos grupos particulares .....” e “......se considerarmos, por exemplo, os vários grupos organizados para a produção e circulação das riquezas, necessário é reconhecer que o Estado não se confunde, nem pode se confundir, com nenhum deles, em particular, porquanto cabe ao governo decidir segundo o bem comum, o qual, nessa hipótese, se identifica como o interesse geral dos consumidores....”, finalizando, pondera que “..... a autoridade do Estado deve manifestar-se no sentido da generalidade daqueles interesses, representando a totalidade do povo”.

 

Tanto assim que, com o fluir das décadas de vigência do referido estatuto consumerista, o entendimento doutrinário e jurisprudencial a respeito de tal tema passou a se alterar, admitindo-se que as instituições financeiras, de um modo geral, devam ser tidas como fornecedoras, nos termos da norma contida no § 3º, artigo 3º do CDC.

 

E, ainda mais, conforme pondera a arguta manifestação de José Geraldo Brito Filomeno, na sua célebre obra a respeito do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, comentado pelos autores do Anteprojeto, para que se configure uma relação consumerista é necessária presença dos seguintes pressupostos:

 

‘’Pode-se inferir que toda relação de consumo: a) envolve basicamente duas partes bem definidas: de um lado, o adquirente de um produto ou serviço (consumidor), e, de outro, o fornecedor ou vendedor de um produto ou serviço (produtor/fornecedor); b) tal relação destina-se à satisfação de uma necessidade privada do consumidor; c) o consumidor, não dispondo, por si só, de controle sobre a produção de bens de consumo ou prestação de serviços que lhe são destinados, arrisca-se a submeter-se ao poder e condições dos produtores daqueles mesmos bens e serviços”.

 

E, esses requisitos acabam, inequivocamente, por se fazer presentes, na generalidade dos contratos de mútuo bancário, em que a instituição de crédito disponibiliza o crédito para que o consumidor satisfaça uma sua necessidade, não dispondo o consumidor do controle desses serviços que lhe são destinados (às mais das vezes realizados pelos então existentes contratos por adesão mencionados, ademais, pela então redação do artigo 54 e seus consectários da Lei nº 8.078/90), o que levou a jurisprudência pacífica dos Tribunais pátrios a reconhecer tais contratos como relações jurídicas de consumo, de modo que, inclusive, para elucidar tal posicionamento, peço, ainda, vênia para transcrever o seguinte trecho, do julgado abaixo colacionado:

 

PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO MONITÓRIA – EMBARGOS – ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – APLICAÇÃO DO CDC – 1. O benefício da assistência judiciária pode ser concedido a qualquer tempo, em qualquer instância ou tribunal, independentemente da fase processual em que se encontre o feito, sendo suficiente mero requerimento da parte, declarando a impossibilidade de arcar com as custas judiciais e os honorários advocatícios, sem prejuízo próprio ou de sua família. 2. Cabível a inversão do ônus da prova, na esteira de disposição do Código de Defesa do Consumidor, que, em seu art. 3º, § 2º, inclui expressamente a atividade bancária no conceito de serviço. 3. Agravo desprovido. (TRF 1ª R. – AG 01000050298 – MG – 6ª T. – Rel. Des. Fed. Daniel Paes Ribeiro – DJU 02.02.2004 – p. 60).

 

E, ainda a revelar este mesmo entendimento, de se continuar a pedir vênia para destacar:

 

RESPONSABILIDADE CIVIL – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – CEF – I- O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 3º, 2º, inclui expressamente a atividade bancária no conceito de serviço, daí inferindo- se que a responsabilidade da instituição bancária é objetiva, como assim dispõe o seu art. 14, dispensando o usuário de produzir a prova da culpa do banco, em caso de falha na prestação do serviço. II- O dano moral configurado nessa demanda decorre do constrangimento e da angústia experimentados pelo autor ao constatar uma série de erros cometidos pela instituição financeira quanto a débito indevidamente efetuado em sua conta corrente e que resultaram na inclusão de seu nome no Cadastro de Emitentes de Cheques Sem Fundos, do Banco Central do Brasil, bem como a verdadeira "via crucis"a que se submeteu para reparar o engano a que não deu causa. III- Cabe ao juiz determinar o valor da quantia justa, respeitando os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, evitando o enriquecimento sem causa. IV -Apelação improvida. (TRF 2ª R. – AC 98.02.31392-0 – 3ª T. – Relª Desª Fed. Tania Heine – DJU 12.05.2004 – p. 200).

 

Com o mesmo entendimento, de se destacar, ainda à guisa de exemplificação, o seguinte Julgado:

 

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – Contrato de empréstimo bancário. Relação de consumo caracterizada. Incidência dos arts. 2º e 3º, § 2º, da Lei nº 8.078/90. Capitalização de juros. Revisão de cláusulas. Contrato de empréstimo bancário. Súmula 121 do e. Supremo Tribunal Federal não revogada pela súmula 596 da mesma e. Corte. Capitalização admitida somente anualmente (cód. Coml., art. 253, cód. Civil vigente art. 591, parte final, e art. 4º, parte final, do decreto 22.626/33). Violação, no caso, do disposto no art. 52, II, do CODECON. Incidência, na hipótese, somente de correção monetária pela tabela prática do e. Tribunal de justiça de São Paulo e juros simples, lineares, de 0,5% ao mês. Ação procedente nesse ponto. Multa moratória. Revisão de cláusulas. Contrato de empréstimo bancário. Exigência da multa no percentual de 2%. Ilegalidade não configurada (CODECON, art. 52, § 2º. Juros remuneratórios. Revisão de cláusulas. Contrato de empréstimo bancário. Pretensão de limitação destes á taxa de 12% ao ano. Descabimento no caso. Taxas destes liberadas para os bancos (súmula 596 do e. STF). Art. 192, § 3º, da Constituição Federal, considerado não ser auto-aplicável (ADIN nº 4). Dispositivo constitucional que, ademais, já foi revogado (Emenda Constitucional nº 40, de 29.05.2003). Ação improcedente nesse ponto. Comissão de permanência. Revisão de cláusulas. Contrato de empréstimo bancário. Cumulação desta com correção monetária. Descabimento. Súmula 30 do e. Supremo Tribunal Federal. Impossibilidade, também de sua exigência à maior taxa cobrada pelo banco. Disposição contratual nula de pleno direito, por ser potestativa (cód. Civil de 1916, artigos 115, 145, V, e 146, parágrafo único, e artigos 122, 166. VII, e 168, parágrafo único, do cód. Civil vigente). Fixação da mesma sem qualquer participação da conta de do devedor. Determinação de substituição da comissão de permanência pela correção monetária da tabela prática do E. Tribunal de justiça do Estado de São Paulo. Nulidade desta cláusula também declarada. Ação procedente nesse ponto. Juros moratórios. Revisão de cláusulas. Contrato de empréstimo bancário. Exigência destes à taxa de 1% ao mês. Legalidade no caso. Incidência destes que, contudo, cabe ser feita sobre o valor corrigido de cada parcela do principal do empréstimo, de forma simples, sem capitalização. Ação procedente em parte. Recurso provido em parte para esse fim. (1º TACSP – AP-Sum 1097347-4 – São Paulo – 4ª C. – Rel. Juiz Oséas Davi Viana – J. 03.03.2004).

 

Não se poderia, ainda, olvidar do seguinte Julgado do E. Superior Tribunal de Justiça ( 2a Seção, Recurso Especial nº 106.888/PR, Rel. ministro Cesar Asfor Rocha), que afastou, por completo, alegações sobre a não aplicabilidade do CDC, até mesmo em relação às cadernetas de poupança, como a seguir exposto:

 

“O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) é aplicável aos contratos firmados entre as instituições financeiras e seus clientes referentes à caderneta de poupança. –Presente o interesse social pela dimensão do dano e sendo relevante o bem jurídico a ser protegido. Como na hipótese, pode o juiz dispensar o requisito da pré-constituição superior a um ano, da associação autora da ação, de que trata o inc. III do parágrafo único do art. 81 do Código de Defesa do Consumidor, que cuida da defesa coletiva só interesses ou direitos individuais homogêneos”.

 

Tanto isso se deu que a própria supramencionada Cláudia Lima Marques, arrematou em trecho posterior da mesma obra mencionada acima, ponderando no sentido de que:

 

 “Apesar das posições contrárias iniciais, e com o apoio da doutrina, as operações bancárias no mercado, como um todo, foram consideradas pela jurisprudência brasileira como submetidas às normas e ao espírito do CDC, de boa-fé obrigatória e equilíbrio contratual. Como mostra da atuação do Judiciário, não se furtando a exercer o controle do conteúdo destes importantes contratos de massa.”[10]

 

Como mero argumento de reforço, mas sempre visando atingir o convencimento dos Magistrados em geral, poder-se-ia aduzir que o II Congresso Brasileiro de Direito do Consumidor, inclusive, assentou como princípio que: “O crédito e a poupança popular integram o conceito de serviço nos termos do artigo 3º, § 2º do CDC.”

 

Assim, por todos os ângulos que se analise a poliédrica questão trazida à cognição, dúvida não há no sentido de que as contratações nesses casos devam ser efetivamente entendidas como disciplinadas pelos termos da Lei nº 8.078/90, mas isso, insista-se, não implica em dizer que toda contratação havida, nessas condições, seja nula como um todo ou por si só, eis que, como parece ser de singular obviedade franciscana, o Magistrado deve analisar, caso a caso, se houve, ou não, comutatividade contratual e burla ao arcabouço jurídico pátrio, verificando-se, ademais, que sobre tais questões (disponibilização de crédito), existem inúmeros fatores interdisciplinares a nortear a aplicação do direito ao caso concreto, como destacado no início da presente preleção.

 

E nem seriam admissíveis tentativas de se criar, por lei ordinária, outros diplomas hierárquicos para dispor sobre setores particularizados das relações de consumo (ou seja, como já afastado pelo E. Supremo Tribunal Federal, em exame de ação direta de constitucionalidade, códigos de consumidores em contratos bancários) eis que seria de se ponderar no sentido de que, mesmo em nível infraconstitucional, o que se tem é que o CDC (Lei nº 8.078/90) deve ser tido como norma de orientação principiológica a respeito da matéria de proteção aos consumidores em geral, com primazia sobre qualquer outro diploma de mesma hierarquia, eis que especial em relação de consumo (lex specialis derrogat generalis).

Nesse sentido, inclusive, parece indispensável, para a melhor compreensão, que se destaque a opinião literal a esse respeito, sintetizada, deste modo, por Nelson Nery Jr., que o aponta o seguinte, com precisão acerca da questão, lançando verdadeira “pá de cal”, se for permitida a metáfora, a esse respeito: 

“... o microssistema do direito das relações de consumo será sempre regido, de forma principal e geral, pela lei especial que o criou, vale dizer, pelo Código de Defesa do Consumidor. ... O Código de Defesa do Consumidor, por outro lado, é lei principiológica. Não é analítica, mas sintética. Nem seria de boa técnica legislativa aprovar-se lei de relações de consumo que regulamentasse cada divisão do setor produtivo (automóveis, cosméticos, eletroeletrônicos, vestuário, etc.). Optou-se por aprovar lei que contivesse preceitos gerais, que fixasse os princípios fundamentais das relações de consumo. É isso que significa ser uma lei princípiológica. Todas as demais que se destinarem, de forma específica, a regular determinado setor das relações de consumo deverão submeter-se aos preceitos gerais da lei principiológica, que é o Código de Defesa do Consumidor. Assim, sobrevindo lei que regule, v.g.; transporte aéreo, deve obedecer aos princípios gerais estabelecidos no CDC ....”[11]

 

Dúvida não parece haver, portanto, no que tange à necessidade de se aplicar aos contratos bancários o regime protetivo das relações de consumo, mas, insista-se, isso não implica em dizer que todo o tipo de inserção de cláusula contratual seja nula, simplesmente, por ser desvantajosa para o consumidor (que, num momento a priori, como se exporá adiante, deve compreender, até porque assiste televisão, que se insere num sistema global sujeito às variações do volume de dinheiro posto à disposição para empréstimos e financiamentos e que deve, em relação ao seu patrimônio, se portar como se espera do homem médio – o seja o bônus pater famílias do direito quiritário romano – jus quiritum – ou o razonable man, enquanto figura análoga que se empresta do direito anglo-saxão, no sistema jurídico da Common Law, enquanto paradigmas de prudência e bom senso, que devem igualmente atuar de boa-fé – boa-fé esta, inclusive, que com o advento do atual Código Civil – a Lei nº 10.406/02, passou a ser exigida de todos os contratantes, de um modo geral, sejam consumidores e fornecedores, ou não).

 

Aliás, a regra é a de que deva prevalecer a boa-fé, sendo certo que, num primeiro momento, tais contratos de mútuo se revelam comutativos na medida em que o valor do numerário prometido seja liberado no número de parcelas ajustado, pela imposição dos juros ajustados, o que passa a receber, nessas condições, sem que se verifiquem ofensas a matérias de ordem pública, a proteção dos atos jurídicos perfeitos em geral (artigos 6º LICC - Decreto-Lei nº 4.657/42 e 5º, XXXVI, CF/88), sendo geralmente, mais comuns, discussões a respeito dos encargos contratuais em tempos de mora contratual (e não quando se verifica o adimplemento pontual).

 

E, mesmo que se analise a colidência de uma ou outra cláusula, com matéria de ordem pública, ao texto legal ou da Constituição Federal, isso, pelo óbvio, não implicará em nulidade automática e total de referido ajuste, o que deve ser analisado em sede parcial, notadamente nos termos do que dispõe o advento da norma contida no artigo 134 do Código Civil.

 

Assim, a menos que ocorra fato novo que justifique a aplicação, por exemplo, de teorias como a da imprevisão ou a ocorrência de causa de nulidade do ato jurídico ajustado, de se conferir validade e eficácia ao que foi compactuado pelas partes, posto se presumir que se atue de boa-fé, no direito pátrio, sendo certo que o advento da norma contida no artigo 6º, § 1º da já mencionada Lei de Introdução ao Código Civil (o mencionado Decreto-Lei nº 4.657/42) traz o conceito de ato jurídico perfeito, que seria: "o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou".

 

Desta feita, até para que se preserve a boa-fé objetiva, da qual se cuidará em seqüência, convém que a instituição de crédito, de forma adequada (ou seja, sem armadilhas contratuais, de modo claro e aparente), demonstre ao cliente, desde logo, quais as conseqüências, em caso de adimplemento e em caso de inadimplemento, para que se preserve o direito à informação adequada acerca do produto adquirido (como o determina o advento da norma contida no artigo 6º, inciso III da Lei nº 8.078/90), eis que, se esta cautela não for adotada poderá haver sérios reflexos com a nulidade do contrato no que tange à alteração desses encargos, já que não se admitirão providências manu militari, ao alvedrio da vontade livre e consciente do consumidor.

 

Aliás, sobre a natureza do contrato de abertura de crédito, e em expressa alusão de que o mesmo se submete às regras de proteção consumerista, de se destacar a lição de Antônio Carlos Efing, para quem:

 

“Sob o prisma do direito de consumo, o contrato de abertura de crédito afigura-se como aquele pelo qual o banco fornecedor coloca à disposição do cliente consumidor determinado crédito a ser utilizado por este em conformidade com as condições ajustadas entre as partes. Desta forma, uma vez evidenciada a bilateralidade do contrato de abertura de crédito, não poderá o fornecedor, unilateralmente, alterar as condições pactuadas, especialmente quanto ao crédito fornecido ao consumidor\creditado, vencimento de obrigações, alterações de garantias, etc .....”[12]

 

Não pode, portanto, a instituição de crédito pretender alterar, unilateralmente, por fatos que lhe possam ser imputáveis, as bases da contratação, sem causa legal que o justifique, de modo que, por exemplo, expedientes como os de se buscar bloquear ativos em conta corrente, utilizando-se saldo de cheque-especial, para a quitação de encargos de outros tipos de financiamento (por exemplo, cédulas de crédito rural, comercial ou industrial, como costumeiramente se observa em discussões de ações nos Fóruns e Tribunais do país) se revela como expediente manifestamente vedado, eis que, com isso, em burla a tudo quanto asseverado acima, o banco ou instituição financeira, acaba, de modo prático, alterando as bases da contratação para aquilo que se lhe revela mais conveniente, mas que não contou com a vênia do consumidor, gerando situação de abuso de direito e ilicitude, justificando, até mesmo, a imposição do dever de indenizar (ora, se a cédula de crédito conta com juros de um por cento ao mês nos termos da legislação e contratação específica, utilizar cheque especial para a quitação deste encargo, implica em elevar os juros da cédula, sob o prisma prático, para os limites do cheque especial, muito menos vantajosos, em prática comercial indevida e ilegal ante todo o asseverado linhas atrás).

