383 - Os DVDs e os abusos praticados contra o consumidor


LUIZ ANTONIO RIZZATTO NUNES - Desembargador


Quem aluga ou compra um filme em DVD, tem, evidentemente,  o direito de assistir ao filme em si e quantas vezes quiser. No entanto, os distribuidores, sub-repticiamente enfiam pela “goela” do consumidor seus anúncios (remunerados) e seus trailers.                 

Já na época do VHS, os distribuidores impingiam aos consumidores suas propagandas não solicitadas e seus trailers não queridos. Mas, naquele tempo era só colocar o vídeo para rodar e aguardar finalmente o filme chegar. O consumidor gastava poucos segundos com a operação. No passado, com o sistema de avanço no teclado esse abuso era quase imperceptível. 

Barreira Tecnológica

Mas, eis que chegou o DVD. Era para ser favorável ao consumidor: a facilidade de sintonizar o filme, as cenas, a qualidade da imagem e do som. Era! Mas, não é! Com a tecnologia, houve um incremento da forma de abuso. O que devia ser prático e de qualidade passou a ser um transtorno.  

No início, até que os distribuidores se comportaram bem. Passavam, como sempre, propagandas indesejadas e trailers não pedidos, mas, como ainda não havia tecnologia, o consumidor conseguia ir direto ao que interessava: o filme. Bastava apertar “menu” e ir adiante. Mas, nesta sociedade capitalista do lucro em primeiro e em último lugar e em que alguns empresários não estão preocupados com a qualidade de seus serviços, a alegria de consumidor dura pouco. O problema surgiu: os novos DVDs, com moderna tecnologia de ponta, impedem que o consumidor exerça seu direito de assistir diretamente ao filme pelo qual pagou: em alguns desses produtos há bloqueio para menu, de tal modo que, sem assistir ao material imposto não dá para ir ao que interessa.                  

Vou realçar este último ponto: o consumidor desembolsa dinheiro, seu rico e suado dinheiro, para alugar ou comprar um DVD e acaba sendo obrigado a ficar assistindo a propagandas e trailers. E, quando compra sofre indefinidamente, pois a idéia de quem compra é assistir ao filme muitas vezes e quando bem entender ou parar num dia e terminar no outro. Mas, toda vez que tenta ir até ele, é obrigado a enfrentar a abusiva barreira indesejada dos anúncios e trailers. Com o passar do tempo, inclusive, os próprios anúncios e trailers ficam velhos e perdem o sentido (o mesmo fenômeno de abuso se dá nos cinemas, com praticamente meia hora de anúncios e trailers; mas pelo menos no cinema estes são atuais...). 

Filmes infantis                   

Realço que, essa situação é particularmente grave quando se trata de filmes infantis. Os pais compram esse tipo de DVD porque as crianças assistem várias vezes. E, não é incomum que a criança assista um pouco de um filme, desista e passe ao próximo e repita a operação. Acontece que, toda vez que retorna a criança é obrigada a ficar assistindo propagandas e trailers. Abuso qualificado, pois.  

Direito de escolha                  

Antes de prosseguir, quero deixar consignado que esse sistema viola o sagrado direito de escolha do consumidor. É o consumidor quem tem o direito de escolher o que quer ver. Esses empresários não podem impor ao consumidor o que ele não pediu, especialmente porque o consumidor está pagando para assistir. Só seria aceitável esse tipo de imposição se os DVDs fossem amostra grátis. Fora isso, é abuso puro e simples. 

É verdade que, não são todos os distribuidores que estão fazendo isso, mas receio que a prática acabe se generalizando. 

Informação enganosa                  

E, por falar em abuso e DVD, não posso deixar de comentar outro tipo que são as informações enganosas estampadas nas caixinhas. Algumas são claramente falsas quando não ridículas.                  

No plano das ridículas coloco aquelas do auto-elogio e que dizem: “o melhor filme do ano”, “magnífico”, “estupendo”, “o filme mais engraçado que você já assistiu” etc. Dá até para dizer: “Hellôôô, não dá para perceber que os elogios são feitos pelo próprio produtor/distribuidor?”. É risível, mas pode iludir. 

Note, meu caro leitor, que as expressões acima são reais e eu mesmo as extrai aleatoriamente numa locadora. Há mais: ”Você nunca sentiu tanta emoção”; “Ria sem parar”; “As maiores gargalhadas de sua vida”. Essas últimas parecem ser perigosas para cardíacos...  

Há também aquelas que pretendem dar um ar de autenticidade à frase, fingindo que são confessionais. Veja: 1. “O filme mais emocionante da década” e abaixo consta algo como: “assinado-John alguma coisa, da Revista Film Review publicada em alguma cidadezinha no interior dos Estados Unidos”; 2. “Não perca tempo. Alugue agora e emocione-se” e abaixo algo como: “assinado-Antony qualquer coisa, do Jornal Dayli Something” etc. Nesses casos, o elogio está ligado a uma pessoa desconhecida, que supostamente escreveu num jornal ou revista inacessível. Boa essa! Será que alguém acredita? Parece que sim... 

Agora, há casos de pura mentira: filmes que anunciam atores famosos em letras garrafais, com foto e tudo, mas quando o consumidor vai assistir ao filme percebe que o ator faz uma pontinha de dois ou três minutos. Ou, então,  se trata do primeiro filme da carreira do ator, quando ele não era conhecido nem tinha expressão e trabalhou num filme fraquíssimo.   

Nem comentarei a hipótese dos distribuidores de  filmes como, por exemplo, os de Woody Allen (que não é Diretor das grandes massas), que escondem o nome do Diretor, tentando empurrar o DVD apenas pelo nome do ator conhecido (há vários atores famosos trabalhando com ele). O interessante nesse exemplo é que, na prática, não há delito porque o caso é, digamos assim, de informação enganosa “a favor” do consumidor, pois dá uma chance a ele de assistir filme de primeira qualidade (como são os de Woody Allen), mesmo que alugando ou comprando apenas porque um conhecido ator aparece no capa!      

A honestidade vingará?

Nesse mercado capitalista que não conhece valores, mas apenas preços, como diria Octávio Paz, será que algum dia teremos honestidade por parte dos produtores/distribuidores?               

Será que um dia, caro leitor, você chegará à vídeo-locadora, examinará as caixinhas de filmes e lerá: 

 “Tente! Talvez você se divirta” 

“Fizemos de todo possível para o filme ser emocionante” 

“Há quem ria. Há quem não ria. Depende do humor de cada um” 

“Os atores são conhecidos e bons, o Diretor excelente, a produção de primeira. Esperamos que  você goste”. 

“A produção é caríssima. Leve para casa, por favor” 

“Nem melhor nem pior que os outros. Mas, o que você tem mesmo para fazer hoje?”

27/9/10


O Tribunal de Justiça de São Paulo utiliza cookies, armazenados apenas em caráter temporário, a fim de obter estatísticas para aprimorar a experiência do usuário. A navegação no portal implica concordância com esse procedimento, em linha com a Política de Privacidade e Proteção de Dados Pessoais do TJSP