306 - Aborto: aspectos jurídicos e políticos
ANDRÉ GONÇALVES FERNANDES - Juiz de Direito
O efeito das más leis é tal que outras ainda piores são necessárias para sustar os infortúnios das primeiras.
Montesquieu (Espírito das Leis)
Os periódicos de grande circulação têm veiculado notícias sobre a adoção do aborto como método anticoncepcional, baseado no curioso sofisma do direito à informação. Tenho para mim que a idéia da liberalização do homicídio uterino vai de encontro com um princípio universal, qual seja, o de não ofender à integridade da pessoa de outrem. Tal princípio já foi proclamado, há mais de dois mil anos, por Ulpiano, em sua célebre assertiva “Iuris praecepta sunt haec: honeste vivere, cuique suum tribuere et alterum non laedere”, o qual também encontra assento em uma série de filosofias e confissões ocidentais e orientais.
Assim, para que uma discussão sobre o tema seja serena e isenta de qualquer preconceito, faz-se necessária a digressão sobre alguns aspectos históricos, políticos e jurídicos. Preliminarmente, deve se partir de uma premissa aceita e defendida pela biologia moderna: o princípio da vida coincide com o da fecundação.
Tal assertiva foi corroborada na primeira conferência internacional sobre o aborto (Washington/EUA - 1967), na qual se reuniram as maiores entidades da ginecologia e da obstetrícia. Nesta oportunidade, somente um dos vinte participantes declinou seu voto em favor do abortamento. O relatório final concluía que a maioria de nós não pode encontrar nenhum ponto ou etapa no tempo que transcorre entre a união do espermatozóide e do óvulo e o nascimento da criança, em pudéssemos dizer que essa vida não é humana. As mudanças que ocorrem entre a implantação, o embrião de seis dias, o feto de seis meses e a pessoa adulta são simplesmente etapas de crescimento e amadurecimento.
A propósito, vem a calhar o seguinte relato de Jérôme Lejeune, geneticista francês, já falecido, descobridor da causa da Síndrome de Down, detentor do “Memorial Allen Award Medal”, em virtude de seu domínio nessa ciência: "Há menos de dois anos, foi votada pela Câmara dos Lordes, em seguida pela Câmara dos Comuns, uma lei estabelecendo que antes do décimo quarto dia após a fecundação, o ser pode ser utilizado como material experimental: ele não é ser humano. E o mais inacreditável é que esta lei foi assinada pela própria Rainha da Inglaterra! Isso é motivo de espanto para um biólogo como eu, porque se a lei inglesa diz a verdade, é inegável que a Rainha da Inglaterra era um animal durante os quatorze primeiros dias de sua vida. Nesse caso, como é possível que haja uma linha da dinastia após várias centenas de anos para se chegar à atual Rainha da Inglaterra, se a cada substituição do reino passa-se por um animal para subir ao trono da Inglaterra? Vocês hão de convir que não acredito nisso e que sou bastante geneticista para imaginar que a Rainha da Inglaterra tivesse sido um animal durante o início de sua existência. Eu penso que a Rainha da Inglaterra também não acredita, que os Lordes também não acreditam e que mesmo os deputados da Câmara dos Comuns também não acreditam nisso. Então, porque eles votaram essa lei? Para obter o direito de evisceração de pequeninos seres humanos. Porque exigiram embriões humanos presumidamente para fazer experiências, tendo este apetite de carne fresca levado os parlamentares a fazer uma lei eles mesmos não podem ignorar ser uma lei impossível. Porque é impossível que um chimpanzé se torne um homem. Porque é impossível que um homem não seja um homem desde o início. Então vocês podem em interrogar: mas por que tanta insistência em experimentos com embriões humanos? É por exigência da ciência? Não. Há cinco anos eu dei meu testemunho pessoal sobre este assunto diante do parlamento britânico. E certos pesquisadores diziam: “Dê-nos embriões humanos e nós vamos estudar a muscoviscidose, a hemofilia, a trissomia 21”. E diante dos parlamentares britânicos, disse: "Não, isso não é verdade. Num embrião de 14 dias, os músculos ainda não estão formados, então como estudar uma doença como a distofia muscular; o sangue não circula ainda, não se vai estudar uma doença de coagulação do sangue como a hemofilia; não se pode estudar a debilidade mental da trissomia 21 porque o cérebro ainda não está no seu lugar; se o pulmão não está constituído, não se pode estudar a muscoviscidose (...)”. Bem, a resposta vocês não encontrarão nos jornais. Ninguém fala desse assunto é vergonhoso, é sórdido. A resposta prende-se ao aspecto financeiro: um embrião de chimpanzé custa muito caro, é preciso manter uma criação, enquanto um embrião humano, um pequeno ser humano, se a lei não o protege, não custa nada." (Genética Humana e Espírito; Conferência pronunciada no Senado Federal, no dia 27 de agosto de 1991; Brasília; 1992; Centro Gráfico do Senado Federal, págs.13/15).