 

Inclusive, sobre a impossibilidade de alteração unilateral, de forma prejudicial ao interesse de uma das partes contratantes, já se manifestou o E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, como pode ser constatado a partir do seguinte aresto, ora colacionado:

 

CONTRATO – CONDIÇÕES GERAIS – ESTABELECIMENTO UNILATERAL. A doutrina pátria e a estrangeira abordam com proficiência a questão da validade das chamadas Condições Gerais do Contrato, via de regra estabelecidas unilateralmente por uma das partes no contrato, onde, a pretexto de regulamentá-lo, se alteram os efeitos das cláusulas substanciais às quais pôs sua atenção o outro contratante. Viola-se com isso o princípio fundamental da boa-fé, o que ocorre nos contratos em que a doutrina francesa, principalmente, houve por bem denominar de Contratos por adesão e que não se confundem com os contratos de massa, geralmente estabelecidos nas concessões de serviços públicos.” TJSP – Ap. 10.477-1 – São Paulo – Rel. Des. Freitas Camargo – Adcoas 125.885, j. 27.04.1.989.

 

E em se tratando de contrato de adesão (reitere-se, regido, como regra, pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor – Lei nº 8.078/90 pelo que então estabelecia a redação de seu artigo 54 e demais consectários), segundo melhor exegese, haveria necessidade de uma interpretação que fosse sempre a mais favorável ao aderente, conforme preconizava, igualmente a redação acerca do disposto na norma contida no artigo 47 do aludido Código (inspirado, obviamente, na norma contida no artigo 1.162 do Código Civil francês que estabelece: “Dan la doute la convention s’interprete contre lui qui a stipule et em faveur de celui aqui a contracté l´obligation”), em preocupação que igualmente se revela pela atual orientação dos artigos 423 e 424, ambos do Código Civil vigente (Lei nº 10.406/02).

 

Também neste sentido, a jurisprudência dos Tribunais pátrios, aliás, desde há muito, como se pode observar pelo seguinte precedente:

 

“As empresas que contratam com bancos não o fazem numa situação de igualdade, mas em verdadeiros contratos de adesão, em nítida inferioridade. É preciso recompor o equilíbrio.” In RT 639/253.

 

Do mesmo modo, exceto no que tange às situações de crédito consignado, em que existe lei específica autorizando descontos em folhas de pagamento (e aí existe situação de discrimen adequada, eis que a segurança no recebimento do crédito justifica a imposição de taxas e encargos mais aprazíveis, não havendo, portanto, abusividade indevida), não se admite bloqueios e penhoras de valores de natureza salarial em desconformidade com esse regime próprio de proteção salarial (nem mesmo em se cuidando de penhora de ativos, como disposto pela Lei nº 11.382/06 que alterou o rito da execução de títulos extrajudiciais).

 

E isso porque, do mesmo modo, mutatis mutandi, somente se admitirá penhoras de natureza salarial, fora da situação do crédito consignado, aduzida acima, nas exceções do próprio artigo 649 e seus consectários do Código de Processo Civil[13], que se referem a créditos dotados de natureza alimentar (pensão alimentícia, salários e similares), não se admitindo tais penhoras em créditos salariais.

 

Neste sentido, em diversas oportunidades, já se manifestou a jurisprudência pátria, como se pode perceber pelo teor do seguinte aresto oriundo do E. Superior Tribunal de Justiça, acerca desta questão, em orientação não alterada pela dita modificação legislativa do processo de execução:

 

IMPENHORABILIDADE – ART. 649, INCISO VI, DO CPC – O privilégio ali insculpido alcança somente aqueles que vivem do trabalho pessoal próprio, sejam trabalhadores braçais ou profissionais liberais, mas não as firmas comerciais, quer individuais ou coletivas. Agravo desprovido.” (TRT 4ª R. – AP 00158.801/99-7 – 5ª T. – Rel. Juiz André Avelino Ribeiro Neto – J. 04.05.2000).

 

Ainda neste mesmo e exato sentido, de se continuar a pedir vênia para destacar mais um aresto:

 

“AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO – PENHORA – DEPÓSITO EM CONTA CORRENTE – PROVENTOS – Consoante o disposto no art. 649, inciso IV do CPC, o salário, bem como o soldo e os proventos dos funcionários públicos são impenhoráveis. Assim, competia ao agravado provar a existência na conta corrente do agravante de valores provenientes de outras fontes que não de seus estipêndios. Face a inexistência de comprovação deste fato, não há como prosperar o pleito de penhora dos valores nela depositados. Agravo provido.” (TJDF – AGI 20000020044562 – 3ª T.Cív. – Rel. Des. Jeronymo de Souza – DJU 14.02.2001 – p. 31)

 

Também privilegiando a mesma vertente do entendimento jurisprudencial, assevera-se:

 

“CONSTRIÇÃO JUDICIAL – SALÁRIO – IMPOSSIBILIDADE – Insubsistente a penhora levada a efeito sobre o salário percebido pelo executado decorrente de seu vínculo empregatício com outra empresa, em virtude de o ato de constrição judicial questionado ser manifestamente contrário aos princípios constitucionais, e ante o disposto no inciso IV, do artigo 649 do Código de Processo Civil. (TRT 12ª R. – AG-PET 10918/2000 – (03318/2001) – 2ª T. – Rel. Juiz Telmo Joaquim Nunes – J. 21.03.2001).

 

Ainda, de forma não menos importante, mesmo em se tratando de decisão prolatada no âmbito das regras atinentes ao processo penal (matéria referente a habeas corpus enquanto ação mandamental), mas ainda assim mantendo íntegro o princípio de vedação da constrição salarial, poder-se-ia destacar:

 

 

 “HABEAS CORPUS – RECLAMAÇÃO TRABALHISTA – PENHORAS DE SALDOS CONSTANTES DE CONTA BANCÁRIA – PESSOA ESTRANHA À SOCIEDADE DA EMPRESA EXECUTADA – SALÁRIO E RESTITUIÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA – BENS IMPENHORÁVEIS – ART. 649, INC. IV, DO CPC – GERENTE DO BANCO – DEPOSITÁRIO FIEL NOMEADO – DESCUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL – JUSTIFICATIVA – PRISÃO CIVIL POR DÍVIDA – ILEGALIDADE – ORDEM CONCEDIDA – SALVO CONDUTO EXPEDIDO – I – Tratando-se de execução proposta em face de uma pessoa jurídica, não pode a penhora incidir sobre bens de pessoa estranha à empresa, se inocorrentes as hipóteses legais autorizadoras. II – Ademais, não são passíveis de penhora os saldos constantes em conta bancária provenientes de salários e restituição de imposto de renda retido na fonte, nos termos do art. 649, inc. IV, do Código de Processo Civil. III – Nesses casos, a recusa do gerente de instituição financeira, no sentido de transferir valores irregularmente penhorados é, portanto, justificada, não caracterizando violação ao dever de fiel depositário dos bens. IV – Constrangimento ilegal caracterizado, face não ser caso de decretação da prisão civil do depositário fiel. V – Ordem de habeas corpus concedida, com a conseqüente expedição de salvo conduto em favor do paciente.” (grifos das signatárias)TRF 3ª R. – HC 1999.03.00.046077-6 – SP – 5ª T. – Relª Desª Fed. Suzana Camargo – DJU 29.02.2000 – p. 676.

 

 

Sobre o tema especifico de cessação de descontos em folha de pagamento (insista-se, fora dos casos de empréstimo consignado após a lei específica, com estrita concordância e entendimento pleno pelo consumidor), de se destacar o quanto decidido a respeito do tema ,em ação de revisão de contrato bancário, no sentido de que:

 

 

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL DE CONTRATO BANCÁRIO. CONTRATO PARTICULAR DE RENEGOCIAÇÃO DE DÍVIDA. TUTELA ANTECIPADA NÃO APENAS O DIREITO MATERIAL EM DISCUSSÃO NA LIDE, DE FORMA CLARA E OBJETIVA, PODE SER A FINALIDADE DA TUTELA ANTECIPATÓRIA, MAS TAMBÉM O QUE VENHA A CAUSAR DANO IRREVERSÍVEL OU DE DIFÍCIL REPARAÇÃO A PARTE, POR ESTAR SUBSUMIDO NO OBJETO DA AÇÃO. INSCRIÇÃO DO NOME DA DEVEDORA EM CADASTROS DE MAUS PAGADORES. NÃO OFENDE DIREITO DO CREDOR A NÃO INSCRIÇÃO DO NOME DA DEVEDORA NO ROL DE CADASTRO DE MAUS PAGADORES, EM FACE DE DEMANDA REVISIONAL DE CONTRATO ENVOLVENDO MATÉRIA CONTROVERTIDA, CONSTATANDO-SE A EXISTÊNCIA DE DISCUSSÃO JUDICIAL SOBRE O DÉBITO. SUSPENSÃO IMEDIATA DO DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO DA AUTORA, ORA AGRAVANTE. NO CASO CONCRETO, É DE SE CONCEDER, POIS O SALÁRIO NÃO PODE SEQUER SER OBJETO DE PENHORA, MUITO MENOS PODENDO O BANCO PAGAR-SE COM A FONTE DE SUBSISTÊNCIA DA DEVEDORA, ATRAVÉS DE MANOBRA CONTÁBIL NO CRÉDITO SALARIAL NA CONTA CORRENTE DE CHEQUE ESPECIAL. AGRAVO PROVIDO”. ( grifo das advogadas signatárias ) TARS – AI 197290786 – 1ª C.Cív.Fér. – Rel. Juiz Vicente Barroco de Vasconcelos – J. 28.01.1.998.

 

Para demonstrar que não se trata de entendimento isolado, de se destacar outro Julgado, com o mesmo entendimento, ainda à guisa de mera exemplificação do entendimento ora defendido:

 

TUTELA ANTECIPADA – CONTRATO DE CRÉDITO ROTATIVO EM CONTA CORRENTE – APROPRIAÇÃO INTEGRAL DE PROVENTOS DE APOSENTADORIA PARA A AMORTIZAÇÃO DE DÉBITO – SITUAÇÃO DE INIQUIDADE QUE AUTORIZA O DEFERIMENTO DE LIMINAR – AGRAVO PROVIDO – Se o salário não pode ser objeto de penhora, inadmissível conceder-se aos bancos a primazia de eternizar contrato de conta corrente, a fim de que se paguem mediante apropriação integral de proventos de aposentadoria cujo repasse lhes é atribuído pelo empregador. Liminar confirmada. Agravo provido. Unânime.” (TJRS – AGI 70.000.783.944 – 18ª C.Cív. – Rel. Des. Cláudio Augusto Rosa Lopes Nunes – J. 30.03.2000)

 

E isso vale para cláusulas expressas, mas não devidamente destacadas (como sabido, recente alteração legislativa impede a utilização das chamadas “letras miúdas”), ou para procedimentos não expressos utilizados, insista-se, em caráter manu militari, de forma não autorizada pelo consumidor (geralmente hipossuficiente em relação às instituições de crédito), o que colide, como sabido, com as orientações contidas no artigo 51 da Lei n. 8.078\90 e nas disposições do Decreto n. 2.181\97 e da Portaria n. 04\98 da Secretaria de Direito Econômico.

 

Da boa-fé objetiva

 

Em verdade, sob tal perspectiva, o que parece ser vedado aos bancos enquanto fornecedores de crédito, numa relação consumerista, como aduzido acima, seja encetar condutas que possam vir a ferir a boa-fé objetiva que deve nortear a forma de interpretação dos contratos, estando, desde há muito superada, a vetusta teoria da força vinculante absoluta dos contratos (o vetusto brocardo latino que chegou ao nossos dias por obra de glosadores medievais, segundo o qual pacta sunt servanta, o qual atingiu seu apogeu no limite do liberalismo econômico dos séculos XVII e XVIII, quando imperava o regime do laissez faire, laissez passet, idéias superadas desde há muito, sobretudo, a partir do regime “entre guerras”, a partir de conceitos como o new deal).

E, insista-se, em relação a tanto, não se desconhece que o mundo esteja efetivamente passando por uma nova onda de pensamento doutrinário, na qual imperam a complexidade e a interdisciplinariedade (como preconiza Edgar Morin em sua célebre obra a respeito do paradigma da complexidade, tal como aduzido no início do presente artigo, o que deva ser a tônica do pensamento jurídico neste século), em nome de uma globalização econômica e de um neo-liberalismo, mas isso, ao contrário do que se possa supor não admite que certas matérias de ordem pública, no que tange à proteção de contratantes hipossuficientes, possa ser tida como leis não escritas para facilitar a livre circulação de riquezas (a despeito do Documento Técnico nº 319 do Banco Mundial pregar o enfraquecimento das instituições judiciais como forma de propiciar a livre circulação de riquezas, como preconizado por Maria Dakolias, no seu relatório ao Banco Mundial – o que, insisto, deve ser tido sempre sob a perspectiva da incidência do princípio da proporcionalidade).

Igualmente não se nega que o contrato tenha sido um dos meios consentâneos, no século XVIII, para o desenvolvimento do capitalismo, engendrando acordos em que as classes economicamente mais ativas se privilegiavam mais e mais, mediante a exploração daqueles tidos como classes trabalhadores, sob a ótica das teorias econômicas, como aquelas de índole marxista (que se propagaram do fim do século XIX até a primeira metade do século XX), mas ainda assim, o princípio da autonomia da vontade ainda hoje em vigor, possuía, naquela época, uma acepção extensa, quase absoluta, o que gerava conseqüentemente, abusos dos mais fortes em relação os mais fracos (fenômenos já apontados por Rudolf Von Jhering em sua conhecida obra “A luta pelo Direito”).

Diante dessa liberdade na contratação, como assevera San Tiago Dantas, ocorreu o consórcio de empresas, cujo objetivo precípuo era a eliminação da livre concorrência; com isso a doutrina liberal clássica, em fins do século XIX, foi perdendo expressão, em virtude do intervencionismo do Estado, através de conceitos limitadores de tal liberdade (função social, boa-fé, ordem pública etc.), mas que eram contudo vagos. Sendo que, só passaram a ser estudados e definidos, com mais vagar, a partir da Segunda Guerra Mundial, como asseverado acima (doutrinas como a do new deal).

E, no direito brasileiro, isso não foi uma exceção, ao contrário, passaram a surgir, legislativamente, uma série de restrições ao direito de contratar, deixando com o que o número de cláusulas dispositivas passasse a competir, em situação de igualdade, com o número de cláusulas inderrogáveis de ordem pública (limitações ao direito de contratar com o Estado, nas relações de trabalho, nas relações de consumo etc).

Sobre o caráter de preponderância das normas de ordem pública, sobre o princípio da força obrigatória dos contratos, são inúmeros os precedentes juriprudenciais, como se pode observar, verbi gratia, pelo seguinte Julgado, inclusive, oriundo do E. Superior Tribunal de Justiça, a respeito do tema em comento:

 

RESP – CIVIL – LOCAÇÃO – MULTA – VALOR – A ANTIGA PARÊMIA – O contrato faz lei entre as partes – Hoje, devido ao sentido social da norma jurídica precisa ser analisada cum gnamis salis. O aresto afrontado foi sensível a esse aspecto. Tanto assim, fundamenta: "a previsão contratual não tem assim valor absoluto e nem pode superar o justo. "Os princípios da autonomia da vontade e da obrigatoriedade das convenções sofrem limitações impostas pela idéia de ordem pública, entre cujas normas se encontram as Leis do Inquilinato" (2º TA Civil SP, Ap. nº 280.300-1, Rel. Juiz Gildo dos Santos – RT 662/133). Ou em outras palavras, dentro da moderna tendência social do direito, 'aquele que se mostra fraco, ainda que por culpa própria, tem direito de ser protegido' (Washington de Barros Monteiro, Curso de Direito Civil, 4º vol., págs. 204/205, 16ª ed.). Consequentemente, impõe-se a redução da multa compensatória aos limites do razoável, aplicando-se para tanto 'as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece' (art. 335, CPC). E nesse prisma, conforme já se destacou, o normal é a afixação da multa compensatória no equivalente a três meses de aluguel, portanto ficando adotado tal limite". (STJ – REsp 187492 – SP – 6ª T. – Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro – DJU 08.03.1999 – p. 263).

 

Em suma, um desses conceitos supra-aludidos, está estabelecido no Código Civil vigente, de forma expressa, em sua norma contida no artigo 422, qual seja o princípio da boa-fé objetiva, afigurando-se como meio idôneo de mitigação a exploração dos hipossuficientes, ainda que não se cuide, propriamente, de uma relação de consumo, disciplinada pela Lei nº 8.078/90.

Do mesmo modo, a norma contida no artigo 421 do mesmo codex estabelece que a liberdade de contratar está sujeita e limitada à função social do contrato (o que reforça o caráter relativo do princípio do pacta sunt servanta como asseverado acima), bem como, neste sentido se orienta o sistema protetivo estabelecido pelo Código Civil vigente, não só nas relações de consumo, estabelecendo, por exemplo, o que é pertinente para o caso em estudo, de forma expressa, que, em havendo contratos de adesão, a interpretação de tópicos obscuros será sempre mais favorável ao aderente (artigo 423 do referido Código Civil), sendo certo, ainda, que serão nulas , em contrato de adesão, cláusulas que estipulem a renúncia antecipada de direitos resultantes da natureza do negócio (artigo 424 do mesmo codex).

