389 - Novas ferramentas para a superação da crise empresarial Argentina e Brasil
SANDRO LUCIO BARBOSA PITASSI - Juiz de Direito
Resumo: Será objeto de análise as questões relativas às ferramentas capazes de promover uma reestruturação das empresas, proporcionando o retorno da saúde financeira das mesmas, superando-se a crise empresarial, traçando-se paralelos entre o Direito Argentino e o Brasileiro, ressaltando-se as respectivas legislações acerca da matéria. [1]
Palavras-chave: recuperação da empresa, instrumentos, Argentina e Brasil.
1. Introdução
Na análise das novas ferramentas para a superação da crise empresarial, pode-se afirmar que surjam como protagonistas da mencionada crise, de forma panorâmica, o desfinanciamento e o endividamento das empresas.
Sabe-se que o endividamento pode ser chamado de ativo ou voluntário, passivo ou involuntário, acrescentando-se as decisões de terceiro, as próprias políticas econômicas estatais (aspecto objeto da macroeconomia) a situação internacional, a taxa de juros, o risco do país, a balança de pagamentos, sem falar nos tratados de cooperação econômica.
No que se refere à crise patrimonial, aparece como principal causa o consumo desmedido, chegando-se a indagar, por outro lado, se seria legítimo recorrer-se ao crédito de forma permanente, entendendo-se pela resposta positiva, desde que permaneça sustentado o crescimento, caso contrário será irrazoável tal prática.
Ligada à questão da crise empresarial, consoante já ressaltado, a taxa de risco do país ganha considerável destaque, visto que, conforme a qualificação do país a taxa de juros será maior ou menor.
Frisa-se que dentro da ótica da recuperação das empresas, observa-se tendência mundial pela busca de soluções de cunho preventivo, ao invés da decretação da quebra, notas observadas, repita-se, na ordem mundial.
Sabe-se que anteriormente não se vislumbrava tanta preocupação com a questão da recuperação de empresas em estado crítico, entendendo-se como ato de falência a própria tentativa do devedor para renegociar seus débitos, o que gerava certa inibição na busca dos credores, a fim de que se materializasse um plano de recuperação.
Tal fenômeno se alterou não só no Direito Brasileiro, com o advento da nova Lei de Falências, mas, igualmente na Argentina, pondo-se como eixo norteador a própria salvação da empresa, o que implica na ampliação e surgimento de novas alternativas com o intuito de se preservar a empresa.
Tal mudança comportamental de ordem legislativa, resulta da constatação da importante função exercida pelas empresas, intimamente ligadas ao desenvolvimento sócio-econômico de um país, o que reclama busca de mecanismos que possibilitem sua recuperação judicial e extrajudicial, trazendo-se soluções eficazes e céleres aos problemas, sem falar na questão das crises abruptas, fatos que se repetem no cenário da nova ordem econômica mundial, decorrência da própria globalização e da impossibilidade de se viver isoladamente.
A empresa que enfrenta quadro de crise precisa reencontrar seu equilíbrio financeiro, o que exige a própria renegociação de seus débitos junto aos credores, isto numa fase extrajudicial, colocando-se, por exemplo, o aumento do prazo para cumprimento da obrigação ou a própria redução do débito, figurando o acordo extrajudicial como recurso importante no estudo do tema.
O que se coloca como fundamental no instituto da recuperação da empresa, é a ótica de sua viabilidade econômico-financeira, superando-se a crise, com manutenção de uma fonte produtora, além do emprego dos trabalhadores e dos próprios interesses dos credores, sendo nítido o fato de que a preservação da empresa acabará por se traduzir em verdadeira função social e estímulo à atividade econômica.
No Brasil com o advento da Lei n. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005, revogando-se a legislação falimentar prevista no Decreto-Lei n. 7661, de 21 de junho de 1945, criou-se a recuperação judicial, a extrajudicial, além da falência do empresário e da sociedade empresária, salientando-se que no presente estudo se dará destaque a recuperação judicial, que apareceu em substituição à concordata preventiva.
