335 - Novos direitos humanos?


ANDRÉ GONÇALVES FERNANDES - Juiz de Direito

 

 

Lançada a terceira versão do Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH III), seus efeitos ainda estão presentes no debate público. Contudo, noto que um ponto importante não foi analisado pelos críticos, a saber, a tendência atual e mundial de redefinição dos direitos humanos sobre uma base diversa daquela que inspirou a Declaração Universal de 1948. Veja-se.

 

Sob o influxo de um certo pragmatismo, acredita-se que nenhuma verdade se impõe ao homem enquanto tal. A origem dos direitos do homem deve ser investigada e decidida pelo consenso. Os direitos do homem teriam nascido de um processo em que, ao cabo, a decisão da maioria seria o veredito final do justo e do verdadeiro.

 

O equívoco está no fato de que a justiça, em última análise, procederia da simples vontade da maioria, normalmente maleável aos influxos da opinião alheia, à semelhança do julgamento de Sócrates. A partir disso, não mais existiriam direitos naturais ao homem, cujo conhecimento se dá pelo uso da razão. Só importaria aquilo que a lei mandasse, sempre ao gosto das circunstâncias e, não raro, feita para atender o interesse privado de uns poucos em detrimento do interesse público.

 

No campo jurídico, o objeto do direito não seria mais a justiça, mas somente a lei. Atendidos os requisitos formais para sua criação, uma vez em vigor, a questão da justiça estaria concomitantemente superada. Nesse entrechoque de concepções radicalmente opostas, coloca-se a questão relativa aos “novos” direitos humanos.

 

Os direitos humanos de primeira geração (civis e políticos - liberdade), de segunda geração (econômicos, sociais e culturais - igualdade) e de terceira geração (meio ambiente sustentável, paz e gerações futuras - solidariedade) já compõem um leque nada fácil de consecução, porque seu exercício requer a conjugação de todos os atores da sociedade: indivíduos, Estados, entidades públicas e privadas e comunidade internacional. Problemas surgem inevitavelmente quando se tenta distinguir quem é o titular, de que é a obrigação, qual o objeto e o alcance de tais direitos.

 

Hoje, propõe-se uma quarta geração dos direitos humanos. Esta categoria, no fundo, serviria apenas para introduzir pretensões - em vez de direitos - de determinados setores ou grupos sociais: "direitos reprodutivos", incluindo o direito ao aborto livre e subsidiado pelo Estado, “direitos dos homossexuais”, como se fossem outra classe de pessoa humana, e “direitos dos animais e da natureza”, para o deleite do mico-leão dourado, do urso panda chinês e das espécies marinhas da grande barreira de corais australiana, ainda que, neste último exemplo, haja uma insolúvel contradição em termos.

 

Os movimentos de pressão para reconhecimento dos “direitos” reprodutivos foram vistos nas recentes conferências da ONU sobre população (Cairo, 1994) e sobre a mulher (Pequim, 1995). Em Copenhague (2009), na conferência sobre o clima, muito se ouviu a respeito dos “direitos” dos animais em extinção. Outro exemplo é a tendência de reivindicar “direitos especiais” para as minorias – curdos, aborígines, crianças sobreviventes dos conflitos tribais africanos, mulheres  dissidentes dos costumes impostos pelos regimes islâmicos e homossexuais - que não se coaduna com a universalidade proclamada em Viena e como se os direitos já reconhecidos não atendessem seus legítimos pleitos.

 

A tarefa do terceiro milênio, no que concerne à busca de novos direitos fundamentais para o homem, lembra aquela que o grego confiava ao oráculo do templo: procurar a verdade e rebater o erro. Os direitos humanos derivam de uma realidade antropológica objetiva, passam por leis justas e desenvolvem as liberdades do ser humano. Quando carece de fundamento, a novidade vira uma inimiga para o homem. Direitos humanos: aumentá-los, a custa de qualquer critério, é rebaixá-los.

 


André Gonçalves Fernandes
é juiz de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Sumaré (agfernandes@tj.sp.gov.br).


O Tribunal de Justiça de São Paulo utiliza cookies, armazenados apenas em caráter temporário, a fim de obter estatísticas para aprimorar a experiência do usuário. A navegação no portal implica concordância com esse procedimento, em linha com a Política de Privacidade e Proteção de Dados Pessoais do TJSP