314 - Emenda Constitucional 62/09

  

IVAN RICARDO GARISIO SARTORI* - Desembargador



Sumário: 1. Introdução. 2. Sistema Permanente/Alterações e Novidades: 2.1. Preferências e RPV; 2.2. Sequestro; 2.3. Fracionamento; 2.4.  Compensações; 2.5. Juros e atualização; 2.6. Cessão; 2.7. Assunção de débito. 3. Sistema especial: 3.1. Andamento da Matéria
em São Paulo 3.2. Constitucionalidade; 3.3. Sujeição, Dinâmica e Reversibilidade; 3.4. Leilão: 3.4.1. Mecanismo; 3.4.2. Habilitação; 3.4.3. Deságio. 3.5. Sequestro. Improbidade administrativa. Sanções financeiras.

 


1. Introdução

 

Os precatórios têm sido um problema sem solução. Diante das inúmeras condenações e expropriações, não vem a Fazenda Pública logrando pagar o que deve, máxime por falta de planejamento do gasto público e de reserva necessária à satisfação desse passivo.

 

E, no particular, ensina Carlos Valder do Nascimento, em obra organizada pelo próprio e por Ives Gandra da Silva Martins: “A atividade estatal tem como ponto alto o processo de planejamento contínuo e permanente com a adoção dos instrumentos preconizados pela Constituição Federal. De sorte que a gestão fiscal há de se pautar em comportamento equilibrado, com a utilização racional do plano plurianual, das diretrizes orçamentárias e dos orçamentos (...). Reveste-se da maior importância (...) um quadro dessa natureza no contexto da administração do País. Entretanto, isso somente será possível se os agentes públicos cumprirem as determinações constantes dos dispositivos consagrados pela lei de responsabilidade fiscal e forem capazes de conduzir a coisa pública com seriedade, competência e, sobretudo, espírito público[1].

 

Caminhos alternativos, por vezes, vão sendo trilhados, como o acordo mediante pagamento com recursos de empréstimo externo, mas nem o Supremo Tribunal Federal, nem o Órgão Especial do TJSP têm aceito essa alternativa, quer porque a Carta da República, em seu art. 100, não abre exceção à ordem cronológica, quer por proibir a “designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para esse fim”. No respeitante: STF, Rcl-AgR 2143/SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello e Rcl 1979/RN, Tribunal Pleno, rel. Maurício Corrêa e Mandado de Segurança nº 994.08.012938-0 (171.082-0/7-00), Órgão Especial do TJSP.

 

Por isso que, desde a CF/88, nada menos do que três as moratórias impostas aos credores: a do art. 33 do ADCT, a do art. 78, introduzida pela EC 30/00 e, agora, a do art. 97, advindo com a EC 62/09.



2. Sistema Permanente/Alterações e Novidades: 2.1. Preferências e RPV; 2.2. Sequestro; 2.3. Fracionamento; 2.4.  Compensações; 2.5. Juros e atualização; 2.6. Cessão; 2.7. Assunção de débito.

 

Em relação às modificações perenes, constantes do art. 100, com a redação da EC 62/09, verifica-se que os seis parágrafos então existentes se transformaram em dezesseis, renumerados e alterados os originais remanescentes. O próprio “caput” do art. 100 foi reformulado, embora, basicamente permaneça o mesmo. Dali foi excluída a expressão “à exceção dos créditos de natureza alimentícia”, classe que passou a ser tratada, exclusivamente, no § 1º. Antes esses débitos eram cuidados também no § 1º A. Acrescentaram-se, ainda, no parágrafo, os seguintes dizeres: “... e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo”.

 

Veja-se que o crédito de natureza alimentar simples não mais é o primeiro na lista de preferência, pois há o do § 2º, dos quais trataremos a seguir.

 

Não é demais lembrar que por créditos de natureza alimentícia já se compreendiam e se compreendem “salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas em responsabilidade civil”, como expresso no § 1ºA anterior e no atual 1º.

 

Já o § 2º traz uma novidade, novidade essa originária, em parte, da jurisprudência, que vinha concedendo o chamado sequestro humanitário, tendo em vista os princípios da dignidade da pessoa humana e do direito à vida, bem como o dever do estado de zelar pela saúde e de prestar assistência ao cidadão, conforme os arts. 1º, III; 5º ‘caput’; e 23, II, da Constituição Federal[2] .

 

Além dos portadores de doença grave, essa novel disposição agracia os sexagenários e aqueles com idade superior, para, em se tratando de crédito alimentar, reservar-lhes, com preferência absoluta, o triplo do valor referente aos requisitórios de pequeno valor, que continuam no § 3º e escapam do art. 100, no tocante à expedição do precatório, dado o tratamento especial.

 

O valor remanescente, todavia, será objeto do regime especial ou da moratória de que trataremos oportunamente (§ 17 do art. 97, acrescentado ao ADCT pelo art. 2º da Emenda).

 

A preferência do triplo é absoluta, seguido do crédito alimentar simples.

 

Assim, três são as classes: os idosos e portadores de doença grave com crédito alimentar, os titulares de crédito alimentar simples e os demais precatórios, sem contar os créditos de pequeno valor.

 

Cumpre registrar, ainda, que, no regime da nova moratória, não sendo possível estabelecer a precedência cronológica do precatório, terá primazia o de menor valor (§ 7º do art. 97, introduzido no ADCT pela Emenda ora sob exame).

 

Resta saber se esse critério será utilizado de forma permanente, em decorrência de assimilação ou analogia, uma vez que essa previsão não se repete para o sistema permanente.

 

O § 5º da EC 30/00 passou a ser o 4º, que trata do valor do RPV, com o acrescento de linde mínimo, o que não havia, eleito, para tanto, o “valor do maior benefício do regime geral de previdência social”. Poderá ser fixado valor superior por lei e, não advindo esta em 180 dias, serão observados os do § 12 do art. 97 do ADCT (art. 2º da EC), ou seja, 40 salários mínimos para os Estados e Distrito Federal e 30 salários mínimos para os Municípios.

 

Então, além da necessidade de lei específica, como vinha ocorrendo, há um patamar base, o que, inconcusso, evita abusos por parte do administrador.

 

O § 1º anterior (EC 30/00) passa a ser o § 5º, a tratar da inclusão de verba necessária ao pagamento dos débitos constantes de precatórios apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, com atualização.

