EPM promove o curso ‘Reflexões sobre os temas 1.234 e 6 e súmulas vinculantes 60 e 61 do STF’
Participaram profissionais de diferentes áreas.
A EPM realizou na segunda e na terça-feira (10) o curso Reflexões sobre os temas 1.234 e 6 e súmulas vinculantes 60 e 61 do STF. Atuaram como expositores o juiz federal Clenio Jair Schulze, secretário do Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde (Fonajus); o juiz Richard Pae Kim, o procurador do Estado Eduardo Bordini Novato, o defensor público Davi Quintanilha Failde de Azevedo e a advogada Marina Andueza Paullelli, assistente de relacionamento do Instituto Brasileiro de Consumidores (Idec).
Na abertura, a desembargadora Flora Maria Nesi Tossi Silva, conselheira da EPM e coordenadora do curso, agradeceu a participação de todos e ressaltou a importância dos temas do curso, lembrando que as alterações na sistemática da judicialização de medicamentos decorrentes das alterações de posicionamentos e decisões do Supremo Tribunal Federal têm suscitado muitas dúvidas nos aplicadores do Direito.
O presidente da Seção de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Ricardo Cintra Torres de Carvalho, recordou a evolução da defesa dos direitos fundamentais e do apoio do poder público às pessoas que necessitavam de medicamentos e tratamentos, ponderando que a clareza da posição adotada pelos juízes foi responsável pela evolução positiva da questão. Observou também que as demandas de saúde se tornaram mais caras, de maneira que a judicialização passou a onerar grande parte do orçamento das secretarias da saúde, para atender 4 a 5% da população. Mas ponderou que houve uma “reviravolta” na jurisprudência sobre o tema e destacou a rapidez na introdução das novas normas, ocasionando perplexidade quanto aos processos em andamento e sobre outras questões, como a competência. “Eles basicamente proibiram a incursão do Judiciário na atividade administrativa, com a prevalência das listas de medicamentos e das decisões de órgãos como o NATJus, criando requisitos de prova muito severos para os autores que pedem esses medicamentos”, salientou, apontando a necessidade de debates sobre as alterações.
O primeiro painel foi conduzido pelo desembargador Luis Francisco Aguilar Cortez, que lembrou que o tema de saúde ocupa as atividades jurisdicionais há bastante tempo, não só no Direito Público, mas também no Direito Privado, com grande volume de ações tanto relativa à saúde pública quanto aos planos de saúde, com reflexos em questões relacionadas a cirurgias, fornecimento de suplementos e outras ações. “Havia uma carência de políticas públicas na área, tanto que os sistemas privado e público têm dificuldades em bem atender a população. Agora, de certa forma, o STF passou a gerir de certa maneira a área da saúde pública e veremos com o tempo se isso será bom ou não, para fim de funcionamento de atendimento à população”, ponderou.
Participou também dos trabalhos a desembargadora Mônica de Almeida Magalhães Serrano, coordenadora do Comitê Estadual de Saúde de São Paulo e do curso.
Súmulas vinculantes e Tema 1.234 do STF
Iniciando as exposições, o juiz federal Clenio Schulze ressaltou que as súmulas vinculantes 60 e 61 do STF são as primeiras do tema da saúde no Brasil e lembrou que seu cumprimento pelos magistrados deve ser literal e que, por força do artigo 103-A da Constituição Federal, elas não vinculam apenas o Judiciário, mas também a administração pública, portanto os gestores de saúde têm muitas obrigações decorrentes dessa decisão.
Em seguida, explicou os tópicos do Tema 1.234 de repercussão geral do STF: competência para demandas relacionadas a medicamentos não incorporados no SUS; definição de medicamentos não incorporados; custeio; análise judicial do ato administrativo de indeferimento de medicamento pelo SUS; previsão de criação de plataforma nacional com as informações sobre demandas de medicamentos e detalhamento dos medicamentos incorporados.
Clenio Schulze enfatizou a criação de critérios objetivos para a definição da competência, com base no custo anual do medicamento: se for igual ou superior a 210 salários-mínimos, o processo tramitará na Justiça Federal. Destacou ainda que a mudança da jurisprudência do STF se aplica também aos processos em tramitação, lembrando que houve modulação da decisão apenas para definir o marco temporal para deslocamento da competência das demandas relacionadas a medicamentos não incorporados no SUS, que se aplica aos processos ajuizados após a publicação do resultado do julgamento do Tema 1.234, realizada em 19 de setembro.