A nova Lei de Falências brasileira tem como alvo a preservação da empresa, pois, conforme anteriormente registrado, esta figura como matriz geradora de empregos e de arrecadação de tributos, buscando-se sua recuperação diante de uma crise econômico-financeira.
Contudo, dentro do sistema jurídico brasileiro não pode ser ignorada, para o deferimento da recuperação judicial, a própria viabilidade econômico-financeira da empresa.
Aquela idéia de que o Direito Falimentar resolveria os problemas econômicos merece ser revisitada, diante do próprio efeito econômico globalizador que repercute no Direito Concursal.
Sendo assim, novos princípios foram incorporados nas legislações dos diversos países, colocando-se como pontos comuns a eleição de um novo bem jurídico tutelado, ou seja, deve-se salvar a empresa, além de um novo pressuposto material que implica numa antecipação da insolvência, sem falar na própria relativização da par conditio creditorum .
Deve-se em suma, salvar a empresa e tratar de que continue sobrevivendo, deixando de lado aquela idéia de que os bens deveriam ser liquidados para retornarem ao mercado e serem usados por outros.
O melhor é que a empresa siga produzindo, já que é uma organização de bens e serviços, evitando-se a quebra.
O quanto antes se deve corrigir aquelas defasagens, a fim de que a empresa apresente concretas possibilidades de continuação.
2. Novas ferramentas para superação da crise empresarial no Direito argentino
Na Argentina, a matéria é regulada pela Lei n. 24522 de Concursos e Quebras, sancionada em 20 de julho de 1995 e promulgada em 07 de agosto de 1995, sendo parcialmente modificada pelas leis 24760 e seu artigo 7º, 25113 e seu artigo 8º, 25563, 25589, 25640 e 26086.
O que importa, em última análise, é o objetivo de se salvar a empresa, a qual é um bem em si mesmo, salvando-se tal fonte de trabalho e de produção, até mesmo pela própria constatação do fracasso do sistema liquidatório, baseado no mero intuito de se salvar os bens, devendo a quebra se colocar como exceção.
A Lei Argentina estipula um prazo para o acordo, frisando-se que, anteriormente a 1995, caso fosse ultrapassado tal prazo, ocorreria a quebra, terminando-se na liquidação.
Atualmente se permite a vinda de um terceiro a fim de que os credores acordem acerca da venda da empresa, permitindo-se a salvação de certos tipos societários (sociedade anônima e ltda).
O artigo 48 da lei traz a previsão de que o Juiz possa impor a venda de ações, transferindo-se para aquele que logrou êxito na celebração de acordo com os credores.
Uma das formas de se salvar a empresa é exatamente o acordo, convocando-se todos , acrescentando-se que a oferta feita aos credores poderá ser diferenciada.
Aquele princípio par conditio creditorum, que assegura igualdade de tratamento entre os credores que se encontram nas mesmas condições, atualmente foi relativizado.
O Síndico realizará um estudo, a fim de avaliar o que se apresenta como melhor alternativa, a liquidação ou o pagamento, por exemplo, de 50%, até porque a aprovação do acordo é instrumento melhor do que a liquidação, podendo o Juiz impor a proposta, caso ocorra oposição de um credor.
Registra-se que nos Estados Unidos da América se privilegia a idéia de que os credores se organizem e cuidem do patrimônio, sem falar no traço de se tirar a questão do âmbito judicial.
Tratando-se a questão da antecipação da insolvência, sabe-se que esta se caracteriza pela impossibilidade de se pagar com meios próprios as obrigações que se vencem, trazendo-se a idéia de se antecipar tal situação.
Na Argentina apresenta-se o acordo preventivo extrajudicial, o qual constitui uma faculdade dada aquele empresário que se encontra em condições desfavoráveis de convocar privadamente seus credores, oferecendo-lhes um acordo.
O Juiz sobrestará as execuções e dará um prazo para que se complete 66% dos créditos, logrando-se êxito na obtenção de um acordo preventivo, relembrando-se que o Juiz poderá impor o acordo aos credores remanescentes, caso verifique a ausência de razões pra oposição.