 

O § 6º é o antigo § 2º, sempre considerada a emenda anterior. Trata da obrigatoriedade de consignação ao Poder Judiciário dos créditos abertos, cabendo ao Presidente do Tribunal determinar o pagamento e autorizar ou decretar o sequestro no caso de preterimento do direito de preferência ou de não alocação orçamentária dos recursos necessários à satisfação do débito.

 

Originalmente, pela CF/88, o sequestro somente era possível no caso de preterimento. Ao depois, com a EC 30/00, a teor do art. 78 acrescentado ao ADCT, passou a ser possível o sequestro, quanto aos créditos a esse regime submetido, nas hipóteses da não satisfação do débito no prazo e de omissão no orçamento, além do preterimento.

 

Mas, a disposição permanente, insculpida no então § 2º, persistia possibilitando o sequestro apenas na hipótese de preterimento, mesmo com as alterações da EC 30/00.

 

Agora, como viso, a omissão orçamentária também pode dar causa ao sequestro, no sistema permanente.

 

O § 7º é o antigo § 6º, da EC 37/02, que trata da responsabilidade por ato omissivo ou comissivo do Presidente, com o acrescento de que referido agente político responderá pela falha também perante o Conselho Nacional de Justiça.

 

O § 8º é o antigo § 4º da EC 37/02, que trata da proibição de expedição de precatórios complementares ou suplementares de valor pago e do fracionamento, repartição e quebra do valor da execução para o fim do § 3º, que trata da RPV.

 

A questão do fracionamento do precatório é conhecida e já ensejou inúmeras decisões, inclusive em sede da ADI 2924, relator ministro Carlos Velloso, a envolver dispositivo do anterior RITJSP, com a seguinte ementa: “EMENTA: CONSTITUCIONAL. PRECATÓRIO. CRÉDITO COMPLEMENTAR: NOVO PRECATÓRIO. Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, inciso V do art. 336. CF, art. 100. Interpretação conforme sem redução do texto. I. - Dispõe o inciso V do art. 336 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que ‘para pagamentos complementares serão utilizados os mesmos precatórios satisfeitos parcialmente até o seu integral cumprimento’. Interpretação conforme, sem redução do texto, para o fim de ficar assentado que ‘pagamentos complementares’, referidos no citado preceito regimental, são somente aqueles decorrentes de erro material e inexatidão aritmética, contidos no precatório original, bem assim da substituição, por força de lei, do índice aplicado. II. - ADI julgada procedente, em parte.

 

Colacione-se, ainda, o RE 523.199/RO, relator ministro Sepúlveda Pertence, DJe 22.06.07, com a seguinte ementa: “Execução contra a Fazenda Pública: obrigação divisível: litisconsórcio facultativo: desmembramento do processo para que os litisconsortes com crédito classificado como de pequeno valor possam receber sem a necessidade de precatório. Recurso extraordinário: descabimento: ausência, no caso, de violação do art. 100, § 4º, da Constituição. 1. O acórdão recorrido, à luz da legislação infraconstitucional, reconheceu que o direito pleiteado pelos litisconsortes é divisível, razão pela qual o litisconsórcio é facultativo. 2. De outro lado, a execução continuará sob o rito do precatório em relação aos litisconsortes com créditos não classificados como de pequeno valor. 3. ‘A vedação de fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução - § 4º - se justifica a fim de que seu pagamento não se faça, em parte, na forma estabelecida para obrigações de pequeno valor e, em parte, mediante expedição de precatório, o que não ocorre no caso.’ (RE 484.770, 1ª T., 06.06.2006, Pertence, DJ 01.09.2006)”.

 

Nesse sentido, aliás, o Enunciado 05 da Seção de Direito Público do TJSP: “No litisconsórcio facultativo, é possível individualizar o precatório” (DJe 06.11.09).

 

No tocante aos honorários advocatícios, já decidiu o STF, no AI 537733/RS, relator ministro Eros Grau, DJe 11.11.05: “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRECATÓRIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PAGAMENTO DIRETO INDEPENDENTE DE PRECATÓRIO. FRACIONAMENTO DO VALOR DA EXECUÇÃO. O fracionamento, a repartição e a quebra do valor da execução são vedados pela Constituição do Brasil, de acordo com o artigo 100, § 4º. Agravo regimental a que se nega provimento.”

 

Em São Paulo, o art. 3º e seu parágrafo único, da Resolução 199/05, com a alteração introduzida pela Resolução 446/08, ambas do O.E., dispõem: “Art. 3º - Em caso de litisconsórcio, será considerado o valor devido a cada litisconsorte, expedindo-se, simultaneamente, se for o caso, requisições de pequeno valor e requisição de precatório. É vedado o fracionamento, repartição ou quebra do valor devido a um mesmo beneficiário. Parágrafo único. Ao advogado é atribuída a qualidade de beneficiário, quando se tratar de honorários sucumbenciais, e seus honorários devem ser considerados como parcela integrante do valor devido a cada credor para fins de classificação do requisitório como de pequeno valor.”

 

Oportuno ressaltar que o § 11 do art. 97 do ADCT prevê, no regime especial, a possibilidade de desmembramento do precatório expedido em favor de diversos credores, em litisconsórcio, proibido o enquadramento para o fim de RPV, o que vai em sentido contrário da jurisprudência que vinha se firmando.

 

Essa disposição é de duvidosa constitucionalidade, tendo em vista o princípio da isonomia, considerado que o credor autor isolado de ação pode se valer do RPV, sendo o caso, enquanto o credor que litigou em litisconsórcio facultativo fica privado desse direito.

 

Pode-se, entanto, lançar mão de interpretação conforme, para entender-se que o litisconsórcio referido no dispositivo é o necessário e não o facultativo.

 

Outra hipótese de desmembramento, por óbvio, é a do § 2º do art. 100 (idosos e portadores de doença grave).

 

Já o § 9º constitui novidade, porque prevê a compensação dos débitos do credor originário com a Fazenda, ao ensejo da expedição do precatório.  Pela disposição a compensação abrangerá os débitos inscritos ou não em dívida ativa, incluídas as parcelas vincendas de parcelamentos, salvo aqueles em discussão judicial ou administrativa.

 

No alusivo às dívidas líquidas vencidas, não se vê problema, embora haja quem defenda a inconstitucionalidade na circunstância de impor-se ao cessionário essa compensação, considerado o princípio constitucional da segurança jurídica[3].

