346 - Cultura da dependência


ANDRÉ GONÇALVES FERNANDES - Juiz de Direito 


O grau de assistencialismo do Estado brasileiro está cada vez maior. A solução para frear tal tendência não será fácil, pois passa por uma mudança no processo decisório político. A continuar assim, logo degradará a ética do trabalho, a capacidade produtiva dos cidadãos e redundará numa legião de parasitas do dinheiro público, que passarão a ver o Estado como uma vaca gorda e pronta para ter ordenhado seu precioso (e caro) leite... 

O problema reside no fato de que o processo decisório político está impregnado por uma concepção excessivamente benevolente de Estado Social, no melhor estilo Robin Hood: tirar dos ricos para dar aos pobres. Ao contrário do que pensa a situação e mais a meia dúzia de socialistas que sobreviveu ao naufrágio das esquerdas mundiais e que, hoje, tateia, no escuro, por uma saída para seu labirinto ideológico em escombros, não há um estado natural de abundância. Campeia a escassez e, por isso, sabiamente, os economistas vivem dizendo por aí que “não existe almoço grátis”. 

O Estado tupiniquim gera despesas públicas em progressão geométrica e, na mesma proporção, mais impostos para  custeá-las. O cidadão, talvez, seduzido, no início, pelo canto da sereia de poder sugar a veia estatal sem dar a contrapartida em dinheiro, caiu em si ao perceber que, além de já estar pagando, o preço do bem-estar alheio é caro, porque as despesas sociais são mal dimensionadas por uma série de razões (por exemplo, maior expectativa de vida, possibilidade de tratamento de doenças degenerativas). 

Para a burocracia estatal que trabalha nos setores responsáveis pela concessão dos benefícios sociais, gastar o dinheiro alheio é mais fácil. Afinal, arrecadar é problema da Receita. Bem ao contrário do regime da iniciativa privada ou, mais prosaicamente, do regime de administração de qualquer orçamento familiar: quem gasta é também quem tem de ganhar. Aprende-se que os recursos têm que surgir em tempo, porque, do contrário, caminha-se para a bancarrota. Motivo pelo qual os empresários e as donas de casa sempre procuram conferir maior rigidez aos seus custos.

 

Causa-me a impressão de que o dinheiro público vira uma coisa meio vaga quando ingressa no erário. Perde sua materialidade e, como num passe de mágica, transforma-se em tabelas, gráficos e colunas de números nos relatórios publicados pela impressa oficial. Como resultado desta mortificante equação, o contribuinte começa a perceber que há uma relação de causa/efeito entre aquilo que o poder público oferece em benefícios sociais para os desvalidos e o que ele paga, em correspondência, sob a forma de tributos.

 

Para piorar, os beneficiários tomam a benesse estatal como, aparentemente, gratuita e, como não pensam em termos de custos, dificilmente lhe dão o devido valor, já que a ordenha fiscal foi feita no úbere alheio...

 

De fato, a pobreza de nosso povo salta aos olhos, assim como a falta de oportunidades, sem nenhuma culpa das vítimas. A cômoda aposta na distribuição de subvenções, ainda que com algum critério ou contrapartida, é empurrar o problema de fundo com a barriga. Concordo ser difícil a missão de distinguir a forma e aqueles que merecem ser ajudados. Todavia, só tributar pesadamente, extraindo do mais capaz ou do mais motivado para dar ao menos capacitado ou menos disposto, em regra, resulta em punir aqueles sem corrigir estes. Afinal, tomando por empréstimo as palavras do presidente, “nunca, neste país”, ninguém conseguiu enriquecer os pobres empobrecendo os ricos. 


André Gonçalves Fernandes
é juiz de direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Sumaré (agfernandes@tj.sp.gov.br).


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