675 – A quem serve a pena de prisão? Uma análise sobre a ineficácia das funções declaradas da pena e sobre a eficácia da instituição prisional para a manutenção do modo de produção capitalista atual
For whom the prison sentença works?
An analysis of the ineffectiveness of the stated functions of punishment and the effectiveness of the prison system in maintaining the current capitalist mode of production
Laura Garcia Senhorinho [1] – assistente jurídica do Tribunal de Justiça de São Paulo
Resumo: o objetivo do presente trabalho consiste em contextualizar historicamente a pena de prisão para, a partir disso, apresentar uma visão crítica do instituto prisional, discorrendo sobre as contradições filosóficas de suas ditas funções oficiais e desvendando suas funções ocultas, em observância à posição de destaque ocupada pelo cárcere dentro da lógica do modo de produção capitalista. Para tanto, a pesquisa bibliográfica fornecida pela Criminologia Crítica serviu de importante aporte teórico, permitindo identificar as dinâmicas para manutenção de interesses das classes dominantes, notadamente no contexto criminal, bem como a importância do fortalecimento de uma tradição teórica pelo esforço de redução do poder punitivo e pela consolidação de políticas criminais inclusivas.
Palavras-chave: Pena de Prisão. Funções Ocultas da Pena. Capitalismo. Criminologia Crítica.
Abstract: the object of the present article consists in providing historical context for the prison sentence for, that point on, analyze the critic vision of the prison institute, discussing the philosophic contradictions of this official functions and solving the obscure functions, in accordance with its prominent position inserted into capitalist logic. For this purpose, the bibliographic research provided by Critical Criminology served as an important theorical base, allowing to identify the dynamics to sustain the interests of ruling classes, notably in the criminal context, so as the importance of strengthening a theorical tradition to enforce the reduction of punitive power and the consolidation of inclusive criminal politics.
Keywords: Prison Sentence. Obscure Functions of Prison Sentence; Capitalism; Critical Criminology.
Sumário: 1. Introdução. 2. Contextualização histórica da pena de prisão. 3. Contradições filosóficas das funções oficiais da pena propagadas pelas justificativas penais frente às funções não declaradas da prisão. 4. O cárcere como instituição fundamental para manutenção do modo de produção capitalista. 5. A tradição teórica pelo esforço de redução do poder punitivo e de fortalecimento de políticas criminais inclusivas. 6. Conclusão. 7. Referências bibliográficas .
1. Introdução
Há pelo menos 200 anos, a proposta da punição se mantém igual: o uso da pena de prisão como principal forma de punição e como medida de dissuasão, neutralização e ressocialização de delinquentes, seguindo-se e reafirmando-se um mito da repressão como experiência de sucesso.
Apesar disso, igualmente antigos são os movimentos reformadores da prisão, os quais, em verdade praticamente acompanham o próprio movimento de firmação da utilização sistemática da detenção penal no âmbito criminal. Isso porque, em um raciocínio teórico, é no mínimo estranho pensar na punição de delitos tão diversos da mesma maneira, tão somente com a variação de maior ou menor tempo da privação da liberdade de um indivíduo. É também de se questionar se uma mesma pena pode ser considerada útil em todas as épocas.
No âmbito concreto, não só o sistema prisional não ressocializa ninguém e nem previne o cometimento de novas infrações, como esse sistema é, por si só, produtor ativo da delinquência e de injustiça social, contribuindo, por exemplo, para maiores níveis de evasão escolar, desemprego e dificuldade de acesso a políticas públicas relativas à moradia.
Não bastasse, deve-se observar que o aumento de gastos com o sistema de justiça criminal como estratégia eleitoreira coloca essa política penal em competitividade orçamentária com outras despesas assistenciais e serviços públicos que poderiam, efetivamente, reduzir os números de conflitos sociais. Em 2022, por exemplo, o gasto com a função de segurança pública foi de R$ 124,8 bilhões, um aumento de 11,6% em relação ao ano anterior.[2] Em 2024, outro estudo sobre o custo do preso revelou uma despesa total na exorbitante quantia de R$ 20.671.101.128,35.[3] Em comparação com os dados de investimento nacional na educação, as pesquisas levam à conclusão de que o Brasil gasta quase quatro vezes mais com sistema prisional em comparação com, por exemplo, com a educação básica[4].
Mesmo com todas essas contradições, a pena de prisão não só se firmou como principal modalidade de punição, como assim se manteve ao longo de largo período, normalizando e tornando legítimo esse poder de punir.
Nesse sentido, é de se questionar, por qual razão a pena de prisão se mantém na sociedade? A quem serve a pena de prisão? Tal questionamento permite refletir o porquê do surgimento e da persistência dessa modalidade fracassada de pena na sociedade, em uma perspectiva confrontadora entre suas funções oficiais e suas funções chamadas latentes ou ocultas.
Nesse ponto, torna-se imprescindível estabelecer a correlação entre o modo de produção e o modo de punir normalizado em uma dada sociedade em dada época. É que o caráter das penas se encontra intimamente ligado aos valores culturais e às forças econômicas do respectivo Estado que as institui.
No que se propõe o presente trabalho, pretende-se estudar a contextualização histórica do surgimento da prisão e sua relação com um poder disciplinar e uma técnica penitenciária, bem como verificar a correlação entre a instituição prisional e o modo de produção capitalista atual.
Para tanto, utiliza-se a ótica da Criminologia Crítica como um aporte teórico relevante, a fim de se entender as dinâmicas da relação de poder e manutenção de interesses das classes dominantes, notadamente no contexto criminal, cujo aparelhamento conversa com a mesma lógica de outras instituições de disciplina mais do que se imagina.
A par dessa compreensão, a conclusão prática a que chega essa tradição teórica é a de existe uma razão acima de tudo econômica para a persistência do uso expressivo da detenção penal até o presente, bem como que, diante do seu evidente fracasso, é possível conceber um esforço de redução do poder punitivo como atualmente concebido e sustentar a implementação de políticas criminais alternativas mais inclusivas e efetivamente preventivas de conflitos sociais.
E essa é, de fato, uma pretensão muito mais lógica e honesta do que a aposta na pena de prisão, mas que, talvez, não seja interessante a todos os estratos da sociedade e logo veremos o porquê.
2. Contextualização histórica da pena de prisão
No dicionário jurídico, prisão é definida como a “medida legal ou administrativa, de caráter punitivo, pela qual o indivíduo tem restringida a sua liberdade de locomover-se, por prática de ilícito penal ou por ordem de autoridade competente, nos casos previstos em lei”[5]. Aqui, a primeira questão que surge é como essa pena surgiu e se revestiu de caráter de permanência na sociedade.
É dizer, a resposta ao questionamento feito no presente estudo exige, antes de tudo, uma contextualização histórica do surgimento e manutenção da detenção penal como modalidade principal de sanção à criminalidade.
Na Idade Média, os métodos de punição mais utilizados eram a indenização e a fiança, cujos diferentes valores demonstrava, desde então, as distinções de classes sociais, pela diferença de tratamento de acordo com o status social de quem praticou o crime. Ocorre que, “a incapacidade dos malfeitores das classes subalternas de pagar fianças em moeda levou à substituição por castigos corporais”, ficando a fiança restrita aos ricos e o castigo corporal destinado aos pobres, momento em que o aprisionamento, embora já existente, era apenas visto como mais um dos possíveis castigos infligidos ao corpo.[6]
Resta saber, portanto, como ganhou tanto protagonismo no sistema punitivo.
Nesse contexto, segundo Michel Foucault, na obra Vigiar e punir, as formas punitivas por ordem cronológica de sua efetivação na história do direito penal ocidental, a partir do século XVII até o século XX, foram, respectivamente, as penas físicas, as penas proporcionais aos crimes e a pena de prisão[7].
Inicialmente, portanto, as penas se voltavam para os corpos dos condenados, notadamente com a utilização dos suplícios como técnica de sofrimento e ritual político, instrumento de demonstração do poder soberano da época.
No Brasil, por exemplo, tem-se registro que os usos punitivos do mercantilismo igualmente se centravam nos corpos dos condenados, o que pode ser verificado na legislação da metrópole portuguesa que embasava a formação social escravista da época colonial[8], as chamadas Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, esta última famosa em razão da morte da figura histórica Tiradentes pelo processo denominado “Devassa”, cuja sentença “expõe vários dos elementos mais brutais da execução penal Filipina”[9], reunindo práticas como a pena de morte, o esquartejamento e a exposição de restos mortais. Nesse ponto, alerta Fernando Russano Alemany como “em razão da própria natureza da produção escravista, a única forma possível de controle social é aquela exercida privadamente pelo senhor de escravos contra a sua propriedade humana, sem limitações de qualquer gênero.”[10]
Já o período imperial brasileiro foi marcado pelas penas de açoites e trabalhos forçados, dureza do Estado penal que, somada a outras questões históricas da época, culminou nas notórias revoltas sociais pelo território do país, como a Cabanagem, a Sabinada e a Balaiada. A República, por sua vez, ficou conhecida pela criminalização de práticas que ofendessem a moral e a ordem econômico social vigente, como a prostituição e a vadiagem, por razões que serão mais bem exploradas em tópico seguinte do presente estudo. Contudo, impera salientar, desde já, que foi nesse período em que nosso país inaugurou a importação de códigos penais europeus, assim como importou as “ideias que engendram essas leis, fundadas em explicações do comportamento criminoso por defeitos pessoais do autor”, argumento genético que foi facilitado pela diversidade racial existente na América Latina[11].
Em algumas dezenas de anos, porém, o corpo supliciado desaparece, em compreensão à dispendiosidade e ao excesso dessa ritualística e ao fato de que “a certeza de ser punido é que deve desviar o homem do crime e não mais o abominável teatro”.[12]
No lugar, inicia-se o processo de introdução da pena detentiva, a qual se firmou e se universalizou definitivamente com o iluminismo[13].