 

Entanto, possível argumentar em sentido contrário, lembrando que a Fazenda é terceira em relação à cessão e só é comunicada de sua realização para o fim de efetuar o pagamento a quem de direito.

 

Mas, quanto às vincendas objeto de parcelamento, a inconstitucionalidade é patente, sem falar que, dessa forma, o direito do credor ao crédito por precatório também passa a constituir um ônus, na medida em que faz cessar parcelamento a ele já concedido.

 

Por isso que essa disposição, no particular, fere, sem dúvida, o direito adquirido e o ato jurídico perfeito, ambos objeto de cláusula pétrea constitucional (art. 5º, XXVI), que não pode ser arredada, obviamente, pelo poder derivado constitucional (art. 60, § 4º, inciso IV).

 

Então, somente as dívidas vencidas e não contestadas poderão ser compensadas com o crédito a ser requisitado, jamais as vincendas objeto de parcelamento, porque tal antecipa e faz compensar, já no momento da expedição do precatório, dívida não exigível e objeto de ajuste válido e inarredável, enquanto cumprido.

 

Aliás, o inciso II do § 9º do art. 97 do ADCT, introduzido pela Emenda, está nos termos do possível, permitindo a compensação de débitos líquidos e certos vencidos e constituídos até a expedição do precatório.

Para o exercício desse direito, a Fazenda será intimada a, no prazo de trinta dias, informar os débitos compensáveis. Decorrido esse prazo, operar-se-á a decadência do direito (§ 10).

 

Mais à frente, veremos que, pela nova moratória, também será possível a compensação em detrimento das Fazendas, mas somente no caso de não liberação tempestiva de recursos (§ 10, inciso II, do art. 97).

 

Portanto, a compensação a favor da fazenda é perene e incondicional, enquanto aquela em favor do credor, tal como na moratória da EC 30/00 (art. 78, § 2º), será transitória e condicionada.

 

Compensações de precatórios com tributos ocorridas até 31 de outubro de 2009 ficam convalidadas (art. 6º), sucedendo que as pendências judiciais a respeito perdem o objeto, inclusive, ao que tudo indica, a seguinte repercussão geral:

 

EMENTA: PRECATÓRIO. ART. 78, § 2º, DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS. COMPENSAÇÃO DE PRECATÓRIOS COM DÉBITOS TRIBUTÁRIOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. Reconhecida a repercussão geral dos temas relativos à aplicabilidade imediata do art. 78, § 2º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT e à possibilidade de se compensar precatórios de natureza alimentar com débitos tributários.” (RE 566349 RG / MG - MINAS GERAIS REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relatora:  Min. CÁRMEN LÚCIA, Julgamento: 02/10/2008).


Sobre o tema, de serem lembrados julgados do STF:

 

EMENTA: CONSTITUCIONAL. PRECATÓRIO. COMPENSAÇÃO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO COM DÉBITO DO ESTADO DECORRENTE DE PRECATÓRIO. C.F., art. 100, art. 78, ADCT, introduzido pela EC 30, de 2002. I. - Constitucionalidade da Lei 1.142, de 2002, do Estado de Rondônia, que autoriza a compensação de crédito tributário com débito da Fazenda do Estado, decorrente de precatório judicial pendente de pagamento, no limite das parcelas vencidas a que se refere o art. 78, ADCT/CF, introduzido pela EC 30, de 2000. II. - ADI julgada improcedente.” (ADI 2851 / RO - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Relator:  Min. CARLOS VELLOSO, Julgamento:  28/10/2004, Órgão Julgador:  Tribunal Pleno);

 

PRECATÓRIO - CESSÃO - TRIBUTO - LIQUIDAÇÃO DE DÉBITO. A previsão normativa de cessão de precatório e utilização subseqüente na liquidação de débito fiscal conflitam, de início, com o preceito maior do artigo 100 da Constituição Federal.” (ADI 2099 MC / ES- ESPÍRITO SANTO MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Relator:  Min. MARCO AURÉLIO, Julgamento:  17/12/1999,  Órgão Julgador:  Tribunal Pleno).


O último acórdão, todavia, é anterior à EC 30/00, que permite, no caso de mora, a compensação ou concede poder liberatório ao crédito por precatório, para compensação com tributos.

 

O § 11 traz novidade importante, consistente na possibilidade de o credor se utilizar de crédito de precatório na aquisição de imóvel público do respectivo ente federado.

 

Essa disposição, porém, não é autoaplicável, porque o dispositivo faz referência a lei (“conforme estabelecido em lei da entidade federativa devedora”).   

 

A questão da atualização dos precatórios e dos juros vem prevista no parágrafo seguinte (12), que determina observância ao índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança, com incidência, uma vez expedidos, apenas de juros simples, também segundo a poupança.

 

A atualização em São Paulo vem se verificando nos termos de tabela prática a retratar os índices oficiais comumente utilizados pelo Judiciário. Tendo em vista jurisprudência superior que determinou a correção do índice dos meses de janeiro e fevereiro de 1989, reduzindo-os para 42,72% e 10,14%[4], o Órgão Especial vem deferindo a retificação dos cálculos, em função disso, mencionando erro material[5] .

 

Agora, conforme deliberação do Órgão Especial, há tabela própria condizente com a Lei 11.960/09, cuja incidência, segundo a jurisprudência, se verifica somente em relação às ações ajuizadas já na sua vigência (STJ – EREsp 369.832/RS, Corte Especial e AgRg no REsp 818.122/RS, Segunda Turma, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 17.08.06, DJ 14.09.06, p. 305; TJSP ED 994.04.52153-2/50000, 10ª Câmara de Direito Público, rel. desª Teresa Ramos Marques, j. 15.03.10 e ED 994.09.015715/50000, 12ª Câmara de Direito Público, rel. des. Osvaldo de Oliveira, j. 10.03.10).

 

Em relação aos juros, formaram-se duas correntes no referido Colegiado: aquela que os exclui a partir da consolidação do débito para os fins das moratórias dos arts. 33 e 78 do ADCT, salvo inadimplemento subsequente, quando juros moratórios fluem a partir dessa nova mora; e aquela, à qual me filio, que entende devidos os juros (inclusive compensatórios, se caso), se não houver pagamento no prazo e a partir do dia em que os valores deveriam ter sido pagos originalmente, dês que, do contrário, se estaria concedendo remissão da dívida e não apenas dilação no pagamento, como previsto nas disposições transitórias aludidas, sem falar que haveria afronta à coisa julgada e ao princípio da jurisdição, mesmo porque se estaria preterindo, administrativamente (Súmula 311 do STJ), o juízo da execução.  

