382 - O Código de Defesa do Consumidor fez 20 anos de aniversário, mas ainda falta muito para se poder comemorar para valer
LUIZ ANTONIO RIZZATTO NUNES - Desembargador
Uma boa notícia: O Código de Defesa do Consumidor (CDC) é uma das raras leis brasileiras que comemora aniversário. Todo ano em setembro (quando a Lei 8078 foi aprovada) e em março (quando ela entrou em vigor) os meios de comunicação abrem espaço para a comemoração; muitas entrevistas e matérias são publicas; as Associações de Defesa do Consumidor promovem encontros; as Faculdades de Direito realizam eventos, enfim, a data é sempre lembrada. E, isso é muito bom, porque mantém viva em nossas mentes a existência dessa lei tão importante para o exercício da cidadania no Brasil.
Na semana passada não foi diferente. O CDC fez aniversário de 20 anos e repetiu-se as comemorações, homenagens, matérias jornalísticas etc. Mas, veja leitor: trata-se já de uma lei antiga. Por isso, seria de se esperar que fosse cumprida por todos o tempo todo. Infelizmente, não é bem assim.
Com um início de vigência que, lembro-me bem, assustou empresários em geral, publicitários e banqueiros em especial, aos poucos o CDC foi se firmando e deixando de ser o bicho-papão de que o acusavam injustamente.
Ao que me consta, ninguém mais duvida da mudança ocasionada pela legislação consumerista na relação fornecedor-consumidor e que fez com que não só a qualidade da produção melhorasse como também da comercialização, com ofertas mais honestas, informações mais adequadas, atendimento melhor qualificado, enfim, a norma fez o mercado amadurecer.
Para ficarmos apenas com um exemplo: antes do CDC, a maior parte dos produtos não trazia estampada nas embalagens seu prazo de validade. Lembro-me bem que, eu fiquei espantado com o curto prazo de validade de alguns produtos. Até água em garrafa ou em copo plástico tem prazo de validade! Antes da Lei 8078/90, nós consumidores, muito provavelmente ingerimos toneladas de produtos vencidos e sorvemos milhares de litros de bebidas ultrapassadas. (Ocorre-me um fato tão terrível quanto peculiar: sou da época dos refrigerantes em garrafa -- apenas em garrafa -- e agora me vem a memória de quantas vezes, quando garoto, retirei a tampinha e com a mão limpei as marcas de ferrugem que estavam na boca da garrafa, antes de beber o refrigerante... Sabe-se lá das vezes que adoeci, quantas não estavam relacionadas com produtos e bebidas deteriorados)
Pois bem, o susto dos empresários passou. A lei teve, como tem, muito boa eficácia – ou, como se costuma dizer no Brasil, é “uma lei que pegou”. Porém, ao mesmo tempo em que os consumidores passaram a ficar mais escolados em matéria de consumo, os empresários também.
A partir do conhecimento obtido especialmente por alguns maus empresários do resultado da aplicação das sanções regradas na lei, acabou-se implantando no país, nesses últimos anos, uma série enorme de medidas e ações prejudiciais aos direitos dos consumidores. E, está sendo difícil brecar essas novas táticas fundadas em velhos hábitos.
Apontarei, na seqüência, alguns casos, mas não posso deixar de consignar o equívoco desses fornecedores em empreender seus negócios de forma enganosa, normalmente respaldados em programas de marketing estruturados para obter receita e lucro em detrimento do cumprimento das leis vigentes e fora do modelo instituído da boa-fé objetiva (atualmente, o alicerce de todo o ordenamento jurídico).
O bom fornecedor é ainda e sempre será aquele que desenvolve seu projeto de negócio, claro, visando o lucro, mas respeitando seus clientes.
Relembro aqui a história do vendedor de amendoins na praia: ele passa gritando e dando uma amostra de seu produto para os banhistas; caminha alguns metros repetindo esse gesto para depois voltar. Enquanto ele vai, os veranistas comem o amendoim recebido – e de graça! – e quando ele volta, quem gostou tem a oportunidade de comprar um pacotinho, momento em que o negócio é concretizado.
Desse simples modo de oferecer e vender o amendoim se pode extrair um dos melhores exemplos de como o empresário deve tratar o consumidor: em primeiro lugar o vendedor faz uma propaganda honesta, oferecendo de graça seu produto para que o consumidor experimente; depois ele somente vende para o consumidor que de fato quer comprar, uma vez que o produto foi previamente examinado, testado e aprovado.
Quanto ao consumidor que experimentou mas não comprou, ainda assim o negócio foi bem-feito. O custo do amendoim oferecido gratuitamente faz parte do custo total do negócio, porém funciona sempre como investimento, pois, até para aquele que não comprou fica a lembrança da boa imagem que o vendedor construiu, respeitando inclusive seu desinteresse em adquirir o produto. Por conta disso, esse consumidor torna-se um cliente em potencial, podendo adquirir o produto em outra oportunidade.
Lamentavelmente, nem todo empresário pauta sua conduta por modelos como o acima narrado. E, o pior é que são os maiores, os que podem causar danos em larga escala, os que mais têm violado os consumidores. Veja esses exemplos.
Alguns bancos lançam pequenos valores relativos a prêmio mensais de seguros que garantiriam os usuários contra, por exemplo, perda e roubo do cartão de crédito e dão como opção apenas que, se o cliente não quiser, deve ligar para cancelar o indevido lançamento, o que viola o direito do consumidor. Um banco com 1.000.000 de usuários cobrando apenas R$2,50 consegue faturar R$2.500.000,00 por mês! As grandes indústrias (quem diria?) têm se utilizado de um artifício malicioso, conhecido como maquiagem. Seus clientes consumem seus produtos há muitos anos e de repente, sem que eles percebam estão levando menos pelo mesmo preço. São os casos de embalagens de biscoitos que tinham 200 grs e passaram a ser vendidos com 180 grs; papel higiênico de rolo com 40 metros diminuído para 30; sabões em pó de embalagens de 1kg mudadas para 900 grs; sabonetes de 90 grs reduzidos para 85 grs e mais um longo etc.
A tática é essa: abusos com pequenos valores individuais multiplicados pelo número de clientes. O resultado da conta é fabuloso: os consumidores são lesados sem nem mesmo perceberem e a indústria aumenta sua receita em milhões de reais.
Esse processo, que sempre existiu e que, após a edição do CDC, se pensou que tenderia a diminuir, tem crescido vigorosamente. E pior: com as fórmulas sedutoras do marketing, muitas vezes os consumidores não descobrem que foram enganados e não percebem que foram lesados.
Eis, pois, uma amostra do desafio que, após os 20 anos da promulgação do CDC, se impõe: vencer a ganância dos empresários que não respeitam seus clientes.
Uma saída seria o incremento do número de ações coletivas. Este é o principal instrumento de proteção ao consumidor. Não se deve esquecer que o CDC, em larga medida, foi elaborado para proteger mais os direitos coletivos e difusos que os individuais. Equivocadamente, têm se dado ênfase nas ações individuais (o que se compreende pela tradição privatista do direito brasileiro), mas isso precisa mudar.
A ação coletiva pode por fim aos abusos praticados pelas grandes corporações, pois num único processo são resolvidos centenas ou milhares de casos iguais. Esse é um importante caminho para termos, nos próximos anos de vigência da Lei, um direito do consumidor mais sólido, respeitado e um mercado de consumo mais forte.
20/9/10