Dessa forma se evita o concurso preventivo, o qual é lento e apresenta maiores problemas, todavia, neste há suspensão de juros, o que não ocorre no caso do acordo preventivo extrajudicial.
Ao se analisar a questão da categorização dos credores, tem-se na Argentina a possibilidade de existência de um menu de acordos, ou seja, um para cada categoria, sendo que o credor tomará em cada categoria a proposta que lhe convenha.
Quando se observam os efeitos pertinentes à celebração do acordo e seus efeitos, podem ser apresentados três caminhos, ou melhor, o da aprovação do acordo, o da eliminação do credor dissidente por consignação do importe do dividendo concursal (solução adotada no Chile) ou o da imposição do acordo à minoria, como se passa na Argentina.
Salienta-se que o conceito de cessação de pagamento traduz um estado do patrimônio, o qual não permite o cumprimento das obrigações certas, líquidas e exigíveis, não surgindo obviamente de um dia para o outro, trazendo aspectos de generalidade que permanecem.
Para superação de tal estado se buscará uma solução de cunho preventivo ou de liquidação, esta consistente na quebra, bases não só do processo falimentar argentino, mas dos principais sistemas mundiais.
Processo concursal, portanto, abrange o concurso preventivo e o de quebra.
Constitui o concurso preventivo um processo judicial, onde se dá o cumprimento de certas formalidades e a apresentação perante o Juiz competente, para que seja designado um síndico, identificando-se os créditos e averiguando-se a legitimidade dos mesmos, permitindo-se a apresentação de proposta para pagamento, além da exigência da manifestação da maioria dos credores concordando.
O Juiz homologará o acordo e, no caso de não cumprimento, ocorrerá a quebra, sistema liquidatório, instância mais grave.
O acordo preventivo extrajudicial consiste na formulação de acordo pela maioria dos credores qualificados, inexistindo verificação dos créditos nem a figura do síndico, sendo de custo menor, ocorrendo a homologação pelo Juiz, caso não ocorra alegação de nulidade, abarcando não só os credores participantes, mas igualmente os credores dissidentes e os ausentes, ressaltando-se que no direito brasileiro se exige a unanimidade dos credores.
Apresenta como inconveniente o acordo preventivo extrajudicial exatamente a possibilidade do credor, sem ter ciência do mesmo, ser obrigado a aceitar uma diminuição de seu crédito.
Trouxe a lei argentina a novidade consistente no concurso do agrupamento econômico, no qual um conjunto de pessoas físicas ou jurídicas, sendo obrigatória a pluralidade, poderá apresentar o concurso do agrupamento econômico, bastando que apenas um dos integrantes esteja em situação de cessação de pagamentos, o que revela injustiça, já que prejudica aquele credor de um dos membros que não esteja na referida situação.
Outro sistema que se apresenta dentro da questão da recuperação da empresa é o do concurso do garante ou do fiador, até porque mesmo que o devedor principal esteja em situação de cessação de pagamento, seu concurso preventivo não beneficia o fiador ou garante, não se transmitindo os respectivos benefícios, ou seja, se o devedor deve 100 e apresenta proposta de pagamento de 50, passando a dever tal quantia, tal novação não se estenderá ao fiador, o qual continuará devedor de 100, aspecto que diferencia o direito concursal argentino do âmbito civil.
A solução legal é a de se permitir que o fiador apresente a situação de cessação de pagamento, mesmo não se encontrando em tal quadro, o que dá maior proteção ao crédito.
No âmbito do concurso preventivo, surge a figura da liquidação administrativa, pois, por exemplo, os bancos e companhias de seguro estão impossibilitados de se apresentar em concurso preventivo, até porque em que pese a possibilidade de quebra, tal fato não será manejado sob as luzes da lei de quebra de forma integral, mesclando-se com as leis dos órgãos controladores, aplicando-se a lei de quebra de forma subsidiária, pois deve-se garantir os depósitos e a fé pública da moeda, lembrando-se que na ordem dos privilégios ocupa o topo o Banco Central, sendo que os detentores dos depósitos acabam recebendo quantia inferior àquela depositada.
