310 - Choro de jurado em plenário: nulidade do julgamento do casal Nardoni?
RODRIGO ANTONIO FRANZINI TANAMATI – Juiz de Direito
Sumário: 1. Introdução; 2. Da incomunicabilidade. 3. Argüição de nulidade. 4. Formas de exteriorizar de opinião. 5. O choro do jurado na sessão de julgamento; 5. Conclusão.
1. Introdução.
Na madrugada do dia 27/03/2010, chegou ao fim o julgamento do casal Nardoni, um dos crimes de maior repercussão no país nos últimos anos.
Um fato, contudo, verificado durante a instrução em plenário, chamou a atenção pelas suas possíveis conseqüências jurídico-processuais: o choro de parte dos integrantes do Conselho de Sentença quando do depoimento da mãe da vítima e do perito.
Teriam os jurados, com esse comportamento, manifestado opinião sobre o processo, violando a regra da incomunicabilidade e ensejando a nulidade do julgamento?
2. Da incomunicabilidade dos jurados.
O parágrafo primeiro, do artigo 466, do Código de Processo Penal, dispõe que o jurado, uma vez sorteado, não poderá comunicar-se entre si ou com outras pessoas, nem manifestar sua opinião sobre o processo.
Disciplina, portanto, o dever do jurado, após o sorteio, de não mais se expressar sobre o mérito da imputação, como forma de garantir a independência dos julgadores.
Seu objetivo é impedir que o jurado exteriorize sua forma de decidir e venha influir , quer favorecendo, quer prejudicando, qualquer das partes (RT 432/299).
No dizer de Guilherme de Souza Nucci (Código de processo penal anotado. São Paulo: RT, 2.010. 10ª edição), a incomunicabilidade existe para resguardar o princípio do sigilo das votações do Júri (CF, 5º, XXXVIII, b), que constitui garantia das liberdades individuais.
3. Argüição de nulidade.
A violação da incomunicabilidade acarreta a nulidade da sessão de julgamento, nos termos do artigo 564, III, j, do Código de Processo Penal.
Tratando-se de nulidade ocorrida durante o julgamento em plenário, deve ser argüida logo depois de ocorrer, sob pena de preclusão, consoante dispõe o artigo 571, inciso VIII, do Código de Processo Penal.
Não havendo o oportuno protesto, o vício é sanado.
Nesse sentido, o entendimento do Supremo Tribunal Federal: "As nulidades processuais que se verificarem em sessão de julgamento pelo Tribunal do Júri deverão ser argüidas logo depois do ato, e, se isso não se fizer, considerar-se-ão sanadas" (STF - RE - Rei. Célio Borja-RT 614/396).
4. Formas de exteriorização de opinião.
Várias são as formas pelas quais o jurado poderia violar a regra da incomunicabilidade, expressando sua convicção e interferindo na livre consciência dos demais integrantes do conselho de sentença.
A declaração de opinião pessoal sobre o processo por parte do jurado, de forma a influir na decisão dos outros, revela, evidentemente, a quebra da incomunicabilidade.
Entretanto, outros comportamentos dos jurados, durante a sessão, podem gerar dúvidas sobre a violação da incomunicabilidade.
A jurisprudência, com parcimônia, entendeu que algumas condutas não configuram quebra da regra prevista no artigo 466, §1º, do Código de Processo Penal. O gesto de concordância com a cabeça feita pelo jurado durante o debate, por exemplo, não indica manifestação de voto (TJSP - RT 743/621). O mesmo se diga em relação a pedido de leitura de peça formulada pelo juiz leigo (TJSP - RT 779/659) ou mesmo a formulação de pergunta de jurado a uma das testemunhas (TJMG- RT 616/348).
4. O choro do jurado na sessão de julgamento.
Haveria, então, nulidade no choro dos jurados durante a instrução em plenário?
O tema certamente renderá dois posicionamentos:
De um lado, aqueles que, nas lágrimas do jurado, vislumbrariam uma pré-disposição para a condenação. Adotado esse entendimento, o júri seria nulo, nos termos do artigo 564, III, j, do Código de Processo Penal, em razão da quebra da incomunicabilidade exigida pelo parágrafo primeiro, do artigo 466, do mesmo código.
De outro, o entendimento de que o simples choro não implicaria na violação da incomunicabilidade, pois o jurado não teria manifestado sua opinião sobre o mérito da causa.
É essa última, data vênia, a interpretação mais adequada à situação fática em análise.
A lágrima do jurado não revelou o conteúdo de seu voto. Evidenciou apenas a comoção frente a uma situação de sofrimento. Essa sensibilidade do jurado não afeta sua imparcialidade, nem induz a inexorável conclusão de que pretendia a condenação de um inocente.
Há de se distinguir, portanto, a aversão ao fato criminoso, a compaixão com a dor alheia, da subseqüente análise do mérito da imputação, em especial, da culpabilidade dos acusados.
Um fato objetivamente considerando pode render sentimento de repudio ao jurado, o que não implica em sua inclinação para a condenação do réu julgado naquele processo.
Destarte, o choro do jurado não importa em manifestação de convicção ou antecipação de voto. Revela, apenas, a sua expressão de condolência ou indignação ao fato criminoso.
5. Conclusão.
No Júri, toda e qualquer manifestação dos jurados deve ser criteriosamente observada pelo magistrado, como forma de garantir a incomunicabilidade e o livre convencimento dos integrantes do Conselho de Sentença.
Contudo, o reconhecimento de nulidade de se ater às hipóteses em que realmente haja uma manifestação inequívoca da intenção de voto do jurado e não simplesmente quando ele, na condição de cidadão comum, revela sua compaixão com o sofrimento alheio. O jurado tem de ser imparcial. Porém, dele não se exige frieza.
Rodrigo Antonio Franzini Tanamati é Magistrado no Estado de São Paulo. Integrante do Colégio Recursal da 28ª Circunscrição Judiciária. Professor Universitário.