E a história não andou na contramão da verdade biológica. O aborto sempre foi punido. O Código de Hamurábi, em seus parágrafos 209 a 214; no livro bíblico do Êxodo (XXI, 22-23) e no Veda (XXI, 9 e XXVIII, 7). Platão, em "A República", propugnou o aborto como saída para selecionar os mais dotados e como meio de controle de natalidade num estado ideal. Todavia, sua proposta demonstrou-se ineficaz, haja visto ter sido aplicada pelo regime nazista, o qual entrou para a História como detentor do triste recorde do maior e mais cruel genocídio que a Humanidade já testemunhou. Aristóteles, em "A Política", apenas admitia o aborto até o momento em que o feto tivesse recebido sensibilidade e vida, o que, segundo ele, dar-se-ia somente depois de 45 dias de fecundação. Hipócrates fez inserir em seu juramento a vedação ao médico de fornecer à mulher remédio abortivo. No Direito Romano, havia proteção para o nascituro, tendo sido o aborto liberalizado apenas na fase final do Império, na qual havia o entendimento de que o feto era “mulieris portio”. O Alcorão não fica dissonante do restante, pois há o entendimento de que somente Deus dá a vida e a morte. E a Igreja Católica sempre proibiu o aborto desde seu primeiro catecismo (“Didaché”), datado do ano 90-100.
Adentrando nos aspectos políticos, dois fatos merecem ser ressaltados: as justificativas de um número grande de legislações abortistas e os fundamentos utilizados.
Tanto as leis como os projetos de lei pró-aborto apresentam uma série de embasamentos respeitáveis, mas que, em uma apreciação mais apurada, acabam por, no dizer de Machado de Assis, cobrir a verdade com o manto diáfano da poesia.
O primeiro argumento é o direito à intimidade. No famoso “leading case” Roy x Wade, foi afirmado que toda a mulher tem o direito de fazer o que quiser com seu corpo, pois, ainda que o feto possua um cérebro e, biologicamente, seja considerado um ser humano, não é pessoa ante a lei. Sopesando tal direito com o direito à vida garantido ao nascituro pela Constituição Federal de 1988, elementar que este último deve prevalecer, até porque é o direito que assegura o exercício dos demais. Qualquer raciocínio oposto, ainda que coerente, não se sustenta, visto que sempre vai partir de uma premissa falsa. Acrescente-se que, a prevalecer tal entendimento, retroagir-se-á ao tempo em que o “paterfamilias” do Direito Romano tinha o poder de dispor sobre a própria vida de seus filhos.
Ademais, todo ser humano deveria ser reconhecido como pessoa. Partindo do pressuposto que o ovo, o embrião e o feto são seres humanos, a lei deveria reconhecê-los como pessoa, portanto, a partir da concepção e não, como o excelente Código Civil brasileiro, desde o nascimento com vida, embora o aludido diploma legislativo assegure ao nascituro seus direitos a partir da concepção.