Como sujeitos concursais poderão figurar todas as pessoas jurídicas em caráter privado, incluindo-se as sociedades de economia mista, o patrimônio do de cujus, o nascituro e o incapaz, colocando-se discussão no que se refere aos condomínios.
Três princípios regem o concurso, traduzidos na universalidade do patrimônio, na coletividade do processo e na igualdade dos credores que se encontram em idêntica situação, recebendo o mesmo tratamento, organizando-se os credores em categorias.
Ocorrerá a apresentação de um plano, sendo que poderá ocorrer o pagamento de várias maneiras, seja através da entrega de uma mercadoria ou da formação de uma sociedade, ocorrendo, de qualquer forma, a aprovação da maioria dos credores.
Por ser universal, como ocorre na sucessão hereditária, abarca a totalidade dos bens que formam o patrimônio, apenas não respondendo com bens absolutamente impenhoráveis, bem como com o percentual de 20% do salário, além do bem de família, das ferramentas para o exercício dos ofícios e os sepulcros.
Coletividade implica na impossibilidade do ajuizamento de novas ações, ressalvados os créditos laborais e as garantias legais como, por exemplo, a hipoteca e a anticrese, havendo uma renúncia obrigatória das ações individuais.
Estas são em linhas gerais as considerações acerca das ferramentas atuais para a superação da crise empresarial na ótica do direito argentino, chamando-se atenção para a nova filosofia, verdadeira tendência mundial onde o que se apresenta como alvo principal é a idéia de se salvar a empresa, por se traduzir esta em fonte de trabalho e de produção, protagonista de verdadeira função social.
3. Novas ferramentas para a superação da crise empresarial no Direito brasileiro
Com a introdução da Lei n. 11101 de 09 de fevereiro de 2005, houve a regulamentação da recuperação judicial, extrajudicial e da falência do empresário e da sociedade empresária.
Ao tratar do novo direito falimentar que se consolidou com a Lei acima referida, destacou Gustavo Bregalda Neves:
São duas as finalidades precípuas da nova lei: sanear o mercado, vindo estabelecer regras para retirar de circulação empresas insolventes, ou seja, aquelas que influenciam em todo o sistema mercantil, como o aumento dos juros bancários em razão da insegurança criada por estas, além de recuperar a empresa, já que algumas empresas, ainda que passem por um momento de turbulência financeira, têm condição de continuar a desenvolver a sua atividade econômica. Isto porque, para o Estado, a retirada de empresas de circulação atinge em cheio a sociedade, pois é esta que gera empregos, paga impostos e coloca em circulação bens e serviços essenciais ou não à coletividade [1].
Enfrentando as questões que levaram à mudança legislativa na matéria, discorre Paulo Roberto Colombo Arnoldi:
Como decorrência natural o modelo procedimental de liquidação do ativo para pagamento do passivo, com encerramento das atividades, vigentes com o Decreto-Lei 7661/45, ocorriam sérios problemas de ordem social como: a)desemprego; b) perda de renda e c) queda na arrecadação de tributos e do produto interno bruto (PIB). Frente a este quadro, amplamente desfavorável, esgotou-se o sistema de insolvências anterior, o que necessitou reformas em sua estrutura jurídica [2].
A antiga legislação acerca da matéria focava seu modelo procedimental na liquidação do ativo e conseqüente pagamento do passivo, encerrando-se as atividades produtivas, o que repercutia negativamente na ordem social, gerando o próprio esgotamento do sistema de insolvência existente.
Seguindo tendência mundial, novos mecanismos foram introduzidos, consistentes nos institutos da recuperação judicial e extrajudicial de empresas, substituindo-se a concordata, lançando suas luzes sobre as implicações econômicas do fenômeno, trazendo soluções mais céleres e eficientes, até porque o objetivo final não é o da declaração da inviabilidade da empresa como fonte de trabalho e de produção, mas exatamente o da manutenção de tal unidade econômica, possibilitando a continuidade da mesma e o comprometimento com sua função social.