Nesse sentido, o período iluminista, marcado pelo trabalho da teoria progressista com a racionalização do poder punitivo, questiona a justiça dos tormentos e das torturas, enquadrando-os como desconformes à natureza do contrato social[14] e inefetivos, já que “se as leis são cruéis, ou serão modificadas logo ou não poderão mais vigir e deixarão o crime sem punição.”[15]
Porém, essa modificação à forma de punir não se deve tanto a um maior respeito pela humanidade dos condenados – até mesmo porque Beccaria, um dos maiores juristas iluministas, era defensor da pena de escravidão perpétua -, mas sim à percepção da maior utilidade na certeza da pena em detrimento da sua severidade, bem como ao desenvolvimento de uma justiça mais vigilante e a uma melhor economia do poder de punir, em meio a um cenário de aumento de riquezas e valorização das relações de propriedade. É dizer, “a reforma encontrou um terreno fértil somente em função da coincidência de seus princípios humanitários com a necessidade econômica”[16].
A proporcionalidade propagada nesse período, portanto, não decorria tanto de uma ideia de punir menos ou necessariamente de forma menos cruel, mas sim punir melhor, de maneira mais calculada e efetiva para a prevenção de novos delitos.
Não apenas isso, mas tais alterações foram também influenciadas pelo desenvolvimento econômico da época que revelava “o valor potencial de uma massa de material humano completamente à disposição das autoridades”[17], o que interessava, principalmente, quando houvesse escassez de mão de obra no mercado da nascente burguesia. Ou seja, visava-se um melhor manejo do trabalho forçado explorado dentro das prisões.
À burguesia também interessava uma melhor definição do direito substantivo e do processo penal como forma de obter garantias legais para sua própria segurança[18], o que impulsionou o próprio movimento de reforma das prisões.
Ocorre que todo esse ideal próprio do século XVIII de penas específicas, ajustadas, eficazes e que servissem de lição para todos foi substituído, em menos de vinte anos, pelo aparelho uniforme das prisões, em diversos países estrangeiros, inicialmente, é verdade, com uma posição mais restrita no sistema das penas, já que a forma prisão preexiste à sua utilização sistemática nas leis penais[19], utilizada, até então, apenas como o lugar de detenção antes do julgamento[20].
Em pouco tempo, porém, a pena de prisão passou a ser a punição mais adotada no início do século XIX e teve a sua consagração no século XX, sendo ainda hoje a forma de punição mais utilizada no aparelho judiciário brasileiro e em outras partes do mundo.
No estrangeiro, isso se deu em grande parte em razão do desenvolvimento de alguns grandes modelos de encarceramento punitivo, que começaram a reunir aspectos como trabalho obrigatório, isolamento, horários estritos, sistemas de proibições e obrigações, vigilância hierárquica ininterrupta dos condenados e uma ideia de poder total, com uma gestão específica da pena calcada na ideia da disciplina, importada de outras instituições já existentes à época, como colégios, fábricas, hospitais, organizações religiosas e militares[21].
E não apenas isso, mas essas instituições conversavam entre si. O exército, por exemplo era reforçado com criminosos, enquanto uma boa educação infantil era assim considerada quando as crianças eram treinadas para a indústria. Indo além, no fim do século XVIII era comum combinar vários propósitos em uma mesma instituição, como um orfanato que era ao mesmo tempo asilo para loucos e colônia penal, assim como um hospital que adquiria características prisionais, mas ainda admitindo velhos, insanos e crianças[22].
É dizer, o cárcere representa o momento culminante de um processo que se inicia antes da intervenção penal, com a discriminação social e escolar, bem como com a intervenção do sistema do que se denominava assistência social na época.[23]
Ou seja, não havia uma distinção clara entre instituições como hoje concebemos, mas ao contrário, uma verdadeira fusão baseada na ideia da mesma disciplina para todos os indesejáveis. E em todas essas instituições se encontrava um pouco da prisão.
A punição passa a ser vista, portanto, como forma de correção e disciplina dos rebeldes, insubmissos, aqueles que não são produtivos no novo sistema, o que contribuiu para a passagem de um poder soberano a um poder disciplinar, lógica presente até os dias atuais.
Nesse sentido, “a disciplina fabrica corpos submissos e exercitados, corpos dóceis. A disciplina aumenta a força do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência)”[24]. Ou seja, o poder disciplinar adestra o indivíduo na forma desejada, tornando-lhe ao mesmo tempo útil ao sistema e passivo como sujeito, a fim de que não se insurja contra esse mesmo sistema que o moldou.
Assim, embora a detenção penal na forma como propagada seja uma pena que não se centre abertamente na dor infligida no corpo do criminoso como os suplícios outrora fizeram, sempre aplicou, em alguma medida, um certo sofrimento físico sobre a alma do condenado, seu espírito, intelecto e vontade. É dizer, “permanece um fundo supliciante nos modernos mecanismos da justiça criminal – fundo que não está inteiramente sob controle, mas envolvido, cada vez mais amplamente, por uma penalidade do incorporal”[25].
E é essa sutilidade, aliada a uma profundidade de controle nem sempre compreendida, que tornam essa forma de punir, talvez, ainda mais perigosa.
Além disso, o encarceramento utilizado como punição não separava as várias categorias de criminosos, deixando de distinguir, inclusive, os criminosos condenados e os demais reclusos. Não havia, ainda, um critério definido para fixar a duração da pena, já que inexistia adequada relação entre punição e crime[26].
E mesmo assim, por mais paradoxal que seja, a prisão passou a ser vista como a pena mais civilizada de todas, sob um olhar jurídico-econômico e técnico disciplinar, mostrando-se, desde seu início, como um instrumento de possível transformação da figura do delinquente, esse ser anômalo e perigoso, no detento útil à sociedade[27].
Nesse contexto, revelando a preponderância do aspecto moral da época, o caráter corretivo do castigo se destaca, em um paralelo com a pena de penitência, como uma forma de salvar a alma da pessoa infratora, donde surgiu o termo “penitenciária”.
É que, legitimado pela ideologia da defesa social, o direito penal define-se como direito penal de tratamento, lógica essa que, guardadas as devidas peculiaridades, continua vigente até a contemporaneidade[28].
Assim, a prisão se constitui com base no princípio central da correção, além de outros princípios, identificáveis também nos dias atuais, como a classificação dos detentos, a modulação das penas e o trabalho como obrigação e como direito dos condenados[29]. Suas origens, inclusive, remontam às próprias casas de correção manufatureiras, primeira instituição criada “com o objetivo de limpar as cidades dos vagabundos e mendigos” e de implementar a “exploração racional da força de trabalho”, marcada pela combinação entre casa de assistência aos pobres, oficinas de trabalho e instituições penais, forçando os internos ao trabalho sob disciplina rígida[30].
Por isso é possível afirmar que “o cárcere vem a fazer parte de um continuum que compreende família, escola, assistência social, organização cultural do tempo livre, preparação profissional, universidade e instrução dos adultos”.[31]
Porém, não nos deixemos enganar, pois “de todas as motivações da nova ênfase no encarceramento como método de punição, a mais importante era o lucro, tanto no sentido restrito de fazer produtiva a própria instituição quanto no sentido amplo de tornar todo o sistema penal parte do programa mercantilista do Estado”[32]. É dizer, o encarceramento como forma regular de punição foi introduzido a partir do momento em que a política mercantilista enxergou que a detenção de prisioneiros seria suscetível de exploração comercial.
Com o tempo, as penas foram sendo ainda mais incrementadas, inicialmente, por exemplo, com o torturante confinamento solitário na Europa, depois com a explosão do sistema de Auburn nos Estados Unidos, marcado pelo confinamento à noite e trabalho coletivo nas oficinas durante o dia, o que permitiu a organização dos prisioneiros com o máximo de eficiência industrial, transformando as prisões americanas em verdadeiras fábricas[33].
Destarte, a partir do século XIX, a perspectiva sobre a punição acolhe uma perspectiva de acordo com a nova forma de produção econômica, o capitalismo industrial, em substituição ao mercantilismo comercial.
O final desse século é marcado pela consolidação do poder da burguesia e consequente desnecessidade da antes indispensável luta para garantia de sua posição social e econômica por meio da lei, de maneira que a atitude liberal foi substituída pela identificação com o governo e um conservadorismo cujo objetivo primordial era, de forma camuflada, a luta contra as classes subalternas[34].
Por isso, “antes de ser uma resposta da sociedade honesta a uma minoria criminosa, o cárcere é, principalmente, o instrumento essencial para a criação de uma população criminosa, recrutada quase exclusivamente nas fileiras do proletariado”[35], o que será mais bem explorado nos próximos capítulos.
Mais recentemente, as alterações se voltaram ao surgimento de prisões mais fechadas e incapacitantes na década de 1990, importação brasileira da política criminal norte americana dominada pelo realismo de direita, dando origem, no Brasil, à prisão federal.
Nesse cenário, o final do século XX e início do século XXI são marcados por uma espécie de “giro punitivo”, com uma tendência marcante de encarceramento em massa e tendências difusas de aumento da política carcerária. Nesse cenário, cita-se a evolução da população prisional no Brasil desde 2000 até 2022, período durante o qual o total de presos no sistema penitenciário saltou de 174.80 para 826.740, evidenciando uma variação percentual de 372,5%.[36] Com isso, em 2023, o Brasil passou a possuir a terceira maior população carcerária do mundo, com mais de 850 mil pessoas privadas de liberdade no Sistema Penitenciário.[37]
Nesse contexto, apesar de, em tese, a pena de prisão ser medida excepcional no sistema, já que a regra é a liberdade, o que se vê é a prática de encarceramento como regra e aumento de gastos com o sistema de justiça criminal como estratégia eleitoreira, competindo com outras despesas assistenciais e serviços públicos que poderiam reduzir os números de conflitos sociais.