A aplicabilidade do princípio da boa-fé objetiva, dar-se-á quando houver um desequilíbrio no auto-regramento das intenções das partes, na qual a autonomia da vontade será suprimida pelo princípio da boa-fé objetiva, de modo que a sua aplicação coadunará na finalidade deste que é o estabelecimento do equilíbrio e harmonização das pretensões das partes em conflito.,

 Destarte, a incidência da autonomia da vontade no contrato, perderá a sua veemência em face da aplicação do princípio da boa-fé objetiva, quando por exemplo, houver cláusulas abusivas, ou por ocasião da inaplicabilidade dos efeitos do negócio jurídico, ou se houver a necessidade de interpretar de forma integrativa uma cláusula contratual lacunosa etc., necessitando-se, assim restabelecer a harmonia nos interesses das partes,  para a consecução do fim comum do contrato, que é a satisfação dos interesses contrapostos das partes.

Ante o exposto no parágrafo anterior pode-se definir o princípio da boa-fé objetiva1 como: um parâmetro de observância geral, na qual o contrato deverá se enquadrar na consonância dos ditames da lealdade e no paradigma de condutas ordinárias que os contratantes devem ter, para a consecução do fim comum dos contratos.2  

Com a devida vênia, de se transcrever, ainda, sobre o tema, alguns enunciados da Jornada de Direito Civil, realizada em setembro de 2.002, pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, que ajudam a elucidação do princípio em tela:  

“Enunciado nº 24: “em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa; enunciado n. 25: “o artigo 422 do Código Civil não inviabiliza a aplicação, pelo julgador, do princípio da boa-fé nas fases pré e pós-contratual”; enunciado 26: “o art. 422 impõe ao juiz interpretar, suprir e corrigir o contrato segundo a boa-fé objetiva, entendida como exigência de comportamento leal dos contratantes; enunciado 27: “na interpretação da cláusula geral da boa-fé, deve-se levar em conta o sistema do Código Civil e as conexões sistemáticas com outros estatutos normativos e fatores metajurídicos.”

 

Por derradeiro, cumpre frisar que se fossemos realizar uma exegese literal, no art. 422 do Código Civil,3 o referido princípio só se aplicaria quando da conclusão e no decorrer da execução do contrato.

 

Tal assertiva hermenêutica não parece ser a mais apropriada, em virtude de desprezar a fase pré e a pós-contratual gerando eventuais detrimentos a uma das partes, como por ex., a expectativas erigidas por uma proposta atraente ao oblato, e que por infundada razão venha a ser desfeita ocasionando gastos ao aceitante.

 

Deste modo o princípio da boa-fé objetiva se aplica nas tratativas, bem como no post pactum finitum4, e haja vista que vários códigos alienígenas (anteriores ao nosso Código Civil atual), como é o caso do código italiano que estabelecera que, no desenvolvimento das tratativas e na formação do contrato, as partes devem portar-se com boa-fé (artigo 1.337), devendo, outrossim, fazer uma interpretação sistemática nos artigos da própria legislação pátria civil, quais sejam artigos 112 e 1865, que reafirmam a finalidade do aludido princípio.

 

E assim não se poderia cogitar de um cumprimento exacerbado da chamada obrigatoriedade dos contratos, o qual, se expressa pelo bizantino brocardo latino, qual seja, pacta sunt servanda, o qual, numa tradução livre e literal implica a idéia de que o contrato nos faz servos (é conhecida a alusão ao princípio de que “o contrato faz lei entre as partes”) e a própria idéia de servidão contida no referido brocardo latino (na verdade o que se observa é uma glosa latina formulada na Idade Média pelos glosadores das Institutas de Justiniano e do Corpus Jures Civilis) já demonstra que o mesmo tem um caráter medieval, que muito interessava no Iluminismo com seus ideais de absoluta liberdade de contratação (era conhecida a máxima pela qual laissez faire, laissez passet), o que, no entanto, sobretudo a partir do advento da Primeira Guerra Mundial restou plenamente superado, eis que imperativos de ordem pública demonstraram a necessidade de se restringir a ampla liberdade de contratação, o que, no Brasil, inicialmente com idéias tímidas, acabou por se cristalizar no estatuto consumerista, a conhecida Lei nº 8.078/90, o chamado Código de Proteção e Defesa do Consumidor, sendo certo que, como já fartamente destacado acima, isso acabou por se espraiar para a legislação civil, com o advento do Código Civil (Lei nº 10.406/02), estabelecendo-se um grande número de normas contratuais de ordem pública que deixaram um espaço, ainda menor, para a aplicação da vetusta teoria do pacta sunt servanta.

 

Ou seja, nessas condições, o princípio da força obrigatória somente poderá ser tido como uma forma de imutabilidade dos termos da contratação se não houver ofensa ao interesse público, o que se revela questão candente, ante o exposto acima, no que tange ao respeito da chamada boa-fé objetiva, que, ademais, aplica-se não só às relações de consumo antes disciplinadas pela Lei nº 8.078/90, mas a todos os tipos de contratos civis, nos termos da atual redação do artigo 422 do Código Civil.

 


A tormentosa questão dos juros nos contratos bancários

 

Para analisar tal questão, peço vênia para tecer algumas considerações acerca da polêmica questão dos juros em contratos bancários, recorrendo a argumentos históricos e jurídicos, além de todo arcabouço interdisciplinar lato sensu mencionado linhas atrás, com fincas a observar como tais fatores se prestarão a influir no tratamento legal e constitucional dado à referida polêmica, aliás, de todo atual no momento conturbado pós recessão norte americana, com seus reflexos em todo o mundo.

 

E isso gerou extrema controvérsia quando a Constituição Federal iniciou sua vigência, em 05.10.1.988 e se tentou, de forma frustrada, estabelecer um percentual cabalístico e hipotético para os juros bancários, sendo certo que não faltaram vozes para asseverar que a Constituição Federal seria auto-aplicável em relação a tal taxa de juros.

 

E tal aliás, ocorreu em sede da jurisprudência inicial dos Tribunais de Alçada então existentes em nosso País (antes do advento da chamada Reforma do Poder Judiciário, instituída pelo advento da EC nº 45/04), posto que, quando da realização do VIII Encontro Nacional de Tribunais de Alçada, na cidade de Porto Alegre – RS, entre 18 e 21 de outubro de 1.988, foi elaborada tese no sentido de que “a limitação constitucional da taxa de juros reais é aplicável de imediato; entendendo-se por juro real o juro nominal deflacionado, ou seja, o juro excedente à taxa inflacionária. No juro real incluem-se os custos administrativos e operacionais, as contribuições sociais ( FINSOCIAL, PIS e PASEP ) e os tributos devidos pela instituição financeira, estando proibido o juro composto. O IOF está excluído do juro real.”

 

No mesmo sentido, a opinião de autores de renome, como Fernando Gasparian, para quem:

 

“Assim, não há porque regulamentar para dizer o que está dito. Mesmo porque aí está  a legislação de usura e da economia popular, não derrogada, mas apenas não aplicada por força de algumas decisões judiciais.” [14]

 

Mais adiante, na mesma obra, prosseguia o referido autor, em sua explanação acerca do tema:

 

“ ... Razões recomendam e impõem-se tenha como de aplicação imediata o limite constitucional de juros e não se permita o desvirtuamento interpretativo da norma respectiva. 1º O artigo 192, § 3º da Constituição Federal, ao estabelecer o teto máximo de 12% aa. para juros reais adotou excelente providência, pela qual deve zelar o Poder Judiciário, impedindo o seu aviltamento e destruição. Aliás, a nova Carta Magna exige da Justiça deliberações que não haverão de ser históricas ......... 2º Juros reais não são os juros em si, desprezada  a parcela respeitante à correção monetária. Contrapõem-se aos denominados juros nominais. Constituem tudo o que exceda a correção monetária, afastados determinados valores de natureza totalmente diversa .... o princípio é o de que todas as despesas necessárias à concretização da atividade bancária e creditícia em geral estejam incluídas no limite de 12%. Não poderia ser diferente , visto que os juros, sendo, por sua natureza, a essência da remuneração ou o preço do dinheiro, como já mencionei, devem abranger os gastos imprescindíveis à realização da atividade e mais o ganho efetivo embolsado.” op. cit. , págs. 53, 63/66.

 

Neste mesmo sentido, poder-se-ia citar a opinião de José Afonso da Silva, para quem, na época, sobre o tema, apontava o seguinte:

 

“ ....... a favor de sua aplicabilidade imediata, porque se trata de norma autônoma, não subordinada à lei prevista no “caput” do artigo. Todo parágrafo, quando tecnicamente bem situado ( e este não está porque contém autonomia de artigo ), liga-se ao conteúdo do artigo, mas tem autonomia normativa. Ele disciplina assunto que consta dos incisos I e II do artigo, mas suas determinações, por si, são autônomas, pois uma vez outorgada qualquer autorização, imediatamente ela fica sujeita às limitações impostas no citado parágrafo. Se o texto em causa fosse um inciso do artigo, embora com normatividade formal autônoma, ficaria na dependência do que viesse a estabelecer a lei complementar. Mas, tendo sido organizado um parágrafo, com normatividade autônoma, sem referir-se a qualquer previsão legal ulterior, detém eficácia plena e aplicabilidade imediata....... As cláusulas contratuais que estipularem juros superiores são nulas. A cobrança acima dos limites estabelecidos, diz o texto, será conceituada como crime de usura, punido em todas as suas modalidades, nos termos que a lei dispuser.[15]

 

E, ainda, no mesmo sentido, restava afinada a opinião de  Nagib Slaib Filho, no sentido de que:

 

“........ à exegese do mencionado artigo 192  deve ser observado que a exigência de lei complementar, contida no caput do dispositivo, não implica em diminuição da aplicabilidade da norma contida no §  3º estabelecedor do limite máximo da taxa de juros. Imaginar o contrário seria instituir um delimitador à eficácia da norma constitucional que representaria, em última análise, um atentado à soberania do Poder Constituinte.” In ADV - Informativo Semanal 46/502.

 

Por fim, ainda com relação ao tema, a opinião do então Des. Régis Fernandes de Oliveira, para quem:

 

“O preceito legal, em sua parte completa, contém dicção perfeita, de forma a invalidar qualquer argumento contrário à sua vigência imediata. Cuida-se, pois, de norma auto-executável.” In RT 666/233-235.

 

Nesse sentido, de se destacar o entendimento, à época, do E. 1º Tribunal de Alçada do Estado de São Paulo, para quem:

 

JUROS – JUROS REAIS – TAXA -  Limitação de 12% aa. Artigo 192, § 3º da Constituição Federal. Aplicação Imediata do dispositivo, sem necessidade de lei.” 1º TAC, 8ª Câmara, AC 413.456-5, JTACSP-Lex 122/56.

 

Também não destoava deste entendimento, aquele da douta 4ª Câmara Cível do E. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, nesta mesma época, para quem:

 

“ ... Por outro lado, é sabido que por ocasião do julgamento da ação declaratória de insconstitucionalidade em que o STF firmou a posição de que os juros constitucionais dependem de regulamentação por lei ordinária (ADIN nº 4), a Constituição Federal estava em vigor há pouco tempo. Poderia ser plausível, à época, que o Congresso fosse regulamentar o dispositivo constitucional em curto espaço de tempo. Todavia, tal não ocorreu, como também quando, sete anos depois, o Senado Federal buscou tal regulamentação, o Governo Federal conseguiu refrear tal iniciativa da Câmara dos Deputados. Assim, é atente que a regulamentação nunca será feita. Destarte, ou se dá eficácia ao dispositivo constitucional, através do Judiciário, ou terá um caso manifesto em que a omissão do legislador ordinário (poder constituído) vale mais do que a afirmação clara do poder constituinte. A esse respeito, importante a leitura do instigante texto do eminentíssimo constitucionalista português José Joaquim Gomes Canotilho, intitulado “Tomemos a sério o silenciar dos Poderes Públicos – o direito à emanação de normas jurídicas e a proteção judicial contra as omissões normativas” ( incluído na obra coletiva As garantias do cidadão na Justiça, coord. pelo Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Saraiva, 1.993, págs. 351 e seguintes ). No referido artigo, o genial lusitano invoca a irreverente letra do também genial Chico Buarque de Holanda, parodiando a interrogação bíblica: Deus dará, Deus dará e se Deus não der ? Destarte, se o onipotente legislador ordinário não atender aos desígnios do mais onipotente ainda legislador constituinte, cabe ao Poder Judiciário, como Poder de Estado, dar eficácia ao comando constitucional, sob pena de se permitir que o não fazer do ente criado  ( legislatura ordinária) valha mais do que o já feito pelo ente criador ( legislador constituinte ).” TARS – Ap. Cível nº 196.130.710, j. 22.08.1.996.

 

No entanto, tal entendimento, como é cediço, não prevaleceu em sede doutrinária, e, muito menos, em sede jurisprudencial, chegando a ocorrer, como se exporá adiante, a própria revogação do limite constitucional de juros bancários.

 

E, em relação a tal tema, preambularmente, se revela necessário que se coloque que “juro” é um conceito eminentemente econômico, e mais, um conceito histórico que sofre, na sua definição, as inferências da política econômica e da moral do momento histórico que se pretende focar.

Nesse sentido, a lição de Joseph Alois Schumpeter, para quem:

 

Parece, então, que o juro deve ser explicado como uma espécie de salário ou renda, e como esta não é factível, então como salário: espoliação dos assalariados (a teoria da exploração); como salário do trabalho dos capitalistas (teoria do trabalho no sentido literal), ou como salário do trabalho incorporado aos instrumentos de produção e às matérias-primas (na concepção, por exemplo, de James Mill e McCulloch).[16]

 

Sobre o tema, salutar a menção da opinião do economista J. Petrelli Gastaldi, para quem:

 

“Nem sempre o juro foi considerado como remuneração legítima do capital empregado, quer a título de empréstimo ou pelo seu próprio detentor. Ao contrário, em toda a Antigüidade, as diferentes legislações proibiam os empréstimos a juros, como ocorreu com a lei mosaica, que proibia terminantemente aos judeus a estipulação de juros nos empréstimos realizados, o mesmo ocorrendo em Roma, com a Lei Genúcia, promulgada no ano de 322 a.C.. Mas os maiores ataques sofridos pelo juro quanto à sua legitimidade partiram do Cristianismo, para o qual o juro se confundia com a usura, oposição essa materializada no direito canônico, o qual considerava o dinheiro como simples facilitador de trocas, negando-lhe qualquer função produtiva.”[17]

 

Também sobre o tema, a opinião de Kleinwachter, destacada pelo mencionado autor, na mesma obra em comento:

 

“Estas proibições antiquíssimas se explicam pelas relações simples daqueles tempos. Os empréstimos para fins comerciais não existiam; apenas solicitava empréstimo quem porventura se encontrasse em situação angustiosa e era tido como cruel e desumano que o credor explorasse a situação aflitiva de seu próximo. Ainda não se atentava para a parte econômica e científica do problema.”[18]

 

A própria Igreja começou a rever sua posição sobre o tema, abandonando a visão radical do eminente Santo Tomáz de Aquino, a partir da reforma Calvinista e a partir dos trabalhos de Turgot (com sua “teoria da frutificação”, inspirada em Calvino), Say (“teoria da produtividade ou da utilização”) e, dentro da própria Igreja Católica, do Abade Galiani.

 

E isso porque, num primeiro momento, a idéia bíblica que se passava acerca da questão se configurava numa alusão da expulsão dos vendilhões do Templo, por Jesus Cristo, em conhecida parábola que influencia toda a civilização cristã ocidental, em que se tinha uma idéia de espoliação dos fracos e oprimidos pelos usurários, preocupados apenas e tão somente em enriquecer às custas dos mesmos, sem a concepção da importância econômica e global da idéia de juro enquanto mola propulsora de um mercado global (sob a perspectiva do próprio desenvolvimento).

 

Neste sentido, de se verificar a distinção extremamente adotada por Joseph Alois Schumpeter a respeito do tema (em patente e muito bem elaborada diferenciação de duas espécies fundamentais de juros que seriam a dos juros sobre o consumo e a dos juros produtivos, proposta na primeira metade do Século XX, após a Quebra da Bolsa de Nova York, em 1.929):

 

“Antes de tudo, é natural que começasse com o juro sobre empréstimos, porque se sobressai como um ramo independente de renda, caracterizado por muitos traços nítidos. É sempre mais fácil entender conceitualmente um ramo de renda que também é extremamente característico do que um que precise primeiro precise ser limpo de uma mistura de outros elementos – por isso a renda de terra foi notoriamente reconhecida primeiro na Inglaterra, onde não apenas existia, mas também era, como regra geral, paga separadamente. Mas o juro sobre empréstimos ao consumo também foi o ponto de partida porque era a forma mais importante e mais bem conhecida nos tempos antigos e na Idade Média. É verdade que não deixava de existir juro sobre empréstimos produtivos, mas, na Antiguidade Clássica ele operava num mundo que não filosofava, ao passo que o mundo que filosofava só observava as coisas econômicas de passagem e só prestava atenção ao juro que podia ser observado em sua esfera. E, também mais tarde, os elementos de uma economia capitalista que existiam eram familiares apenas a um círculo que era um mundo em si e que nem meditava nem escrevia. O padre da Igreja, o canonista ou o filósofo dependente da Igreja e de Aristóteles – todos eles só pensavam no juro sobre empréstimos ao consumo, que se fazia notar dentro de seu horizonte e de maneira muito desagradável. De seu desprezo pela extorsão do necessitado e pela exploração do imprudente e do libertino, de sua reação contra a pressão exercida pelo usuário, surgiu a sua hostilidade para com a cobrança de juros e isso explica as várias proibições do juro. Outra concepção se formou da observação da vida dos negócios, quando a economia capitalista ganhava força. Seria um exagero dizer que o juro sobre empréstimos produtivos foi positivamente uma descoberta de autores mais recentes[19].”