Como princípios basilares da Lei n. 11101/2005, pode-se enumerar os seguintes:
a)- Preservação da empresa, verdadeira fonte de riqueza, emprego e renda;
b)- Distinção entre a figura da empresa e do empresário;
c)- Recuperar aquelas sociedades e empresários que apresentem viabilidade para tanto, devendo o Estado propiciar as respectivas condições, afastando do mercado aqueles que se mostrem inviáveis para tanto;
d)- Privilegiar a segurança jurídica;
e)- Proteger os trabalhadores, através do estabelecimento da preferência destes no recebimento de seus créditos, seja em sede de falência ou de recuperação;
f)- Classificar-se os créditos com a observância das garantias;
g)- Celeridade processual;
h)- Participação ativa dos credores;
i)- Possibilitar o acesso ao procedimento das empresas de pequeno porte e microempresas;
j)- Obter-se o máximo de valor dos ativos;
k)- Repressão severa nos crimes afetos à falência e recuperação judicial.
Estes são basicamente os princípios vetores da nova sistemática da matéria, passando-se a tratar, a seguir, de forma panorâmica, acerca dos respectivos institutos.
3.1. Recuperação Judicial
Tal instituto visa a superação da crise econômico-financeira do devedor, mantendo-se a empresa, sua função social e o próprio estimulo da atividade econômica.
Seus objetivos consistem na própria reorganização da empresa em crise, incentivando a negociação entre devedor e credores, abarcando o maior número possível de credores e empregados, regulando-se, por outro lado, a convolação da recuperação em falência, alem da fixação de mecanismos ligados à alteração do plano e o estabelecimento de limites da apreciação judicial acerca da execução do plano.
Basicamente seu escopo maior é o da superação do quadro de crise.
O respectivo plano deverá ser apresentado pelo devedor em juízo no prazo improrrogável de sessenta dias a partir da publicação da decisão que deferiu o processamento da recuperação judicial, sob pena de convolação em falência, trazendo o detalhamento da situação econômico-financeira do devedor, além dos respectivos meios de recuperação a serem adotados, detalhando-se prazos e formas de pagamento aos credores, sendo fundamental a indicação da viabilidade econômica, acostando-se, por outro lado, laudo pertinente a tal aspecto além da avaliação dos bens e artigos do devedor.
Uma crítica que se levanta é exatamente a de que para aquele que se encontra em delicada situação, afigura-se delicado lograr êxito na reunião em único plano de soluções que correspondam aos interesses de diversos credores.
Qualquer credor poderá manifestar ao Juiz eventual objeção ao plano no prazo de trinta dias da data da publicação da relação de credores apresentada pelo administrador judicial, sendo que, neste caso, o Juiz determinará a convocação de Assembléia Geral para deliberação, podendo o plano sofrer alterações nesta, desde que ocorra a concordância do devedor e não sejam sacrificados os direitos de forma exclusiva dos credores ausentes.
Caso ocorra rejeição do plano de recuperação judicial, poderão os credores apresentarem plano alternativo e, uma vez rejeitado este pela Assembléia, deverá o julgador decretar a falência do devedor.
Acerca dos meios de recuperação judicial tratou o artigo 50 da Lei de elencar formas de recuperação, tratando-se de rol não taxativo, exemplificando-se a possibilidade de concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou vincendas, cisão e incorporação, fusão ou transformação de sociedade, alteração do controle societário, aumento de capital social, redução salarial, dação em pagamento, usufruto da empresa, administração compartilhada, etc.
Elenca a Lei nos artigos 73 e 74, os casos nos quais o Juiz poderá convolar o plano de recuperação, uma vez que se mostre inviável, em falência, isto durante o processo de recuperação judicial, tais como na hipótese de deliberação da Assembléia Geral dos credores, da não apresentação pelo devedor do plano de recuperação no prazo de sessenta dias da decisão que deferiu o processamento do pedido, além da ausência dos documentos essenciais indicados no artigo 53 da Lei, bem como, se houver o descumprimento pelo devedor de obrigação assumida no plano de recuperação após a concessão da recuperação.