Essa política é também reforçada em razão de um mito de correlação exclusiva entre criminalidade e punitividade, como se a punição apenas aumentasse em razão do maior número de crimes cometidos e como se a taxa de criminalidade pudesse se inclinar para baixo através da intensificação da punição. “Nenhum esforço sério foi feito, entretanto, para provar esta relação através de uma investigação precisa.” E pelo contrário, alguns estudos em países europeus, como a Inglaterra, no século XX, mostram justamente o inverso: uma política penal mais liberal acompanha uma queda apreciável na taxa de criminalidade.[38]
Em verdade, a prática de punir é autônoma, possui contornos e operacionalização própria, nem sempre vinculada à realidade criminal. Além disso, existem outras variáveis externas que influenciam na punitividade, cuja dinâmica não se restringe à criminalidade, o que não pode ser negligenciado.
Deve haver, portanto, uma visão crítica da prisão, que, ao contrário do pregado, não só não é uma experiência mais humanizada do que as antigas penas corpóreas, como também não é uma experiência de sucesso, em dissonância do que as funções oficiais da pena propagam.
3. Contradições filosóficas das funções oficiais da pena propagadas pelas justificativas penais frente às funções não declaradas da prisão
Inicialmente, impera destacar que “a comunidade carcerária tem, nas sociedades capitalistas contemporâneas, características constantes, predominantes em relação às diferenças nacionais e que permitiriam a construção de um verdadeiro e próprio modelo”.[39]
Ou seja, embora muito se importe de pensadores estrangeiros para o presente estudo, certo é que, guardadas as devidas peculiaridades históricas nacionais, é possível traçar uma linha de crítica comum ao cárcere, considerando esse modelo da sociedade tardo-capitalista.
Nesse sentido, as funções manifestas ou oficiais da pena são aquelas que, na teoria, legitimam o direito penal, por meio de um discurso oficial. Ou seja, são aquelas funções que, em tese, a pena deveria cumprir, conforme a moderna concepção de direito penal.
Segundo o critério sistêmico categorial de Ferrajoli, considerando as perspectivas justificacionistas – aquelas que justificam a punição – emquadram-se as teorias absolutas e relativas da pena, marcadas, respectivamente, pelos ideais de que a pena tem uma função retributiva, de compensação pelo mal causado, e preventiva, buscando prevenir que outros delitos sejam praticados no futuro.[40]
No contexto da prevenção, ramifica-se a prevenção geral e especial de delitos, ambas com dupla polaridade: negativa e positiva. A prevenção geral trabalha com o “impacto que a imposição da pena deve surtir da generalidade dos cidadãos”, enquanto a prevenção especial “dirige a sua atenção para o impacto que a imposição da pena deve gerar no indivíduo concreto” [41]. Ou seja, a prevenção geral volta-se para a sociedade, enquanto a prevenção especial volta-se para o indivíduo criminoso.
A positividade ou negatividade da prevenção diz respeito à função a que a penalidade se propõe. Enquanto a prevenção geral negativa trabalha com a ideia da utilização do medo para evitar a prática de outros crimes pelos demais indivíduos da sociedade, a prevenção geral positiva busca reforçar a confiança da sociedade na ordem jurídica. Por outro lado, a prevenção especial negativa calca-se na noção de neutralização do delinquente para que não cometa novos crimes e a prevenção especial positiva volta-se à ideia de ressocialização do indivíduo criminoso.
Ocorre que, como já previa Rusche, “a pena precisa ser entendida como um fenômeno independente, seja de sua concepção jurídica, seja de seus fins sociais”, pois, apesar de poder possuir fins específicos, não pode a pena ser entendida apenas a partir desse aspecto[42].
Nesse sentido, apesar de amplamente citadas no estudo da dogmática penal, o próprio senso comum mais crítico é capaz de apontar a falha nesses discursos, ao se pensar que ninguém sai “melhor da prisão”.
Pelo contrário, a prisão fabrica delinquentes, pelo próprio tipo de existência a que submete os detentos, pelas limitações violentas que lhes impõe e por todo seu funcionamento calcado em uma lógica de abuso de poder, além das dificuldades em se encontrar trabalho após a saída da prisão, perpetuando a miséria na qual já se encontrava a família do condenado em razão do seu aprisionamento[43].
Nesse ponto cabe refletir como “não pode haver qualquer base psicológica para a recuperação quando o prisioneiro sabe que a sociedade não lhe dá a possibilidade de uma satisfação normal e legal de suas necessidades. Os métodos mais progressistas do mundo dificilmente funcionarão para induzi-lo a aceitar voluntariamente o pobre destino de um diabo”.[44]
Também Fabretti e Smanio apontam como a custosa intervenção do Direito Penal se mostra ineficaz na prevenção de delitos e como a pena privativa de liberdade não ressocializa o condenado, apenas o estigmatiza e exclui socialmente, bem como terceiros a ele relacionados, como seus familiares[45]. Nas palavras de Prado, ‘’o uso excessivo da sanção criminal (inflação penal) não garante uma maior proteção de bens; ao contrário, condena o sistema penal a uma função meramente simbólica negativa’’[46].
Ainda, Alessandro Baratta destaca a função do cárcere na produção de indivíduos desiguais, já que recruta apenas os desviantes oriundos de zonas mais depauperadas da sociedade, com baixa escolaridade e precária posição no mercado de trabalho, participando, portanto, ativamente na intensificação e continuidade da marginalização desses grupos sociais e na consolidação definitiva da carreira criminosa desses indivíduos[47].
Não bastasse, enquanto a população carcerária cresce, cresce também o déficit de vagas no sistema penitenciário, o qual, no Brasil, chegou a 174.436 no primeiro semestre de 2024[48].
Esse quadro contribui ativamente para a intensificação das condições deploráveis das prisões, as quais são normalizadas em razão da mentalidade do less eligibility, ou seja, a ideia de que os prisioneiros precisam ter um padrão de vida pior do que as classes subalternas da população livre. Esse interesse da sociedade em privar o condenado de vantagens especiais como forma de manter o efeito dissuasivo da pena, em verdade, contraria a própria ideia de reabilitação do criminoso[49].
Ou seja, as funções oficiais da pena de prisão são não apenas falhas, mas contraditórias entre si.
Além disso, tanto a justificativa absoluta quanto a relativa possuem a mesma deficiência, pois não podem ser comprovadas empiricamente, em razão do fato de trabalharem com categorias abstratas como o livre-arbítrio e a intimidação, o que efetivamente contribui para a ausência de limitação do poder punitivo e para o incremento do Direito Penal simbólico, já que “com a ideia de que penas mais altas e duras terão um efeito intimidatório mais eficaz, não há razão para limitá-las”[50].
E em verdade, os dados empíricos mostram justamente o oposto do que as perspectivas justificacionistas pregam. Além da superpopulação carcerária em péssimas condições de existência, em contrariedade ao que prevê, inclusive, a normativa internacional dos direitos humanos, como as Regras de Mandela[51], os índices de criminalidade e de reincidência só aumentam, chegando estes últimos a superar a marca de 32%, em 2022, no Brasil[52], a indicar o fracasso da pena de prisão em prevenir a ocorrência de novos delitos e ressocializar os criminosos que passam pelo sistema prisional.
Nesse contexto, “esses resultados mostram que a intervenção do sistema penal, especialmente as penas detentivas, antes de terem um efeito reeducativo sobre o delinquente determinam, na maioria dos casos, uma consolidação da identidade desviante do condenado e o seu ingresso em uma verdadeira e própria carreira criminosa”[53].
Como se esperar um sujeito menos violento e mais solidário se a ele se submete a uma verdadeira violência institucionalizada?
Não apenas no plano prático a prisão carece de efetividade ao que se propõe, mas também no plano teórico. Não é à toa que, pouco tempo antes de a detenção se tornar a forma essencial de castigo, os reformistas já criticavam a ideia dessa forma de punir por ser incapaz de responder às especificidades dos crimes, violando o princípio da individualização da pena; por ser inútil à sociedade e até mesmo nociva, punindo os que ainda não são condenados e por ser, ainda, “incompatível com toda essa técnica de pena-efeito, da pena representação, da pena-função geral, da pena-sinal e discurso”[54]. Criticava-se a incerteza da punição e a arbitrariedade dos tribunais penais. Apesar disso, mesmo a teoria reformista moderna não conseguiu destruir a visão de que a política de repressão é um bom caminho para o combate ao crime[55].
No mais, a própria ideia de ressocialização é problemática, não só pelo conceito abstrato da categoria em si, mas pela sua inaplicabilidade lógica em casos como os dos delitos culposos, bem como sua utilização é perigosa, já que também pode culminar na aplicação de uma pena indeterminada.
Além disso, os iluministas questionavam a infâmia trazida àquele que, após preso, teve sua inocência juridicamente reconhecida, concluindo que isso ocorre porque “o sistema atual da jurisprudência criminal apresenta aos nossos espíritos a ideia da força e do poder, em vez da justiça; é que se atiram, na mesma masmorra, sem distinção alguma, o inocente suspeito e o criminoso convicto; é que a prisão, entre nós, é antes de tudo um suplício e não um meio de deter um acusado”[56].
Ocorre, porém, que mesmo os reformistas se preocupavam, antes de qualquer coisa, em limitar o poder do Estado como forma de assegurar seu próprio poder político, o que levou a uma identificação entre justiça e a segurança trazida pelo cálculo, numa época de paixão pelas ciências exatas, garantia, porém, que não se estendia às classes subalternas, que não tinham conhecimento e nem recursos econômicos para enfrentar a complicada máquina judicial.[57]
A verdade, portanto, é que o objetivo das discussões acerca da prisão nunca foi efetivamente a reforma dos criminosos e nem a proteção da sociedade como um todo. O interesse é e sempre foi um interesse de caráter financeiro e neutralizador de possíveis ameaças ao poderio econômico vigente.
