300 - Discurso proferido pelo Desembargador Pedro Luiz Ricardo Gagliardi, Diretor da Escola Paulista da Magistratura, durante a Solenidade de Posse da Diretoria da EPM para o biênio 2010/2012.

Caro Presidente Antonio Carlos Viana Santos, a quem devo inicialmente a indicação para ser candidato a Vice-Diretor, e agora para a Diretoria da Escola. Vossa Excelência, no dia de sua eleição para a Chefia de nosso Poder, ainda emocionado, no memorável Salão dos Passos Perdidos, já me antecipava suas boas idéias para a nossa Escola. Tenha certeza, Senhor Presidente, de que aqui estaremos com a consciência tranqüila, pois Vossa Excelência aqui manda, comanda e determina, por nos considerarmos uma parte do todo que é o Judiciário, e jamais como um apêndice avulso, autônomo, isolado. Vivemos um momento em que a união é necessária e a disciplina é fundamental. Conte conosco, que contamos com Vossa Excelência e suas preciosas qualidades intelectuais, políticas e humanas.

 

Caríssimo Antonio Rulli Júnior, esteio da Escola nas duas últimas gestões, inovador insaciável, precursor do ensino à distância que possibilita atingir um juiz sem que ele saia da Comarca, mesmo estando em Cardoso, Fernandópolis ou Presidente Venceslau. Amigo de minha juventude, quando integrávamos a Ordem de São Francisco, na Velha e sempre Nova Academia, viemos nos reagrupar na Segunda Câmara do TACRIM, a chamada Câmara dos Continentes, da qual tinha saído Evilásio Lustosa Goulart, para presidir a Corte, e era composta Ricardo Lewandowski, pós-graduado em Harvard; Haroldo Luz, doutorado em Roma; Rulli Júnior, na Índia; eu, na África, em Dakar; e, Ribeiro Machado, ex-presidente da FEBEM. Sempre tive com Vossa Excelência ótimo relacionamento e proveitosa convivência. Seu entusiasmo é contagiante. Sua alegria é comentada em todo o Brasil. Como presidente do COPEDEM, solicitei que instalasse sua sala ao lado da minha, a fim de pudéssemos melhor receber os colegas de outros Estados que aqui vem buscar e trazer as luzes do conhecimento, sendo Vossa Excelência a maior liderança nacional das Escolas de Magistrados.

 

Des. Marcus Vinicius dos Santos Andrade, fundador da comarca de Cardoso, talentoso administrador público que presidiu o 1° TAC, ex-Diretor desta Escola, homem que tem a visão de como as coisas devem ser, eu lhe peço publicamente que fique por perto de nossa gestão, porque quero acertar e Vossa Excelência é o protótipo do acerto. Eleito como candidato situacionista preciso de seu fio condutor para manter a rota, perseverar nos ideais e ampliar as conquistas.

 

Caros funcionários da Escola Paulista da Magistratura, a quem saúdo nas pessoas de Elizabete Álvares Cruz e de Sônia Alves Medeiros, em relação a quem, além do carinho e reconhecimento do Diretor Rulli Junior, permito-me acrescentar que ele me disse que em suas mãos a Escola caminha automaticamente.

 

Como James Joyce fez no seu romance Ulisses, com duas histórias distintas andando em paralelo, assim também eu, nesta fala, caminharei pé ante pé, pisando com o direito nas providências letivas e com o esquerdo nas conjecturas que nos inspiram, compondo o discurso como um quadro que possui figuras centrais e panorama de fundo.

 

Hoje se comemora, entre outros eventos, o fim da Guerra do Paraguai, talvez o maior conflito armado das Américas, somente sendo comparável à Guerra de Secessão, nos Estados Unidos. Esta foi chamada de guerra civil, como se guerra houvesse que militar que não fosse. Aproveitemos esta aparente contraditio in terminis de “guerra civil”, para lembrar que toda precisão e todo cuidado é pouco com as palavras. Elas são a estrada da vida social, porém como qualquer rodovia pode ser bastante perigosa. A Escola é o lugar onde aprendemos a nos acautelar de seus engodos, de suas falácias, de suas ambigüidades.