 

No mesmo sentido, tecendo maiores comentários sobre o tema da usura e da cobrança do juro através dos tempos, tem-se a obra do eminente Max Weber, “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, 2ª edição da tradução em língua portuguesa, 1981, Coleção Biblioteca Pioneira de Ciências Sociais, Ed. da Universidade de Brasília.

 

E isso é muito importante, na medida em que, como sabido, não se pode deixar de atentar para o fato de que, no sistema do ordenamento jurídico pátrio, ainda existe forte importância e influência das ideologias ainda que seja para a integração das chamadas “pseudo-lacunas” do ordenamento jurídico pátrio, como admitido, por exemplo, pelo advento das normas contidas nos artigos 4º e 5º, ambos da Lei de Introdução ao Código Civil.

 

Não se pretende, pelo óbvio, proceder a uma apologia do juro, que, nos casos de excessiva usura, pode ter efeito devastador sobre a economia, levando, em casos extremos à inflação e à recessão, mas se demonstrar que existe uma grande carga moral, filosófica e ideológica de tal conceito, que varia no decorrer do tempo e dependente de uma série de fatores jurídicos e não jurídicos, econômicos e não econômicos a levar ao questionamento a respeito da própria conveniência ou efetividade de certas normatizações, não obstante o apontado no início do presente artigo, no que se refere ao fato de ser o ordenamento jurídico uma forma técnica de se exercer o controle social.

 

Sobre este efeito devastador, bastaria fazer alusão a uma parábola que, por sua simplicidade, traz algo de muito verdadeiro, a respeito do tema em comento, em que, pelo lúdico que traz por trás de si, permite a fácil compreensão do que se pretende aduzir:

 

Recentemente foi realizado o leilão de uma rara moedinha americana de 5 cents, cunhada em 1.913. Foi arrematada por 3 milhões de dólares. Essa série de moedas tem, no anverso, a imagem de um indígena austero e, no reverso, um búfalo em posição de ataque. Ao serem cunhadas, os três primeiros exemplares tiveram o búfalo gravado com uma pata a menos, o que as tornou raridades. Imaginei o Tio Patinhas, naquela época ainda menino, mas com a visão a longo prazo, emprestando uma moedinha comum de 5 cents, por um período de dois anos, e recebendo, como juros, uma outra moeda igual, no final do prazo. Em 1.913, Tio Patinhas emprestou ao Pateta uma moedinha de 5 cents para receber 2 moedinhas dois anos depois (1.915), uma destas representando o capital e a outra os juros. Ao receber o pagamento, emprestou as duas moedas para, no final do outro período de dois anos, cada uma delas gerar outra igual. Seu capital, em 1.917 (quatro anos depois, ou dois períodos) totalizou 4 = 2² (2 ao quadrado) moedas de 5 cents, representando uma delas o capital e as outras três, os juros. Ao emprestar essas 4 moedas por um novo período de dois anos, recebeu, em 1.919, 8 moedinhas de 5 cents (8 = 2³ onde a base 2 representa o dobro e o expoente 3 o número de períodos). Destas oito, uma corresponde ao capital inicial e as outras sete, aos juros. Isto é o que acontece com o dinheiro emprestado á taxa de 2,93% ao mês, a juros com capitalização mensal: o capital de quem empresta o dinheiro dobra em um período, quadruplica em dois períodos, octuplica em três períodos, etc..., assim como a dívida de quem toma emprestado. No ano de 2.005, o empréstimo teria completado 92 anos ou 46 períodos. O número de moedinhas acumulado seria 2 elevado à potência 46, ou seja, mais de 70 trilhões de moedinhas que equivalem a US$ 3.518.437.208.883,20 (3 trilhões, 518 bilhões, 437 milhões, 208 mil, 883 dólares e 20 cents), dos quais 5 cents correspondem ao capital inicial aplicado e os restantes três bilhões e meio de dólares aos juros gerados por aquela moedinha. Notem que a taxa de juros aplicada neste exemplo é bem menor que as taxas que são utilizadas pelos bancos e comerciantes no Brasil, mesmo nos empréstimos a empresários e nos consignados na folha de pagamento. O crescimento exponencial leva a números inimagináveis. Este é um exemplo da perversidade dos juros capitalizados mês a mês.[20]

 

Assim, ante o apontado acima, o que se tem é uma situação em que os contratos bancários devam deixar claro, ante a impossibilidade de se tabelar juros (como se exporá adiante), que o consumidor, ao aceitar o dinheiro, se sujeitará a esse ou aquele encargo, se pagar em dia e que haverá o agravamento de sua situação se não permanecer em mora, o que, no entanto, não poderá ser lançado em letras miúdas, em cláusulas recheadas de termos jurídicos incompreensíveis ao homem médio (o bonus pater famílias mencionado acima), sob pena de vulneração ao dever de informação adequada devido ao consumidor, cancelando-se os excessos incompreensíveis, incompatíveis com a boa-fé objetiva, o que, no entanto, não se confunde com tabelamento de juros, como se tem visto em inúmeras ações análogas versando sobre o tema (pareceria adequado, em condições como tal, apenas e tão somente requerer não a aplicação de uma taxa nominal de juros, mas, ao contrário, pleitear-se a nulidade, ainda que parcial, pela reserva de cognição a respeito da total essência do contrato, como, ademais, pareceria despontar do advento do artigo 51 e seus consectários do Código de Proteção e Defesa do Consumidor – o que, por exemplo, tornaria ineficaz, ou seja, sem efeito, excessivos encargos da mora que não poderiam ser extraídos do contrato).

 

Isso porque, em termos econômicos, é preciso que se tenha em mente que o juro nada mais é do que a remuneração de um capital empregado pelo capitalista (que é empresário, logo, exerce atividade profissionalmente, com organização de capital e trabalho, com fito de lucro), bem como que o mesmo representa um preço pela disponibilidade do capital (não obstante isso também seja controvertido, dentro do ciclo histórico que se analise a questão, dependendo da teoria econômica a ser adotada, eis que o capitalista entende isso como um fenômeno natural, enquanto que o marxista entende isso como um dado inadequado com exploração injustificável de uma massa trabalhadora operária).

Nesse sentido, inclusive, o apontado por Willian Petty, nas calendas da metade do século XVII, a respeito do tema do juro como remuneração do capitalista, por seu trabalho:

 

Não vejo que razão possa haver para se receber ou pagar juro ou usura por algo que podemos com certeza ter de volta no momento em que o reclamamos. Tampouco vejo porque a usura deve provocar escrúpulos quando se empresta dinheiro, ou outros bens essenciais, a ser pago no momento e no lugar escolhido pelo tomador, de modo que o emprestador não possa ter seu dinheiro de volta quando e onde lhe agrade. Portanto, se alguém cede seu dinheiro sob a condição de não poder pedi-lo de volta antes de um momento determinado, qualquer que possam ser suas necessidades nesse meio tempo, certamente pode receber [21]uma compensação por este inconveniente que admite para si próprio. Esse benefício é o que comumente chamamos de usura.

 

 

Do mesmo modo, o apontado com propriedade por Schumpeter[22], para quem:

 

No exemplo de Adam Smith ainda podemos perceber um traço da visão segundo a qual lucro e juro simplesmente não coincidem. Apenas com Ricardo e sés epígonos os dois são plenamente sinônimos. Só então a teoria passou a ver no lucro dos negócios em geral o único problema, e, de fato, o problema do juro; só então a questão de saber porque o empresário obtém um lucro nos negócios tornou-se problema do juro; e finalmente é só então que o significado dos autores ingleses é corretamente captado se o seu “lucro” (profit) for traduzido por “lucro sobre o capital” (Kapitalgewinn) ou “juro primário” (ursprunglicher zins). Isso de modo algum constitui meramente uma substituição inofensiva do juro contratual sobre o capital emprestado pelo juro sobre o capital próprio, mas uma nova asserção a saber, que o lucro do empresário é essencialmente juro sobre capital. 

 

A disponibilidade do capital a ser emprestado, inclusive, aludida linhas atrás, varia no tempo ao sabor da intervenção estatal no domínio econômico, às vezes salutar, outras vezes desastrosa, como se pode verificar por alguns dos fatos que marcaram nossa história recente.

 

Neste sentido, o próprio Adam Smith, ao dispor sobre a conhecida metáfora da “mão invisível” numa economia de mercado, pode ser destacada em relação ao tema específico da taxa de juros:

 

O empréstimo é tomado, não propriamente para gastar, mas para repor um capital que já fora gasto anteriormente. Quase todos os empréstimos a juros são feitos em dinheiro, seja em papel moeda, seja em outro e prata. No entanto, o que o tomador quer na realidade, e que o emprestador lhe fornece, não é o dinheiro em si mesmo, senão o valor que ele tem, vale dizer os bens que com ele se podem comprar. ... Por conseguinte, a quantidade de dinheiro, que pode ser emprestada a juros, em qualquer país, não é regulada pelo valor do dinheiro – seja em papel ou em moeda – que serve como instrumento para os diversos empréstimos feitos no país, mas pelo valor daquela parcela da produção anual que, tão logo sai da terra ou das mãos dos trabalhadores produtivos destina-se não somente a repor um capital, mas um capital que um proprietário não deseja ter o incômodo de ele mesmo aplicar. Uma vez que tais capitais costumam ser emprestados e restituídos em dinheiro, constituem o que se chama de juros do dinheiro. .... Na proporção em que aquela parte da produção anual – que, tão logo saia do solo ou das mãos dos trabalhadores produtivos é destinada a repor um capital – aumenta em qualquer país o que se chamam juros do dinheiro, naturalmente aumenta com elas. O aumento desses capitais particulares, dos quais os proprietários desejam auferir renda sem o incômodo de empregá-los eles mesmos, acompanha naturalmente o aumento geral dos capitais, em outras palavras, à medida que o dinheiro aumenta,a quantidade de dinheiro a ser emprestada a juros cresce gradativamente em proporções cada vez maiores.À medida que a quantidade de dinheiro a ser emprestada a juros aumenta, os juros ou preço que deve ser pago pelo uso daquele dinheiro necessariamente diminui, não apenas em virtude daquelas causas gerais que comumente provocam a diminuição do preço das coisas, quando sua quantidade aumenta, mas em conseqüência de outras causas peculiares nesse caso especial. Quando os capitais aumentam em qualquer país, necessariamente diminui o lucro que pode auferir do emprego dos mesmos. [23]

 

Essas ponderações já bastariam para que se percebesse o equívoco de se buscar atribuir uma taxa nominal de juros como modo de coibir abusos, o que se aplicaria ao exemplo mencionado acima, de se pretender fazer uma lei que proibisse a chuva no período das chuvas (há fenômenos complexos que se desencadeiam, que independem da vontade do legislador pátrio, e que ocorrem em escala global, em que sequer a soberania de um Estado poderia intervir).

 

Não é demais, aliás, ponderar no sentido de que a matéria concernente a juros tem nítido contorno mercantil, não devendo ser disciplinada no âmbito do texto constitucional (normalmente tido para a disciplina de fenômenos políticos e da organização dos poderes), posto que o fenômeno mercantil ao contrário do que se dá com os fenômenos cíveis, não tem a nítida marca do individualismo (típico das questões particulares de cada povo, como convém em questões de soberania – fenômeno externo, ou de imperium[24], mesmo fenômeno sob a ótica interna), mas, ao contrário, tem a marca da universalidade, típica do jus mercatorium, que lhe deu origem[25].

No momento atual, conforme fartamente alardeado pelos meios de comunicação (mass media), verifica-se que vivemos tempos de juros elevadíssimos (algumas das taxas mais elevadas do mundo são e foram praticadas no Brasil, como revela nossa história recente, o que somente vem se modificando a medida em que cai o chamado “custo-Brasil” a demonstrar a íntima relação da questão dos juros com fatores muito mais complexos), contudo, a questão ora versada escapa a tal esfera de cognição, devendo ser analisada sob o prisma da técnica jurídica, para que se verifique se nosso ordenamento jurídico permite ou não tal prática, pelas instituições de crédito (hipótese da qual se cuida, pois, é de conhecimento geral, que não se permitem a usura e a agiotagem entre particulares).

 

O dispositivo contido no artigo 192, § 3º da Magna Carta suscitou a questão que envolve o estabelecimento de um limite máximo para a cobrança de juros e a auto-aplicabilidade deste dispositivo ensejou acalorados debates tanto em doutrina quanto em jurisprudência (o que reforça o aspecto de historicidade do juro), questão esta que guarda íntima ligação com a da possibilidade de cobrança de juros capitalizados, face à possibilidade de estabelecimento de um teto para a cobrança de juros.

 

Com efeito, é importante ressaltar que a grande dificuldade reside no fato de que não se conseguiu disciplinar o "quantum" que serviria como teto e como calculá-lo de forma a se estabelecer o que seria juro real, variável que oscila de acordo com as leis de mercado e a situação econômica que o País atravessa em dado momento.

 

A questão é amplamente complexa, envolvendo, inclusive, mecanismos de política econômica, de modo que os Bancos e Instituições congêneres regulamentadas pelo Poder Público (integrantes do Sistema Financeiro Nacional) tomam o dinheiro a taxas de juros que oscilam e podem ser superiores ao limite de 12% (doze por cento) ao ano, assim, a simples regulamentação de uma taxa nominal no valor mencionado tornaria inviável o crédito bancário, que acabaria por se tornar um negócio jurídico anti-econômico, pois o mútuo mercantil é contrato oneroso por sua própria natureza (e a função do crédito bancário não deixa de ser essencial dentro de um país, mormente quando grande parte da população dele depende de um modo mais ou menos constante, como igualmente destacado pelos meios de comunicação de massa).

 

Ademais entendimento diverso levaria ao enriquecimento sem causa dos tomadores, que se locupletariam da diferença apurada (taxa na qual o dinheiro foi tomado menos o valor estabelecido), sendo certo, no entanto, que se houver uma discrepância muito grande entre o que se tomar no exterior e se aplicar no país, isso implicará na ruína total dos tomadores, o que, do mesmo modo, mutatis mutandi, não seria de interesse dos emprestadores (daí por que se deva, mesmo, buscar evitar monopólios ou oligopólios nesse setor estratégico da vida do país, devendo-se buscar um controle, não da taxa nominal, mas de discrepâncias do sistema, orientando-se adequadamente os consumidores, sobretudo os de menor escolaridade, a respeito do que pode vir a ocorrer em caso de mora – isso, insista-se, dentro de tudo quanto ponderado nos itens anteriores deste trabalho, numa linguagem mais simples, preferencialmente menos jurídica, centrada em aspectos práticos da questão).

 

Assim, é bem verdade que existe a necessidade de se estabelecer limites aos juros compactuados de um modo geral (sobretudo nos encargos da mora contratual), mas, no ordenamento jurídico vigente tal limite não poderia ser o limite do artigo 192, § 3º da CF/1988, pois a jurisprudência, notadamente a do Pretório Excelso (neste sentido, o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 04, publicada no D.O.U., em 25.06.93, págs. 12.637/38), encaminhou-se no sentido da não auto-aplicabilidade do dispositivo. Neste sentido, inclusive, desde há muito, seria de se destacar v.g., JTACSP 119/212; RT 663/166; 665/159; 677/127 e 679/119.

 

Em doutrina, de se destacar, por exemplo, a opinião de Celso Ribeiro Bastos, para quem:

 

"Na verdade a Constituição não regula o Sistema Financeiro Nacional. Limita-se a remeter a matéria para uma lei complementar. Isto é feito na cabeça do dispositivo (art. 192). Seus diversos incisos e parágrafos fixam os parâmetros fundamentais deste sistema. Citem-se exemplificadamente: ............IV - a imposição de uma taxa máxima aos juros reais, no montante de doze por cento ao ano." ( grifos nossos ) In "Curso de Direito Constitucional", pág. 363, 14ª edição, 1.992, Ed. Saraiva.

 

Percebe-se, portanto, que a norma constitucional não representa óbice à cobrança de juros superiores a 12% (doze por cento) ao ano, enquanto não fosse regulamentada, o que sequer chegou a ocorrer, posto que a questão tornou-se bizantina diante do advento da Emenda Constitucional nº 40, que retirou, do texto do aludido artigo 192 da Constituição, o limite de 12% (doze por cento), em situação que reflete o reconhecimento, pelo Congresso Nacional, em sede de atividade constituinte, do acerto do entendimento do E. Pretório Excelso a respeito do tema.