Nesse contexto, Pasukanis foi capaz de analisar a pena criminal na perspectiva das aparências e da realidade, a partir da percepção dos objetivos reais de proteção dos privilégios da propriedade privada dos meios de produção, de luta contra as classes oprimidas e de garantia da dominação de classes; assim como dos objetivos ideológicos de proteção da sociedade que oculta a proteção das condições fundamentais dos produtores de mercadorias.[58]
Dessa forma, ao contrário das funções declaradas, as funções latentes são aquelas que a pena cumpre concretamente, mas que raramente coincidem com suas funções manifestas.
4. O cárcere como instituição fundamental para manutenção do modo de produção capitalista
Já dizia Foucault, “se a instituição-prisão resistiu tanto tempo, e em tal imobilidade, se o princípio da detenção penal nunca foi seriamente questionado, é sem dúvida porque esse sistema carcerário se enraizava em profundidade e exercia funções precisas”, no caso, a gestão e distinção das ilegalidades, servindo aos interesses de uma classe, em um sistema repleto de mecanismos de dominação.[59]
Assim é que, para classes subalternas, destina-se todo o rigor da lei e do encarceramento, enquanto às classes dominantes, é apresentada uma certa leniência às suas práticas criminosas.
Portanto, entender a razão da persistência da prisão mesmo após cerca de 200 anos de experiências evidentemente fracassadas exige uma análise que perpassa a compreensão de que os sistemas concretos de punição se desenvolvem a partir de sistemas concretos de produção, de forma geral.
Nesse contexto, Rusche e Kirchheimer pontuaram a relação entre os regimes punitivos e os sistemas de produção em que se inserem, analisando, especificamente, o nascimento das prisões como forma burguesa de punição, na passagem para o capitalismo.[60]
Deixando de lado o enfoque dado pelas finalidades da pena, referidos autores puderam perceber que formas específicas de punição, assim como o tratamento dispendido à pobreza, possuem ligação direta com o estágio de desenvolvimento econômico experimentado e, mais especificamente, com a necessidade ou não de força de trabalho daqueles que estavam sendo condenados em dado momento.
A ideia de utilizar o trabalho potencial do criminoso não era nova, porém sua aceitação dependia das condições históricas da época. Nesse sentido, por exemplo, o papel do condenado foi ampliado no seu recrutamento para a servidão forçada das galés, resultado da necessidade de maiores remadores, principalmente no século XV - serviço rejeitado pelos trabalhadores livres -, assim como foi reduzido na transição para a moderna sociedade industrial, momento em que o trabalho livre era necessário para o emprego da força de trabalho e que a competição no mercado entre os produtos do trabalho na prisão e os do trabalho livre começou a gerar problemas, de forma que o trabalho do condenado não só deixou de ser necessário, mas passou a ser veemente atacado e transformado em forma pura de punição.[61]
Ou seja, verifica-se uma tendência na relação de oferta e demanda da força de trabalho, pois, à medida que se aumenta a demanda pela força de trabalho, a pena tende a ficar menos severa, como todos os processos de criminalização; assim como quando a demanda por força de trabalho está em baixa, o sistema punitivo se endurece.
Porém, nesse ponto, Fernando Russano Alemany alerta a necessidade de diferenciarmos as inflexões da punição nas economias centrais e nas emergentes. O autor explica que, enquanto nas primeiras a punição acompanha o movimento dos ciclos industriais, nas segundas, “a punição é uma necessidade permanente da acumulação do capital. É ela que efetiva, nos níveis mais concretos, a superexploração da força de trabalho, ao impor à classe trabalhadora a dura escolha entre a violência econômica da produção e a violência política da pena.”[62]
Nesse contexto, expõe Foucault que “se a decolagem econômica do Ocidente começou com os processos que permitiram a acumulação do capital, pode-se dizer, talvez, que os métodos para gerir a acumulação dos homens permitiriam uma decolagem política em relação a formas de poder tradicionais, rituais, dispendiosas, violentas e, que logo caídas em desuso, foram substituídas por uma tecnologia minuciosa e calculada da prisão”[63].
Dessa forma, é imperioso elaborar uma análise do poder punitivo que perpasse as relações de produção da vida material e das estruturas existentes na sociedade ocidental.
Porém, como alerta Russano, Rusche perdeu de vista todas as outras formas de violência existentes nesse mecanismo de acumulação primitiva do capital, formas essas que foram amplamente reconhecidas por Marx.[64]
Nesse ponto, inicialmente deve-se pontuar que a sociedade contemporânea capitalista possui como categoria fundamental a mercadoria, bem como a noção de propriedade privada e o conceito de tempo, que atua como medida geral de valor da primeira categoria.
Em um estudo sobre a gênese do capitalismo clássico da Inglaterra e, particularmente, sobre a acumulação primitiva, precedente à acumulação capitalista, Karl Marx, no capítulo XXIV, da obra “O Capital”, explica como o início da formação da propriedade privada dos meios de produção foi marcada pela expropriação ou cercamento de terras do povo do campo de sua base fundiária.
Nesse sentido, Marx observa que “a assim chamada acumulação primitiva, é portanto, nada mais que o processo histórico de separação entre produtor e meio de produção”, relatando que a estrutura econômica da sociedade capitalista proveio da estrutura econômica da sociedade feudal, consistente no processo de expulsão violenta dos lavradores livres, economicamente autônomos, da base fundiária, como forma de substituição da terra de lavoura pela pastagem para atender à produção manufatureira de lã, notadamente do século XVI, culminando, com isso, na criação de uma “massa de proletários livres como os pássaros”. Tais indivíduos, contudo, não poderiam ser absorvidos pela manufatura nascente com a mesma velocidade com a qual nela foram inseridos. [65]
Diante da expulsão dos camponeses desses locais onde historicamente angariavam seu meio de subsistência, esses se viram diante de três possíveis caminhos a serem seguidos: (i) o trabalho assalariado nessa mesma terra, (ii) a perpetração de saques nas estradas juntamente a bandos e (iii) a vadiagem, em uma típica vida de andarilho, ou a mendicância.
Ocorre que “os que foram bruscamente arrancados de seu modo costumeiro de vida não conseguiam enquadrar-se de maneira igualmente súbita na disciplina da nova condição. Eles se converteram em massas de esmoleiros, assaltantes, vagabundos, em parte por predisposição e na maioria dos casos por força das circunstâncias. Daí ter surgido em toda a Europa Ocidental, no final do século XV e durante todo o século XVI, uma legislação sanguinária contra a vagabundagem”.[66]
Em outras palavras, na Inglaterra, “era perceptível por toda parte que a produção não estava no mesmo compasso do crescimento da população”, de forma que os últimos imigrantes se tornaram errantes, vagabundos e mendigos, sem que se tenha desenvolvido qualquer política social consistente para resolver esse quadro.[67]
Pelo contrário, como forma justamente de assegurar que a escolha do camponês seria pelo trabalho assalariado, a nova legislação penal da época passou a criminalizar não apenas os ataques à propriedade, mas a própria vadiagem. Formou-se uma concepção de que as chamadas “classes perigosas” configuram hordas de “criminosos voluntários”, cujas condutas individuais seriam produtos de decisões pessoais conscientes ao invés de resultado involuntário de sobrevivência animal em meio às mudanças estruturais do modo de produção histórico.[68]
Dessa forma, ao camponês que quisesse continuar no campo da licitude não havia, em verdade, outra opção que não se submeter à lógica do modo de produção que então surgia.
É nesse sentido que Juarez Cirino dos Santos explica como, ainda que Marx não tenha pensado especificamente os problemas da criminalidade e do controle social na sociedade capitalista, ocupa uma posição de destaque para a Criminologia por ter formulado conceitos que fundamentam sua natureza crítica, bem como pelo desenvolvimento do método dialético, que permite pensar a questão do crime dentro do contexto da desigualdade sistêmica e da luta de classes. Além disso, juntamente com Engels, contribuiu para a rejeição do Direito como expressão da vontade geral e do crime como simples violação da lei[69].
É dizer, embora Marx não tenha elaborado propriamente uma teoria sobre o crime, seus estudos são relevantes para uma análise crítica do fenômeno criminoso, a partir da constatação de que este deve ser entendido como um fato social complexo, dentro de relações específicas de poder e dominação dentro de uma perspectiva individualista, hedonista e materialista que obedece à lógica do capital em uma sociedade, acima de tudo, marcada pela desigualdade.
Nesse contexto, impera salientar que a história da punição no Brasil possui suas peculiaridades, marcadas principalmente pelo papel do escravismo colonial e do “processo civilizatório” português na formação social de integração da economia nacional no movimento do capital mundial, de forma que, “durante quase 300 anos, o controle social e o poder punitivo no Brasil foram exercidos pelos proprietários de engenho sobre a população negra, a verdadeira origem do autoritarismo repressivo e do racismo do sistema penal brasileiro”.[70]
E não se pode dizer que a abolição da escravidão resolveu plenamente essa desigualdade peculiar, não só porque as conquistas formais do gradualismo que a precedeu eram ignoradas na prática, mas porque a própria abolição estimulou a imigração de brancos europeus para o trabalho assalariado, excluindo políticas públicas de integração do negro na sociedade, que continua ocupando o nível mais inferior do proletariado urbano.