 

Segundo José Afonso da Silva: “A proteção constitucional da coisa julgada não impede, contudo, que a lei preordene regras para sua rescisão mediante atividade jurisdicional. Dizendo que a lei não prejudicará a coisa julgada, quer-se tutelar esta contra a atuação direta do legislador, contra ataque direto da lei. A lei não pode desfazer (rescindir ou anular ou tornar ineficaz) a coisa julgada. Mas pode prever licitamente, como o fez o art. 485 do CPC, sua rescindibilidade por meio de ação rescisória”[6] .

 

Emblemáticos, os seguintes julgados:

 

“Ementa: (...) Mandado de segurança – Ato da Presidência do Tribunal de Justiça – Sequestro de rendas públicas à satisfação de precatório – (...) Juros – Impossibilidade de revisão administrativa daqueles consectários – Ofensa aos princípios da coisa julgada, do devido processo legal e do juiz natural – Verbas que não podem ser extirpadas do sequestro. Segurança denegada.” (Mandado de Segurança nº 994.08.012938-0 (171.082-0/7- Órgão Especial do TJSP).

 

“Processual Civil. Recurso em mandado de segurança. Precatório. Parcelamento. Art. 78 do ADCT. Pedido de seqüestro. Presidência do Tribunal de Justiça. Exclusão de juros moratórios e compensatórios. Competência do juízo da execução. Recurso ordinário a que se dá provimento.” (MS 26.212, 1ª. Turma, Min. Teori Albino Zavascki, j. 26.08.08).

 

EMENTA: PRECATÓRIO. ARTIGO 33 DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS. DESCABIMENTO DA INCIDÊNCIA DE JUROS. (...). A regra do art. 33 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias encerra uma exceção à garantia individual da justa indenização. Trata-se de moratória que a Constituição deu ao Poder Público, permitindo que a dívida consolidada na data da promulgação da Carta, após computados juros e correção monetária remanescentes, fosse dividida em oito parcelas iguais, sofrendo apenas atualização por ocasião do pagamento de cada prestação. Não há espaço para a incidência de juros sobre prestações cumpridas no prazo da Constituição. Precedentes da Corte: RE 149.466, Primeira Turma e RE 155.981, Plenário. (...)”. (RE 148512/SP - SÃO PAULO RECURSO EXTRAORDINÁRIO, Relator:  Min. ILMAR GALVÃO, Julgamento:  07/05/1996, Órgão Julgador:  Primeira Turma);


EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. PRECATÓRIO. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que não incidem juros de mora e compensatórios no período compreendido pelo art. 33 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Somente serão cabíveis os juros moratórios se houver atraso no pagamento. Precedentes. 2. Desapropriação indireta. Justa indenização. Impossibilidade do reexame de provas. Incidência da Súmula 279 do Supremo Tribunal.” (AI 643732 AgR / SP - SÃO PAULO AG. REG. NO AGRAVO DE INSTRUMENTO, Relatora:  Min. CÁRMEN LÚCIA, Julgamento:  26/05/2009, Órgão Julgador: Primeira Turma);


EMENTA: JUROS - MORATÓRIOS E COMPENSATÓRIOS - DÉBITO DA FAZENDA - ARTIGO 78 DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS. O preceito do artigo 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias encerra uma nova realidade. Faculta-se ao recorrente a satisfação dos valores pendentes de precatórios, neles incluídos os juros remanescentes. Não observada a época própria das prestações, cabível a incidência dos juros no que pressupõem inadimplemento.” (RE 485650 AgR/SP - SÃO PAULO
AG. REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO, Relator:  Min. MARCO AURÉLIO, Julgamento:  07/04/2009,  Órgão Julgador:  Primeira Turma).


Não é demais lembrar a Súmula 17 do Pretório Excelso: “
Durante o período previsto no § 1º do artigo 100 da Constituição, não incidem juros de mora sobre os precatórios que nele sejam pagos”.


Esse verbete, com a devida venia, não pacifica a discussão acerca dos juros, uma vez que parece não haver dúvida da não incidência dos juros, se paga a dívida no prazo. Entretanto, havia quem pensasse diversamente. Daí a súmula.


O § 13, por sua vez, propicia a cessão dos precatórios, o que, até então, era objeto de discussão, se utilizado o crédito pelo cessionário como forma de propiciar a compensação com crédito tributário, haja vista a repercussão geral aqui já mencionada.

 

De todo modo, possível sim, agora, a cessão parcial ou total do crédito por precatório, mas a sub-rogação do credor encontra barreira quanto aos direitos dos §§ 2º e 3º (humanitário e pessoas com 60 anos de idade ou mais; requisitório de pequeno valor).

 

O cessionário, destarte, sujeita-se ao precatório regular (alimentar ou ordinário), sem ditas preferências, qualquer que seja o valor do crédito.

 

Agiu bem o legislador, porque o direito do § 2º é personalíssimo e, portanto, intransferível. Já no tocante ao RPV, evidente a possibilidade de a sub-rogação gerar a concentração de várias requisições de pequeno valor em favor de um único cessionário, que teria primazia no recebimento, resultando frustrado o objetivo do instituto.

 

A cessão, pela disposição, independe do beneplácito do devedor, mas produzirá efeitos somente após comunicação, por petição, ao Tribunal de origem e à entidade devedora (§ 14).

 

Veja-se, ainda, que o 5º da Emenda consolida todas as cessões realizadas até seu advento, independentemente de outras formalidades.

 

O § 15 permite, para Estados, o DF e os Municípios, regime especial de liquidação dos precatórios, conforme lei complementar à Constituição Federal, dispondo sobre vinculação de receita corrente líquida, forma e prazo de liquidação.

 

Está aberta a porta aí para mais novidades, com possibilidade de abusos, considerado ser bastante, agora, lei complementar, cujos projetos, como sabido, seguem trâmite mais simples do que os das emendas constitucionais.

 

Evidente que essa lei somente poderá ter vigência para o futuro (art. 5º, XXXVI, da CF/88), embora o art. 97 do ADCT, introduzido pelo art. 2º da Emenda, pretenda emprestar a ela efeito retroativo.

