385 - Dia das crianças – algumas horas para pensar no futuro delas


LUIZ ANTONIO RIZZATTO NUNES - Desembargador 


Nesta semana se comemora o dia das crianças. A essa altura, quem podia comprar já comprou os presentes para serem entregues, como manda o calendário comercial-capitalista da ocasião. Quero, então, aproveitar a data para propor uma reflexão sobre o tema.                        

Nós, adultos,  em matéria de consumo estamos praticamente perdidos nesta sociedade capitalista que tudo produz – e qualquer coisa produz... – e que tudo vende, amparada, sustentada e auxiliada pelo marketing moderno com suas técnicas de ilusão e controle.  Para o adulto, o horizonte possível de liberdade desse enredo de terror que nos obriga a consumir, consumir e consumir é o da tomada de consciência do processo histórico, que se instituiu a partir das chamadas revoluções burguesa e industrial e que vem sendo vendida como um projeto de liberdade.  Falsa liberdade, na medida em que quase todo seu exercício se resume a adquirir produtos e serviços cuja escolha é limitada àquilo que é decidido unilateralmente pelos fornecedores. 

Vamos, pois, alguns de nós adultos, lutando contra o poder opressivo do mercado e outros nem se dando conta desse aprisionamento. Muito bem. Pergunto: é esse o futuro que desejamos para nossas crianças? É esse tipo de sociedade que queremos manter para que elas vivam quando crescerem? Uma sociedade em que os indivíduos se medem pelo que possuem, pelo poder de compra, pelo que podem ter e não por aquilo que são?  

Claro que nem toda culpa é do mercado, mas com certeza o modelo que faz com que o cidadão se aliene nas compras e acredite na publicidade, o atordoa de tal modo que ele, jogado à própria individualidade, não sabe como agir. Vendo tevê, por exemplo, assiste-se ao mundo perfeito dos anúncios publicitários: o de bancos mostrando seus gerentes sempre sorrindo  e oferecendo vantagens a seus clientes, enquanto na realidade os clientes são enganados a torto e a direito, assinando contratos com cláusulas abusivas, recebendo cobranças de taxas absurdas, sendo obrigados a aderirem a operações casadas ilegais etc. Há, também, a propaganda de veículos maravilhosos, que nunca quebram; de telefones celulares mágicos; de serviços telefônicos excelentes etc; enfim um longo desfile de produtos e serviços muito diferentes do real. Há, pois, dois mundos: o da publicidade e o dos fatos. 

É incumbência dos adultos conseguir fazer a leitura de tudo o que lhe é dirigido, para tentar desvendar as enganações e discernir sobre o que é válido e verdadeiro. Mas, refaço a pergunta: e nossas crianças, como estão posicionadas nesta sociedade capitalista? Como é que elas recebem o espetacular assédio do marketing e suas armas? 

Já tive oportunidade de comentar que tramita há muito tempo no Congresso Nacional, projeto de lei que pretende proibir ou ao menos limitar a publicidade de produtos e serviços dirigida às crianças e que recebeu substitutivos proibindo a publicidade e outras formas de comunicação mercadológica  (até 12 anos incompletos), controlando e limitando àquelas dirigidas aos adolescentes (de 12 até 18 anos) ou alterando em parte as normas relativas sobre o assunto que estão no Código de Defesa do Consumidor (art. 37). 

Certamente, a limitação ou o fim da publicidade de  produtos e serviços dirigida às crianças e adolescentes seria recebido como uma dádiva pelos milhões de mães e pais que lutam duramente para a mantença de suas famílias e sofrem com o assédio dessas ofertas (Seria um belo trunfo político, não?). Mas enquanto isso não vem (se é que virá) cabe aos pais o dever de vigilância.  

É verdade que, muitos desses pais já foram absorvidos por todas as formas de consumo e, inclusive, se utilizam do próprio mercado para controlarem seus filhos, o que é uma pena. Não que seja fácil. Ainda que, por exemplo, os pais tenham o costume de limitar a exposição de seus filhos à tevê, basta um pouco para a percepção do ataque (uma verdadeira guerra de anúncios invade a sala ou o quarto em poucos minutos!). E, se o filho tem seu tempo limitado de uso da internet, é suficiente também apenas alguns minutos para a explosão de ofertas.  

E, se não bastasse isso, há toda a sedução do merchandising feito em programas de tevê, filmes de cinema, vídeo e até teatro infantil nacional ou importado, o apelo dos colegas de escola, dos parentes, das lojas nos shopping-centers, pois afinal se vive na cidade entre as demais pessoas, o contato é inevitável e não há mesmo nada de errado em freqüentar shoppings, cinemas, teatros, viajar, assistir tevê etc. Não é mesmo fácil. Mas, é lição de casa que precisa ser feita. 

Cabe aos pais e somente a eles decidir o que comprar para seus filhos. É preciso explicar aos menores a  desnecessidade da aquisição da maior parte das bugigangas que são oferecidas; é salutar que se explique aos filhos o que realmente importa, o que de fato tem valor permanente. Tem-se que mostrar para  as crianças, com os próprios exemplos vividos por elas, a inutilidade da maior parte de seus produtos.  

É comum que as crianças que recebam muitos brinquedos, logo se desinteressem da maior parte deles. Pode ser um bom precedente para mostrar a desimportância de ter muitas coisas ao mesmo tempo. E, evidentemente, cabe aos pais dizer não. A criança pode até se frustrar, mas será por algo válido, uma boa experiência que ela levará consigo, pois na vida adulta ela perceberá que a frustração é um elemento comum no jogo social. 

Os pais são, pois, os primeiros responsáveis por alertar seus filhos contra o assédio feito pelo marketing infantil hoje tão sofisticado e difundido.  Cabe a eles, desde logo, ensinar aos filhos como se deve decidir para comprar produtos e serviços. Qual deve ser a função do produto, seja ele um brinquedo ou uma roupa. Que se deve comprá-los sem exagero.  As crianças, se pudessem, agradeceriam as lições.  

Com ou sem publicidade, veja-se um exemplo esdrúxulo: Atualmente, algumas lojas vendem sapatos com salto alto para meninas de seis, cinco anos ou menos. Algo que devia literalmente ser proibido, não só porque faz mal (como toda mulher adulta sabe) como porque cria uma imagem adulta na criança, algo ridículo de se ver. Mas, quem compra o tal sapato? É um adulto. Daí que, repito, os pais devem estar vigilantes e, pelo menos, por amor a seus filhos devem mais dizer não do que sim. 

Para terminar, quero mais uma vez indicar, para quem tiver interesse, o site de uma associação que faz um ótimo trabalho na defesa dos direitos das crianças consumidoras. Chama-se Instituto Alana: www.alana.org.br. Visite que vale a pena.


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