Deixem que os filósofos discutam o que é pessoa. Assim, o argumento trazido pelos juízes da Suprema Corte, de que o feto não era pessoa ante a lei (como se o legislador pudesse brincar de Deus, dando tudo a todos, inclusive a vida em momento diverso ao da concepção), somente pode ser explicado à luz do positivismo kelseniano, que, não obstante tenha trazido muitas contribuições para o campo do Direito, acarretou males maiores, ao tê-lo tornado hermético em relação às outras ciências.
O segundo argumento é o de evitar abortos clandestinos. A experiência dos países que legalizaram o aborto por essa razão foi contraproducente, pois os abortos clandestinos não só não diminuíram, como aumentaram. Ademais, o aborto clandestino tem um nicho cativo de mulheres que não querem publicidade de sua gravidez, sob quaisquer justificativas, porquanto são casadas e grávidas de relações extramatrimoniais, são filhas de pessoas ricas, correndo o risco de abalar sua imagem perante a sociedade, não querem enfrentar uma longa fila nos hospitais, entre outros.
O terceiro argumento repousa em uma perigosa justificativa: o de evitar crianças defeituosas. Sob o irracional enredo da "raça pura" (que, do ponto de vista ontológico, é igual ao ora em comento), o regime nazista praticou abortos dos mais abomináveis matizes à saciedade. Crianças não sadias têm o direito de nascer.
Ainda sob essa ótica, tal pensamento diz, subliminarmente, às pessoas portadoras de quaisquer deficiências físicas, que estas não deveriam viver e que vieram ao mundo por um lapso das "pessoas normais". E, nesse contexto, inclui-se o problema da anencefalia, que tem desencadeado muitos pedidos de autorização judicial para o abortamento do feto, os quais consistem em verdadeiros "alvarás para matar". Pedro-Juan Villadrich formula interessante suposição: "Suponhamos o caso de um casal onde o pai é sifilítico e a mãe tuberculosa com 4 filhos: o primeiro é cego, o segundo natimorto, o terceiro surdo-mudo e o quarto tuberculoso. Abortaremos o quinto que está vindo, não? Chega de sofrimentos! Pois acabamos de matar Beethoven (Aborto e Sociedade Permissiva; Ed. Quadrante; 2ed.; 1995; São Paulo; pág.25).
O quarto argumento é o estupro. Deve se acentuar que a gravidez decorrente de estupro não acontece com a freqüência propalada pelas organizações abortistas. A mulher não se encontra em constante estado fértil e a situação emocional pode contribuir para evitar a concepção. Ademais, existem métodos lícitos para se impedir a fecundação. E, se mesmo assim, houver concepção, não obstante fundamentados posicionamentos em contrário, o aborto praticado, neste caso, constitui-se em causa de isenção de pena e não excludente de ilicitude. Suprime-se a pena. Permanece a ação típica, ilícita e culpável.
O quinto argumento repousa na salvação da vida da gestante. Este raciocínio parte de um pressuposto, qual seja, de que a vida do feto tem valor menor que a da mãe, de nítida coloração falsa, pois ambas têm o mesmo valor. Acrescente-se que há outros meios para se tentar salvar a vida da gestante, que são imprecisos os diagnósticos médicos e que a intervenção abortiva acarreta maiores perigos para a vida da gestante do que o prosseguimento da gravidez. Não se olvide que a Medicina evoluiu em muito, a ponto de tornar tal justificativa verdadeira hipótese acadêmica.
Depreende-se que, nas entrelinhas dos argumentos políticos, há, indubitavelmente, um reflexo da mentalidade da sociedade dos dias de hoje: hedonista e niilista.
Hedonista, porque prefere ter mais e mais propriedades, bens de luxo, cachorros e gatos (bem alimentados, vestidos e tratados) a filhos, o que, certamente, exige muito mais trabalho, não obstante os esforços governamentais, sobretudo dos países europeus, para se incentivar a natalidade.