 

Entendimento este que chegou a ser sumulado pelo referido Areópago, tamanha a reiteração (por sua súmula nº 648), tornando-se, agora, Súmula Vinculante do mesmo órgão jurisdicional.

 

Para argumentar, de se destacar que, pelas mesmas razões, entendo não haver que se falar em imperiosidade de aplicação da norma contida no artigo 173, § 4º da Constituição Federal no caso em exame, posto que o aplicador se depararia com a mesma dificuldade exposta acima, ou seja, o que seria “juro real”, conceito a partir do qual se partiria para que se pudesse deduzir o “juro final”, apurando-se o efetivo lucro da instituição financeira, decorrente daquela operação (e, por uma razão de simples lógica elementar, se não se chegar ao conceito de juro final não haverá como aferir-se o que seria, ou não, lucro do banqueiro – conceito eminentemente econômico ou extra-jurídico como fartamente demonstrado acima), de modo que não há, sem tal solução, como aferir se existe, ou não, lucro abusivo.

 

E não se tendo um parâmetro legal, fixo e delimitado acerca de tal conceito, que facilmente oscilaria ao sabor das inúmeras correntes ideológicas a respeito do tema, pareceria prematura, em que possam pesar doutos entendimentos em sentido contrário, qualquer ponderação acerca da possibilidade de poder alterar contratos bancários em curso pela via transversa do controle de seus lucros (o próprio § 4º do mencionado artigo 173 não fixa qualquer limite para os lucros da empresa, ora, se tal limite não é fixado, como também não se tem certeza acerca do que seria entendido como “juro real”, temerária e arbitrária qualquer conjectura a respeito do tema).

 

Ainda no plano constitucional, insta destacar que, não obstante se tenha como ideais programáticos a proteção da dignidade da pessoa humana e a busca por princípios de justiça social e a defesa da livre iniciativa, por outro lado, nos termos do disposto no caput da norma contida no artigo 5º da mesma Carta Política, observa-se o respeito à segurança e ao patrimônio (este último, bem jurídico em destaque, defendido pela instituição requerida), o que autorizaria a aplicação do princípio da proporcionalidade, no caso vertente (em confronto normas constitucionais, ou seja, de mesma hierarquia, promulgadas na mesma data e todas programáticas, não se podendo reputá-las umas especiais em relação às outras).

 

Desta feita, melhor parece que, uma vez que todas implicam em ideais programáticos a serem alcançados, a melhor solução é a que conclui, de forma proporcional (é corrente a idéia de um princípio de proporcionalidade fundado na idéia da ‘lógica do razoável” cunhada por Celso Lafer a partir da análise de Hannah Arendt[26]), que a questão se resolva pela aplicação de outra liberdade pública pertinente, igualmente assegurada (no mesmo artigo 5º, pelo óbvio), qual seja, o princípio da legalidade (ainda mais em tempos globalizados, com velocidade de informação e rápida capacidade de volatilização do capital disponível para empréstimos pareceria inócuo querer reduzir os juros sob a perspectiva de um humanismo utópico[27], com a devida licença aos que de forma pueril acreditem no contrário[28]).

 

Aliás, como os princípios aludidos são amplos e genéricos, dependendo de uma análise estritamente ideológica (para um monge budista, por exemplo, qualquer contrato versando sobre bens corpóreos materiais seria uma ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana, concepção que levaria ao caos negocial, com criação de perigoso precedente judicial – enquanto que para um capitalista workaholic isso seria a antevisão do nirvana), de se optar, em havendo colidência teórica, dependendo da matiz ideológica a ser empregada pela não ocorrência de qualquer inconstitucionalidade patente em relação a estes princípios (direcionados, ademais, ao Poder Público), resolvendo-se a questão pela estrita legalidade.

 

Ao contrário, a criação de precedentes anômalos, do ponto de vista econômico, com a expulsão das possibilidades de investimentos, pela nulidade sistemática e generalizada de todos os contratos deste tipo, no país, implicaria, isso sim, em flagrante ameaça à livre iniciativa (princípio garantido pela ordem constitucional), com sério risco para a população, de um modo geral, de fugas em massa de capital, para que, em médio e longo prazo se verifiquem crises recessivas com desemprego, desestruturação da economia, queda de desenvolvimento (com mais desemprego), redução de impostos (que devem reverter para o interesse geral e setores estratégicos como educação, saúde e segurança) e uma série de anomias daí decorrentes.

 

Do mesmo modo, o que se tem não é uma normatização anômala invocada por organismo disciplinador do crédito bancário, mas um contrato (não se pode pretender uma especialização que transforme um simples acordo de vontades em um ente transcendental deixando, em sua análise, de ser a expressão de um acordo de vontades), o qual encontra, ao menos num juízo a priori, dentro das cláusulas padrão que usualmente se encontram em contratos bancários, nas lides que tramitam nos Fóruns e Tribunais do país, em suas cláusulas, adequada sustentação legal.

 

Não se vislumbra qualquer ofensa, portanto, ao disposto na norma contida no artigo 25 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias ou mesmo violação aos artigos 48 e 68 da Magna Carta, eis que as taxas de juros estão disciplinadas por lei em sentido estrito, como se disporá adiante (ainda que sem a tipificação normativa – fora o caso das cédulas de crédito, em situações de adimplência, de um percentual máximo obrigatório como se dava com o revogado limite de doze por cento ao ano previsto no texto constitucional já alterado, como aduzido linhas atrás).

 

Não vislumbro, ainda, qualquer possibilidade de integração da vacatio legis deixada pelo já revogado artigo 192 CF/88, pelos consectários da chamada “Lei de Economia Popular” (Lei nº 1.521/51), vez que, conforme entendimento manso e pacífico do Pretório Excelso (veja-se a respeito o enunciado da Súmula nº 596), não se trata de legislação aplicável às relações envolvendo instituições financeiras, regidas por legislação própria, mas, apenas e tão somente aos particulares que poderiam ser tidos como agiotas nos termos da referida lei (o que tornou obsoletos os termos da Súmula nº 121 do mesmo preclaro Areópago em questão).

 

Isso porque, com efeito, não se pode olvidar que a norma contida no artigo 10º do Decreto 22.626/33, expressamente estabelece que é conduta vedada estipular, em quaisquer contratos, taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal (e, para os menos avisados, o Código Civil em vigor estabelece uma taxa de juros legais em 12,0% ao ano), sendo certo que tal Decreto, ainda em vigor, como se demonstrará adiante (através de referência à jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça) traz de relevante, ainda, a proibição de contar juros sobre juros (artigo 4º), que seria o proibido anatocismo como asseverado acima, estabelecendo, ainda, a pena de nulidade para atos que contrariarem as suas disposições, assegurando-se ao devedor a repetição do que houver pago a mais (artigo 11), no entanto, como apontado acima, a jurisprudência do E. Supremo Tribunal Federal aponta no sentido de que isso não se aplica aos contratos bancários, mas, apenas e tão somente aos contratos firmados entre pessoas que não sejam instituições de crédito regulamentadas pelo Poder Público, nos termos da Lei nº 4.595/64 (referida Súmula nº 596/STF).

 

No mesmo sentido, a chamada lei da economia popular (Lei nº 1.521/51), em seu artigo 4º, § 3º, alínea “b” comina a pena de nulidade às estipulações usurárias, estabelecendo que o Juiz tem o dever de afastar juros abusivos, ordenando a restituição da quantia paga em excesso, com juros legais a contar da data do pagamento indevido.

 

E, muito embora alguns pretendam alegar a revogação da Lei nº 1.521/51, notadamente no que tange ao fato de que não se aplicaria em seus aspectos criminais, ao contrato bancário, inegável que, em seus aspectos cíveis, a mesma muito se aproxima da disciplina prevista no Dec. Nº 22.626/33, o que, nesses termos, sofre as influências da referida Súmula nº 596/STF.

 

Assim, não havendo a revogação da legislação anterior, ainda vigentes sobre o tema o Decreto n° 22.626/33, com suas alterações posteriores e o artigo 253 do Código Comercial (quando ainda vigente acerca dos juros entre particulares, o que resta como aplicável num grande número de demandas, pelo princípio tempus regit actum e pelo princípio da irretroatividade das leis, obviamente no que tange aos contratos disciplinados antes da revogação deste dispositivo do Código Comercial[29] pelo atual Código Civil – Lei nº 10.406/02).

 

Ainda que assim não se entendesse, apenas por amor à dialética, visando o apego ao debate, poder-se-ia aduzir que o que seria vedado pela Lei da Usura (Dec. nº 22.626/33) e pelo artigo 253 do então Código Comercial seria o anatocismo, ou seja, a cobrança de juros sobre juros, o que não se confundiria com a capitalização de juros, comumente empregada em contratos bancários e que não fere a Constituição ante o aduzido acima, não obstante o caráter perverso que tal capitalização possa gerar (como demonstrado nos exemplos acima mencionados), sob a perspectiva de lesão, caso não seja adequadamente prevenido o espírito do consumidor acerca de sua utilização no contrato e como se deva corretamente utilizá-la escapando-se de seus efeitos deletérios, ante tudo quanto ponderado acima e nos outros itens do presente artigo.

 

E tanto é assim que a este respeito, conveniente citar a lição de Fran Martins, para quem:

 

"A lei não permite a cobrança de juros sobre juros, ou seja, o anatocismo (Código Comercial, art. 253; Dec. nº 22.626/33, art. 4º). Entretanto não está incluída na proibição a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano. Igualmente, podem as partes convencionar que os juros devidos e não pagos sejam capitalizados, passando a ser cobrados juros a partir da capitalização, pois, no caso, o que realmente se verifica é o aumento do montante do capital emprestado com a importância dos juros vencidos."[30]

 

Ainda que assim não fosse, o enunciado da Súmula nº 596 do Pretório Excelso cristalizou o entendimento de que os dispositivos da Lei de Usura não podem ser aplicados às taxas de juros e aos encargos cobrados nas instituições que compõem o Sistema Financeiro Nacional, isso porque, como sabido, tais operações de crédito se acham disciplinadas por normas especiais, quais sejam, as constantes da Lei n° 4.595/64, dentre outros diplomas especiais.

 

Desnecessário salientar que tal Súmula foi elaborada em momento bem posterior ao da publicação da vetusta Súmula nº 121 do mesmo Órgão, que trazia em si tese que poderia levar a entendimento em sentido contrário, eis que vedava o anatocismo.

 

Contudo, de forma a atenuar o rigorismo deste entendimento, que, sob o ponto de vista prático poderia levar ao reconhecimento de situações esdrúxulas, sempre em atendimento ao princípio da boa-fé que permeia as relações contratuais, passou a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça a disciplinar a possibilidade de capitalização de juros em sede de contratos bancários.

 

Com efeito, tal capitalização passou a ser admitida nos casos em que houvesse expressa permissão legislativa (podendo-se destacar, por exemplo, as orientações lançadas nos Decretos nº 167/67 e 413/69, bem como a Lei nº 6.840/80), o que ocorre nas cédulas de crédito comercial, industrial e rural, e (condição cumulativa), desde que expressamente avençado entre as partes (o que, insista-se, deve se dar de modo claro e expresso, notadamente em relação aos riscos em nome do princípio da boa-fé objetiva que deve permear os contratos de um modo geral, como aduzido em item anterior do presente artigo).

A reiteração, inclusive, de tal posicionamento levou à edição de outra Súmula a respeito do tema, sendo o que se observa pela transcrição da Súmula nº 93 daquele Colendo órgão (publicada no DJU 03.11.1.993), segundo a qual:

 

“A legislação sobre cédulas de crédito rural, comercial e industrial admite o pacto de capitalização de juros.”

 

No mesmo sentido, v.g., destacam-se os seguintes Julgados: STJ - R. Esp. 13.098-GO (2ª S. 29.04.92 - DJU 22.06.92); R. Esp.         11.843-RS  ( 3ª T. 13.04.92 - DJU 25.05.92); R. Esp.         20.599-PR  (3ª T. 25.05.92 - DJU 03.08.92); R. Esp. 23.844-RS (3ª T. 01.09.92 - DJU 05.10.92); R. Esp. 26.646-RS (3ª T. 22.09.92 - DJU 13.10.92); R. Esp. 27.468-RS (3ª T. 10.11.92 - DJU 07.12.92); R. Esp.  24.241-RS(4ª T. 31.08.92 - DJU 05.10.92); R. Esp.         26.031-GO (4ª T. 13.10.92 - DJU 16.11.92) e R. Esp. 31.025-RS (4ª T. 17.02.93 - DJU 22.03.93), dentre inúmeros outros.

        

 Corrobora, ainda, tal assertiva a jurisprudência cristalizada do E. Superior Tribunal de Justiça, cuja pertinência justifica a sua colação elucidativa:

 

JUROS – CAPITALIZAÇÃO – Persiste a vedação estabelecida na “Lei de Usura”, salvo a contida em leis especiais.” STJ – 3ª Turma – RE 5655 – 6- 1 – RS – Rel. Min. Eduardo  Ribeiro, j. 12.06.1.995, v.u.

 

Com igual teor:

 

JUROS – CAPITALIZAÇÃO – LEI DE USURA – Somente se admite a capitalização de juros havendo norma legal que excepcione a regra proibitória estabelecida no artigo 4º do Dec. 22.626/33 ( Lei de Usura ). Recurso conhecido e provido.” STJ – 3ª Turma – Rel. Min. Costa Leite, j. 03.04.1.996, v.u. In Boletim AASP 1.945/26.       

E, ainda:

 

JUROS – CAPITALIZAÇÃO – Somente nas hipóteses em que expressamente autorizada por lei específica, a capitalização de juros se mostra admissível. Nos demais casos é vedada, mesmo quando pactuada, não tendo sdo revogado pela Lei nº 4.595/64 o artigo 4º do Decreto nº 22.626/33.” STJ – 4ª Turma – Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, j. 12.02.1.996.

        

Neste sentido, pede-se vênia para destacar, a situação de tal orientação, ressalvando-se, no entanto, a existência de legislação posterior à Lei nº 4.595/64, que colida com a mesma, o que pareceria, ademais, intuitivo, por simples aplicação de princípios hermeneuticos acerca da lex posteriori (como se observa, por exemplo, em relação a cédulas de crédito, como asseverado acima, em que pode ocorrer a capitalização desde que pactuada, nos termos da legislação de regência, na forma simples e não composta – a menos que se lhes aplique alguma lei federal posterior, como por exemplo, questões referentes a contratos de cãmbio, alienação fiduciária, leasing, etc...):

 

COMERCIAL – CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO E CÉDULA DE CRÉDITO INDUSTRIAL – JUROS – LIMITAÇÃO 12% AA – LEI DE USURA DECRETO Nº 22.626/33 – INCIDÊNCIA APENAS QUANTO À SEGUNDA – LEI Nº 4.595/64 – DISCIPLINAMENTO LEGISLATIVO POSTERIOR – AUSÊNCIA DE FIXAÇÃO PELO CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL – CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS – VEDAÇÃO – SÚMULA Nº 121-STF – PACTUAÇÃO EXPRESSA – SÚMULA Nº 596-STF – NÃO INCIDÊNCIA EM RELAÇÃO A CRÉDITO INDUSTRIAL – DISCIPLINAMENTO LEGISLATIVO POSTERIOR – DECRETO-LEI Nº 413/69, ART. 5º – SÚMULA Nº 93-STJ – I – Não se aplica a limitação de juros de 12% ao ano prevista na Lei de Usura aos contratos de abertura de crédito bancário. II. Nesses mesmos contratos, ainda que expressamente pactuada, é vedada a capitalização mensal dos juros, somente admitida nos casos previstos em lei. Incidência do art. 4º do Decreto n.º 22.626/33 e da Súmula nº 121-STF. III. Ao Conselho Monetário Nacional, segundo o art. 5º do Decreto-lei n.º 413/69, compete a fixação das taxas de juros aplicáveis aos títulos de crédito industrial. Omitindo-se o órgão no desempenho de tal mister, torna-se aplicável a regra geral do art. 1º, caput, da Lei de Usura, que veda a cobrança de juros em percentual superior ao dobro da taxa legal 12% ao ano, afastada a incidência da Súmula nº. 596 do C. STF, porquanto se dirige à Lei nº. 4.595/64, ultrapassada, no particular, pelo diploma legal mais moderno e específico, de 1969. Precedentes do STJ............ Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, parcialmente provido.” (STJ – RESP 292591 – RS – 4ª T. – Rel. Min. Aldir Passarinho Junior – DJU 25.06.2.001 – p. 00189) .

