357 - Menos Estado e mais cidadão


ANDRÉ GONÇALVES FERNANDES - Juiz de Direito


Preparando-me para a declaração do imposto de renda deste ano, diante dos números do imposto já recolhido na fonte pagadora, imaginei o montante que o Estado arrecada com tal espécie de tributo, descontada, é claro, a soma normalmente desviada. Depois, abri o jornal, li algumas matérias que tratavam de problemas básicos das grandes cidades e cotejei tais informações com aquele número que latejava na minha cabeça e cheguei a uma conclusão: o Estado brasileiro é uma caixa d’água cheia de ladrões, trincas e torneiras abertas. 

O desperdício, a corrupção demagógica, a total ausência de prioridades e metas, a inépcia gerencial e o pântano legislativo levam, inevitavelmente, a ineficiência geral dos gastos públicos que, em última análise, é sinônimo de ausência de serviços públicos. Considerando que tais serviços são (ou deveriam ser) a contrapartida pelos tributos pagos pelo cidadão, declarar e pagar o imposto de renda por aqui é um verdadeiro ato de desprendimento do dinheiro próprio, sobretudo para aqueles que sofrem de avareza... 

Um Estado como o nosso está fadado ao fracasso. Em primeiro lugar, porque não concretiza a verdadeira justiça social, uma de suas finalidades. Acaba enveredando para o assistencialismo barato, o que significa gerar uma classe de sanguessugas do dinheiro público e não de cidadãos livres que consigam vencer suas dificuldades de vida com o suor diário de um posto de trabalho ou de uma carteira na sala de aula, concretizado pelo zelo do Estado na busca de uma igualdade de oportunidades para todos. 

Em segundo lugar, porque a classe média – sempre chamada a pagar a conta das benesses governamentais, hoje, representada pela escandinava carga tributária de 40% do PIB – deixou que descarregar na piada a ineficácia estatal e meteu o pé no freio, esgotada dos resultados nulos, em termos de serviços públicos, de uma burocracia tida e havida como opressiva e incompetente. Não raro, passou a questionar publicamente a suposta necessidade de criação de um novo imposto ou de aumento de uma determinada alíquota. 

Em terceiro lugar, porque, no afã de querer resolver tudo por decreto (ou medida provisória, uma de nossas originalidades desnecessárias), o Estado começa a tomar ares de prepotência. Cada vez maior e sufocante, começa a legislar afoitamente, invadindo os direitos individuais, atropelando as garantias jurídicas e roubando a liberdade do setor privado. 

 A pretexto de combater a lavagem de dinheiro, a evasão de divisas para paraísos fiscais e a sonegação fiscal, retira-se a privacidade do cidadão e suprime-se qualquer defesa que ele possa ter contra o peso da burocracia a serviço da autoridade de plantão. Considerando que o Estado foi criado para servir o indivíduo e não o que hoje se vê, só mesmo um milagre para sair do estado (ou do Estado) a que chegamos... 

Por derradeiro, porque ninguém melhor que o cidadão, sozinho pelo voto ou associado em organizações não governamentais, para decidir o melhor para todos e cada um, competindo ao Estado apenas executá-lo. Eis uma boa tarefa para a burocracia estatal, que confunde intenções com resultados, pensando que identificar certos problemas é sinônimo da capacidade de resolvê-los. Ou que confunde os próprios interesses corporativos com os interesses “nacionais” ou “estratégicos” do Estado. 

Depois desta bravata particular contra o monstro estatal, volto à realidade da declaração de imposto de renda, na esperança de que, num futuro próximo, haja menos intervenção do Estado e mais atuação do cidadão. Só depende de nós mandar para os livros de história uma concepção de Estado que faz mais do que pode e não faz o que deve.


André Gonçalves Fernandes é juiz de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Sumaré (agfernandes@tj.sp.gov.br)


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