309 - Informação e publicidade: a má fé explícita de alguns empresários

LUIZ ANTONIO RIZZATTO NUNES - Desembargador

 

 

Muitos empresários, não só no Brasil como também em vários lugares do mundo se julgam acima das leis. Eles agem como se as normas jurídicas não lhes dissessem respeito, como se certas determinações que foram feitas exatamente para eles simplesmente não existissem. Muitos abusos são fruto, é verdade, da negligência, da imprudência e da imperícia típicas dos vários modos de produção e prestação de serviços, mas vários são tão descarados, tão escancarados que não há desculpa alguma: trata-se de dolo, a intenção explícita de enganar o consumidor e de burlar a lei visando aumentar a receita, diminuir o risco e as perdas e aferir maior lucro (no caso, ilegalmente). O nome disso é má-fé, tanto subjetiva quanto objetiva. Isto é, tanto fruto da ação e vontade conscientes (má-fé subjetiva) como decorrente do próprio ato objetivado em documentos, papéis, textos, anúncios publicitários, cláusulas contratuais etc (má-fé objetiva).

 

Há dezenas de exemplos. Focarei no artigo de hoje a informação e a publicidade. Ambas estão ligadas a idéia de liberdade de expressão, essa que é uma das mais importantes garantias constitucionais, um dos pilares da democracia. Mas, quando se trata de apontar fatos objetivos, descrever acontecimentos, prestar informações de serviços públicos ou oferecer produtos e serviços no mercado  há um limite ético que controla a liberdade de expressão. Esse limite é a verdade.

 

Com base nos princípios éticos e normativos da Constituição Federal, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) regulou expressamente a informação e a publicidade enganosa, proibindo-a e tipificando-a como crime.  A informação e apresentação dos produtos e serviços, assim como os anúncios publicitários não podem faltar com a verdade daquilo que oferecem ou anunciam, de forma alguma, quer seja por afirmação quer por omissão. Nem mesmo manipulando frases, sons e imagens para de maneira confusa ou ambígua iludir o destinatário do anúncio: o consumidor. A lei quer a verdade objetiva e comprovada e por isso, determina que o fornecedor mantenha comprovação dos dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação  à mensagem.

 

Infelizmente, nada disso impede que haja anúncios publicitários que enganem o consumidor, com métodos bem antigos. Ou que a cada dia mais se assistam anúncios abusivos, violando a imagem de homens e mulheres, principalmente mulheres. Ou, ainda, que o consumidor encontre pela frente placas com informações falsas e até produtos em si enganosos.

 

Examine comigo alguns exemplos. Veja o caso da construção civil  de apartamentos. Certamente você viu um anúncio do tipo  “chamariz” que diz: “visite apartamento decorado” “ou conheça apartamento em exposição”. Muito bem. Você sabia que em alguns empreendimentos o próprio apartamento decorado é em si enganoso? . Reúnem-se construtores, arquitetos e decoradores e, agindo com uma verdadeira quadrilha, montam um apartamento em exposição em que nada é realmente verdadeiro. Esse tipo de abuso se dá usualmente com apartamentos pequenos, de 60/70 metros quadrados com dois quartos, juma suíte etc.

 

O consumidor chega no prédio ainda em construção, visita o imóvel decorado e se sente muito bem porque tudo está no seu devido lugar. Camas, armários, sofás, mesas, quadros, abajures etc. Na verdade, tudo é fora de medida padrão existente no mercado. A cama e o colchão são menores, os armários são diminutos, o criado-mudo, os sofás, os quadros, os abajures, enfim tudo é construído especificamente para “aquele” apartamento em exposição. Daí, o consumidor se encanta porque tudo se encaixa, realiza a compra que é o sonho de sua vida e quando vai mobiliar seu imóvel comprando os móveis existentes no mercado, que logicamente tem um tamanho padrão maior que aqueles que ele viu, percebe que nem tudo cabe. E o comprador nem entende bem o que aconteceu.