Niilista, pois gradativamente se perde a noção do sentido da vida. A propósito, Victor Frankl tece considerações dignas de reflexão: “Com relação à degeneração das ideologias em atos de violência, gostaria de citar o psicanalista americano Lifton, que no seu livro “History and Human Surval”, escreveu que os homens costumam estar mais dispostos a querer matar quando estão enredados em uma situação de ausência de sentido. Não foram apenas alguns ministérios de Berlim que inventaram as câmaras de gás de Auschwitz e Treblinka; elas foram sendo preparadas nos escritórios e nas salas de cientistas e filósofos niilistas, entre os quais se contavam e contam alguns pensadores anglo-saxônicos laureados com o Prêmio Nobel. É que, se a vida humana não passa de um insignificante produto de combinação de umas moléculas de proteína, pouco importa que um psicopata, cujo cérebro precise de alguns reparos, seja eliminado por inútil e que ao psicopata se acrescentem mais uns quantos povos inferiores. Tudo isso não é senão raciocínio lógico e conseqüente. Mas a eutanásia só se tornou lógica e conseqüente quando o homem passou a ser cínico e niilista” (Sede de Sentido; Ed. Quadrante; São Paulo; 1a.ed.; 1989).
No que concerne aos aspectos jurídicos, existe uma gama deles a ser apreciada. Entretanto, não se pretende fazer uma varredura espectral desta seara.
Nota-se que as discussões a respeito tratam o tema como se fosse uma questão eminentemente juspositiva. Se assim fosse, isto é, se o Direito se traduzisse meramente em um conjunto de convenções a serem cumpridas pela sociedade, poder-se-ia propor um amálgama de soluções para o aborto.
Todavia, creio que o Direito Positivo deve ser um reflexo do Direito Natural, guardadas as devidas proporções, tal como um objeto diante do espelho. A prevalecer aquela solução, a lei será sempre fruto da opinião que conseguir se impor nos fatos. A justiça se resume ao direito posto, passando a ser definida pelo grupo de interesse que for capaz de exercer uma pressão decisiva sobre o outro.
A propósito, relata Michel Schooyans, professor de Filosofia Política, Ideologias Contemporâneas e Moral Social da Universidade Católica de Louvain: “É o que se quer dizer ao afirmar que a lei deve refletir os costumes e traduzir sua evolução. Se numa determinada sociedade um grupo particular adquirir força suficiente para se impor aos menos fortes, o grupo se esforçará em dar a seu comportamento o peso de uma norma legal. Sua vontade particular será sancionada pela autoridade da lei, que conferirá às determinações das vontades particulares um alcance generalizado à comunidade política. Assim, os mais fracos serão esmagados em nome da lei. Esta concepção ruinosa do direito foi sistematizada por Karl Binding (1841-1920). Ao proporcionar a cobertura da lei à força dos mais fortes, Binding forneceu explicitamente as bases legais para a eliminação daqueles cuja vida não era digna de ser vivida.” (O Aborto: aspectos políticos; Ed. Marques Saraiva; Rio de Janeiro; 1a ed. 1993; pág.46).
Ora, a tradição jurídico-política ocidental já proclamou há tempos que o nascituro é pessoa humana, pois se rendeu a um fato irrefutável: desde a concepção, o novo ser tem um código genético diferente de seus genitores.
E, não obstante isso, nos argumentos abortistas, há sempre uma referência unilateral à genitora, desconsiderando-se a presença objetiva de um ser humano em seu ventre. Ignora-se o sacrifício dos embriões e fetos em prol dos riscos de vida que ela corre na hipótese de aborto clandestino.
Também se observa nos argumentos em favor da liberalização do aborto uma relação de causa e efeito perniciosa. De fato, o legislador sempre sopesa os costumes dos destinatários de uma lei quando pretende criar uma. Entretanto, se sua tarefa consistisse em apenas registrar fatos sociais e ratificá-los por intermédio da lei, o legislador não seria muito diferente de um sociólogo.
O Direito, visto sob esta ótica, perderia sua razão de ser. Por isso, argumentos na linha de que a legislação sobre o aborto se tornou uma velharia bolorenta, como comprovam as inúmeras transgressões que esta sofre, e que, em razão disso, a lei deveria ser mais indulgente, porque os costumes estão mais frouxos, portam um nexo causal falso.
Na verdade, tais teses esposam, nas entrelinhas, uma declaração de irresponsabilidade dos cidadãos, pois são incapazes de cumprir seus deveres para com um conjunto de seus semelhantes.
