620 – A mora do devedor na ação civil pública referente a diferenças devidas aos aplicadores em cadernetas de poupança


ROQUE ANTONIO MESQUITA DE OLIVEIRA - Desembargador



A ação civil pública é um instrumento que visa estabelecer os meios necessários para a tutela coletiva, ou seja, a proteção de direitos pertencentes a um grupo, determinável ou não, socialmente relevante. São protegidos os direitos difusos, os coletivos e os individuais homogêneos.

 

A título de exemplo, temos que os poupadores em cadernetas de poupança que aguardam a reposição dos valores correspondentes aos índices utilizados pelos planos econômicos se enquadram entre aqueles que são titulares de direitos individuais homogêneos. Estes são divisíveis, passíveis de ser atribuídos individual e proporcionalmente a cada um dos indivíduos interessados (que são identificáveis), sendo essa sua grande diferença com os interesses difusos ou coletivos (estes sim indivisíveis).

 

A regra geral referente a citação está no art. 219 caput do CPC a qual estabelece que “a citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição”.

 

Todavia, em se tratando de ação civil pública (Lei nº 7.347/85) relativa aos planos econômicos que afetaram os pagamentos aos aplicadores em cadernetas de poupança, a questão que se propõe é saber se a mora do devedor tem o seu termo inicial a partir do momento em que ocorre a citação do réu na mencionada ação ou a partir do momento em que ocorre a citação na fase da liquidação da sentença.

 

O art. 1º da LACP estabelece as ações que podem ser ajuizadas nas hipóteses que discrimina, sendo de rigor anotar que a ação civil pública não inibe o titular do direito de propor ação individual para a tutela dos seus interesses pessoais (RSTJ 182/233), desde que sejam interesses individuais homogêneos e com interesse social relevante.

 

No tema referente à execução do trânsito em julgado da sentença condenatória, o art. 15 da LACP outorga legitimidade para que “os demais legitimados” promovam a execução, em harmonia com o disposto no art. 114 do CDC.

 

Nesse caso é de observar-se o art. 19 da LACP que manda aplicar o CPC “naquilo que não contrarie suas disposições”.

 

Já foi anotado que “a ação individual destinada à satisfação do direito reconhecido em sentença condenatória genérica, proferida em ação civil coletiva, não é uma ação de execução comum. É ação de elevada carga cognitiva, pois nela se promove, além da individualização e liquidação do valor devido, também juízo sobre a titularidade do exequente em relação ao direito material” (STJ – RDPr 26/331: 1ª Seção, ED no REsp 475.566).

 

Portanto, é a partir da citação na fase de liquidação é que passa a ficar caracterizada a mora do devedor, devendo ser lembrado que o art. 614 do CPC estabelece que o credor, ao requerer a execução, deve pedir a citação do devedor e o art. 617 manda observar o art. 219. Não seria justo considerar o réu em ação civil pública em mora diante de alguém que, antes da liquidação, ainda não foi identificado. Nesse sentido o art. 394 do Código Civil: “Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer”. O pagamento só poderá ser exigido depois que o credor individual se identificar, data vênia.

 

É certo que o art. 475-A §1º do CPC estabelece que “Do requerimento de liquidação de sentença será a parte intimada, na pessoa de seu advogado”, o que implica em concluir que a partir dessa intimação estará caracterizada a mora do devedor.

 

É por essa razão que a melhor solução é aquela dada pelo STJ quando afirma que “a mora verifica-se com a citação do devedor, realizada na fase de liquidação de sentença, e não a partir de sua citação na ação civil pública” (AgRg no Recurso Especial nº 1.348.512 - DF (2012/0216902-0); Órgão Julgador Quarta Turma; Relator Ministro Luis Felipe Salomão; julgado em 18/12/2012).

 

A ementa desse julgamento é a seguinte:

 

“Ação Civil Pública. Agravo Regimental No Recurso Especial. Poupança. Expurgos. Indenização Por Lesão A Direitos Individuais Homogêneos. Execução Individual. Juros Moratórios. Mora Ex Persona. Termo Inicial. Citação Na Fase De Liquidação De Sentença. Agravo Regimental Não Provido. 1) As ações civis públicas, em sintonia com o disposto no artigo 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, ao propiciar a facilitação a tutela dos direitos individuais homogêneos dos consumidores viabilizam otimização da prestação jurisdicional, abrangendo toda uma coletividade atingida em seus direitos, dada a eficácia vinculante das suas sentenças. 2) A sentença de procedência na ação coletiva tendo por causa de pedir danos referentes a direitos individuais homogêneos, nos moldes do disposto no artigo 95 do Código de Defesa do Consumidor, será, em regra, genérica, de modo que depende de superveniente liquidação, não apenas para apuração do quantum debeatur, mas também para aferir a titularidade do crédito, por isso denominada pela doutrina "liquidação imprópria". 3) Com efeito, não merece acolhida a irresignação, pois, nos termos do artigo 219 do Código de Processo Civil e 397 do Código Civil, na hipótese, a mora verifica-se com a citação do devedor, realizada na fase de liquidação de sentença, e não a partir de sua citação na ação civil pública. 4) Agravo regimental a que se nega provimento”.

 

Portanto, salvo melhor juízo, não pode ser aceita a tese segundo a qual a mora do devedor tem o seu termo inicial a partir do momento em que ocorre a citação do réu na mencionada ação, considerando que os legitimados ainda são incertos quando se trata de danos morais e patrimoniais causados nos termos do art. 1º da LACP.

 

 

Roque Antonio Mesquita de Oliveira é desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e professor de Direito Civil.


O Tribunal de Justiça de São Paulo utiliza cookies, armazenados apenas em caráter temporário, a fim de obter estatísticas para aprimorar a experiência do usuário. A navegação no portal implica concordância com esse procedimento, em linha com a Política de Privacidade e Proteção de Dados Pessoais do TJSP