354 - Drogas: argumento pragmático
ANDRÉ GONÇALVES FERNANDES - Juiz de Direito
Pode-se argumentar que a liberdade de escolher entre uma variedade de substâncias inebriantes é um direito subjetivo e as pessoas apenas se divertiriam inocentemente ao ingerir estimulantes ou narcóticos. Mas o consumo de drogas, em qualquer caso, tem o efeito de reduzir a liberdade dos homens, limitando o leque de seus interesses, em regra, deixando o campo da magnanimidade e adentrando no da mediocridade.
O prejuízo à capacidade de busca de objetivos mais importantes, tais como ser um profissional de prestígio entre seus pares, constituir uma família ou cumprir as obrigações cívicas, fica evidente. Não raro, fato negligenciado pelos defensores da legalização, inviabiliza-se a capacidade de exercício de uma atividade assalariada e promove-se o parasitismo social, custeado pelo dinheiro público.
Além disso, longe de expandir a consciência, a maioria das drogas a limita seriamente, em virtude dos danos neurobiológicos provocados, alguns irreversíveis. Ozzy Osbourne, um de meus vocalistas prediletos, que o diga... Um dos característicos mais marcantes dos usuários de droga é sua intensa e tediosa auto-absorção e “as viagens” rumo ao espaço interior são geralmente incursões em vazios existenciais. O consumo de drogas é o caminho mais curto para um homem indolente procurar a “felicidade” e a “sabedoria” e o atalho, na prática, é o mais mortal dos becos sem saída.
Perde-se muito menos caso não seja permitida a legalização das drogas. A ideia de que a liberdade é apenas a capacidade de agir sobre uns caprichos pessoais certamente é muito estreita e mal começa a captar a complexidade da existência humana. Um homem cujo apetite é seu guia não se libertou, mas ainda está escravizado. E o horizonte começa a ficar nebuloso quando esta concepção rasteira de liberdade é elevada como pedra de toque da política de saúde pública.
A desagregação da sociedade é o próximo capítulo desta tragédia. Nenhuma cultura que sanciona publicamente a auto-indulgência em seu mais alto grau pode sobreviver por muito tempo, pois, logo em seguida, um egoísmo radical toma forma e as limitações no comportamento pessoal são interpretadas como “violação” dos direitos fundamentais.
Sem dúvida, um novo grupo social é responsável por grande parte das mudanças sociais em curso. Alguém já cunhou, com acerto, seu nome: são os “sofisticados”. E os definiu: são pessoas ricas ou de classe média alta (como George Soros), urbanos (vivem nos grande centros decisórios mundiais), pensam à gauche, são pós-modernos, ainda que não saibam definir isso e, claro, ateus, como John Lennon, alçado ao posto de pai intelectual do sofisticismo.
Portam seu “blackberry” ou “iPhone”, compram café orgânico e neutralizam o carbono emitido, a fim de compensar o gel usado no cabelo e as viagens de avião nas férias. Consomem drogas por diversão e com moderação. Acham que o terrorismo islâmico é uma paranóia da direita e que a verdadeira ameaça está no ideário dos "fundamentalistas cristãos", que rejeitam o casamento gay, o poliamor, a legalização das drogas, do aborto e da eutanásia. Esperam, um dia, pelo fim da família “tradicional”, já que não conseguem revogá-la por decreto.
Saber divisar entre o fundamental e o trivial, entre as liberdades públicas e a chancela legal da satisfação irrestrita de umas extravagâncias ou entre o direito como justo e não como o legal, é justamente o que conserva as sociedades longe das fronteiras da barbárie, do estado imaginado por Hobbes.
Nossa sociedade, há tempos, tomou um perfil tecnicista. E, como se sabe, o tecnicismo, normalmente tentado pelo pragmatismo, é inimigo mortal da filosofia, que estuda as causas primeiras e as razões últimas. Por isso, o raciocínio pragmático em favor da legalização costuma ser bastante forte e acaba por ofuscar outras argumentações ponderadas e, a meu ver, acertadas.
Essa postura, que ao longo da história sempre cobrou seu preço social, tem sido a atitude de parte da opinião pública. E não admira que, perante o episódio da morte de um famoso cartunista brasileiro, a mesma parcela da imprensa tenha enfiado a cabeça no buraco, quando era essencial que a mostrasse ao público, juntamente com as contradições insolúveis da lógica pragmática que a ilumina. Um equívoco, pois, quem sempre esconde a cabeça, um dia, acaba por perdê-la. Tal como os usuários de entorpecentes.
André Gonçalves Fernandes é juiz de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Sumaré (agfernandes@tj.sp.gov.br)