E veja mais essa da área da construção civil e também no caso de apartamentos de pequena metragem. É o problema que nos últimos anos tem infernizado a vida de milhares de consumidores compradores. Trata-se do incrível problema das garagens em que: a) o automóvel não cabe; b) o automóvel cabe, mas não há espaço para manobrar e entrar; c) o automóvel cabe, entra, mas não sai por falta de espaço; d) o automóvel, depois de muito esforço, entra, mas a porta não pode ser aberta por causa da proximidade do automóvel do lado ou da parede! É mais um modo de enganar o consumidor, na maior parte das vezes feitas em lançamentos em que o comprador não pode enxergar o problema real.

 

Funciona assim: para oferecer muitos apartamentos pequenos em terreno com pouca possibilidade de utilização do espaço para as garagens, são projetas, desenhas e registradas garagens coletivas/rotativas, não individualizadas para cada unidade habitacional. No espaço desenhado no chão (literalmente pintado no chão da garagem) normalmente cabe um carro pequeno, dos menores existentes no mercado. Acontece que automóvel não desce de elevador para a garagem e cai suavemente por sobre o espaço pintado; ele tem de ser manobrado e quando uma ou mais vagas ao lado, atrás ou na frente já estão ocupadas, o morador passa por uma das situações que acima descrevi.

 

Porque se trata de má-fé, pergunto?  Porque a construtora, que é a única responsável pelo problema, não só não o informa aos interessados, como utilizada a tática das vagas não individualizadas para ocultá-lo e conseguir vender todos os apartamentos. Com esse esquema, a construtora passa o pepino para os futuros compradores e moradores. Estes logo percebem o drama e a cada ano fazem um sorteio, muito esperado e cheio de angústia para que os mais desafortunados fiquem com as piores vagas.

 

Nesse golpe das vagas, a construtora acaba vendendo todos os apartamentos porque, na prática, nenhum deles está vinculado à uma das vagas impossíveis de serem utilizadas. Em outros termos, de forma maldosa e enganosa, a construtora transfere para os compradores o risco do mau empreendimento desenvolvido. A rigor, para respeitar o Código de Defesa do Consumidor (CDC), a construtora teria de anunciar a venda de apartamentos dizendo claramente que o morador somente deverá se utilizar de veículos muito pequenos e não poderá utilizar a vaga que lhe pertence em todos os dias e horários que desejar, além de também informar as quatro situações que acima descrevi. Será que veremos um dia um anúncio honesto assim?

 

Veja agora esse caso. A última Revista do IDEC (www.idec.org.br) publicou matéria  mostrando que as principais e enormes redes de varejo desrespeitam franca e abertamente o CDC na questão do prazo para reclamação de vícios dos produtos duráveis. Relembrando:  produtos duráveis, como o próprio nome diz, são aqueles  que não se extinguem imediatamente após o uso; eles duram no tempo. São os eletrodomésticos, eletrônicos, peças de vestuário, brinquedos, automóveis etc.  Vícios são as características de qualidade ou quantidade que tornem os produtos impróprios ou inadequados ao consumo ao qual se destinam ou lhes diminuam o valor. Por exemplo, é a geladeira que não gela, o aparelho de tevê que não sintoniza os canais, o sapato novo cujo salto caiu etc.

 

Pois olhe. Já faz quase vinte anos que o CDC está em vigor e ele é claro em conferir o prazo de 90 dias para o consumidor reclamar dos vícios dos produtos duráveis. E, pela lei o consumidor  tem o direito de optar em fazer a reclamação diretamente ao vendedor, ao fabricante ou à sua assistência técnica. É o consumidor quem escolhe, pois é ele que deve saber o que á mais fácil e prático. Imagine o consumidor que adquire um produto, cujo fabricante é de outro Estado da Federação e/ou em que na sua cidade não exista assistência técnica para aquele produto que apresentou vício.

 

Sabe o que o IDEC constatou? Que os grandes varejistas informam expressa e abertamente que o prazo para fazer reclamação na loja (dos produtos lá adquiridos) é de 3 e 7 dias.  Isso! Alguns anunciam prazo de 3 dias e outros de 7 dias. Um abuso escancarado. Má fé desses empresários atrasados que se julgam acima da lei.

 

Saiba que você não precisa nem deve aceitar esse tipo de abuso. Se não quiserem atender sua reclamação procure um órgão de defesa do consumidor, o Ministério Público (já que a questão envolve direito coletivo e difuso) ou um advogado.

 

5/4/2010


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