 

E, para que não se alegue tratar-se de entendimento jurisprudencial isolado daquele Colendo Tribunal, de se destacar, ainda a guisa de exemplificação, e sempre no mesmo sentido:

 

JUROS – ANATOCISMO – A capitalização de juros é admitida apenas nas hipóteses reguladas em leis especiais, que a prevêem expressamente, tal sucede com as que cuidam das cédulas de crédito rural, comercial e industrial. A proibição do artigo 4º do Decreto nº 22.626/33 aplica-se também aos mútuos contratados com as instituições financeiras, não afetando aquele dispositivo a Lei nº 4.595/64.” STJ – 3ª Turma – RE 4949-3-1- RS – Rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 16.08.94, v.u.

 

De todo este exposto, conclui-se, sem maior dificuldade que a capitalização de juros se revela como permitida no direito brasileiro, desde que previamente convencionada e que exista legislação específica amparando tal cobrança, assim, com a devida vênia, mormente após o advento das Medidas Provisórias que disciplinam a questão (MP nº 2.170-36; 1.963-17, 2.087-27 e 2.170-34, dentre outras), tem-se que não mais existe a chamada vedação à capitalização em contratos bancários, eis que se tem um regime jurídico específico e diferenciado com base em situação admitida, como demonstrado acima, pelo E. Supremo Tribunal Federal.

 

Assim, também, tem sido decidido, de forma reiterada pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, entendendo que existem medidas provisórias (mormente aquelas editadas após o advento da Emenda Constitucional que limitou a sua esfera de incidência), com eficácia de Leis Ordinárias, que autorizam a utilização de tal expediente, admitindo a capitalização de juros em questão, nos contratos bancários, ante a especificidade da questão bancária.

 

Mas, insista-se, não se pode perder de vistas que, como já aduzido, todo esse modo de interpretar juridicamente a questão não pode passar ao longe da questão no sentido de que, com o advento da chamada globalização econômica, a revolução tecnológica intensificou o curso das relações intersubjetivas, conferindo agilidade sem par a mecanismos econômicos, o que não deixou de ser muito perigoso, como alerta José Eduardo Faria em sua célebre obra a respeito do direito na economia globalizada[31].

 

Não é, portanto, desconhecido dos operadores do direito, que a chamada ciranda financeira criada no país, para garantir uma estabilidade fiscal e monetária fictícia, mantida e lastreada, por algum tempo, pela privatização, por alguns anos, acabou, por exemplo, mantendo a aposentadoria de funcionários públicos de Estados estrangeiros (recentes reportagens de revistas especializadas demonstraram que fundos de pensão de funcionários públicos do Estado da Califórnia investem no Brasil em virtude das altas taxas de juros então aqui aplicadas – e como isso é fato público e notório, eis que amplamente divulgado pelos meios de comunicação de massa, os chamados mass media, sequer precisaria ser provado em juízo, por simples dicção do artigo 334 e seus consectários do Código de Processo Civil), o que revela a dimensão do problema ora tratado, ao menos em relação a uma mínima faceta, mas de razoáveis proporções, o que revela uma prática tida economicamente correta numa economia dita neoliberal no entender de cientistas políticos como Norberto Bobbio.

 

Assim, como assevera Eros Roberto Grau[32], em sua obra a respeito da ordem econômica na Constituição Federal, fatores meta jurídicos, sobretudo de ordem econômica passaram a influenciar nosso quotidiano, levando a uma ordem profunda de reflexões a respeito das ingerências econômicas na ordem jurídica, não mais podendo, esta última ser vista como algo estanque, ou um objeto científico isolado, o que somente vem a reforçar as idéias lançadas no primeiro tópico do presente artigo, no que tange ao apontado por cientistas como Edgar Morin[33], que chegam a propugnar a idéia da necessidade de transposição paradigmática, passando a se conceber um paradigma de complexidade, caracterizado por uma interdisciplinariedade cada vez mais intensa, enquanto Celso Lafer[34] refere-se à necessidade de superação do paradigma jurídico então dominante (paradigma do direito natural), por algo mais dinâmico, ou seja, como proposto pelo jusfilósofo em questão, um paradigma da filosofia do direito, com contornos menos dogmáticos, logo mais zetéticos e difusos, em honra desta interdisciplinariedade e complexidade sociais.

 

Ademais, o Documento Técnico nº 319 do Banco Mundial, firmado por Maria Dakolias, não deixa de ser um alerta da preocupação com o fenômeno jurídico complexo a que se aludiu acima, posto que revela que certos prelados jurisdicionais setorializados apontam para dificuldades econômicas, que se repercutirão na concessão, ou não, de crédito ao mercado interno (quanto mais insegura ou morosa uma estrutura jurisdicional, maior o risco, o que elevará a taxa de juros interna, que não será nominal, como se exporá linhas abaixo).

 

Isso poderia explicar porque fatos recentes como o boom imobiliário americano acabam em implicar em recessão lá, e como isso, em questão de uma semana interfere na inflação, desemprego e taxa de juros do mundo todo, por complexos fatores econômicos, recomendando que juristas e operadores do direito não deixem de levar em conta os riscos de suas condutas, na elaboração de teses exegéticas.

 

Assim, com a devida licença, argumentações do gênero de que a interpretação da lei deva ser feita com vistas à melhor distribuição de rendas (papel, aliás, do governo federal e não do Poder Judiciário), ou evitar-se a pauperização dos consumidores, de um modo geral, não permitem o elastério que se busca alcançar, ante todo o exposto.

 

Isso porque, como consta do início do presente texto, acerca dos fatores interdisciplinares, se bancos e instituições de crédito mantém transações com bancos internacionais devem ter a competente autorização do BACEN ou de órgão ministerial congênere, nos termos das Medidas Provisórias que disciplinam a questão (e mesmo que se trate de negócios jurídicos distintos, os contratos entre os bancos nacionais e internacionais como aliás, assevera, de forma expressa, a norma contida no artigo 1º do Decreto-Lei nº 857/69, o fato é que isso implica em situação de justa causa para a incidência dos juros nos montantes em questão, sob pena de dificuldades na obtenção de crédito em mercados estrangeiros – o que é questão, ademais, muito complexa como se observa pela chamada “bolha monetária” da economia norte-americana de 2.008).

 

No entanto, insista-se, tudo isso deve ser sintetizado, de forma clara, no contrato a ser firmado, eis que se tem o seu caráter consumerista, como igualmente asseverado linhas atrás, no início do presente texto, de modo que o consumidor deve ser informado a respeito da existência de juros remuneratórios do contrato, e que, se houver mora, a sua situação poderá ser ruinosa, pelo agravamento de tais encargos, sob pena de ruptura com a livre percepção acerca dos termos do contrato (em relações havidas entre grandes grupos econômicos, ou quanto intervierem advogados, pelo óbvio, isso será mitigado pela incidência do próprio brocardo ignorantia legis nemo excusat ­– expressamente acolhido pela norma contida no artigo 3º LICC, por razões óbvias – quem tem acesso a advogado não pode alegar que desconhecia a extensão do ajuste).

 

Mas, em se cuidando de consumidores pessoas físicas e hipossuficientes, sem prévia consulta a advogados, isso deve ser mitigado, eis que os mesmos tem inegável direito à informação adequada, como decorre do advento da norma contida no artigo 6º e seus consectários da Lei nº 8.078/90, o que resta como passível, se vulnerado, de ocasionar nulidades contratuais (artigos 51 e 54 e seus consectários do mesmo diploma consumerista).

 

Ou seja, a potencialidade de ruína econômica, com os efeitos devastadores da capitalização, devem restar ilustrados, de forma clara, na orientação ao se firmar o contrato, notadamente no que se refere aos casos de mora, sob pena de se ter a nulidade do contrato, não por vedação a cobrança de juros e encargos (foco que vem sendo explorado sem sucesso por filões da advocacia nos fóruns e Tribunais do país), mas de se ter a nulidade por conta de reservas mentais ao quanto ajustado, nos termos da legislação de regência.

 

Tanto assim que Julgados mais recentes do E. Superior Tribunal de Justiça tem admitido tal capitalização, sem abusos, ou seja, desde que a capitalização seja em periodicidade inferior a um ano, desde que não se cuide de contrato regulado por lei específica (por exemplo, como dito acima, contratos de câmbio).

 

Neste sentido, para que não se venha pretender aduzir que este entendimento seria isolado, de se pedir vênia para continuar a destacar trechos de tais Julgados, como, verbi gratia, o seguinte: 

JUROS. CAPITALIZAÇÃO. CC/2002. A MP n. 1.963-17/2000, republicada sob o n. 2.170-36/2001 (de garantida vigência em razão do art. 2º da EC n. 32/2001), é direcionada às operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, daí sua especificidade, a fazê-la prevalecer sob o novo Código Civil. Dessarte, depois de 31/3/2000, data em que entrou em vigor o art. 5º da referida MP, as instituições financeiras, se expressamente pactuado, fazem jus à capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual em contratos não regulados por lei específica, direito que não foi afastado pelo art. 591 do CC/2002, dispositivo aplicável aos contratos civis em geral. No caso, cuidou-se de contrato de financiamento garantido por alienação fiduciária, firmado após a vigência do novo Código Civil. Precedentes citados: REsp 602.068-RS, DJ 21/3/2005; REsp 680.237-RS, DJ 15/3/2006; AgRg no REsp 714.510-RS, DJ 22/8/2005, e REsp 821.357-RS, DJ 23/8/2007. REsp 890.460-RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 18/12/2007. 

Tal posicionamento, inclusive, foi o adotado já sob a égide da chamada Lei dos Recursos Repetitivos (Lei nº 11.672/08), no que se refere a tal questão, como se pode observar por notícia veiculada em Notícias do Superior Tribunal de Justiça, disponível no site do referido Areópago, no sentido de que: 

JUROS. CAPITALIZAÇÃO. CC/2002. A Turma reiterou o entendimento tomado no julgamento do REsp 890.460-RS, nota constante deste mesmo Informativo. Na espécie, no que concerne à capitalização mensal dos juros, entende o Min. Relator que a matéria está a merecer reflexão mais aprofundada, diferentemente das matérias de enfrentamento corriqueiro nos órgãos julgadores deste Superior Tribunal. No caso, o acórdão recorrido preteriu o art. 5º da MP n. 1.963-17/2000 (2.170-36/2001), com vigência a partir de 30/3/2000, ao art. 591 do novo Código Civil, que entrou em vigor em 11/1/2003, para estabelecer a periodicidade anual dessa parcela. A Lei n. 4.595/1964, que disciplina o Sistema Financeiro Nacional, com status de lei complementar, não aborda a questão da capitalização dos juros. Assim, o encargo desde há muito encontrava regulação no art. 4º da Lei de Usura, Decreto n. 22.626/1933 (Súm. n. 121-STF). No precedente decorrente do julgamento do REsp 680.237-RS, DJ 15/3/2006, alusivo aos juros remuneratórios, dois foram os fundamentos: o primeiro, de que a Lei n. 4.595/1964 possui caráter de lei complementar. O segundo, que contém disposições especiais de modo que prevalece, ainda que mais antiga, sobre a lei de caráter geral, inespecífica, do Sistema Financeiro Nacional, caso do Código Civil vigente. No que tange à MP n. 1.963-17/2000 (2.170-36/2001), evidente que o primeiro fundamento não se aplica. Porém, entendeu o Min. Relator que o segundo sim, por se direcionar às “operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional”, especificidade que a faz prevalente sobre o Código Civil atual, que não a revogou expressamente e não é com ele incompatível, porque é possível a coexistência por aplicável aos contratos civis em geral (art. 2º, § 1º, da LICC). Na verdade, a hipótese é a do parágrafo 2º do art. 1º. Tem-se, assim, que a partir de 31/3/2000 é facultado às instituições financeiras, em contratos sem regulação em lei específica, desde que expressamente contratado, cobrar a capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual, direito que não foi abolido com o advento da Lei n. 10.406/2002. Precedentes citados: REsp 890.460-RS, REsp 821.357-RS, DJ 1º/2/2008, e AgRg no REsp 714.510-RS, DJ 22/8/2005. REsp 906.054-RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 7/2/2008. 

Aliás, extremamente conveniente para a elucidação do tema, a forma como foi divulgada a questão da pacificação da questão, já em sede de incidência da chamada Lei de Recursos Repetitivos, inclusive pelo resumo da decisão, como se pode observar, pelo seguinte trecho, em relação ao REsp 1061530-RS, que resolveu a questão, tendo como Relatora a Min. Nancy Andrighi (3ª Turma), j. 22.10.2.008: 

 

Após duas horas de intenso debate, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) encerrou a análise do recurso interposto pela União Brasileira de Bancos S/A (Unibanco) contra uma consumidora gaúcha no qual se discutiram temas relativos a contratos bancários. O recurso especial em julgamento foi levado à Seção seguindo a Lei n. 11.672/2008, a Lei dos Recursos Repetitivos, que entrou em vigor em agosto deste ano.  O julgamento teve início no dia 8 deste mês e havia sido interrompido por pedido de vista do ministro Luís Felipe Salomão. Nesta primeira parte do julgamento, a Segunda Seção decidiu que somente seriam apreciados sob a ótica da nova Lei os temas que, no caso concreto, pudessem ser conhecidos pelo Tribunal. Antes de o ministro Luís Felipe Salomão manifestar seu posicionamento, a ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, inovou seu voto quando à questão do cabimento da comissão de permanência. Ela entendeu que seria possível conhecer do recurso quanto a este ponto, uma vez que o dissídio jurisprudencial era notório, mas negou provimento ao recurso do banco. No entanto, a maioria da Seção considerou que este ponto não deveria ser conhecido, pois não houve apontamento de norma legal violada, nem a comparação com julgados de outros tribunais.
No caso em questão, a consumidora adquiriu uma motocicleta e financiou parte do valor em 36 parcelas de R$ 249. Ao perceber que não conseguiria arcar com as prestações, a consumidora entrou com uma ação revisional do contrato de financiamento. A ação chegou ao STJ por iniciativa do banco, inconformado com alguns pontos decididos pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Confira o que foi decidido, ponto a ponto: Juros remuneratórios – ficou mantida a jurisprudência atual do STJ, no sentido da não limitação dos juros remuneratórios, a não ser em casos específicos, em que comprovada a abusividade, o que deve ficar a juízo das instâncias ordinárias, que avaliam caso a caso. No caso concreto, a Seção deu provimento ao recurso especial do banco, uma vez que os juros cobrados estavam abaixo da taxa média de mercado. Descaracterização da mora do devedor e possibilidade de inscrição em cadastros de inadimplentes – Os ministros acompanharam o voto da relatora, que segue o entendimento já pacificado da Segunda Seção. Caso tenham sido exigidos encargos abusivos na contratação (os chamados encargos do período da normalidade), a mora está descaracterizada. Por outro lado, o simples ajuizamento de ação revisional ou a mera constatação de que foram exigidos encargos moratórios abusivos, não afastam a caracterização da mora. Quanto aos cadastros de inadimplentes, a inscrição do nome do devedor só está vedada se, cumulativamente: a) houver interposição de ação revisional; b) as alegações do devedor se fundarem na aparência do bom direito e na jurisprudência do STJ ou do STF; c) for depositada a parcela incontroversa do débito.
Reconhecimento de ofício sem que tenha havido o pedido para o Tribunal - a ministra Nancy Andrighi reconheceu a atuação “de ofício” dos tribunais locais em casos que, pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), as cláusulas do contrato bancário forem consideradas abusivas. Foi acompanhada neste ponto pelo ministro Luís Felipe Salomão. Os demais ministros também divergiram da relatora neste ponto. Sustentaram que, em ações envolvendo contratos bancários, não podem juízes e tribunais conhecer a abusividade de cláusulas sem que haja pedido expresso do consumidor. Capitalização de juros (juros sobre juros) – a Seção acompanhou o entendimento da relatora neste ponto e não conheceu do recurso, uma vez que a capitalização dos juros não estava pactuada no contrato. Os temas relativos à capitalização dos juros e à comissão de permanência não puderam ser abordados sob a ótica da Lei dos Recursos Repetitivos, uma vez que a Seção decidiu que somente seriam apreciados os pontos que, no caso concreto, superassem o juízo de admissibilidade. Assim, outros processos que contenham tais temas deverão ser discutidos em oportunidade futura.

 

A regra, portanto, num ambiente de complexidade como o que vivemos no mundo atual, com seus influxos no ordenamento jurídico diante dos fatores mencionados acima, passa a ser a da não limitação dos juros em contratos bancários, desde que respeitados os parâmetros usuais do mercado, somente sendo possível a atuação do Poder Judiciário quando esta normalidade se evidenciar não observada (verbi gratia, num período em que, por exemplo, os bancos emprestem a cerca de quatro ou cinco por cento de juros ao mês, com capitalização, se alguma financeira empregar dez por cento, ou seja, o dobro, restará evidenciada a abusividade ou, sob tal perspectiva, a quebra desta normalidade – desde que, obviamente, não se cuide de situação de contrato disciplinado por lei específica que admita tal prática, como se dá, num exemplo corriqueiro, nos contratos de câmbio, em que oscilações de moeda entrarão na equação do problema).