 

Foi na pequena batalha de Aquidabã, ao primeiro de março de 1870, logo em seguida à Batalha de Cerro Corá, que morreu Solano Lopez e encerrou-se o conflito. Os brasileiros dedicam-se pouco à história militar, e isso tem-nos custado muito caro. Até mesmo para saber que o Encouraçado Aquidabã, a jóia da Marinha de Guerra do Brasil, construído em 1885, na Inglaterra, que recebeu esse nome para comemorar a batalha homônima, foi afundado pelo fogo amigo, do contra-torpedeiro brasileiro Gustavo Sampaio. Pois então, todo o cuidado também é pouco com o fogo amigo!

 

Quero começar falando de feito de guerra para deixar claro que numa escola não deve haver preconceito de temas, como também não cabem preconceitos de quaisquer naturezas. Não deve prevalecer o politicamente correto, mas sim o intelectualmente correto, pela simples razão de que o politicamente correto está inserido no momento presente enquanto que uma escola deve ter os seus olhos postos no futuro.

 

Vamos adiante.

 

Convidando o colega Roberto Mortari para esta cerimônia, ele me ponderou: “primeiro de março, 1 de 3, dá o número treze, que é um bom indício”. Ele é versado nos aspectos transcendentais dos números.

 

Eu apenas estudo e observo. E me questiono muitas vezes sobre o doze e o treze.

 

Mas o que é isso? Poderá perguntar alguém, temendo que se enverede por uma Sessão esotérica.

 

Nada disso. Estou apenas tomando assuntos tabus (como o militarismo e o esoterismo), para mostrar que a direção de nossa Escola é realmente aberta no sentido da “unidade na diversidade” que deve caracterizar os institutos de ensino superior.

A dogmática é necessária para as religiões, que apresentam um caminho exclusivo para chegar-se à divindade, enquanto que o pluralismo é a característica das universidades, pois o pluralismo, no dizer de Miguel Reale, é o núcleo da liberdade. Sem liberdade não se atinge o conhecimento.

 

Quero formular duas questões.


Primeira pergunta
: Quem exercerá o magistério na Escola Paulista da Magistratura?

 

Vamos continuar ventilando as idéias do judiciário bandeirante, sem espírito preconcebido, e com amplitude de debates, abrindo ao máximo a oportunidade dos juízes ensinarem e aprenderem nesta Escola, tanto assim que o primeiro Ato desta Gestão é um recenseamento, uma consulta, pelo Diário Oficial, para todos os magistrados de São Paulo que desejarem lecionar aqui. Basta que nos remetam o pedido de inscrição instruído com o currículo universitário, para que fiquem cadastrados. Para viabilizar esse propósito, que é o maior reclamo que tenho ouvido, os Departamentos da Escola terão maior autonomia, extinguindo-se a figura do coordenador pedagógico. Ninguém vai lecionar ou deixar de lecionar, por ser amigo ou desafeto; a escolha será objetiva, levando-se em conta apenas o currículo e o prestígio do professor.

 

Segunda pergunta: Somente juízes ou professores famosos poderão lecionar na EPM?

Não. Existe outro filão, que já é bastante grande embora não muito conhecido, que pretendemos expandir. Daremos ênfase aos cursos para funcionários, e neles incentivaremos a participação, como professores, de funcionários não togados, essa plêiade valorosa de heróis anônimos que carrega nos ombros o maior Tribunal do país.

 

Retornemos ao ponto em que meditávamos sobre o doze e o treze.

 

Vamos alternando nossa fala entre a antecipação de providências administrativas e algumas divagações cerebrinas que podem nos levar a nada, mas que também podem nos levar a tudo, se é que existe diferença entre o tudo e o nada.