Além disso, explica Russano que o sentido da punição no Brasil é peculiar, vez que, ao tratar-se de um país de capitalismo dependente, o capital aqui tem um incentivo alargado de pressão sobre o trabalhador para atendimento da geração de riqueza para o mercado externo, culminando em uma instrumentalização mais intensa do sistema penal como violência organizada da burguesia na luta de classes.[71]
Nesse cenário, ninguém era livre para não trabalhar e para optar concretamente por não se inserir na superestrutura econômica e social vigente, em proveito das classes dominantes dos meios de produção.
Nesse sentido, “a privação de liberdade é considerada o resultado natural para a ofensa à propriedade, ou seja, a propriedade e a liberdade pessoal têm igual valor”[72].
Não apenas isso, mas também a pena privativa de liberdade deve ser vista como instituto que, assim como as relações econômicas, trabalha com o fator tempo ao privar o indivíduo tido como criminoso de sua liberdade por determinado período. Isso porque “a duração que torna o castigo eficaz para o culpado também é útil para os espectadores. Estes devem poder consultar a cada instante o léxico permanente do crime e do castigo.” Além disso, “o tempo penetra o corpo, e com ele todos os controles minuciosos do poder.”[73]
E nesse ponto, Rusche e Kirchheimer apontam como, já na origem da primeira forma de prisão, aqueles trabalhadores cuja manutenção e treinamento fossem dispendiosos deviam ser retidos o máximo de tempo possível, de forma que a duração do confinamento ficava ao puro arbítrio dos administradores nas maiorias dos casos.[74]
Resguardadas as devidas peculiaridades, a relação intrínseca entre o citado modo de produção e o direito é percebida na própria fase de criminalização primária no ordenamento jurídico brasileiro.
Exemplo disso é a previsão do trabalho como obrigatório na Lei de Execuções Penais (art. 39, V, Lei 7210/84). Outrossim, as altas penas fixadas no Código Penal para os delitos que eventualmente afetem o bem jurídico patrimônio, tão caro ao sistema capitalista, em comparação aos preceitos normativos secundários daqueles que, em tese, seriam os crimes mais graves para uma sociedade, aqueles violadores do direito à vida.
Isso ocorre porque o sistema de valores da cultura burguesa-individualista dá a máxima ênfase à proteção do patrimônio privado, orientando-se de forma a atingir os desvios típicos dos grupos mais marginalizados voltados contra a propriedade, o que é integrado e reforçado por processos de reação oriundos de nível informal, da própria sociedade[75].
No mais, a própria existência da contravenção penal de vadiagem é outra amostra, já que aquele que, mesmo que podendo trabalhar, vive na ociosidade, não é útil ao capitalismo. Não tão curiosamente, porém, o parágrafo único do art. 59 da LCP prevê que a aquisição superveniente de renda, que assegure ao condenado meios bastantes de subsistência, extingue a pena. Assim, uma vez dentro das rédeas da lógica capitalista, desnecessária a aplicação da punição.
De outro lado, não são todas as condutas criminosas que foram historicamente criminalizadas, a apontar a seletividade do sistema de justiça criminal e as chamadas cifras ocultas da criminalidade.
Apenas a título de breve registro, Sutherland elaborou um artigo sobre a chamada “criminalidade de colarinho branco”, na qual demonstrou a quantidade impressionante de infrações realizadas por pessoas em posição de prestígio social, infrações, contudo, que contavam com a leniência do sistema, o que contribuiu para distorcer a análise da criminalidade, como se concentrada fosse tão somente nos estratos inferiores da sociedades, fenômeno esse que pode ser verificado em todas as sociedades de capitalismo avançado[76].
Nesse ponto, Foucault com maestria indica como “a prisão, ao aparentemente “fracassar” não erra seu objetivo; ao contrário, ela o atinge na medida em que suscita no meio das outras uma forma particular de ilegalidade, que ela permite separar, pôr em plena luz”, “mas que permite deixar na sombra as que se quer ou se deve tolerar”. Ou seja, utiliza-se da ameaça da ilegalidade popular - aqui entendida como criminalidade de necessidade - para ocultar a delinquência de cima, própria da riqueza, tolerada pelas leis e alvo de indulgência dos tribunais, os quais, desde depois do período revolucionário do século XVIII, firmaram-se como representativos da ordem social burguesa, inclusive em oposição aos governos quando necessário[77].
Esse produto, portanto, foi conscientemente almejado por uma base ideológica, econômica e política.
Nesse contexto, a ação policial desempenha importante papel. Aqui convém destacar a observação de Fernando Alemany Russano de que, assim como no período colonial brasileiro, em que a justiça privada dos senhores feudais era exercida pela figura do capitão do mato, na atualidade o poder de repressão do capitalista sobre os bairros periféricos é também exercido por terceiros, no caso, a polícia do Estado capitalista.[78]
A par disso, como se sabe, no Brasil, não rara é a diferenciação da abordagem policial marcada por dinâmicas de classe, em uma interação com outros marcadores sociais, como gênero e raça, já que a abordagem feita a jovens negros e pobres, especialmente em cenário de suspeita de tráfico de drogas, é deveras diferente em termos de frequência e truculência se comparada à abordagem de jovens brancos e ricos, chegando a influenciar no próprio enquadramento do fato típico praticado. Tais situações são tão evidentes que foi necessária uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal para dizer o óbvio, que a abordagem policial não pode se dar apenas pela cor da pele ou por motivos de raça, sexo e orientação sexual, mas tão somente a partir da suspeita concreta da ocorrência de crime[79].
A seletividade do sistema se replica na aplicação das penas privativas de liberdade, já que, dentro dos presídios, os mesmos marcadores sociais são observados, vez que a população carcerária é formada, em sua maioria, por jovens negros de estratos sociais inferiores. Nesse sentido, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023, a maior parte da população encarcerada continua sendo de jovens entre 18 e 29 anos, compondo 43% do total. Além disso, cerca de 70% da população carcerária do Brasil é negra, deixando evidente que a seletividade penal em nosso país tem cor.[80] Outrossim, do total de pessoas privadas de liberdade no Sistema Prisional, 54,8% não possuem Ensino Fundamental completo e apenas 1% possui Ensino Superior, a indicar a baixa escolaridade da maioria da população carcerária em nosso país[81].
E isso não significa, apenas para que fique bem claro, que os indivíduos brancos dos estratos superiores não pratiquem infrações penais, mas apenas que conseguem se subtrair à ação dos mecanismos institucionais de reação ao desvio e aos efeitos da estigmatização do processo de criminalização, o que se estende, inclusive, aos menores desses mesmos grupos sociais, contribuindo para que os papéis criminosos sejam erroneamente atribuídos de forma exclusiva aos mais fragilizados econômica e socialmente[82].
Nesse contexto, o interacionismo simbólico, caracterizado pela Teoria americana do Labeling Approach (ou teoria do etiquetamento), foi responsável por uma ruptura paradigmática na Criminologia, ao entender o crime não como uma realidade ontológica (como faziam os positivistas, que traziam explicações médicas genéticas para a criminalidade), mas como uma realidade construída a partir da perspectiva do processo de interação social e de criminalização na sociedade, com enfoque no estigmatizante processo de atribuição do status de criminosas a apenas algumas condutas desviantes e do rótulo de criminoso a apenas alguns infratores selecionados pela lei.
Isso porque, essa direção de pesquisa foi capaz de compreender que o status de delinquente pressupõe necessariamente o efeito da atividade das instâncias oficiais de controle social da criminalidade - como a polícia, os órgãos de acusação pública e os juízes - enquanto outros que praticam um mesmo comportamento criminoso, no mais das vezes com maior danosidade social, não são alcançados por essas mesmas instâncias[83].
Ou seja, essa teoria “desloca o conceito de crime e de criminoso para as instituições que os produzem: crime é o que a lei diz que é crime, e criminoso é o sujeito assim considerado pela justiça criminal”.[84]
Assim, ao invés de se estudar as concepções tradicionais de crime e de criminoso, o foco volta-se para a percepção de que há grupos específicos responsáveis por moldar a lei em favor de seu benefício próprio, em observância aos processos de criminalização e ao estudo das cifras ocultas da criminalidade.
Ocorre, porém, que tal paradigma parte do pressuposto do consenso social, como se houvesse uma perspectiva consensual sobre os valores sociais, enquanto, em verdade, vivemos em uma sociedade do conflito, na tentativa de mudança dos princípios que a servem de base. Além disso, o Labeling Approach peca por deixar de fazer um estudo sobre as relações de poder, notadamente em meio a uma sociedade capitalista, realizando uma análise abstrata e individual.
Nesse sentido, Alessandro Baratta aponta que, embora essa teoria formalista de médio alcance forneça elementos úteis da superfície das relações sociais sobre o controle social, nela desaparece o comportamento real como ação socialmente negativa, sendo necessário descer ao nível de sua lógica material para uma interpretação contextual ou orgânica das relações econômicas que fornecem a chave para a análise das diversas dimensões da questão criminal[85].
Também Juarez Cirino dos Santos realiza críticas aos limites liberais e à miopia política do Labeling approach, dizendo que este “descreve os mecanismos de criminalização e de estigmatização, mas não explica a realidade social do desvio, dos comportamentos socialmente negativos e da criminalização”. Acrescenta, ainda, que se deve reconhecer que o crime não é só juízo político jurídico como pensa a referida “teoria” (o autor também tece críticas sobre a caracterização do paradigma como teoria científica), mas igualmente fato das relações materiais, o que indica a necessidade de maior desenvolvimento científico para construção de uma teoria social do desvio mais abrangente e complexa que analise estruturalmente os processos sociais de desigualdade econômica e de poder político da sociedade capitalista.[86]
Nesse contexto, de forma gradual e sem uma verdadeira solução de continuidade, surge a chamada Criminologia Crítica, como uma análise científica e macrossociológica das determinações dos processos de criminalização em meio à lógica e às contradições do capital, sob diferentes óticas, mas em atenção à relação entre as classes econômico-sociais e à figura e atuação do Estado.