Em relação à constitucionalidade dessa retroatividade, trataremos mais adiante.

 

Por fim, o § 16 permite que a União, a seu critério exclusivo e na forma da lei, assuma débitos oriundos de precatório de Estados, Distrito Federal e Municípios, refinanciando-os diretamente.

 

Esse mecanismo é de suma importância e, se usado com seriedade, pode propiciar a liquidação mais célere dos precatórios, prevenindo intervenção federal ou estadual. Com propriedade, lembra o professor Marçal Justen Filho, todavia, que essa assunção pode vir a ser praticada negativamente, por meio do tráfico de influência e negociatas[7] .

 

O dispositivo, de todo modo, não é autoaplicável, porque dependente de lei.  


3. Sistema especial.

 

3.1. Andamento da Matéria no Tribunal de Justiça de São Paulo.

 

Passou a ser um desafio para os tribunais a implantação do sistema transitório previsto na EC 62/09, principalmente para o Tribunal de Justiça de São Paulo, dado o incomensurável passivo sob sua administração.

 

A Corte procura criar um meio de implementar a triagem relativa aos credores portadores de doença grave e com sessenta anos ou mais. Já foram pedidas informações relativas aos cadastros do INSS, das Fazendas e autarquias, havendo a possibilidade de harmonização entre os dados do Tribunal e da Procuradoria Geral do Estado.

 

As contas especiais a que a alude a emenda já foram indicadas e as listas de preferências e de ordem cronológica devem ser organizadas segundo a Lei 7.713/88, art. 6º, inciso XIV, que enumera as doenças graves para o fim de isenção tributária.

 

Por primeiro, expediu-se a Ordem de Serviço 02/2010, a substituir a de nº 01, diante de falhas contidas nesta, que trata de todo o procedimento inerente à moratória: opção, depósito, preferência, modo de liquidação (leilão ou valor total), juros, etc., tudo conforme a emenda. 

 

Foi expedido, ainda, comunicado aos Tribunais de São Paulo (Comunicado nº 18/2010), em face do que dispõe o § 4º do artigo 97 do ADCT, introduzido pela Emenda Constitucional nº 62/09, para que encaminhem à Diretoria Execução de Precatórios – DEPRE cópias dos demonstrativos ou planilhas dos saldos devedores individualizados dos precatórios em aberto, tendo como devedores a Fazenda e Autarquias do Estado de São Paulo, Municípios e respectivas Autarquias, bem como para que indiquem o último precatório pago (natureza alimentícia e outras espécies), com vistas aos procedimentos necessários ao controle e pagamento dos precatórios pelo DEPRE. Das planilhas devem constar: I – tribunal, unidade judiciária e número do processo judicial que ensejou a expedição do precatório; II – data do trânsito em julgado da decisão que condenou a entidade a realizar o pagamento e da expedição do precatório; III – valor individualizado da requisição por credor, data considerada para atualização monetária dos valores e termo final dos juros, e entidade de Direito Público devedora; IV – natureza do crédito, se comum ou alimentar; V – nomes e números do CPF/CNPJ dos credores, inclusive quando este for advogado ou perito; VI – valor do precatório individualizado e atualizado a 1º de julho do exercício orçamentário.

 

Já no Comunicado nº 19/2010, o Tribunal esclarece que determinou a instauração de procedimento interno em nome das unidades devedoras que não acusem a utilização do percentual previsto nos itens I e II, do § 2º, do art. 97, da ADCT. Esse parágrafo e os incisos se referem a uma das alternativas da moratória, a que alude ao depósito mensal de 1/12 do valor calculado percentualmente sobre as respectivas receitas correntes liquidas. Esse percentual deve ser apurado no momento da opção pelo regime e será fixo até o final. A porcentagem mínima será diferenciada, conforme se tratar de Estado ou do Distrito Federal e de Municípios das regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sul e Sudeste, anotado que, no caso das duas últimas, a referência será maior, se o estoque de precatórios pendentes (Administração direta e indireta) for superior a 35% da receita corrente líquida.

 

Para os Estados e Distrito Federal, essas referências são de 1,5 a 2% e, para os Municípios, de 1 a 1,5%.

 

E o § 3º do art. 97 define o que vem a ser receita líquida como “o somatório das receitas tributárias, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de contribuições e serviços, transferências correntes e outras receitas correntes, incluindo as oriundas do § 1º do art. 20 da Constituição Federal (os royalties do petróleo ou gás natural), verificado no período compreendido pelo mês de referência e os 11 (onze) meses anteriores, excluídas as duplicidades e deduzidas (...)”, de acordo com os incisos I e II, parcelas entregues aos Municípios por força da Carta da República e a contribuição dos servidores para o sistema da previdência e assistência, bem como os valores oriundos da compensação do mesmo sistema (§ 9º do art. 201).

 

Então, pelo referido comunicado, as unidades devedoras envolvidas serão intimadas para, em cinco dias, apresentarem planilhas de cálculos informando as bases orçamentárias utilizadas para a fixação do percentual, esclarecendo as receitas consideradas e as excluídas da base de cálculo, bem como, o total da mora em precatório, sopesando os débitos considerados e os excluídos. Constatada a utilização de percentual inferior àquele que deveria ser indicado em atenção às regras da Emenda, o procedimento se converte automaticamente em procedimento tendente ao sequestro de verba.

 

Por sua vez, no Comunicado nº 23/2010, o Presidente do TJSP comunica à Fazenda Pública e aos Municípios do Estado de São Paulo, que optaram pelo Regime Especial de pagamento, em face do que dispõe o §1º do art. 97 do ADCT, introduzido pela Emenda Constitucional nº 62/09, que deverão encaminhar à Diretoria de Execução de Precatórios – DEPRE cópia da Lei ou Decreto de opção estabelecendo o Regime Especial para pagamento de crédito de precatórios, dispondo sobre vinculação à receita corrente líquida, forma e prazo de liquidação.

 

O prazo de noventa dias já se acha vencido e, diante dos decretos informados, o Tribunal organizou uma lista, em ordem alfabética, mencionando os municípios optantes e os decretos respectivos.