 

Vimos o treze em primeiro de março, mas de onde saiu o doze?

 

É simples. Sendo o sexagésimo dia do ano, o primeiro de março nos remete a cinco dúzias, aos minutos da hora; uma dúzia de horas tem o dia, outra dúzia tem a noite. Doze meses tem o ano.

 

Conseqüentemente este primeiro de março consegue juntar o doze e o treze, numa junção rara de acontecer e difícil de fazer, pois até hoje alguns discutem se o grupo de Cristo era composto por doze ou por treze pessoas.

 

Por falar em grupo de Cristo, não é interessante observar que em toda a Bíblia encontramos o relato de 103 milagres? E que 67 deles (6+7=13) estão no Velho Testamento? Seria mera coincidência, ou Deus fala aos homens pelas coincidências?

 

As respostas a tais questões nunca serão definitivas, mas o debate é enriquecedor.

 

É natural que assuntos esotéricos não sejam trazidos para esta escola jurídica, porque o local de estudá-los é outro; mas que existiu a intenção de fazer um Código Penal perfeito, com 360 artigos, como os graus de uma circunferência, isso existiu. Sua Parte Geral possui 120 artigos...

 

Mais um pouco de antecipação administrativa, prosseguindo na alternância entre os hemisférios direito e esquerdo do cérebro. Haverá significativa modificação na Tesouraria, que atualmente é una. Trabalharemos com três Tesourarias, cada uma voltada à sua natureza:

 

uma primeira destinada para a prestação de contas das verbas orçamentárias oficiais;

 

uma segunda incumbida de gerir os cursos auto-financiados, sem ônus para o Governo;

 

uma terceira para administrar as parcerias.

 

Dessa forma, obteremos a agilidade funcional de que a Escola necessitará, nos promissores ventos que a nova Administração do Tribunal de Justiça pretende nos proporcionar.

 

Mais um pouco de conjecturas cerebrinas.

Ainda falando do nosso Encouraçado Aquidabã, a jóia da Marinha Imperial, que era a 4ª mais importante do mundo, navio que recebeu esse nome para lembrar e homenagear a vitória brasileira na maior guerra de nossa história, que hoje completa seus 140 anos, podemos tirar algumas lições da existência desse navio. Já vimos que devemos tomar cuidado com a precisão das palavras e com o fogo amigo. Juntemos estes dois cuidados a uma aula de relacionamento humano, igualmente inspirada nesse barco.

 

É que não devemos “forçar a barra” para conseguir as coisas desejadas. É melhor que elas nos venham às mãos de forma natural, sem pressões ou riscos perigosos. Forçar a barra é sim uma expressão popular, que nem calharia bem num discurso formal de posse, não fosse a circunstância de que esta expressão nasceu exatamente do nosso querido vaso de guerra Aquidabã, quando por volta de l894, em plena Revolta da Armada, e se constituindo ele próprio num dos pivôs do episódio, passou a entrar e sair da baía da Guanabara quantas vezes entendeu que devesse fazê-lo, sempre forçando a barra do pequeno golfo carioca, protegido pelos fortes do Leme e de Niterói, que o bombardeavam implacavelmente. Ele conseguiu o que desejava porque realmente era muito forte e robusto, mas saiu do evento tão deteriorado que foi parar no porto do Desterro, hoje Florianópolis, até ser afundado pelo fogo amigo. Por isso, meus companheiros, resumindo a fala: sejamos precisos nas palavras, acautelemo-nos com o fogo amigo e não vamos nos desgastar forçando a barra para conseguir os objetivos. O respeito humano é mais produtivo. Jesus Cristo já havia antecipado: Bem aventurados os mansos de coração, porque eles herdarão a terra.

 

E fechando, com Fernando Pessoa, a esotérica dualidade do perigoso e do sublime, na trilogia da palavra, da amizade e do respeito humano, podemos lembrar que seu concentrado poema “Mar Português”, aquele do “tudo vale a pena se a alma não é pequena”, conclui afirmando que:


“Quem quer passar além do Bojador

Tem que passar além da dor.

