405 - O direito ao sossego e a difícil construção da cidadania
LUIZ ANTONIO RIZZATTO NUNES – Desembargador
Na semana passada ouvi uma matéria jornalística no rádio sobre o problema enfrentando por dezenas de paulistanos que não podem dormir ou simplesmente ficar tranquilos em suas casas e apartamentos por causa do barulho produzido pelos vizinhos bares, boates etc. A reportagem enfocava a atuação da Prefeitura e seu sistema de controle de ruído e aplicação de multas, que nem sempre funciona.
Volto ao assunto do direito ao sossego, especialmente para esclarecer que a questão não envolve apenas um problema de atuação da Prefeitura; há muito mais. O direito ao sossego é uma garantia assegurada legalmente pelo direito civil e pelo direito criminal. É, pois, também caso de Polícia. Veja.
Claro que, não posso deixar de lembrar que essa questão – e, infelizmente, tantas outras – diz respeito à uma falta de consideração de umas pessoas pelas outras, à falta de respeito, à falta de educação, enfim à falta de cidadania. E a violação ao sossego sagrado de todos nós não é uma marca apenas de grandes cidades, como São Paulo. Esse problema repete-se no Brasil inteiro em muitos locais, independentemente do tamanho da cidade.
O direto ao sossego é correlato ao direito de vizinhança e está ligado também à garantia de um meio ambiente sadio, pois envolve a poluição sonora. A legislação brasileira é bastante clara em estipular esse direito que envolve uma série de transtornos já avaliados e julgados pelo Poder Judiciário.
Por exemplo, o Judiciário considerou que viola o direito ao sossego: a) os ruídos excessivos oriundos de utilização de quadra de esportes; b) a utilização de heliporto em zona residencial; c) o movimento de caminhões que faziam carga e descarga de cimento, no exercício de atividade comercial em zona residencial; d) os ruídos excessivos feitos por estabelecimento comercial instalado em condomínio residencial; e) os latidos incessantes de cães; f) a produção de som por bandas que tocam ao vivo em bares, restaurantes, boates e discotecas; o mesmo vale para som produzidos eletronicamente etc.
Anoto, antes de prosseguir, que o abuso sonoro reconhecido nas ações judiciais, independe do fato de, por acaso, ter sido autorizado pela autoridade competente. Num caso em que se considerou excessivo o ruído produzido pelo heliporto, havia aprovação da planta pela Prefeitura e seus órgãos técnicos; num outro em que se constatou que a quadra de esportes produzia excessivo barulho, a Prefeitura também tinha aprovado sua construção. Realço que, nesses casos, a própria Prefeitura é responsável pelos danos causados às pessoas.
Confira a legislação: A Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688/1941) no seu artigo 42 estabelece pena de prisão para aquele que “perturbar o trabalho ou o sossego alheios: com gritaria ou algazarra; exercendo profissão incômoda ou ruidosa, em desacordo com as prescrições legais; abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos; provocando ou não procurando impedir barulho produzido por animal de que tem a guarda”.
Nesse último assunto, faço parênteses para dizer que, muitas vezes, o latido de cães mantidos em casa pode caracterizar outro delito, previsto já no art. 3º do antigo Decreto-Lei 24.645/1934 que dispõe que “Consideram-se maus tratos: I - Praticar ato de abuso ou crueldade em qualquer animal; II - Manter animais em lugares anti-higiênicos ou que lhes impeçam a respiração, o movimento ou o descanso, ou os privem de ar ou luz”. Essa antiga norma foi, posteriormente, incorporada na nossa legislação ambiental. A lei de Crimes Ambientais (Lei 9605/98) estebelece, no seu art. 32, prisão para quem “Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos”.
É essa mesma lei ambiental que pune severamente com pena de prisão o crime de poluição sonora. Seu art. 54 diz: “Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora”.
E o novo Código Civil Brasileiro, que entrou em vigor em janeiro de 2003, garante o direito ao sossego no seu art. 1277 ao dispor: “O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha”.
Lembro também que, para a caracterização do delito penal de perturbação do sossego, a lei não exige demonstração do dano à saúde. Basta o simples transtorno, vale dizer, a mera modificação do estado de sossego ou a violação do descanso e do direito ao silêncio de que todas as pessoas gozam, para a caracterização do delito. Apenas no crime de poluição sonora é que se deve buscar aferir o excesso de ruído. Na caracterização do sossego não. Basta a perturbação em si.
Evidente que os danos causados são, primeiramente, de ordem moral, pois atingem a saúde e a tranqüilidade das pessoas, podendo gerar danos de ordem psíquica. Além disso, pode também gerar danos materiais, como acontece quando a vítima, não conseguindo produzir seu trabalho em função da perturbação, sofre perdas financeiras.
Assim, quem sofre esse tipo de dano, pode se defender, dando queixa na Delegacia de Polícia, indicando o nome e endereço do infrator ou pode, também, propor ação judicial para impedir a produção do barulho, para o que deverá procurar um advogado. Nessa ação pode ser requerido que o barulho cesse, sob pena de fixação de multa e pode ser pedida também a condenação do infrator a pagar indenização pelos danos morais causados até aquele momento. Por fim, consigno que como se trata de delito criminal, pode a autoridade policial efetuar a autuação em flagrante do infrator, fazendo com isso cessar imediatamente a perturbação.
7/2/2011