 

O Comunicado nº 33/2010 dispõe sobre os requisitos de preferência de pagamento de precatórios. Por esse aviso, o Presidente do TJSP faz saber “aos interessados, mormente aos credores de precatórios pendentes de pagamento, seus advogados, Procuradores das Fazendas Públicas Estadual, Municipais, Autárquicas e Fundacionais, que os requerimentos de preferência de pagamentos de precatórios relativos a créditos abrangidos pelo artigo 100 parágrafo 2º da Constituição Federal, instituídos pela Emenda Constitucional nº. 62/2009 deverão ser protocolados diretamente no Tribunal de origem, onde tenha tramitado o processo judicial, atendendo à respectiva orientação. As preferências relativas a precatórios do TJSP poderão ser formuladas ao juízo da respectiva execução ou diretamente no protocolo do DEPRE, instruídas, no caso dos idosos, com comprovação do nascimento, pelo documento de identidade e CPF, e para os portadores de doenças graves, laudo ou prescrição médica, por sua via original e cópia do CPF.”

 

Foi editada, também, a Portaria nº 7841/2010, a qual, considerando que a nova sistemática impõe controle constante e rígido, tendo em conta a alteração da gestão e fiscalização de anual para mensal e que as informações de cálculos produzidos pelo DEPRE, em futuro próximo, deverão estar disponibilizadas em meio eletrônico, a Diretoria de Execução de Precatórios – DEPRE expedirá certidões específicas do cálculo, com o prazo mínimo de 60 (sessenta) dias.

 

E o Órgão Especial, em sessão realizada aos 04 de novembro p.p., editou a Resolução 510/2010, determinando a elaboração de tabela própria, com base na Lei 11.960/09, que alterou a redação do art. 1°-F da Lei n° 9.494, de 10 de setembro de 1997, determinando a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e dos juros aplicados à caderneta de poupança, justamente para que sirva como referência à Diretoria de Execução de Precatórios acerca da adoção de novos procedimentos sobre o tema (Processo EP n° 2.771/93). Nessa tabela, determinou-se, por esse diploma, a utilização do INPC até o dia 29.6.09, com aplicação da TR pro rata do dia 30.6.09, para composição do índice do mês (cheio) de junho de 2009 e, depois, fazendo-se o cálculo, ao depois, conforme essa sistemática.

 

Essa lei está conforme os dispositivos da emenda que determinam a utilização da poupança como referência para a atualização do débito e incidência dos juros (§§ 12 do art. 100, nova redação, e 16 do art. 97), o que reproduzido na Ordem de Serviço 02 do DEPRE do TJSP.

 

Só que o STJ e o próprio TJSP, seja quanto aos juros, seja no tocante à corrigenda, não vêm admitindo a incidência de alteração para as causas ajuizadas antes da lei, como visto.

 

Então, salvo posicionamento futuro ao revés, do STF, parece que não será possível a incidência retroativa prevista na disposição.

 

É bom ressaltar que a Presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo vem extinguindo os pedidos de sequestro não efetivados, liberando, porém, aqueles cujos valores já foram sequestrados.

 

E estuda-se ali o sequestro, com base nos arts. 33 e 78 do ADCT, em relação aos municípios que não fizeram opção e têm débitos pendentes. Os Executivos do Estado e da Municipalidade de São Paulo, por meio dos Decretos 55.300/09 e 51.105/09, respectivamente, já optaram por uma das alternativas do sistema especial, aquela que diz com a receita corrente liquida.

 

É verdade que a Ordem de Serviço 02, do DEPRE do TJSP, inclui as autonomias não optantes na moratória do depósito anual de 1/15. Mas, isso, com a devida venia, não é possível, porque haveria ofensa ao princípio da Separação dos Poderes. A opção é do administrador e somente ele pode exercê-la.

 

No Órgão Especial, foi sustado, com pedidos de vista, o julgamento de três pedidos de intervenção do Estado em municípios, tendo em conta possível inconstitucionalidade da emenda. Os relatores estavam indeferindo a intervenção ou extinguindo o processo, com ementas como a seguinte: “INTERVENÇÃO ESTADUAL NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO – (...) Crédito decorrente de desapropriação – Não realização do pagamento requisitado – Precatório atingido pela disciplina do art. 97 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal introduzido pela EC nº 62/2009, aderido pela Municipalidade nos termos de seu Decreto nº 51.105, de 11 de dezembro de 2009 – Fato superveniente que retira a exigibilidade do crédito nos termos do precatório descumprido – Pedido de intervenção prejudicado – Extinção do processo interventivo sem exame de mérito.” (Intervenção Estadual nº 994.09.002451-6 (antigo nº 175.426-0/7-00, Órgão Especial, rel. José Reynaldo, j. 07.04.10).


3.2. Constitucionalidade.

 

A Emenda 62/09 introduziu nova moratória, até que seja editada a lei complementar prevista no § 15 do art. 100, segundo a redação que lhe deu, moratória essa a abarcar todos os precatórios pendentes (Administração direta ou indireta) e os emitidos durante o período de vigência da dilação, sem exceção, isso em favor dos Estados, Distrito Federal e Municípios.

 

A moratória foi denominada “regime especial”, arredando a incidência do art. 100, ressalvados os §§ 2º (humanitário e credores com 60 anos ou mais), 3º (RPV), 9º (compensação de débitos a favor da Fazenda), 10 (procedimento para a compensação), 11 (precatório em troca de imóvel da entidade devedora), 12 (incidência dos índices e apenas de juros simples, ambos da caderneta de poupança), 13 (cessão) e 14 (procedimento relativo à cessão).

 

Questão que começa a despontar como controvertida, tal como por ocasião da EC 30/00, diz com a constitucionalidade do regime, que abarca precatórios pendentes e até em que presente mora importante do devedor.

 

É bom ressaltar que a o Conselho Federal da OAB, Associações de Magistrados, do Ministério Público e de Servidores já ajuizaram, no STF, ação direta de inconstitucionalidade afeta ao art. 97 do ADCT (ADI 4387), ao argumento de que haveria inconstitucionalidade formal, porque não teria sido observado o interstício de cinco dias úteis (art. 362 do Regimento Interno do Senado) nas votações em 1º e 2º turnos, além de apontar inconstitucionalidades materiais, tendo em vista os princípios que regem o estado democrático, a dignidade da pessoa humana, a separação dos Poderes, a segurança jurídica, o direito de propriedade, o ato jurídico perfeito, a coisa julgada, a moralidade, a razoável duração o processo e a igualdade.

