EPM realiza palestra sobre socioafetividade e suas repercussões no Direito brasileiro
Fernanda Barretto foi a expositora.
O reconhecimento do vínculo familiar baseado no afeto e a repercussão na Justiça brasileira foram analisados na palestra A socioafetividade e o Direito brasileiro: aspectos práticos e temas polêmicos, realizada hoje (18) na EPM. A professora Fernanda Carvalho Leão Barretto foi a expositora do evento que teve 660 matriculados nas modalidades presencial e on-line, abrangendo 154 comarcas e 15 estados.
Na abertura, o diretor da EPM, desembargador Gilson Delgado Miranda agradeceu a presença de todos, em especial da palestrante, e destacou que o tema ganha cada vez mais importância na área do Direito da Família e Sucessões e que a ideia do evento é aprimorar a atuação jurisdicional.
Também compuseram a mesa de abertura a desembargadora Daniela Maria Cilento Morsello e o juiz Augusto Drummond Lepage, coordenadores do curso e da área de Família e Sucessões da EPM.
Fernanda Barretto iniciou a exposição discorrendo sobre o conceito de socioafetividade, que é o vínculo familiar que não é calcado na genética, mas sim numa conexão afetiva. Em relação ao reconhecimento da socioafetividade pelo Direito brasileiro, esclareceu que ele vem do reconhecimento do afeto como um elemento que transcende a ordem do subjetivo e passa a ser considerado um valor que tem relevância jurídica.
Ela fez um breve histórico sobre a evolução do tema, lembrando que ele ganhou destaque no Brasil a partir de um artigo escrito pelo jurista João Batista Villela em 1979, no qual ele afirma que a paternidade e a maternidade não são vinculadas apenas à biologia. Recordou que, a partir dessa ideia, a psicanálise passou a contribuir para as discussões, até chegar ao âmbito jurídico.
A professora ressaltou que o Direito consegue aferir a socioafetividade a partir das demonstrações externas percebidas socialmente ou coletivamente, como a maneira pela qual um pai socioafetivo chama seu filho ou se aquelas pessoas são reconhecidas na comunidade como pai e filho. E ponderou que essas demonstrações podem ser um meio usual de prova para configurar uma relação socioafetiva.
A seguir, apresentou fundamentos jurídicos que permitem discutir a socioafetividade no Direito brasileiro, entre eles os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da pluralidade das entidades familiares. A respeito do último, presente no artigo 226, ponderou que ele abre margem para se debater o vínculo afetivo não necessariamente baseado em relações de paternidade tradicionais. Outro fundamento citado foi o artigo 1.593 do Código Civil, que estabelece que o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem. A professora explicou que o termo “outra origem” possibilitou construção doutrinária mais robusta acerca da socioafetividade, sem a limitação do vínculo ao registro civil ou à biologia.
Fernanda Barretto acrescentou que o tema vem percorrendo um caminho bastante sólido nos tribunais brasileiros, alicerçado na doutrina, e destacou dois julgamentos do Supremo Tribunal Federal. Um deles, de 2011, reconheceu a relação de famílias homoafetivas. Ela afirmou que esse é um exemplo de reconhecimento do direito de formar família com base no afeto. O outro julgado citado, de 2016, reconheceu o direito à multiparentalidade, que é a existência de mais um pai ou de mais uma mãe para uma mesma pessoa, que pode ter um pai de acordo com o registro civil e outro de afeto, por exemplo.
A expositora apresentou ainda casos em que atuou como advogada, entre eles o de pessoas que adquirem a maioridade e pedem a exclusão da paternidade que consta no registro, com o objetivo de incluir o nome do pai afetivo, e temas polêmicos, como motivações financeiras para excluir ou incluir pais ou mães afetivas.
Para finalizar, Fernanda Barretto trouxe julgados de tribunais estaduais e dos tribunais superiores com temas sensíveis, como a situação em que não há mais relação de afetividade entre as partes e a busca do reconhecimento socioafetivo post mortem. “Os maiores conflitos decorrem justamente desse choque entre a realidade biológica e a realidade da socioafetividade. São temas complexos, cada vez mais discutidos no Brasil, que é um dos países de vanguarda no assunto”, concluiu.
RL (texto e fotos)