3.2. Microempresas e empresas de pequeno porte
Trouxe a Lei capítulo onde trata da recuperação judicial da micro e da pequena empresa, retirando, contudo, a possibilidade da recuperação extrajudicial, o que pode ensejar, inclusive, discussões acerca da constitucionalidade de tal tratamento diferenciado, até porque o artigo 170, inciso IX da Constituição Federal estatui exatamente tratamento favorecido para tais empresas.
Sobre o tema ensina Waldo Fázzio:
Microempresa e empresa de pequeno porte são agentes econômicos, conquanto diferenciados quanto à dimensão negocial. E nem por isso menos importante que as empresas stricto sensu. A própria Constituição Federal o admite, quando lhes assegura regime jurídico especial, o que concretiza o seu estatuto (Lei nº9841/99). Daí por que o regime jurídico de insolvência que as disciplina, coerentemente, comporta regras excepcionadoras do regime empresarial comum [3].
De qualquer forma, poderão optar pela vinda de um plano de recuperação, utilizando-se dos meios previstos na Lei ou lançarem mão de um plano especial, todavia, de menor espectro, tratando-se de verdadeira moratória, onde o devedor poderá realizar o pagamento de seus débitos em trinta e seis parcelas mensais iguais e sucessivas, sendo a oferta de pagamento apresentada no prazo de até sessenta dias após o deferimento do processamento da recuperação, atingindo apenas os credores quirografários, devendo-se concretizar o primeiro pagamento no prazo de cento e oitenta dias da distribuição do pedido de recuperação judicial.
Frisa-se a ausência de necessidade de anuência dos credores, abrindo-se o prazo de trinta dias para apresentação de objeções pelos credores sujeitos ao plano.
O plano especial dispensa a vinda de laudo econômico-financeiro, bem como a avaliação de ativos, sendo fundamental a prévia avaliação pelo micro e pequeno empresário da possibilidade de honrar as obrigações nos prazos indicados na Lei.
Verificado o não cumprimento da proposta, ocorrerá a convolação da recuperação em falência.
4. Recuperaçao extrajudicial de empresas
Sem dúvidas, depara-se com um instituto novo no direito brasileiro, traduzindo-se em mecanismo legal que viabiliza a negociação de acordos com grupos de credores escolhidos pelo devedor, sendo que o Decreto-lei n.7661/45 não trazia tal previsão de composição, chegando a impedir soluções de mercado.
Basicamente, permite ao devedor o mencionado instituto a negociação direta com seus credores, promovendo sua recuperação no âmbito extrajudicial, desembocando-se na homologação judicial.
Trata-se de instituto novo no direito concursal brasileiro, discorrendo Luiz Fernando Valente de Paiva da seguinte forma:
Tradicionalmente, os credores brasileiros costumavam demonstrar certa resistência a qualquer forma de composição em grupo, preferindo negociar o pagamento de seus créditos diretamente com o devedor. Os reflexos das recentes crises norte –americana e dos setores brasileiros de energia e telecomunicações promoveram uma evolução na forma de condução das negociações, por meio do rompimento do padrão de comportamento em processos coletivos de renegociação de dívidas. credores e devedores passaram a trabalhar em conjunto para encontrar soluções no sentido de permitir o pagamento dos débitos da forma menos gravosa aos envolvidos: para os credores, no menor prazo possível e para os devedores de forma a garantir a continuação do negócio [4].
Pode-se dizer que se trata de um procedimento concursal preventivo, cuja fase inicial é marcada pela contratação e seu término terá a marca da homologação pelo Juiz.
Constitui documento indispensável o plano de recuperação extrajudicial, o qual produzirá efeitos relativamente ao devedor e credores sujeitos ao mesmo, isto após a devida homologação, acrescentando-se a vedação de arrependimento por aqueles credores que aderiram ao plano.