Se existem infrações, a lei, realmente, não é útil. Ela deve ser mais rigorosa, mas principalmente complementada por medidas sociais que visem ao acolhimento da criança. Assim, nem sempre a lei anda de mãos dadas com os costumes, visto que estes podem representar a ofensa a algum direito fundamental de uma categoria de pessoas. Michel Schooyans enfoca bem a questão: “Todo o problema aqui é saber se o legislador tolera deixar-se prender numa armadilha e dedicar-se inteiramente a um certo ambiente dominante e, se consente em ceder às pressões de que é alvo. Nessa circunstância pode provar sua pusilanimidade ou mostrar sua coragem. O legislador enfrenta aqui um verdadeiro desafio: deixar-se condicionar ou acreditar que a lei deve fazer prevalecer uma certa racionalidade sobre as paixões e os instintos, quer dizer, positivamente, definir um raio de ação para a liberdade. Que no primeiro caso, contudo, o legislador esteja alerta para o precedente que abre: está renunciando à função pedagógica insubstituível da lei. Está avalizando com sua autoridade o direito que alguns querem arrogar-se de dispor de uma vida humana em seu começo. Sobretudo, ao dar-lhes a ilusão falaciosa, de uma liberdade integral, está aumentando o poder dos condicionamentos dos quais os cidadãos já são vítimas. Torna-os mais vulneráveis às ideologias totalitárias – nazistas, fascistas e outras que só estão esperando a morte da liberdade para deixar cair a máscara (O Aborto: aspectos políticos; Ed. Marques Saraiva; Rio de Janeiro; 1a ed. 1993; pág.54).
A lei tem a função de prevenir, além de reprimir e de educar. A sociedade tem o direito de se proteger contra tudo que pode causar sua dissolução, de todo joio que pode levar ao descontrole da agressividade. É melhor realizar intervenções preventivas e restritivas ¾ as quais podem transmitir a falsa idéia de redução do âmbito das liberdades públicas num primeiro momento, mas que a longo prazo se mostram altamente benéficas, pois previnem derivas radicais ¾ a ter que intervir com a força.
Nesta trilha, está a figura do aborto legal. Desde “Marbury x Madison”, se um dispositivo infraconstitucional está em dissonância com a Constituição, aquele carece de vigor, pois se mostra incompatível com esta, que deve prevalecer. Tal ensinamento é aplicável ao caso em foco, porque o artigo 128 do Código Penal viola o direito fundamental à vida (artigo 5o, “caput”, da Constituição Federal), perdendo, por conseguinte, seu assento no mundo jurídico.
Desnecessário, outrossim, qualquer declaração explícita a respeito, pois sua exclusão do ordenamento jurídico é efeito imediato do vício de inconstitucionalidade. E, se dúvida ainda houver a respeito do alcance e da eficácia do dispositivo constitucional citado, a Convenção Interamericana dos Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de 1992, jogou a pá-de-cal no assunto.
Diz o inciso I do artigo 4o.: “Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.”
Assim, a convenção aludida quis afirmar, simplesmente, que o direito à vida deve ser protegido ordinariamente (em geral) desde a concepção. Não existe qualquer consideração ao termo inicial da vida a partir de outro momento que não o da concepção.
E, logo, os pedidos de autorização judicial para a prática do aborto, nas hipóteses de feto portador de alguma anomalia, devem ser indeferidos, liminarmente, por absoluta falta de possibilidade jurídica e, outrossim, dada a ilicitude do aborto em qualquer hipótese.
Traçados os ângulos históricos, políticos e jurídicos do tema em foco, conclui-se que a vida humana perde seu valor a partir do momento em que é permitido à mãe matar seu próprio filho e, outrossim, que o Direito deve ser utilizado como instrumento de combate a qualquer espécie de discriminação, em nome da igual dignidade de todos os homens, sob pena de perder sua inarredável peculiaridade de ser meio de adequação social.
André Gonçalves Fernandes é juiz de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Sumaré (agfernandes@tj.sp.gov.br).