 

Nessa ADI, o relator, ministro Carlos Britto, determinou que todos os Tribunais de Justiça do país informem os valores pagos em precatórios (alimentares e não alimentares) e requisições de pequeno valor (RPVs) pelos estados e capitais nos últimos 10 anos. A determinação é do dia 5 de janeiro. O ministro pediu, ainda, informações sobre o montante da dívida pendente de pagamento inscrita em precatórios.

 

Também a Anamatra ingressou com ação direta (ADI 4.400), argumentando que desrespeitados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, havendo verdadeiro abuso no poder de legislar.  

 

Dita associação não se conforma, principalmente – e esse o principal objetivo da ação –, com a competência atribuída aos Tribunais de Justiça, pelo § 4º do art. 97, acerca da administração das contas especiais a que alude o § 2º da mesma disposição, das quais trataremos adiante.

 

Não é demais dizer que pendem no Supremo Tribunal Federal as ADI’s 2.356 e 2.362, questionando a EC 30/00, a qual, como sabido, introduziu a moratória anterior. Não houve desfecho nem mesmo em relação à medida cautelar, mas o certo é que seis ministros suspendiam o art. 2º, que trata da própria moratória, ou a expressão contida no “caput” do art. 78 do ADCT: “os que decorram de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999.”[8] O julgamento está suspenso no aguardo do voto do ministro Celso de Mello. Os ministros estão divididos entre a inconstitucionalidade, porque haveria afronta à coisa julgada, e a ausência de perigo na demora, dado o largo período transcorrido desde a emenda.

 

Assim, a EC 62/00, na parte que alcança precatórios a ela anteriores, conforme o art. 97 do ADCT, introduzido pelo art. 2º, está fadada ao mesmo destino, justamente porque essa retroação fere garantias constitucionais básicas, mormente aquelas previstas no art. 5º, inciso XXVI, da Lei Maior (direito adquirido e coisa julgada), cláusula pétrea e imutável pelo poder constituinte derivado, a teor do art. 60, § 4º, inciso IV.

3.3. Sujeição, Dinâmica do Sistema Especial e Reversibilidade.

 

O art. 2º da Emenda introduz no ADCT o art. 97, que institui moratória através de sistema especial, que, num primeiro momento, vigorará até o advento da lei complementar especial a que se refere o § 15 do art. 100.

 

Estão sujeitos ao sistema todos os precatórios vencidos (Administração direta ou indireta) e mesmo os emitidos durante a vigência do sistema, figurando como favorecidos Estados, o Distrito Federal e os Municípios, excluída a União.

 

Registre-se que o § 15 é expresso ao incluir no regime especial os precatórios parcelados na forma dos arts. 33 e 78 do ADCT e ainda pendentes de pagamento, mesmo que objeto de acordo extrajudicial, observado o saldo.

 

Mas, a implantação do regime especial, qualquer que seja a opção, deve se verificar em noventa dias, contados da publicação da emenda (10.12.2009) (art. 3º da Emenda), prazo esse já vencido.

 

Não há solução, na emenda, para os devedores que não optarem por qualquer alternativa, parecendo adequado que persistam os sistemas dos arts. 33 e 78 do ADCT, nessas hipóteses.

 

E a dicção constitucional, ao contemplar somente os precatórios, parece não incluir, no sistema, o crédito de pequeno valor, que, portanto, continua a ser regulamentado, no âmbito do Estado de São Paulo, pela Lei Estadual 11.377/03.

 

O regime especial será dinamizado por meio do depósito em contas especiais de valores afetos a precatórios vencidos ou a vencerem. Essas contas serão administradas pelo Tribunal de Justiça local, independentemente da origem da sentença (§ 4º do art. 97), e os valores ali depositados não podem retornar para os entes depositantes (§ 5º).

 

O ente favorecido pode, por ato do Executivo local, optar por duas alternativas

 

A primeira delas, a teor do § 1º, inciso I, e § 2º, será o depósito mensal de 1/12 do valor calculado percentualmente sobre as receitas correntes líquidas, apuradas no segundo mês anterior ao mês de cada pagamento ou depósito.

 

O percentual referido há de ser calculado no momento de opção pelo regime e será mantido fixo até o final da moratória, ou seja, enquanto o valor dos precatórios devidos for superior ao valor dos recursos vinculados (§ 14 do art. 97).

 

De acordo com os incisos I e II do § 2º, será observado percentual mínimo no cálculo do percentual, conforme se tratar de Estado ou do Distrito Federal e de Municípios das regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sul e Sudeste, anotado que, no caso das duas últimas, a referência será maior, se o estoque de precatórios pendentes (Administração direta e indireta) for superior a 35% da receita corrente líquida.

 

A segunda opção será o depósito, em conta especial, do saldo devido, durante quinze anos e anualmente, na proporção de 1/15, observadas as amortizações e computados o índice e os juros da poupança, com exclusão dos juros compensatórios.

 

Até aqui, as entidades devedoras vêm optando, em regra, pela primeira alternativa, segundo informes da Presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo, sucedendo que deve ser a melhor opção, matematicamente.

 

Nos termos do § 6º, cinqüenta por cento dos recursos depositados nas contas especiais serão destinados à satisfação de precatórios, de acordo com a ordem cronológica e as preferências. A primazia dos alimentares será aferida entre os precatórios do mesmo ano e daqueles dos quais sejam titulares idosos e portadores de doença grave, entre todos os precatórios.

 

O restante será utilizado, de acordo com opção isolada ou simultânea, ao pagamento dos precatórios por meio de (a) leilão ou ao (b) pagamento à vista dos remanescentes não quitados com os cinqüenta por cento iniciais ou dos remanescentes do leilão, em ordem única e crescente de valor por precatório ou, ainda, ao pagamento mediante (c) acordo direto com os credores, conforme lei da entidade devedora (§ 8º, incisos I, II e III).

 

Note-se, desde logo, que o fundo pode ser utilizado somente para pagamento dos precatórios, segundo a ordem cronológica e preferências, e/ou metade para leilão ou acordo.

 

Mas, o acordo fica na dependência de lei, como visto, a qual poderá, inclusive, criar câmara de conciliação (inciso III do § 8º).

 

Então, veja-se que, pelo novo sistema, se bem entendi, não haverá parcelamento de precatório. O pagamento se dará de forma integral ou mediante quitação com deságio, ficando os credores remanescentes no aguardo de sua vez, respeitadas as respectivas classes e preferências.

