358 - Que Estado queremos?


ANDRÉ GONÇALVES FERNANDES - Juiz de Direito 


Acompanho o fascinante horário eleitoral. Dá para se divertir com as pérolas e as invencionices de alguns candidatos. Dá para chorar, diante do pouco risco de melhora na qualidade dos futuros congressistas (as propostas, no geral, são demasiadamente genéricas – vou melhorar isso e aquilo!). 

Dá, também, para ficar indignado com a postura de alguns candidatos, cujas idéias beiram a propaganda enganosa ou o ridículo. Lembro-me de um vice-presidente americano que dizia que, no Congresso Nacional, não escasseavam idiotas, mas boa parte da população era idiota e merecia ser bem representada. Espero que a assertiva não seja universalmente válida... 

Reconheço que a situação do partido do governo (e das esquerdas no todo), depois da desintegração do bloco soviético e da rejeição mundial das idéias socialistas, ficou muito embaraçosa. Sem alguma outra idéia respeitável para o gasto, o papel que lhe sobrou foi, desde 2002, seguir a cartilha ortodoxa que sempre combateu: economia de mercado, abertura econômica, estabilidade da moeda e reengenharia do Estado. Tudo na linha mundial de torná-lo mais eficiente e menos corrupto. 

Entretanto, desde 2002, o ajuste do Estado foi feito à custa de aumento de carga tributária e não de corte nas despesas correntes. Pensar que 40% do Produto Interno Bruto é canalizado para o custeio do monstro estatal, sem resolver os problemas sociais básicos (segurança com índice de homicídios típicos de uma guerra civil; saúde que beira “a perfeição”, segundo o presidente da República; educação que coloca nossos estudantes nas últimas colocações do ranking da UNESCO), leva-nos à conclusão de que o tamanho do Estado que temos é inviável. Paga-se caro por serviços ineficientes. Custos americanos e desempenho haitiano... 

Assim, quer pela nossa incapacidade de fazer o dever de casa com tanto dinheiro, quer porque o dinheiro não dá para tudo, é momento de racionalizar o Estado. Nem todas as ações estatais permitem uma análise de custo/benefício em termos quantitativos exatos, como numa empresa privada, onde as dúvidas são resolvidas nos balanços. A eficiência das Forças Armadas consiste em garantir a segurança interna. A Justiça tem um componente qualificativo incontornável, assim como a educação, a cultura, a saúde e outros. 

Não prego a total rediscussão do tamanho do Estado que queremos. Mas, sem dúvida, existem muitas tarefas que deveriam ser submetidas sob o ângulo da lógica da organização e da operação dos sistemas, já que o aparelho estatal não foi criado como um todo e submetido a estudos de viabilidade técnica. Suas atividades foram sendo acrescentadas segundo as conjunturas políticas de cada época histórica e, ao final, o Estado tornou-se uma coleção de partes desconexas. 

Todo o entulho acumulado e que, às vezes, é qualificado pelas mágicas palavras “estratégico” ou “social”, deve ser removido, para que o Estado cuide bem das tarefas essenciais: educação, saúde, justiça, forças armadas, diplomacia são alguns exemplos. O “entulho” será bem aceito pela iniciativa privada, cuja capacidade gerencial é constantemente testada e aprimorada pela livre concorrência, ou pelas organizações que se põem entre o Estado e o indivíduo. 

Este ano eleitoral é uma grande oportunidade para fazer uma faxina geral. Num país onde o governo ignora o número de funcionários que tem, cria cargos de confiança a níveis estratosféricos, distribui riqueza sem gerar mais ainda, investe em novos setores “estratégicos”, não se pode esperar que suas contas fechem com superávit. Resolve-se o rombo empurrando a conta goela abaixo do povo (leia-se: classe média). 

O governo não dá o respeito que dele se espera. A população é formada por pessoas inteligentes e não se reduz a um bando de cidadãos dóceis ao qual se ordena “pague e não reclame!”. Chega de custear o Estado com esparadrapos e cosméticos, que só fazem agravar a enfermidade que se quer curar.


André Gonçalves Fernandes
é juiz de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Sumaré (agfernandes@tj.sp.gov.br)


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