Em relação à análise judicial do ato administrativo de indeferimento de medicamento pelo SUS, apontou como alteração mais impactante o fato de não bastar mais só a prescrição ou o relatório do médico assistente, sendo exigida a demonstração de respaldo em evidências científicas de alto nível, havendo necessidade de consultar o NATJus ou utilizar pareceres ou notas técnicas disponíveis no sistema e-NatJus. Quanto à plataforma nacional, explicou que ela está em construção e deverá integrar as informações sobre judicialização da saúde, em um sistema de governança colaborativa entre o Poder Judiciário e os entes federados, ponderando que o STF passou a atuar como cogestor da saúde no país.
Tema 6 de repercussão geral
O juiz Richard Pae Kim ponderou que houve um avanço com as decisões dos tribunais superiores sobre a judicialização da saúde, com o intuito de garantir segurança jurídica para todo o país. Ele destacou o crescimento da judicialização do tema, lembrando que em 2008 havia uma distribuição anual de aproximadamente 42 mil novos processos na área da saúde no país, conforme dados do Conselho Nacional de Justiça, e atualmente esse número está próximo de 800 mil processos. E citou outros problemas relacionados, como a litigância predatória na área da saúde.
Em relação ao Tema 6 de repercussão geral do STF, enfatizou que ele se refere aos medicamentos não incorporados ao SUS, independentemente do custo. Ele ressaltou a conexão entre o Tema 6 e o Tema 1.234, que também trata de medicamentos não incorporados ao SUS e pondero que é preciso fazer uma leitura em conjunto dos dois temas, que têm os mesmos requisitos. Frisou também que os temas estão restritos às demandas de medicamentos.
Destacou a incumbência do ônus da prova ao autor da ação e explicou que, de acordo com o teor do Tema 6, só será possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento registrado na Anvisa, mas não incorporado às listas de dispensação do SUS, desde que preenchidos, cumulativamente, os requisitos: negativa do fornecimento do medicamento na via administrativa; ilegalidade do ato de não incorporação do medicamento pela Conite; impossibilidade de substituição por outro medicamento constante das listas do SUS e dos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas; comprovação à luz da medicina baseada em evidências da eficácia, acurácia e efetividade; e imprescindibilidade clínica do tratamento comprovada mediante laudo médico fundamentado.
Richard Pae Kim apontou a necessidade de o Judiciário estar preparado para produzir provas e solicitar perícias para atender casos como os de pessoas hipossuficientes, que não terão condições de comprovar os requisitos, sob pena de impedir o acesso à Justiça. Por fim, recomendou a leitura dos acórdãos dos processos que originaram os temas e as súmulas vinculantes em debate, para entendimento dos fundamentos e das razões de decidir, em especial a escassez de recursos, a garantia da eficiência das políticas públicas e da igualdade de acesso à saúde e a atenção à expertise técnica da medicina baseada em evidências.
Impactos para a administração pública e para os jurisdicionados
O segundo dia do curso foi dedicado aos impactos das decisões do STF para a administração pública e para os jurisdicionados, em painel presidido pela desembargadora Luciana Almeida Prado Bresciani.
O procurador do Estado Eduardo Bordini Novato fez uma reflexão sobre as razões pelas quais o STE adotou nova jurisprudência sobre o tema. Ele discorreu sobre alguns itens dos temas 1.234 e 6, como a competência para julgar demandas de remédios não incorporados na política pública do SUS e para casos de cumulação de pedidos. “A premissa é que não há o dever de fornecer tudo o que a ciência médica oferece. O gestor público definirá, de acordo com parâmetros constitucionais. Se o gestor se omitir ou errar, atuará o Poder Judiciário, que também precisa percorrer os caminhos da política pública para entender o motivo da negativa por parte poder público”, afirmou.
O defensor público Davi Quintanilha Failde de Azevedo ponderou que o novo entendimento do STF tem causado apreensão na Defensoria Pública, principalmente quanto os efeitos da nova decisão na população mais carente, dependente do SUS. Ele argumentou que a nova jurisprudência busca mitigar a litigância predatória, mas punirá usuários das defensorias, podendo acarretar agravamento nas desigualdades no acesso à Justiça. “Buscamos que a pessoa tenha acesso ao seu direito à saúde e não fique desassistida”, frisou.
A advogada Marina Andueza Paullelli explicou a atuação do Idec na temática da saúde e como a decisão do Supremo impacta na saúde suplementar, além de trazer alguns julgados. Ela lembrou que há diferenças entre as judicializações que ocorrem em face do SUS e aquelas ajuizadas em face das operadoras de saúde e que alguns assuntos presentes nos temas 1.234 e 6 já constam na Lei de Planos de Saúde (Lei nº 9.656/98). “Defendemos o equilíbrio de acesso a serviços e produtos de saúde de qualidade no tempo adequado para pessoa no âmbito do SUS, mas também a necessidade de proteger usuários de planos de saúde”, concluiu.
MA e RL (texto) / MB (fotos)