Deus ao mar o perigo e o abismo deu

Mas nele é que espelhou o céu.”

 

Eis que o pêndulo desta oração, que oscila entre o prático das providências operacionais e o prazeroso das divagações intelectuais, mais uma vez retorna a pôr os pés no chão, agora pela última vez. Falemos da Jurimetria.

 

É a ciência do dia, o que está na moda. Percebeu-se, finalmente, que sem administrar quantidades, pouquíssimo valerão as qualidades.

 

Isto se insere no grave defeito que o jurista possui de não ser holístico, completo.

 

E ainda pior: quando precisa ser especializado, ele se recusa a tal intento, alegando que no Direito os diversos ramos se relacionam imanentemente.

 

Quando precisa ser generalista, ele é parcial, como se pode ver na própria classificação que tenho dos juízes, entre filosóficos ou sociológicos; práticos ou doutrinaristas; dedicados ou ausentes. Percebo com preocupação a tendência que possuem para os extremos de seus posicionamentos. Não pretendo analisar aqui as causas desse fenômeno, mas seguramente um dos componentes vem do tempo em que os estudiosos de ciências humanas não gostavam de matemática. Seja lá por quais motivos forem, o certo é que devemos resolver o problema.

 

O tormento tradicional da justiça brasileira, já apontado por Ruy Barbosa, na “Oração aos Moços” é a morosidade. O Ministro Sydney Sanches denunciava os oito graus de jurisdição no Brasil (quatro no processo de Conhecimento e mais quatro no de Execução) e mostrava que essa quantidade é potencializada por um sem número de recursos.

 

O país precisa colocar o dedo na ferida porque isso, internamente, degrada a qualidade de vida do cidadão e, externamente, aumenta o custo Brasil, prejudicando nossa Economia.

 

Pois bem. Para se tomar qualquer atitude, seja na administração da Justiça seja na elaboração legislativa, é mister que tenhamos os valores e as quantidades.

 

Isto é fornecido pela ciência chamada Jurimetria, da qual a nossa Escola é a pioneira e exclusiva a disponibilizar, por vídeo conferência, a aula que proferi no ano passado, quando assinalei:

 

“a elaboração das fórmulas não é difícil; a dificuldade maior reside na obtenção de dados de boa qualidade para serem trabalhados.

 

Nem é preciso reafirmar o velho brocardo dos primórdios da cibernética: “o computador não melhora a qualidade dos dados que lhe são fornecidos; apenas os computa com maior velocidade”, para significar que a qualidade do produto depende da qualidade dos fatores.

 

O computador melhora o tempo, ganha rapidez, consegue velocidade vertiginosa nos cômputos que realiza. Infelizmente, não possui o condão de melhorar a qualidade intrínseca dos valores que opera. Estes já devem estar perfeitos antes de chegarem à máquina.”

 

É o momento próprio para desenvolver essa matéria, pois o risco é grande, dado que sem ela e dispondo de recursos de moderna tecnologia, os erros e os desacertos serão mais rápidos e em maior quantidade!

 

Entrando nas palavras finais e agradecendo, com o coração apertado, a todos os que diretamente, ou de forma causal, possibilitaram que eu chegasse a este momento mágico de minha vida, peço vênia para despir-me da modéstia que habitualmente me envolve, para usar as palavras com que Camões apresentou o seu poema ao jovem Rei de Portugal:


Nem me falta na vida honesto estudo,

Com uma longa experiência misturado;

Nem engenho, que aqui vereis presente,

Coisas de juntas se acham raramente.

 

Finalizando, permitam-me repetir e enfatizar: a Escola Paulista da Magistratura precisa estar aberta para todas as idéias e para todas as pessoas!



PEDRO LUIZ RICARDO GAGLIARDI

São Paulo, 1° de março de 2010


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