 

 

Os índices de correção monetária nos contratos bancários

 

E, do mesmo modo, não se pode pretender a exclusão da incidência de índices de correção monetária de contratos deste jaez (sendo cediço que a correção monetária, no direito pátrio tem natureza jurídica diversa da dos juros não havendo que se falar, ao menos num juízo a priori, ou seja, sem que se leve em consideração figuras híbridas, de alguma situação de bis in idem), eis que, desde há muito, se encontra superado o princípio do nominalismo obrigacional preconizado por Clóvis Bevilácqua no Código Civil de 1.916 (pasme-se, a regra prevista em tal vetusto diploma jurídica que disciplinou a vida negocial por décadas, foi o referido nominalismo, ou seja, as obrigações seriam devidas por seu valor de face – em antítese a uma idéia de correção monetária, o que veio sendo alterado paulatinamente, por leis esparsas e índices como as Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional – ORTN’s e seus sucessores – OTN’s, BTN’s, IRSM, etc... com destaque para o fato de que o advento da Lei nº 8.177/91, criou a TR e a TRD, em substituição a esses vetustos índices, estabelecendo situação que vem sendo estabelecida como pacífica nos Tribunais pátrios, como se discorrerá linhas abaixo).

 

Discussão, ademais, de extremada relevância, sobretudo em virtude de insucessos de políticas econômicas do suposto gigantismo da economia nacional na Década de 1.970, no auge da repressão política do chamado “Governo Militar”, em situação de forte escalada da inflação, com cortes sucessivos de “zeros” na moeda, tornando inaplicável um sistema de nominalismo jurídico (num contexto como este, ou seja, de ausência de correção monetária, o nominalismo obrigacional seria forte incentivo à mora, mormente no período em que se referia, de um modo geral, ao fenômeno inflacionário como “inflação galopante”, num período em seriam comuns aplicações de curto prazo – overnight e open market – bastante conhecidas de quem tem mais de quarenta anos de idade).

 

Assim, como o ordenamento jurídico pátrio buscava, de modo contrário (até pelas exigências do bem comum a que se refere o advento da norma contida no artigo 5º LICC), desestimular moras, com incentivo à pontualidade, até mesmo para evitar o locupletamento ilícito (embora o enriquecimento sem causa somente tenha sido proibido, de forma expressa, pelo artigo 885 do Código Civil atual pois o Código Civil de 1.916, ou Código Bevilácqua se revela silente em relação a tanto – a doutrina e a jurisprudência veementemente vedavam tais situações) criou-se na jurisprudência nacional o entendimento de que "a correção monetária não pode ser considerada como gravame, pois apenas repõe as perdas inflacionárias alterando o valor numérico do débito, que permanece o mesmo." (In JTA 109/372).

 

Sobre a utilização de indexadores como fatores de correção monetária, evitando que a corrosão de valores funcionasse como verdadeira sanção premial para os devedores, numa função extralegal do instituto, de se destacar o seguinte pronunciamento de Tribunal bandeirante, acerca da questão:

 

“O recurso dos executados não vinga. Pois seu objeto é a exclusão, pura e simples, da correção monetária. Isso é inconcebível, dada a natureza da correção, que é mero instrumento de preservação do valor real do crédito...... Relativamente à Taxa Referencial de Juros ( TR ), são pertinentes as considerações que se seguem. A lei nº 6.899/81 impõe a correção monetária dos débitos judiciais. Houve a desindexação da economia, por força da Lei nº 8.177/91, ficando extinto o BTN, que era o indexador oficial. Mas a desindexação ocorreu apenas na letra da lei, continuando o mercado a praticá-la normalmente, diante da persistência da inflação. Então, para a observância da referida Lei 6.899/81, outro critério não se conseguiu adotar, se não o de aplicação da Taxa Referencial de Juros, que, embora, criada essencialmente com outra finalidade, presta-se perfeitamente como fator de correção monetária, por refletir a inflação. Esse fator (TR) é aplicado, aliás, para a correção de vários ativos financeiros, por determinação da própria lei, como se vê em seus arts. 5º, 9º e 25. Cabe observar, além disso, que o IPC do IBGE foi extinto pela Lei nº 8.177/91, com isso deixou de existir qualquer fator de correção, passível de aplicação prática, salvo a mencionada TR.” In RT 729/200 ( v. acórdão do E. 1º TACSP ).

 

E, no tocante à tal atualização monetária, cabe aqui a lembrança de que a correção monetária não é pena imposta à parte, pois independe de ato seu, sendo apenas uma forma de reposição da moeda corroída pela inflação, aliás, como já acentuava Santo Tomaz de Aquino em sua “Summa Teológica” (JTACVSP 120/167).

 

A correção monetária, conforme é cediço, nada mais é que uma adaptação do valor para evitar perdas decorrentes da escalada inflacionária que assolou o País, não implicando em acréscimo não permitido em lei, aliás, entendimento diverso implicaria, insista-se, em verdadeiro enriquecimento sem causa dos devedores em geral, não importando o fato, sequer, de se tratar de crédito rural, vez que, conforme preceitua, desde há muito, a Súmula nº 16 do E. Superior Tribunal de Justiça:

 

“A legislação ordinária sobre crédito rural não veda a incidência de correção monetária.” Referência: R. Esp. 2.665-MG ( 3ª T. 12.06.90 - DJU 13.08.90 ); R. Esp. 1.124-SP ( 4ª T. 21.11.89 - DJU 18.12.89); R. Esp. 2.122-MS ( 4ª T. 14.05.90 - DJU 11.06.90 ) R. Esp. 3.170-MG ( 4ª T. 07.08.90 - DJU 27.08.90 ).

 

Ainda neste sentido, o Julgado do Pretório Excelso, cujo teor passo a destacar, o que evidencia que a orientação em questão não se revela como isolada, em que possam pesar entendimentos em sentido contrário:

 

CORREÇÃO MONETÁRIA - CRÉDITO RURAL - INCIDÊNCIA - Ressalva constante do artigo 9º do Dec- Lei 167/67 e com ampla permissão contida no artigo 1º, “caput”, da Lei nº 6.423/77. Aprisionamento, ademais, aos princípios do nominalismo, em período recente, de elevada inflação que acarretaria a injustiça de muitos serem penalizados, em benefício de poucos.” STF - Rel. Min. Cláudio Santos - RT 677/229.

 

E a utilização de fatores de capitalização (acréscimos de juros sobre o montante inicial ao qual já se incorporaram juros anteriores) não se confunde com critérios de correção monetária, em face da flagrante diversidade dos institutos (os juros, a priori, tem natureza jurídica de remuneração do capitalista enquanto que a correção monetária tem natureza jurídica de fator de recomposição).

 

Tanto assim que, com relação à adoção da chamada “taxa referencial”, ou, simplesmente, “TR”, que sempre refletiu a inflação mais próxima da realidade, sem alterações e controle de índices fictícios como nos chamados índices oficiais, convém que se destaque que, desde há muito, a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça vinha se inclinando no sentido de que inexistiria ilegalidade na sua cobrança, desde que expressamente convencionada pelas partes.

 

Neste sentido, v.g., o Julgado da época (publicado há mais de quinze anos), que peço vênia para transcrever, para exemplificar tal tratamento:

 

TR - ADOÇÃO COMO FATOR DE CORREÇÃO - Não há impedimento a sua utilização, quando assim convencionado. Hipótese em que estabelecido dever-se adotar o fator que viesse a ser usado para remuneração das cadernetas de poupança, que é exatamente a TR (Lei 8.177/91, artigo 12, I). (STJ - REsp 39.616 - 3ª T. - Rel. desig.  Min. Eduardo Ribeiro - DJU 03.06.96).”

 

E tal tratamento não se revelava isolado, eis que, sobre o tema em comento, do mesmo modo se manifestavam outros órgãos jurisdicionais, como, ainda em sede de exemplificação, o fazia o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, como se observa por nova transcrição que peço vênia para destacar:

 

REVISIONAL DE CLÁUSULA CONTRATUAL C/C DECLARATÓRIA, COM PEDIDO DE LIMINAR -- ANTECIPAÇÃO DA TUTELA -- PRELIMINAR DE NULIDADE DE SENTENÇA REPELIDA -- EXEGESE DO ART. 458, DO CPC -- NULIDADE DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS V. G.: A QUE FIXA O ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA COM BASE NA TR E A QUE ESTIPULA TAXA DE JUROS SUPERIOR A 12% -- CODECON -- INAPLICABILIDADE -- SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL DO PEDIDO MANTIDA -- DESPROVIMENTO DO RECURSO - "Não é nula a sentença por deficiência de seu relatório ou carência de fundamentação se da decisão consta o suficiente para o completo conhecimento da matéria em discussão. "O magistrado não está obrigado a examinar, perquirir e responder a todos os argumentos da parte - embora seja isto aconselhável - desde que tenha já encontrado motivo bastante para decidir" (RT vol. 615, pág. 148/153). "Tratando-se de contrato bancário, mesmo que denominado crédito rural, não se aplicam as disposições do Código de Defesa do Consumidor, mas a legislação bancária" (Ap. Cív. n. 47.753, de Mafra). "Não é vedada a utilização da TR como fator de atualização monetária, desde que assim convencionado no contrato" Ap. Cív. n. 96.005929-6, de Abelardo Luz). "A regra inscrita no art.192, §3º, da Carta Política - norma constitucional de eficácia limitada - constitui preceito de integração que reclama, em caráter necessário, para efeito de sua plena incidência, a mediação legislativa concretizadora do comando nela positivado (STF)". ( grifos nossos ) TJSC - AC 96.010430-5 - 3ª C.C. - Rel. Des. Cláudio Barreto Dutra - J. 26.08.1997.

 

Ainda com este mesmo entendimento, de se consignar TJSC - AC 97.003510-1 - 3ª CC - Rel. Des. Eder Graef - j. 24.06.1997; TARS - AC 192.056.356 - 1ª CC - Rel. Juiz Juracy Vilela de Souza - j. 18.08.1992; TARS - AC 196.027.783 - 3ª CC - Rel. Juiz Aldo Ayres Torres - j. 19.06.196 - TARS - AC- 196.105.167 - 6ª CC - Rel. Juiz Armínio José Abreu Lima Rosa, j. 08.08.1996; TARS - AC 194.120.424 - 1ª CC - Rel. Juiz Heitor Assis Remonti - j. 23.08.1994; TARS - AC 195.186.143 - 9ª CC - Rel. Juiz Breno Moreira Mussi - j. 30.04.1996 (este último, aliás, versando, especificamente sobre cédula de crédito rural – mas todos eles demonstrando que há mais de década a questão já se encontrava pacificada, mas, mesmo assim, para quem labuta em ações deste jaez, nem por isso, quase uma década após o ano 2.000, os patronos dos devedores tem insistido em questionar tais práticas em ações revisionais e em embargos de devedor, em detrimento do tempo que cada magistrado e serventuário tem que dedicar a todos os outros tipos de processo que tramitam nos fóruns e Tribunais do país – e nem mesmo o estabelecimento de Súmula pelo E. Superior Tribunal de Justiça, acerca do tema, parece ter resolvido o problema, não se tendo observado que a alegação tenha perdido o ânimo nas petições de ações análogas a respeito do tema).

 

Elucidativa, ainda, sobre o tema em comento, ou seja, a viabilidade da utilização da TR, ainda que em contratos de natureza bancária, a opinião do saudoso Theotônio Negrão, para quem:

 

“O STF no julgamento das ADIns 493, Rel. Min. Moreira Alves, 768, Rel. Min. Marco Aurélio, e 959 - DF, Rel. Min. Sydney Sanches, não excluiu do universo jurídico a Taxa Referencial, TR, vale dizer, não decidiu no sentido de que a TR não pode ser utilizada como índice de indexação. O que o Supremo Tribunal decidiu, nas referidas ADIns, é que a TR não pode ser imposta como índice de indexação em substituição a índices estipulados em contratos firmados anteriormente à Lei n° 8.177, de 1.3.91. Essa imposição violaria os princípios constitucionais do ato jurídico perfeito e do direito adquirido”(RTJ 161/718).” In Código de Processo Civil e legislação processual em vigor”, p. 1.980, 35a edição, 2.003.

 

Questão elegante foi a superada pelo Superior Tribunal de Justiça no sentido de impossibilidade de cumulação de correção monetária com a chamada comissão de permanência, mas, no entanto, como parece despontar de razões de singular obviedade franciscana, o que se veda, não é a incidência desta comissão, mas a cumulação de ambas, num mesmo período, o que seria vedado pelos termos da Súmula n° 30 do referido Areópago, por implicar em situação de bis in idem, duas formas de recomposição de valores numa mesma parcela (como sabido, ambos os índices teriam a finalidade de impedir a corrosão monetária até porque a comissão de permanência pode ser vista como uma indenização moratória (JTACSP 128/101 e RJ 151/74, dentre outros Julgados), o que gera o referido e vedado enriquecimento sem causa).

 

Mas, a cobrança isolada de um deles, ou mesmo que ambos sejam cobrados num mesmo contrato, de que não ocorra dupla incidência, num mesmo período, não implica no reconhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade (como já ponderado linhas atrás, o nominalismo obrigacional tornou-se letra morta, mesmo antes da edição do novo Código Civil), eis que, nessas condições, não se cuidaria, sob o prisma eminentemente técnico, de situação de enriquecimento sem causa (e o enriquecimento do banco, com causa, seria da essência do contrato de mútuo, oneroso na sua essência, diga-se en passant, não se podendo querer admitir a hipocrisia de se pretender torná-lo em contrato gratuito – da essência, aliás, da atividade bancária, a busca pelo lucro).

 

Do mesmo modo, nem tampouco se poderia pretender ressuscitar a orientação da vetusta Lei nº 6.988/81, que cuidava da questão da incidência da correção monetária nos débitos judiciais, o que se pretende obter em algumas ações revisionais, eis que, como é cediço, tal orientação, por gerar o referido enriquecimento sem causa e estimular a mora, tem sido afastada, de modo reiterado pelo E. Superior Tribunal de Justiça, que, acerca do tema, editou a sua Súmula de nº 43, afastando a possibilidade de se entender, aliás, a correção monetária como acréscimo, reafirmando sua natureza de fator apto a evitar a corrosão.

 


O regramento das chamadas “cláusulas-mandato” e a questãoda lesão

 

Como tópico final deste breve estudo, seria de se ponderar a respeito de matéria intimamente ligada ao princípio da boa-fé objetiva, tal como asseverado em outro tópico, linhas acima, que seria a falta de juridicidade, ou mesmo de legalidade, nas estipulações lançadas em contratos bancários, no que tange às conhecidas “cláusulas-mandato” e outras disposições congêneres de mesmo efeito prático.

 

Em relação a tanto, impende ponderar no sentido de que, desde há muito, o E. Superior Tribunal de Justiça vem repudiando, de forma veemente, a existência de cláusulas mandato, quando os interesses do mandante e do mandatário são colidentes, como se observa, em mais de um dos julgados daquele E. Areópago.

 

Neste sentido, de se ponderar, verbi gratia, o seguinte Julgado pertinente sobre o tema em comento, a evidenciar, como já exposto, linhas acima, que a jurisprudência pátria, de forma lúcida, sem se esquecer de fatores extrajurídicos, vem buscando preservar a boa-fé objetiva contra expedientes pouco éticos (melhor dizendo, o que parece estar sendo buscado seria a preservação de uma ética eudaimônica, ou seja, mais voltada à nobreza de caráter, em sua acepção pura, do que uma ética utilitarista, de índole maquiavélica, na acepção técnica do termo):

 

“DIREITO CIVIL – CLÁUSULA MANDATO – NULIDADE – SÚMULA/STJ, VERBETE Nº 60 – PRECEDENTES – AGRAVO DESPROVIDO – É nula a cláusula mandato inserida em contrato de adesão em que o devedor autoriza o credor a sacar letras de câmbio representativas de qualquer das suas obrigações.” (STJ – AgRg-AI 235112 – SP – 4ª T. – Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira – DJU 08.03.2.000 – p. 126).

 

No mesmo sentido:

 

“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – CONTRATO DE ADESÃO – CLÁUSULA- MANDATO – LETRA DE CÂMBIO ACEITA POR MANDATÁRIO – EXCLUSIVO INTERESSE DO ESTIPULANTE – NULIDADE – PRECEDENTES – RECURSO PROVIDO – As letras de câmbio emitidas com base em contrato de adesão e aceitas por terceiro, no exclusivo interesse da estipulante, padecem de nulidade, sendo aplicável o princípio contido no Enunciado nº 60 da súmula/STJ.” (STJ – REsp 138528 – SP – 4ª T. – Rel. Min. Salvio de Figueiredo Teixeira – DJU 28.06.1999 – p. 116).

 

Com igual teor:

 

CIVIL – NULIDADE – NOTA PROMISSÓRIA CONSTITUÍDA A PARTIR DE MANDATO INSERIDO EM CLÁUSULA – CONFLITO ENTRE OS INTERESSES DO REPRESENTANTE E DO REPRESENTADO – PRECEDENTES – Não tem validade a cambial emitida a partir de mandato outorgado pelo devedor, no bojo do contrato com titular de cartão, em favor da empresa credora. (É nula a obrigação cambial assumida por procurador do mutuário vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse deste" – verbete nº 60 da Súmula desta Corte). Recurso conhecido e provido.” (STJ – REsp 144.375 – SP – 4ª T. – Rel. Min. César Asfor Rocha – DJU 03.11.1998 – p. 00148).