Obviamente perderá o plano de recuperação judicial sua força vinculante caso inocorra a homologação pelo Juiz, o que significa na retomada pelos credores do direito de exigir suas prestações consoante se dava anteriormente.
5. A recuperação judicial no Superior Tribunal de Justiça
A fim de se ilustrar o tratamento do instituto junto a Corte encarregada do exame da legislação infraconstitucional, apresenta-se, a título de ilustração, alguns julgados que se seguem.
No julgamento do REsp 598881/SC, tendo como Relator o Ministro Aldir Passarinho Junior, a 4ª Turma, em 15.12.2009 assim se asseverou:
COMERCIAL. RECURSO ESPECIAL. FALÊNCIA. DECRETO-LEI 7661/45. TITULOS DE VALOR INSIGNIFICANTE FRENTE AO PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. DESCABIMENTO. PRECEDENTE. Nos termos da Jurisprudência do STJ, “Apesar do Art. 1º do Decreto-Lei 7661/45 ser omisso quanto ao valor do pedido, não é razoável, nem se coaduna com a sistemática do próprio Decreto, que valores insignificantes provoquem a quebra de uma empresa. Nestas circunstâncias, há que prevalecer o princípio, também implícito naquele diploma, de preservação da empresa”. (REsp 959695/SP, Relatora Ministra Nancy Andrighi, DJe 30.03.2009). PRECEDENTES. Recurso Especial não conhecido.
Verifica-se, assim, que mesmo com base no Decreto-Lei 7661/45, se privilegia a idéia de preservação da empresa, como unidade econômica e produtiva, evitando-se a decretação da quebra e a conseqüente liquidação do ativo.
Em outra oportunidade ao julgar o Conflito de Competência 2008/0272295-5 tendo como Relator o Ministro HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO, a 2ª SEÇÃO em 23.09.2009 se pronunciou nos seguintes termos:
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. SUSPENSÃO DAS AÇÕES E EXECUÇÕES CONTRA O DEVEDOR-COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA RECUPERAÇÃO-PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. CONFLITO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. O Princípio da Preservação da empresa, insculpido no art. 47 da Lei de Recuperação e Falências, preconiza que “A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”. Motivo pelo qual, sempre que possível, deve-se manter o ativo da empresa livre de constrição judicial em processos individuais. O destino do patrimônio da empresa ré em processo de recuperação judicial não pode ser atingido por decisões prolatadas por Juízo diverso daquele da recuperação, sob pena de prejudicar o funcionamento do estabelecimento, comprometendo o sucesso de seu plano de recuperação.
Concretiza-se, portanto, a questão relativa à universalidade do Juízo da recuperação, tudo com vistas a permitir o melhor funcionamento do estabelecimento, viabilizando-se o sucesso do plano de forma concreta dentro do raciocínio de se privilegiar sempre a própria empresa, seus credores e trabalhadores.
No julgamento do AgRg n 1022464/SP, figurando como Relator o Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, a 4ª Turma em 02.06.2009, afirmou:
COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REEGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. VALORES INSIGNIFICANTES. QUEBRA DA EMPRESA. DESCABIMENTO. UNIDADE PRODUTIVA. PRESERVAÇÃO. LEI Nº 11.101/2005. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
Mais uma vez fica estampada a preocupação com a tão falada preservação da empresa, sendo que na colisão entre a mencionada idéia e interesses nitidamente de menor porte, em nome da própria função social da unidade produtiva, impõe-se que prevaleçam os interesses circunscritos à empresa, estando abarcados, obviamente, os interesses dos credores e dos trabalhadores.
Idêntico raciocínio foi aplicado no julgamento do AgRg no REsp 1089092/SP, tendo como Relator o Ministro MASSAMI UYEDA, da 3ª Turma em 14.04.2009, quando se afastou pedido de quebra, o qual foi ajuizado sob a égide do Decreto –Lei 7661/45, com base em dívida não paga de pequeno valor, deixando-se de decretar a quebra com base na nova legislação, aplicando-se a mesma de forma retroativa, com fundamento exatamente no Princípio da Preservação da Empresa e na idéia de que deva preponderar o próprio interesse social de que uma unidade produtiva não pereça diante de interesses de menor representação.