Na América Latina, Cirino dos Santos explica que a mudança começou a ocorrer a partir dos anos 80, momento em que os professores de Criminologia deixaram de ser os médicos legistas ou psiquiatras da Medicina Legal, superando o até então vigente paradigma etiológico do positivismo criminológico, para se transformarem em professores de Direito especializados em Criminologia, com foco na crítica do Direito Penal, do Sistema de Justiça Criminal e do Estado Capitalista desigual e opressor[87].
Com isso, constrói-se uma teoria econômico-política do desvio, dos comportamentos socialmente negativos e da criminalização, de base materialista, com o emprego de hipóteses e instrumentos teóricos marxistas, lógica dentro da qual a criminalidade passa a ser vista como um bem negativo, “distribuído desigualmente conforme a hierarquia dos interesses fixada no sistema socioeconômico e conforme a desigualdade social entre os indivíduos” e o cárcere como “um momento superestrutural essencial para a manutenção da escala vertical da sociedade”.[88]
Nesse sentido, a prisão é encarada como uma instituição total que, por meio do autoritarismo, reproduz o interesse das classes dominantes, tendo seu papel reforçado após a consolidação da sociedade capitalista. Além disso, o encarceramento em massa, citado no primeiro item desse capítulo, atende direta e indiretamente ao processo de acumulação e concentração do capital: primeiro porque é veículo de realização do lucro privado e segundo porque restringe custos de assistencialismo e serviços públicos de forma geral em favor de uma oligarquia financeira e em desfavor da própria sociedade que nesta não se enquadra.
Com isso, fica fácil compreender como, sob a ótica da Criminologia Crítica, chega-se a uma tradição teórica que prima pela redução do poder punitivo e pelo fortalecimento de políticas criminais inclusivas, em substituição à violenta lógica prisional.
5. A tradição teórica pelo esforço de redução do poder punitivo e de fortalecimento de políticas criminais inclusivas
Vista a importância da pena de prisão e da instituição total prisional para a manutenção do modo de produção capitalista, é fácil concluir como, para a tradição teórica supracitada, não há espaço para a erradicação da referida pena dentro de uma sociedade burguesa, com as condições materiais de dominação a ela inerentes.
Nesse sentido, Baratta alerta que o direito conserva a característica ideológica própria do direito burguês de “abstrair a real desigualdade dos sujeitos, contribuindo, com a igualdade formal, para reproduzir e legitimar o sistema de desigualdade substancial,” notadamente no que diz respeito às chances de ser definido e controlado como desviante. A par disso, o autor entende que a superação do direito desigual burguês pressupõe uma fase mais avançada da sociedade socialista, no qual “o sistema de distribuição será regulado não mais pela lei do valor, não mais pela quantidade de trabalho prestado, mas pela necessidade dos indivíduos”.[89]
Da mesma forma, Cirino dos Santos destaca que o Estado tem papel preponderante para a manutenção violenta das condições de dominação das classes hegemônicas contra as classes subordinadas. Além disso, explora que, para Marx, a abolição do crime depende da abolição anterior do “sistema criminogênico de dominação e controle de classe da formação social capitalista”, já que, embora as coerções econômicas sejam as principais determinações materiais da vida humana, dependem das instituições políticas e jurídicas para criar os valores e definir as normas[90]. Trata-se, portanto, do pensamento da corrente abolicionista.
Isso não quer dizer, contudo, que não possa haver um necessário esforço de redução do poder punitivo e de superação da lógica reformista do criminoso mesmo na sociedade capitalista atual, com o estímulo à implementação de uma lógica inclusiva, que prime pela redução de danos e pela restauração de direitos do criminalizado.
É até mesmo por tal lógica que um dos princípios do próprio Direito Penal da atualidade consiste na utilização mínima do mecanismo punitivo. Nesse sentido dispõe Claus Roxin, evidenciando os efeitos nocivos causados pela punição e a importância da utilização do Direito Penal como último recurso da política social[91]:
A razão pela qual o Direito Penal apenas deve ser empregado quando fracassam todos os outros meios político-sociais de coibição de um comportamento social criminoso reside no fato de que a punição pode prejudicar a existência social do condenado e arrastá-lo para a margem da sociedade, tendo até mesmo um efeito socialmente nocivo. Por isso, deve-se preferir, no lugar da punição, todas as medidas que possam evitar uma perturbação social, mas que tragam para o condenado consequências menos incisivas. Costuma-se expressar essa ideia dizendo que o Direito Penal seria a ultima ratio (o último recurso) da política social.
Contudo, o que se verifica na prática é justamente o oposto, um inflamento do uso do Direito Penal para resolver todo e qualquer conflito social, muitas vezes como forma de se atender ao clamor popular por mais punição. Justamente por isso se fala em política penal e não em política criminal, pois, enquanto a primeira restringe-se ao âmbito da função punitiva do Estado, a segunda atua de forma mais ampla, configurando-se uma política de transformação a nível social e institucional.
Nesse sentido, independentemente de se visar um minimalismo do exercício do aparato punitivo ou sua extinção mesma - considerando a alteração das condições materiais de dominação existentes -, em uma perspectiva efetivamente abolicionista do sistema de justiça como hoje o conhecemos, inconteste é, no contexto desses debates, a necessidade de redução do poder punitivo nos moldes como hoje é concebido.
Isso porque “é preferível prevenir os delitos a ter de puni-los; e todo legislador sábio deve antes impedir o mal que repará-lo”.[92]
É dizer, ainda que a discussão seja plural, com óticas reformistas e perspectivas transformistas ou abolicionistas, um ponto comum a que se chega é que, de um modo ou de outro, deve haver um esforço constante para a contenção e alteração do poder punitivo como hoje concebido na sociedade atual, como forma de se resguardar os direitos dos indivíduos a que esse mesmo aparato falsamente se propõe a proteger.
Dessa forma, resulta a importância de se pensar em políticas criminais inclusivas, ou seja, que não privem os sujeitos de direitos, mas sim os reforcem, gerando efeitos verdadeiramente positivos na sociedade. Nesse sentindo, a ideia é mudar a lógica do sistema, trabalhando não sob a perspectiva de uma chave repressiva e de endurecimento da tratativa dos desviantes - que em nada resolve o problema da criminalidade, isso quando não aumenta seus índices - mas sim com a busca da raiz dos conflitos sociais e o fortalecimento da elaboração de políticas públicas que possam concretamente prevenir a ocorrência de delitos.
E aqui a história também nos indica um bom parâmetro se olharmos para uma relação distinta existente entre economia e punição.
Isso porque, é possível observar uma tendência de redução da criminalidade quando há um maior desenvolvimento econômico imbuído de uma melhoria das condições de vida das classes subalternas. Foi o que ocorreu, por exemplo, na Europa, na segunda metade do século XIX até o ano de 1914. Naquela época, inclusive, o encarceramento irracional de indivíduos passou a ser visto como indesejável, de forma que os reformadores pregavam uma substituição da prisão por medidas como o uso maior de fianças, liberdade vigiada e melhoria das condições sociais responsáveis pela criminalidade[93].
É necessário concluir, portanto, que “a observação da íntima relação entre crime e condições socioeconômicas ensina àqueles que lidam com o problema que é inútil lutar contra o crime introduzindo penas mais duras”[94].
Além disso, como bem já apontavam os iluministas, a maneira mais segura, embora mais difícil, de tornar os homens menos propensos à prática do mal, é aperfeiçoar a educação.[95]
E aqui importa também o tipo de educação fornecida à população. Isso porque a educação deve ser emancipadora e humanista, e não uma educação como a de outrora, dirigida única e exclusivamente à incorporação das classes subalternas ao sistema capitalista de produção.
Até mesmo porque, a população marginalizada “que sobrevive nos limites possíveis da violenta ilegalidade burguesa, é uma força social poderosa desde que provida a consciência e organização política adequadas”.[96]
Isso é importante porque, como dizia Baratta, grande parte da população carcerária é oriunda de zonas de marginalização social com defeitos que incidiam já sobre a socialização primária na idade pré-escolar, o que permite identificar uma continuidade funcional do sistema escolar e do penal no processo de criação e conservação da estrutura vertical da sociedade, bem como da manutenção e efetiva geração da seleção e desigualdade social dentro das sociedades capitalistas avançadas.[97]
Nesse contexto, deve ser reconhecida a importância e a responsabilidade do papel da escola, a qual, segundo Carolina Lima Alves de Souza, deve ser encarada como o espaço por excelência da formação da cidadania, no qual se aprende sobre si, sobre os outros e sobre experiências que favoreçam relações saudáveis e o respeito com os demais[98]. Em suas palavras[99]:
A formação do indivíduo passa por searas singulares que vão desde o desenvolvimento das potencialidades humanas e respeito à individualidade e à singularidade de cada um, até a formação do cidadão como participante da vida política e social da comunidade.
A cidadania construída com base na educação em direitos humanos busca alicerçar-se no campo das relações humanas em valores, atitudes, comportamentos e regras pautados no respeito e na valorização das diversidades, entre elas as culturais, as religiosas, as políticas, as filosóficas, as étnico-raciais, as de gênero e de nacionalidade, entre outras.
Portanto, a mudança deve começar, antes de tudo, nos valores e na educação propiciada desde a fase inicial do indivíduo, com políticas que enfraqueçam, ainda que paulatinamente, o quadro de desigualdade social existente em todas as instituições responsáveis por manter esse sistema verticalizado. Antes de querer mudar o preso, é preciso mudar a sociedade em que se pretende reinseri-lo.