 

Por derradeiro, mas não menos importante:

 

DIREITO CAMBIAL – MANDATO PARA EMISSÃO DE NOTA PROMISSÓRIA – INVALIDADE – É nula, a teor do artigo 115 do Código Civil, a cláusula contratual de outorga de mandato, pelo mutuário, a pessoa jurídica integrante do grupo econômico do mutante, a fim de emitir ou avalizar nota promissória em favor do mesmo mutante, por ser defesa a sujeição de uma das partes ao arbítrio da outra. A hipótese traduz um artifício para constituição, pelo próprio credor, de título executivo, fixando-lhe o valor e o momento da exigibilidade. Nulidade, em decorrência, da nota promissória emitida pela mandatária. (STJ – REsp 13.421 – RS – 4ª T. – Rel. Min. Athos Carneiro – DJU 08.06.1.992)

 

Assim, não se poderia negar que, sempre que houver possível conflito de interesses no caso vertente, tem-se como patente o conflito de interesses entre o cliente, mormente consumidor hipossuficiente e a instituição de crédito (fornecedora como reconhecido por doutrina e jurisprudência, como já demonstrado no início do presente trabalho), isso já justificaria a interpretação e aplicação de tais prelados jurisprudenciais, tornando nulas pretensões fundadas em tais expedientes (isso contrariaria, até mesmo, o disposto no artigo 51 e seus consectários da Lei nº 8.078/90, no que se refere à falta de validade de expedientes contratuais que visem violar o arcabouço protetivo das relações de consumo).

 

Ou seja, muitas práticas bancárias, diante disso, acabam por não mais se prestar como válidas, como por exemplo, aquelas disposições contratuais que permitem ao banco, no caso de inadimplemento de uma prestação, por exemplo, de uma cédula de produtor rural, com juros fixos nos termos da legislação específica, ao seu talante, de forma manu militari, e extremamente lesiva ao suposto mandante (a autorização é nula como já destacado acima – artigos 422, 423 e 424, todos do Código Civil vigente) a considerar vencidas prestações que vencerão num futuro muito remoto, ou autorizem que o valor da prestação seja completado com o limite do cheque especial de uma conta corrente (com manifesta alteração dos juros e encargos, por força de tais mandatos nulos, nessas condições).

 

Tal questão, insista-se, muito se aproxima daquela já travada linhas acima, no que se refere ao regramento da dita boa-fé objetiva, e, ainda mais, implicam em matéria intimamente ligada ao exame do instituto da lesão, enquanto causa de nulidade dos atos jurídicos de um modo geral.

 

E o referido instituto material (lesão), não obstante conhecido no Direito Brasileiro, por ingerências da embrionária legislação portuguesa, acabou não sendo expressamente previsto pelo Código Civil de 1.916, o conhecido “Código Bevilácqua”, mas tal falta de previsão, no período histórico de vigência de tal diploma, não impediu sua incidência na solução de inúmeros casos (na acepção de processo, ou cases como desponta no direito anglo-saxão, no sistema jurídico da Common Law), restando como situação jurídica aceita (o próprio advento da Constituição Federal de 1946, previu a possibilidade de sua aplicação nos contratos de compra e venda celebrados com erro, fraude ou simulação), por grande parte da doutrina de então (v.g., Roberto Senise Lisboa em "Contornos atuais da Teoria dos Contratos", págs. 49/74, 1ª edição, 1.993, Ed. Revista dos Tribunais), autor que, insista-se, encontrou as origens do instituo no antigo Direito Civil brasileiro (nas Ordenações Afonsinas, Manoelinas e Filipinas), havendo quem as detecte, inclusive, no Direito Romano.

 

Com isso, o instituto voltou a ser reconhecido, como já dito, em sede jurisprudencial, que ampliou a esfera de atuação do instituto para outros contratos comutativos (além da compra e venda como preconizado pela Constituição de 1.946), destacando-se, no entanto, que mesmo os adeptos da reconhecimento da lesão nesse período histórico, estabeleciam certos requisitos básicos para a sua aplicação.

 

O supramencionado autor (Roberto Senise Lisboa), ao lado a falta de equivalência das prestações em contrato comutativo, aponta o seguinte:

 

"Distingue-se a lesão do vício de consentimento, pois neste não se cogita de conclusão de negócio jurídico sob preemente necessidade ou inexperiência de uma das partes, entre outros fatores já salientados" (op. cit. pág. 72 ).

 

Também De Plácido e Silva apontava a exigência de requisitos de ordem subjetiva para o reconhecimento da lesão:

 

"..... Desse modo, na linguagem do Direito Civil ou Comercial, lesão é prejuízo, é detrimento, é perda. É aplicado, particularmente, na técnica dos contratos comutativos, para designar o prejuízo sofrido por uma das partes, quando a prestação, que recebe, não possui equivalência daquela que foi por ela cumprida. Ocorre, em regra, nos contratos de compra e venda. E o prejuízo tanto pode ser de comprador, como do vendedor. Mas, a rigor, lesão somente advém se o contrato se fez sob erro, engano, simulação, ou fraude, em virtude do que a parte enganada ou prejudicada, emitiu seu consentimento. Dessa forma, mesmo que haja prejuízo, decorrente de um mau negócio, não há propriamente lesão, desde que não se evidenciou vício do consentimento............" (grifo nosso - In "Vocabulário Jurídico", Vol. III, pág. 76, 3ª edição, 1991, Ed. Forense).

 

  

Daí, como dito acima, quando se discorreu acerca da boa-fé objetiva, a necessidade de que o consumidor tenha compreendido, e bem, que se não se mantiver em dia com as suas obrigações, as conseqüências serão ruinosas, mormente porque, como regra, não se conseguirá impedir a capitalização como visto acima, de modo que se possa caracterizar tal situação de lesão (instituto que, de tanta insistência doutrinária e jurisprudencial, como asseverado nos parágrafos anteriores deste trabalho, tornou a ser previsto, de forma expressa, tanto pela Lei nº 8.078/90, como pelo Código Civil vigente, a Lei nº 10.406/02).

Sobre a questão, inclusive, pertinente a opinião de Arnaldo Rizatto, para quem, acerca do retorno do regramento expresso da lesão, no ordenamento jurídico pátrio, ponderou no sentido de que:

 

“Várias são as razões que justiçavam a necessidade do instituto da lesão, como proteção aos que se encontram em situação de inferioridade. Em determinados momentos, dadas certas premências materiais, a pessoa perde a noção do justo e do consentâneo com a realidade. É conduzida a praticar verdadeiros disparates econômicos. Evidentemente sua vontade está contaminada por uma pressão muito forte, não agindo livremente. O direito não pode caminhar divorciado dos princípios morais que imperam na sociedade e que norteiam as consciências a conceberem os relacionamentos dentro de um mínimo de decência e pudor econômico, sob pena de se converterem estes em instrumentos de pura especulação e destruição, ao invés de se tornarem fatores construtivos da riqueza nacional. Numa época em que a desigualdade econômica torna-se cada vez mais acentuada, apresenta-se de inestimável importância a reintrodução, em nosso direito, do instituto da lesão. A desproporcionalidade das prestações constitui um sintoma gritante da exploração de um contratante pelo outro, agravando as diferenças de níveis sociais. A odiosa exploração do próximo é contrária à moral, que ensina tratar os homens como irmãos. A justiça deve inspirar as intenções e reinar nos contratos. A obrigação de não prejudicar os outros é fundamento de responsabilidade civil. Op. Cit. Pág. 96.

 

Sobreleva concluir, então, que nos termos do diploma legal em alvitre a vantagem exagerada, desmedida, é expressamente vedada, mormente, insista-se, se houver falta de compreensão em relação a expedientes pouco éticos, como já aduzido, nos estritos termos preconizados pelo advento da Lei nº 8.078/90.

 

Tal diploma legal, ademais, acolheu os princípios supramencionados, surgiu de modo a espancar dúvidas que anteriormente remanesciam, possibilitando, de forma eficaz, a possibilidade de revisão dos contratos e do estabelecimento do equilíbrio entre as partes (artigos 2º, 3º, 6º, inciso V, 45, 47, 51 e 54, dentre outros do mesmo diploma legal – a Lei nº 8.078/90).

 

Neste sentido, já estabelece a norma contida no artigo 6º, inciso V do aludido diploma legal, que “são direitos básicos do consumidor: a modificação de cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes” (e isso como já destacado acima, quando se cuidou do tópico referente à boa-fé objetiva, acaba reforçado pelo quanto destacado nos artigos 422 a 424 do Código Civil).

 

E, complementando tal orientação, o disposto no artigo 47 do mesmo Codex, que estabelece que “as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”, enquanto que o artigo 51 da lei em comento, que prevê a nulidade de cláusulas contratuais iníquas e abusivas, tal como ocorre no caso vertente, diante de tudo quanto se ponderou acima.

 

Outrossim, é relevante assinalar o valioso alerta que o eminente jurista e professor  Fábio Konder Comparato faz em relação ao descaso com que os juristas modernos, com raras e pontificantes exceções, tem para com o direito bancário, aduzindo que “às regulamentações da técnica, nem sempre justificáveis à luz dos princípios jurídicos e freqüentemente alheias às preocupações de proteção ao interesse do contratante não banqueiro”

 

No mesmo diapasão, vem decidindo nossos Tribunais:

 

“Na omissão do legislador , em estabelecer regras equânimes sobre a matéria, a jurisprudência se perde, literalmente, nas especiosidades terminológicas ou instrumentos contratuais, para julgar de acordo com a aparente ortodoxia das autoridades monetárias ou presumida competência dos operadores de banco.” In RT 575/54.

 


Júlio César Ballerini Silva
é magistrado e professor (graduação, pós-graduação e do curso preparatório LFG)


[1] LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos. São Paulo: Companhia das Letras, Brasil, 1.991.

[2]FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito. São Paulo: Atlas, Brasil 1.988.

[3] ROBERTS, J. M. O livro de Ouro da História do Mundo. Rio de Janeiro: Ediouro, Brasil, 2.001, p. 100.

[4] GILLISEN, John. Introdução Histórica ao Direito. Lisboa: Calouste Gubenkian, Portugal, 1.987, p.67.

[5] FERRAZ JR.. Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito. São Paulo: Atlas, Brasil 1.988.

[6] Como fartamente destacado pelos meios de comunicação de massa, os mass media, e cita-se, aí, como exemplo, uma série de artigos de autoria de Diogo Mainardi, na Revista Veja, a evidenciar como esses lobbies ou grupos de pressão atuam, algumas vezes, de modo indevido e prejudicial ao Estado Democrático de Direito – dados, aliás, que não podem ser colocados à margem, numa análise do papel do ordenamento jurídico neste novo modelo paradigmático.

[7] MONTESQUIEU. As Causas da Grandeza dos Romanos e de sua decadência. São Paulo: Saraiva,  Brasil, 1.995.

[8] Em tradução literal e livre deste autor Na atual crise de valores, o mundo pede aos juristas novas idéias e não interpretações sutis. É necessário, portanto, reexaminar os conceitos fundamentais.

[9] ASCARELLI, Tullio. APUD GALGANO, Francesco. Historia del Derecho Mercantil. Barcelona: Ed. Laia, 1.987, Espanha, p. 9.

[10] Op. cit., p. 143.

[11] GREGORI, Maria Stella, APUD NERY JR., Nelson, Planos de Saúde – a ótica da proteção do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, Brasil, 2.007, p. 89.

[12] EFING, Antônio Carlos. Contratos e Procedimentos bancários à luz do Código de Defesa do Consumidor, São Paulo: Revista dos Tribunais, Brasil, 1.999, p. 107.

[13] A Lei nº 11.382/06 não alterou tal situação, sendo certo que a redação do artigo 734 do Código de Processo Civil autoriza, mesmo, os descontos em folha de pagamento.

1 Segundo Cibele Pinheiro Maçal Cruz e Tucci,  “a boa-fé  objetiva constitui um princípio geral, aplicável ao direito das obrigações, através do qual se produz nova delimitação do conteúdo objetivo do negócio jurídico, especialmente o contrato, mediante inserção de deveres e obrigações acessórias, ou produzindo a restrição de direitos subjetivos, ou ainda através da aplicação de método hermenêutico integrativo, para interpretação da declaração de vontade, sempre com vistas a ajustar a ralação jurídica à função econômico-social determinável no caso concreto.”

2  Maria Helena Diniz, discorre no sentido de que segundo o princípio da boa-fé,  “na interpretação do contrato, é preciso ater-se mais à intenção do que ao sentido literal da linguagem, e, em prol do interesse social de segurança das relações jurídicas, as partes deverão agir com lealdade e confiança recíprocas, auxiliando-se mutuamente na formação e na execução do contato.”

3 O artigo 422 do CC, estabelece, como já destacado,  que: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução , os princípios de probidade e boa-fé.”

4 Silvio de Salvo Venosa explana, inclusive, no sentido de que: “tanto nas tratativas como na execução, bem como na fase posterior de rescaldo do contrato já cumprido (responsabilidade pós-obrigacional), a boa-fé objetiva é fator basilar de interpretação. Dessa forma, avalia-se sob a boa-fé objetiva tanto a responsabilidade pré-contratual, como a responsabilidade contratual e a pós-contratual. Em todas essas situações sobreleva-se a atividade do juiz na aplicação do direito ao caso concreto. Caberá à jurisprudência definir o alcance da norma dita aberta do novo diploma civil, como aliás, já vinha fazendo como regra, ainda que não seja mencionado expressamente o princípio da boa-fé nos julgados. É no campo da responsabilidade pré-contratual que avulta a importância do princípio da boa-fé objetiva, especialmente na hipótese de não justificada conclusão dos contratos.”

5 Silvio de Salvo Venosa expõe a esse respeito, no sentido de que “desse modo, sob o prisma do novo código, há três funções nítidas no conceito de boa-fé objetiva: função interpretativa (artigo 112); função de controle dos limites do exercício de um direito (artigo 186) e função de integração do negócio jurídico (artigo 421) .”

[14] GASPARIAN, Fernando. A Luta contra a Usura. Ed. Graal.

[15] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 8ª ed., 1992, p. 703/704.

[16] SCHUMPETER, Joseph Alois. A Teoria do Desenvolvimento Econômico. São Paulo: Nova Cultural, Brasil, 1.988, p. 109.

[17] GASTALDI, J. Petreli. Elementos de Economia Política, 13ª edição, São Paulo: Saraiva, Brasil, 1.987, p. 378.

[18] KLEINWACHTER, APUD GALTALDI, J. Petreli., op. cit., p. 378/379.

[19] SCHUMPETER, Joseph Alois. A Teoria do Desenvolvimento Econômico. São Paulo: Nova Cultural, Brasil, 1.988, p. 120.

[20] ALMEIDA, Nelson Teixeira de.APUD BAPTISTA, André Zanetti. Juros, Taxas e Capitalização – Uma visão Jurídica. São Paulo: Saraiva, Brasil, 2.008, p. IX-X.

[21] PETTY, William. Obras Econômicas – Tratado dos Impostos e Contribuições. São Paulo: nova Cultural, Brasil, 1.988, p. 35.

[22] SCHUMPETER, Joseph Alois.op.cit., p. 121.

[23] SMITH, Adam. A riqueza das Nações, Volume I, São Paulo: Nova Cultural, Brasil, 1.988, pp. 267/268.

[24] DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, Brasil, 2.007.

[25] GALGANO, Francesco., op. cit., p. 11/12.

[26] Op. cit.

[27] Não se desconhece que o jurista viva o eterno dilema entre tornar o ordenamento jurídico justo ou seguro, sendo certo que, quanto mais se inclina a balança para o ideal do justo (que varia de pessoa para pessoa), mais afastada está a segurança (o casuísmo impõe soluções diferenciadas para cada pessoa, quando se visa atingir a Justiça). Mas, nesse universo globalizado e de volatização rápida de capitais disponíveis (a chamada “bolha monetária” da crise no mercado americano deu uma idéia da dimensão do problema), o fato segurança parece ser o mais adequado, pela prudência que o momento exige (ainda que se tenha que buscar atingir um equilíbrio, evitando-se excessos, como parece ser de singular obviedade franciscana).

[28] Por mais utilitarista e menos eudaimônico que isso possa parecer.

[29] E, por incrível que possa parecer, o vetusto Código Comercial de 1.850, promulgado ainda no Império, não obstante tenha sido parcialmente derrogado pelo advento do atual Código Civil de 2.002, ainda continua vigente, em grande parte, para disciplinar o chamado direito marítimo.

[30] MARTINS, Fran. Contratos e Obrigações Mercantis,São Paulo: Forense, Brasil, 9ª edição, 1988, p. 372.

[31] FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada. São Paulo: Malheiros, 2.002, Brasil.

[32] GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição Federal de 05.10.1.988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.004, Brasil.

[33] Op. cit.

[34] Op. cit.


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