A ordem é da necessária observância dos Princípios da Manutenção da Unidade Produtiva e da Excepcionalidade da Decretação da Falência, idéia apresentada no julgamento do REsp 802324/SP, tendo como Relatora a Ministra Nancy Andrighi da 3ª Turma com julgamento em 18.11.2008, ressaltando-se a jurisprudência uníssona do STJ neste sentido.
Outro ponto fundamental tratado no julgamento do Conflito de Competência nº 90504/SP, figurando como Relator o Ministro FERNANDO GONÇALVES, da 2ª Seção em 25.06.2008 é o do Juízo Universal, retratado nos seguintes termos:
RECUPERAÇÃO JUDICIAL. JUÍZO UNIVERSAL. DEMANDAS TRABALHISTAS. PROSSEGUIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. Há de prevalecer, na recuperação judicial, a universalidade, sob pena de frustração do plano aprovado pela assembléia de credores, ainda que o crédito seja trabalhista. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo-SP.
Vê-se que o juízo universal prevaleceu mesmo perante um crédito de natureza trabalhista.
Em outra oportunidade ao tratar do Conflito de Competência 88661/SP, sendo Relator, o Ministro FERNANDO GONÇALVES, da 2ª Seção em 28.05.2008, cristalizou o STJ a diretriz de que no caso da empresa em recuperação judicial, impõe-se a suspensão das execuções individuais, até porque uma vez aprovado o plano de recuperação judicial, os créditos serão satisfeitos de acordo com as condições nele estipuladas, o que torna incabível o prosseguimento das execuções individuais.
6. Conclusões
O que se verifica da análise dos ordenamentos jurídicos argentino e brasileiro é que através da idéia de se salvar a empresa, preservando-se sua capacidade produtiva e dando-se ênfase a sua função social, busca-se instrumentos e condições aptas a proporcionarem a base necessária para o desenvolvimento dos países, até porque os anteriores sistemas legais revelaram-se esgotados e ineficientes.
Fundamental é se viabilizar a superação do quadro de crise econômico-financeira do devedor, preservando-se, em última análise os trabalhadores, credores e a própria empresa e sua atividade econômica.
Insere-se possibilidade de negociação entre credores e devedor, abrindo-se leque de alternativa ao drástico quadro falimentar onde se privilegia a liquidação do ativo.
As novas ferramentas de recuperação das empresas podem traduzir a busca de um interesse social mais relevante, o da geração de produtos, empregos e tributos, sendo imperiosa a remoção dos velhos obstáculos representados pela burocracia, complexidade e custos elevados dos procedimentos.
Sandro Lucio Barbosa Pitassi é titular da 5ª Vara Cível Regional do Méier - Rio de Janeiro, capital.
7. Referências bibliográficas
[1] NEVES, Gustavo Bregalda. Direito comercial - direito de empresa.São Paulo: Editora Verbo Jurídico, 2009. p.95.
[2] ARNOLDI, Paulo Roberto Colombo. Balanço do primeiro ano de vigência da nova lei de recuperação brasileira –Lei n.11101/05: Êxitos e preocupações quanto à solução da crise econômica financeira. 2006. Jornadas Nacionales de Derecho Comercial.p.80.
[3] FÁZZIO JUNIOR, Waldo. Nova lei de falências e recuperação de empresas. São Paulo: Atlas. 2005. p.17.
[4] ARAÚJO, Aloísio Pessoa de; PAIVA, Luiz Fernando Valente de. A transparência na lei de falência. Jornal O Globo. Rio de Janeiro, 23 jun. 2004.
Decreto-Lei n. 7661 de 21 de junho de 1945.
Lei n.11101, de 09 de fevereiro de 2005.
Constituição Federal de 1988.
Lei n. 24522, de 07 de agosto de 1995.