Nesse contexto, Baratta pondera que é necessário elaborar as linhas de uma política criminal alternativa, uma política das classes subalternas no setor do desvio, calcada em quatro indicações estratégias: i) interpretar de forma separada os comportamentos socialmente negativos das classes subalternas e das classes dominantes, vez que os primeiros são respostas preponderantemente individuais e politicamente inadequadas às contradições de classe e os segundos devem ser estudados à luz dos processos ilegais de acumulação e circulação do capital; ii) dirigir os mecanismos de reação institucional para o confronto da criminalidade econômica e crimes que atingem áreas sociais de maior relevo (saúde, segurança no trabalho, integridade ecológica etc), enquanto a despenalização e a privatização dos conflitos (quando possível) devem caracterizar os delitos das classes subalternas; iii) realizar uma análise realista sobre as funções efetivamente exercidas pelo cárcere, traçando estratégias para a abolição da instituição carcerária e o estabelecimento de uma gestão social do controle do desvio numa sociedade livre e igualitária e iv) trabalhar a função da opinião pública e dos processos ideológicos e psicológicos que nela se desenvolvem, os quais legitimam o sistema penal e reforçam o mito da igualdade do direito penal e a luta contra o “inimigo comum”.[100]
Ou seja, é de suma importância reconhecer, inicialmente, as funções latentes da pena e a desigualdade no tratamento dos desvios de acordo com cada classe social, dando-lhes também tratamentos opostos aos que hoje são entregues. Ao invés de utilizar toda a força do sistema penal contra os mais vulneráveis, o braço do Estado deve se voltar à criminalidade dos prósperos, por vezes muito mais nociva socialmente. Aos crimes primeiros, ao contrário, cabe a despenalização e resolução de conflitos no âmbito interno, já que na maioria das vezes constituem respostas individuais politicamente inadequadas que afetam pessoas específicas. Trabalhar a opinião pública também é essencial, vez que exerce importante força mantenedora da legitimidade do sistema penal, podendo, ao revés, se transformar em importante aliada na construção de uma consciência de classe, caso devidamente trabalhada.
Nesse cenário, entretanto, Cirino dos Santos alerta que, a partir de meados da década de 80, a política criminal alternativa da Criminologia Radical excluiu o objetivo de ampliação da penalização da criminalidade econômico-financeira, seja porque o sistema penal não funciona contra as classes hegemônicas, seja porque a proposta de ampliação punitiva legitima o uso da punição contra as classes subordinas. O autor encerra dizendo que, hoje, a redução da penalidade se aplica a toda criminalidade, mediante a descriminalização, despenalização e desinstitucionalização, exceto em relação a crimes violentos contra a vida, a integridade e a sexualidade, mantido o objetivo principal de abolição da prisão.[101]
Ou seja, o enfoque da Criminologia Crítica não é nas criminalidades que atente contra bens jurídicos como a vida, a integridade e a sexualidade - as quais, por certo, podem exigir estratégias distintas de enfrentamento -, mas trabalhar a criminalidade intrinsicamente relacionada ao capitalismo, como aquela marcada pelo furto e roubo, as quais, representam a maior parte dos delitos que levam ao encarceramento em nosso país.
Nesse sentido, para a teoria criminológica de base marxista, o foco não é simplesmente a diminuição da criminalidade, mas “transformar a atitude dos setores sociais subalternos selecionados pela repressão penal, de formas inconscientes de ação individual em conscientes ações políticas coletivas”.[102]
6. Conclusão
Não há estudos precisos que demonstrem a correlação constante entre a taxa de criminalidade e a maior ou menor implementação de políticas de caráter penal. Da mesma forma, não há estudos concretos que indiquem melhoria ou mesmo redução contínua da taxa de reincidência após a saída do preso da prisão. Pelo contrário, todas as evidências apontam para o fracasso da pena de prisão em todas as suas funções ditas oficiais, propagadas pelas justificativas penais. Nesse sentido já dizia Marx em artigo publicado no New York Daily Tribune (tradução livre), em 1853[103]:
A punição em geral tem sido defendida como um meio de melhorar ou intimidar. Agora, que direito você tem de me punir pela melhoria ou intimidação de outros? E, além disso, há história — existe algo como estatística — que prova com a mais completa evidência que desde Caim o mundo não foi intimidado nem melhorado pela punição.
Mesmo assim, a pena de prisão persistiu por centenas de anos, inicialmente atrelada à forte ideia de disciplina e, posteriormente, em razão de suas funções ocultas, latentes, dentro do modo de produção capitalista.
Nesse ponto, a análise da criminalidade depende da compreensão acerca da evidente relação existente entre o modo de punir e o desenvolvimento econômico de cada sociedade em determinada época.
No que diz respeito à sociedade capitalista, a desigualdade social é fator marcante tanto no ambiente social tradicional, quanto no ambiente da criminalização, servindo a pena de prisão como principal mecanismo de repressão das classes subalternas, para manutenção do poderio econômico das classes dominantes.
Nesse contexto, a prisão não apenas exerce uma função negativa de neutralização da classe trabalhadora, mas uma função positiva no sentido de participar ativamente na regulação e manutenção da desigualdade social em favor das classes hegemônicas.
Portanto, a criminalidade deve ser encarada como complexo problema dentro do contexto das lutas de classes e dos processos de dominação na lógica do capital, em nível inicialmente econômico, mas também em relação ao poder político do sistema de justiça criminal do Estado capitalista. Com isso, entende-se a razão pela qual as estatísticas oficiais das infrações penais são distorcidas, não representando a completa realidade criminal da sociedade.
Isso permite compreender como os crimes das massas, efetivamente selecionados pelo sistema de justiça configuram, em verdade, uma violência individual desorganizada, produto da violência institucional do próprio capitalismo. De outro lado, a criminalidade econômico-financeira é esquecida pelo sistema ou, quando minimamente lembrada, sua criminalização não gera os mesmos efeitos estigmatizantes a que os homens negros, pobres e de baixa escolaridade estão sujeitos, por representarem a maioria da população carcerária.
Para mudar esse cenário, ainda que muitos defendam a necessidade primeira da extinção primeira da sociedade burguesa e da luta de classes, é necessário, desde já, focar no estímulo a políticas criminais alternativas, de caráter positivo e, em paralelo, no reforço de políticas educacionais emancipadoras e humanistas, que atuem em contraposição à preservação da marginalização social dos mais pobres.
Também é necessário dar luz à criminalidade de natureza econômica, de colarinho branco e pensar formas de enfrentamento que considerem sua maior danosidade social. No mais, deve-se compreender o papel da polícia nesse contexto, observando que não é possível pensar na modificação do Estado Penal sem uma reforma radical dessa instituição, que juntamente à prisão, constitui o principal braço repressivo do capitalismo.
Por fim, nada será modificado sem a mudança da opinião pública, porque essa é responsável socialmente pela manutenção do cárcere e do sistema como um todo, o que exige a promoção da discussão criminal nas massas e, especialmente, na classe operária para o desenvolvimento de uma consciência política alternativa. Com isso, talvez, seja possível trilhar um caminho mais concreto em direção a uma sociedade que não dependa da pena para lidar com os criminosos e, em última instância, não dependa do direito penal burguês para o enfrentamento dos conflitos sociais existentes.
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VIANA, Eduardo. Criminologia. 9 ed. Ver., atual. e ampl. Salvador: Juspodivm, 2021.
[1] Graduada em Direito pela PUC/SP. Pós-graduada em Direito Penal e Criminologia pelo Curso CEI.
[2] FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2023. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2023/07/anuario-2023.pdf. Acesso em 19/03/2025, p. 244.
[3] SENAPPEN. Custo do preso. Secretaria Nacional de Políticas Penais, 2024. Disponível em: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiMWE0MGI5MmUtZjEyNC00ZmQzLTk2MmYtOWFjNzEwOTY0NjkwIiwidCI6ImViMDkwNDIwLTQ0NGMtNDNmNy05MWYyLTRiOGR
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[4] JORNAL DA USP. Brasil gasta quase quatro vezes mais com sistema prisional em comparação com educação básica. Disponível em: https://jornal.usp.br/ciencias/brasil-gasta-quase-quatro-vezes-mais-com-sistema-prisional-em-comparacao-com-educacao-basica/. Acesso em: 22/03/2025.
[5] GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário técnico jurídico. 20 ed. São Paulo: Rideel, 2017, p. 598.
[6] RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Punição e estrutura social. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2004, p. 23 e ss.; p. 32 e ss.
[7] FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 42 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.
[8] CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Criminologia: contribuição para a crítica da economia da punição. 1 ed. Tirante lo Blanch: 2021, p. 294.
[9] Artigo: A EXECUÇÃO PENAL NO BRASIL DURANTE A VIGÊNCIA DAS ORDENAÇÕES FILIPINAS. Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://dspace.mj.gov.br/bitstream/1/4433/1/A%20Execu%C3%A7%C3%A3o%20Penal%
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[10] ALEMANY, Fernando Russano. Punição e estrutura social brasileira. Dissertação de mestrado. Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, 2019, fl. 111.
[11] CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Criminologia: contribuição para a crítica da economia da punição. 1 ed. Tirante lo Blanch: 2021, p. 296.
[12] FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 42 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014, p. 13-14.
[13] RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Punição e estrutura social. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2004, p. 15.
[14] BECCARIA, Cesare Bonesana. Dos delitos e das penas. Tradução Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2014, p. 15 e 19.
[15] BECCARIA, Cesare Bonesana. Dos delitos e das penas. Tradução Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2014, p. 47.
[16] FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 42 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014, p. 77-79 e 123.
[17] RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Punição e estrutura social. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2004, p. 43.
[18] RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Punição e estrutura social. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2004, p. 110.
[19] FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 42 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014, p. 114-116 e 223.
[20] RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Punição e estrutura social. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2004, p. 95.
