387 - Halloween: o controle e a alienação dos consumidores


LUIZ ANTONIO RIZZATTO NUNES - Desembargador


Volto a tratar deste assunto pela importância que ele tem não por sua existência no Brasil, mas porque demonstra os modos de controle que o mercado exerce sobre os consumidores em geral e a dificuldade que existe para a tomada de consciência da possibilidade de libertação das amarras tão bem engendradas pelo capitalismo contemporâneo. Pois bem. Vem aí mais um dia das bruxas. Ao que parece, já é parte do calendário comercial e, o pior de tudo, é que muitas escolas aderiram!                     

Halloween no Brasil? São as “bruxas e bruxos” do marketing, que sempre inventam alguma coisa para faturar e, no caso, uma gorda receita, vendendo bugigangas, doces e mais porcarias para nossas crianças.   

É verdade que, algumas escolas, não conseguindo fugir do evento que o mercado impôs, estão começando a fazer atividades didáticas e lúdicas, sem o emporcalhamento de doces e guloseimas oferecidos em grandes quantidades e sem nenhuma função de educação ou saúde. Mas, é pouco, pois, infelizmente, tudo indica que o tal dia das bruxas, famoso nos Estados Unidos, se instalou entre nós, alegre (ou macabro) e impunemente.   

Tive oportunidade de mostrar que Ignácio Ramonet, no livro Guerras do Século XXI (Petrópolis:Vozes,2003), diz que o novo sistema de controle dos grandes países poderosos não é mais o de territórios, mas o de mercados. Aliás, são as grandes corporações que controlam as forças internas desses países desenvolvidos pela via do mercado, de modo elas e esses países visam por esse meio (o do mercado) o controle dos mercados (e das sociedades)  do mundo inteiro.  

Essa forma de domínio, no final do século XX e início do XXI passou a se imiscuir em praticamente todas as atividades humanas. Certos campos, que sempre estiveram mais ou menos imunes em relação a seus métodos, acabaram sendo incorporados e agora fazem parte não só do próprio mercado como passaram a funcionar utilizando o mesmo instrumental. Veja-se, por exemplo, uma área tradicionalmente imune como a do esporte.  

Atualmente, nessa área tanto na profissional como na chamada “amadora” utiliza-se o mesmo modo de produção em massa e homogeinizado, com as mesmas táticas de marketing e publicidade, os mesmo processos financeiros etc. Os jogadores de futebol, atualmente, são produzidos em série nas escolas de futebol; esses jogadores tem preço cotado no mercado futebolístico com lances típicos de mercado financeiro desde a mais tenra idade etc.  

O esporte amador foi incorporado pelas grandes empresas. Nas camisas dos jogadores de  vôlei é possível ver estampada a marca de produtos. É o jogo do Banco BB contra a Fabrica de produtos alimentícios N. Nas arquibancadas, o público previamente preparado com camisetas coloridas da cor do banco e da indústria pula e torce. Serão eles torcedores, consumidores ou operários? 

Por que digo tudo isso? Para que possamos entender ao menos um pouco, nesse pequeno espaço, a questão do Halloween  no Brasil. 

O que, afinal de contas, as crianças brasileiras têm a ver com essa festa pagã? Nada. Trata-se de uma importação sem qualquer fundamento ou justificativa local. É apenas algo que o mercado deseja. Para se ter uma idéia do que está em jogo, nos Estados Unidos, a festa do terror, das bruxas e dos fantasmas já se tornou o segundo maior momento de faturamento do mercado, perdendo apenas para o Natal.              

Lembro que há três anos atrás, no fim de outubro, estava na casa de amigos, quando bateram à porta  crianças fantasiadas de bruxas, caveiras, duendes e o que o valha. A porta foi aberta e eles disseram: “travessuras ou gostosuras”.  E lá foi meu amigo entregar saquinhos que tinha previamente preparado com doces, balas e chocolates. E depois daquelas crianças vieram muitas outras. Uma grande bobagem.   

Se ainda existisse algum significado simbólico ou ritualístico na festa, vá lá. Mas, nem as crianças-vítimas ou seus pais sabem do que se trata. É apenas um momento de gasto inútil de dinheiro em fantasias, doces e gorduras, contribuindo para cáries e a obesidade infantil. Afora o fato de que, as crianças saem sozinhas batendo na casa de desconhecidos e podem ingerir doces de origem duvidosa. (Torço para que nenhuma criança entenda o significado do que fala e, quando não ganhar doces não resolva cumprir a promessa de fazer, de fato, travessuras na casa de desconhecidos, pois o resultado pode ser catastrófico). 

Cada vez mais a cultura (e a sociedade brasileira) vai cedendo espaço àquilo que não nos pertence. Aos poucos e continuamente, vamos preenchendo nossos espaços com tradições de outros povos e que, nesse caso, sequer é algo relevante, pois se trata de uma evidente imposição do mercado que, como já disse, só pensa em faturar, nem que para isso deva inventar arranjos obscuros como esses. É o domínio dos grandes conglomerados e poderosos países capitalistas, como mostrou Ignácio Ramonet. Como é que isso acontece? 

O processo é lento, mas constante. Aqueles que atuam no mercado são espertos o suficiente para entender um pouco a alma do consumidor e acabam descobrindo a necessidade de preencher os espaços existentes no lar, no convívio doméstico, na relação entre pais e filhos. Daí, na presente hipótese, oferecem, com essa  estranha “comemoração” de horror,  mais uma boa desculpa de ocupação desse tempo, que fica, como quase sempre intermediado pelo dinheiro gasto.  

É. Parece inexorável. Nós consumidores brasileiros, catequizados, como macacos imitadores, não conseguimos sair dessa condição. É o consumismo enlatado e alienante, esteja ou não de acordo com nossas tradições e nossas leis. 

25/10/10


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