 

Parcelamento haverá somente para os credores alimentares com sessenta anos ou mais e portadores de doença grave, que recebem o triplo do valor afeto ao RPV, antecipadamente, ficando o restante do crédito sujeito à moratória.

 

O índice de atualização e os juros serão aqueles válidos para a poupança, qualquer que seja o precatório, excluídos os juros compensatórios (§ 16).

 

A retroação desse critério pode encontrar óbice de ordem constitucional, segundo argumentos já expostos.

 

Quando se implantam juros ou forma de corrigenda diversos daqueles até então praticados, como no caso da MP 2.180 e da Lei 11.960/09, os tribunais têm admitido, como já visto acima, a incidência da norma modificadora somente para as ações ajuizadas quando já vigente a nova ordem.

 

O regime especial vigorará enquanto o valor dos precatórios em aberto for superior aos recursos vinculados ou pelo prazo de quinze anos, dependendo da opção (§ 14 do art. 97 e art. 4º da EC).

 

3.4. Leilão: 3.1.1. Mecanismo; 3.2.2. Habilitação; 3.3.4. Deságio.


O § 9º do art. 97 do ADCT disciplina o leilão, para o qual serão destinados cinqüenta por cento dos recursos depositados nas contas especiais.

 

Conforme os incisos I a IX, o leilão se dará por meio de sistema eletrônico e será administrado por entidade autorizada pela CVM ou pelo Banco do Brasil.

 

Estarão habilitados a participar da almoeda, os credores, pelo valor inteiro do precatório ou parcela por eles indicada, desde que não haja pendência de recurso ou impugnação de qualquer natureza. Os credores nessa condição consideraram-se habilitados automaticamente (incisos II e IV).

 

Então, não há necessidade de habilitação específica, se apto a ser leiloado o crédito, a menos que o credor pretenda fazer indicação específica de parcela.

 

Haverá oferta pública e o leilão se repetirá até que se esgote o valor disponível; a competição se verifica por meio do deságio associado ao maior volume ofertado (com maior deságio ou não), observado, a final, o maior percentual de deságio, sendo lícito impor limite por credor, tudo conforme o edital de cada leilão (inciso VII e VIII).

 

A quitação, todavia, sempre dependerá de homologação pelo Tribunal que expediu o precatório (inciso IX).

 

De todo modo, será permitida a compensação com débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa, constituídos contra o devedor originário até a data da expedição do precatório, salvo os de exigibilidade suspensa ou que já tenham sido objeto de abatimento (inciso II).

 

3.5. Sequestro. Improbidade administrativa. Sanções financeiras.

 

Enquanto perdurarem o sistema especial, desde que havendo opção no prazo de noventa dias da data da publicação da Emenda, e o depósito regular, o devedor não poderá sofrer sequestro (art. 3º da EC e § 13 do art. 97).

 

Todavia, a teor dos §§ 10 e 13 do art. 97, dita constrição terá lugar se não liberados tempestivamente os recursos afetos à moratória (1/15 anual ou 1/12 mensal – inciso II do § 1º e § 2º do art. 97) ou os cinqüenta por cento para pagamento dos precatórios por ordem cronológica (§ 6º).

 

O sequestro se referirá, por certo, ao valor não liberado e será decretado pelo Tribunal de Justiça, ainda que o precatório provenha de outro tribunal, porque ele o administrador das contas especiais (§10, inciso I).

 

Hipótese não prevista na emenda, mas que, na certa, deve autorizar a medida extrema, é a de não liberação dos recursos ao vencedor do leilão.

 

A omissão do devedor, no termos do § 10, também poderá ocasionar: a) por ordem do Presidente do Tribunal e em favor dos credores, a compensação automática com débitos lançados pela entidade devedora, verificando-se o poder liberatório para débitos tributários futuros; b) responsabilidade fiscal e por improbidade administrativa do chefe do Executivo; c) enquanto perdurar a omissão: a.1) ocorrerá a impossibilidade pela entidade devedora de contrair empréstimo interno ou externo; a.2) ficará impedida de receber transferências voluntárias; d) a União reterá os repasses relativos ao Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal e ao Fundo de Participação dos Municípios e os depositará nas contas especiais.

 

Como se vê, o inadimplemento ocasiona inúmeras conseqüências negativas importantes, tanto para a entidade faltosa como para o chefe do Executivo, o que, sem dúvida, previne a ausência de seriedade que, até aqui, vem imperando entre os devedores.

 

                                  

BIBLIOGRAFIA

 

JUSTEN FILHO, Marçal. Emenda dos precatórios: Calote, Corrupção e outros defeitos. Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, nº 34, dez/09, site justen.com.br/informativo.

NASCIMENTO, Carlos Valder do. Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal. São Paulo: Saraiva, 2001.

 

OZI, Fábio. A nova fórmula para os precatórios no País. Valor Online (www.valoronline.com.br), 24/03/2010

 

SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005.

 


* Ivan Ricardo Garisio Sartori
é Desembargador do Tribunal de Justiça de SP. Professor de Direito Civil na Universidade Santa Cecília de Santos-SP – Unisanta.



[1] Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal. Saraiva, 2001, págs. 20/1.

[2] STF – Rcl-AgR 3034/PB, Pleno, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 27.10.06, p. 00031, Ement. Vol. 02253-01, pp. 00191, destacando-se o voto do ministro Eros Grau; Mandado de Segurança nº 179.939.0/7-00, Órgão Especial do TJSP.

[3] Fábio Ozi, Valor Online, 24/03/2010.

[4] Recusos Especiais nºs 254.479, Quinta Turma, rel. Arnaldo Esteves Lima, j. 24.05.05; 325.982, Segunda Turma, rel. Franciulli Netto, j. 01.03.05; 448.043, Primeira Turma, rel. José Delgado, j. 15.05.03; 285.720, Quinta Turma, rel. Felix Fischer, j. 04.04.00

[5] AgRg no RESP 653.333/GO, Primeira Turma, rel. Luiz Fux e AR nº 150.533-0/4-01, Órgão Especial do TJ

[6] Comentário Contextual à Constituição, Malheiros, 2005, p. 135.

[7] Emenda dos precatórios: Calote, Corrupção e outros defeitos. Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, nº 34, dez/09, site justen.com.br/informativo.

[8] Ministros Néri da Silveira, Ellen Gracie, Carlos Britto, Cezar Peluso, Carmen Lúcia e Marco Aurélio.


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