[21] FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 42 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014, p. 119-123, 136 e 147.
[22] RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Punição e estrutura social. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2004, p. 51, 57 e 98.
[23] BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal. Rio de Janeiro: Editora Revan. 6ª ed., 2021, p. 167.
[24] FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 42 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014, p. 136.
[25] FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 42 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014, p. 21.
[26] RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Punição e estrutura social. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2004, p. 96-97, 109.
[27] FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 42 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014, p. 225, 237.
[28] BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal. Rio de Janeiro: Editora Revan. 6ª ed., 2021, p. 168.
[29] FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 42 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014, p. 264-265.
[30] RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Punição e estrutura social. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2004, p. 67 e ss.; p. 99.
[31] BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal. Rio de Janeiro: Editora Revan. 6ª ed., 2021, p. 169.
[32] RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Punição e estrutura social. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2004, p. 103.
[33] RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Punição e estrutura social. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2004, p. 106 e 180-185.
[34] RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Punição e estrutura social. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2004, p. 199.
[35] BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal. Rio de Janeiro: Editora Revan. 6ª ed., 2021, p. 168.
[36] FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2023. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2023/07/anuario-2023.pdf. Acesso em 19/03/2025, p. 281.
[37] SISDEPEN. Pessoas privadas de liberdade no Sistema Prisional. 2024. Disponível em: https://experience.arcgis.com/experience/54febd2948d54d68a1a462581f89d920/page/PPL---Quem-s%C3%A3o-as-pessoas-privadas-de-liberdade-no-Brasil%3F. Acesso em: 19/03/2025.
[38] RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Punição e estrutura social. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2004, p. 265-267.
[39] BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal. Rio de Janeiro: Editora Revan. 6 ed., 2021, p. 183.
[40] VIANA, Eduardo. Criminologia. 9 ed. Ver., atual. e ampl. Salvador: Juspodivm, 2021, p. 388 e ss.
[41] VIANA, Eduardo. Criminologia. 9 ed. Ver., atual. e ampl. Salvador: Juspodivm, 2021, p. 399 e ss.
[42] RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Punição e estrutura social. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2004, p. 19.
[43] FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 42 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014, p. 260-263.
[44] RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Punição e estrutura social. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2004, p. 209.
[45]FABRETTI, Humberto Barrionuevo e SMANIO, Gianpaolo Poggio. Direito penal: parte geral. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2019, pág. 132.
[46]PRADO, Luiz Regis. Tratado de Direito Penal brasileiro: Parte Geral, volume 1. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, pág. 147.
[47] BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal. Rio de Janeiro: Editora Revan. 6ª ed., 2021, p. 167.
[48] SENAPPEN. Relatório de informações penais. 16º Ciclo SISDEPEN, 1º semestre de 2024, Brasília, 2024. Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.gov.br/senappen/pt-br/servicos/sisdepen/relatorios/relipen/relipen-1o-semestre-de-2024.pdf. Acesso em: 19/03/2025, p. 17.
[49] RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Punição e estrutura social. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2004, p. 153 e 219.
[50] VIANA, Eduardo. Criminologia. 9 ed. Ver., atual. e ampl. Salvador:Juspodivm, 2021, p. 400 e ss..
[51] De acordo com as Regras de Mandela, um mesmo local de prisão não pode ser ocupado, em regra, por mais de uma pessoa; a individualização do tratamento não pode ser prejudicada por um número demasiado de reclusos nos estabelecimentos fechados; os locais de reclusão devem ser salubres, com boas condições de higiene e de saúde, com vestuários, roupa e alimentação adequados etc.
[52] INSTITUTO IGARAPÉ. Reincidência e reentrada na prisão no brasil. 2022. Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://igarape.org.br/wp-content/uploads/2022/07/AE56_Reincidencia-e-reentrada-na-prisao-no-Brasil.pdf. Acesso em: 19/03/2025, p. 23.
[53] BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal. Rio de Janeiro: Editora Revan. 6ª ed., 2021, p. 90.
[54] FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 42 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014, p. 112-113 e 118.
[55] RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Punição e estrutura social. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2004, p. 109 e 241.
[56] BECCARIA, Cesare Bonesana. Dos delitos e das penas. Tradução Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2014, p. 25.
[57] RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Punição e estrutura social. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2004, p. 110-111 e 117.
[58] PASUKANIS, Evgeny. Teoria geral do direito e o marxismo. Perspectiva Jurídica, Lisboa, 1972, p. 183 e ss. apud CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Criminologia: contribuição para a crítica da economia da punição. 1 ed. Tirante lo Blanch: 2021, p 242.
[59] FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 42 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014, p. 266.
[60] RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Punição e estrutura social. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2004, p. 14.
[61] RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Punição e estrutura social. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2004, p. 21, 83, 88 e 156/158.
[62] ALEMANY, Fernando Russano. Punição e estrutura social brasileira. Dissertação de mestrado. Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, 2019, p. 90.
[63] FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 42 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014, p. 213.
[64] ALEMANY, Fernando Russano. Punição e estrutura social brasileira. Dissertação de mestrado. Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, 2019.
[65] MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. 2. Ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985, p. 262 e ss.
[66]MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. 2. Ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985, p. 275.
[67] RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Punição e estrutura social. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2004, p. 28.
[68] CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Criminologia: contribuição para a crítica da economia da punição. Tirante lo Blanch: 2021, p. 239.
[69] CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Criminologia: contribuição para a crítica da economia da punição. Tirante lo Blanch: 2021, p. 233, 241 e 246.
[70] CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Criminologia: contribuição para a crítica da economia da punição. 1 ed. Tirante lo Blanch: 2021, p. 291 e ss.
[71] ALEMANY, Fernando Russano. Punição e estrutura social brasileira. Dissertação de mestrado. Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, 2019.
[72] RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Punição e estrutura social. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2004, p. 113.
[73] FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 42 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014, p. 110 e 149.
[74] RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Punição e estrutura social. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2004, p. 99.
[75] BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal. Rio de Janeiro: Editora Revan. 6ª ed., 2021, p. 176 e 180.
[76] BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal. Rio de Janeiro: Editora Revan. 6ª ed., 2021, p. 101 e ss..
[77] FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 42 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014, p. 271 e 283.
RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Punição e estrutura social. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2004, p. 119.
[78] ALEMANY, Fernando Russano. Punição e estrutura social brasileira. Dissertação de mestrado. Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, 2019, p. 90 e 112.
[79] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Supremo define que abordagem policial motivada por cor da pele é ilegal. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=532098&tip=UN#:~:text=Supremo%20define%20que%20abordagem%20policial%20motivada%20por%20cor%20da%20pele
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[80] FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2023. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2023/07/anuario-2023.pdf. Acesso em 19/03/2025, p. 284 e 314.
[81] SISDEPEN. Pessoas privadas de liberdade no Sistema Prisional. 2024. Disponível em: https://experience.arcgis.com/experience/54febd2948d54d68a1a462581f89d920/page/PPL---Quem-s%C3%A3o-as-pessoas-privadas-de-liberdade-no-Brasil%3F. Acesso em: 19/03/2025.
[82] BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal. Rio de Janeiro: Editora Revan. 6 ed., 2021, p. 181.
[83] BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal. Rio de Janeiro: Editora Revan. 6 ed., 2021, p. 86
[84] CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Criminologia: contribuição para a crítica da economia da punição. 1 ed. Tirante lo Blanch: 2021, p. 178.
[85] BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal. Rio de Janeiro: Editora Revan. 6ª ed., 2021, p. 99.
[86] CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Criminologia: contribuição para a crítica da economia da punição. 1 ed. Tirante lo Blanch: 2021, p. 184 e ss.
[87] CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Criminologia: contribuição para a crítica da economia da punição. 1 ed. Tirante lo Blanch: 2021, p. 299.
[88] BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal. Rio de Janeiro: Editora Revan. 6ª ed., 2021, p. 159 e ss.
[89] BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal. Rio de Janeiro: Editora Revan. 6ª ed., 2021, p. 164.
[90] CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Criminologia: contribuição para a crítica da economia da punição. 1 ed. Tirante lo Blanch: 2021, p. 238; 247 e ss.
[91]ROXIN, Claus. Introdução ao Direito Penal e ao Direito Processual Penal. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2007, pág. 08.
[92] BECCARIA, Cesare Bonesana. Dos delitos e das penas. Tradução Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2014, p. 94.
[93] RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Punição e estrutura social. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2004, p. 193-195 e 201-202.
[94] RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Punição e estrutura social. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2004, p. 225.
[95] BECCARIA, Cesare Bonesana. Dos delitos e das penas. Tradução Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2014, p. 98.
[96] CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Criminologia: contribuição para a crítica da economia da punição. 1 ed. Tirante lo Blanch: 2021, p. 252.
[97] BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal. Rio de Janeiro: Editora Revan. 6ª ed., 2021, p. 169 e ss.
[98] LIMA, Carolina Alves de Souza. Cidadania, Direitos Humanos e Educação: avanços, retrocessos e perspectivas para o século 21. São Paulo: Almedina, 2019, p.140.
[99]LIMA, Carolina Alves de Souza. Cidadania, Direitos Humanos e Educação: avanços, retrocessos e perspectivas para o século 21. São Paulo: Almedina, 2019, p. 355.
[100] BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal. Rio de Janeiro: Editora Revan. 6ª ed., 2021, p. 197 ess.
[101] CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Criminologia: contribuição para a crítica da economia da punição. 1 ed. Tirante lo Blanch: 2021, p. 320.
[102] CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Criminologia: contribuição para a crítica da economia da punição. 1 ed. Tirante lo Blanch: 2021, p. 303.
[103] MARX, Karl. Capital punishment. New York Daily Tribune, 18 de fevereiro. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/marx/works/1853/02/18.htm. Acesso em: 13/03/2025.